Este documento contém vários poemas escritos por Álvares de Azevedo. Os poemas tratam de temas como amor não correspondido, sonhos, solidão e dificuldades financeiras de um poeta.
5. MEU SONHO Onde vais pelas trevas
impuras,
EU Cavaleiro das armas
Cavaleiro das armas escuras,
escuras, Macilento qual morto na
tumba?...
Onde vais pelas trevas Tu escutas... Na longa
impuras montanha
Com a espada sanguenta Um tropel teu galope
na mão? acompanha?
Por que brilham teus olhos E um clamor de vingança
ardentes retumba?
E gemidos nos lábios
frementes Cavaleiro, quem és? que
Vertem fogo do teu mistério...
coração? Quem te força da morte
no império
Cavaleiro, quem és? — O Pela noite assombrada a
remorso? vagar?
Do corcel te debruças no
dorso... O FANTASMA
E galopas do vale Sou o sonho de tua
através... esperança,
Oh! da estrada acordando Tua febre que nunca
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7. POR QUE MENTIAS? Sabe Deus se te amei!
sabem as noites
Por que mentias, leviana Essa dor que alentei, que
e bela, tu nutrias!
Se minha face pálida Sabe este pobre coração
sentias que treme
Queimada pela febre?... e Que a esperança perdeu
minha vida porque mentias!
Tu vias desmaiar... por
que mentias? Vê minha palidez: a febre
lenta...
Acordei da ilusão! a sós Este fogo das pálpebras
morrendo sombrias...
Sinto na mocidade as Pousa a mão no meu
agonias. peito... Eu morro! eu
Por tua causa desespero morro!
e morro... Leviana sem dó, por que
Leviana sem dó, por que mentias?
mentias?
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9. É ELA! É ELA! Oh! De certo ... (pensei) é doce
página
É ela! é ela! — murmurei tremendo, Onde a alma derramou gentis
E o eco ao longe murmurou — é amores!...
ela!... São versos dela... que amanhã
Eu a vi... minha fada aérea e pura, decerto
A minha lavadeira na janela! Ela me enviará cheios de flores...
Dessas águas-furtadas onde eu Trem de febre! Venturosa folha!
moro Quem pousasse contigo neste seio!
Eu a vejo estendendo no telhado Como Otelo beijando a sua esposa,
Os vestidos de chita, as saias Eu beijei-a a tremer de devaneio...
brancas...
Eu a vejo e suspiro enamorado! É ela! é ela! — repeti tremendo,
Mas cantou nesse instante uma
Esta noite eu ousei mais atrevido coruja...
Nas telhas que estalavam nos meus Abri cioso a página secreta...
passos Oh! meu Deus! era um rol de roupa
Ir espiar seu venturoso sono, suja!
Vê-la mais bela de Morfeu nos
braços! Mas se Werther morreu por ver
Carlota
Como dormia! que profundo sono!... Dando pão com manteiga às
Tinha na mão o ferro do engomado... criancinhas,
Como roncava maviosa e pura! Se achou-a assim mais bela... eu mais
Quase caí na rua desmaiado! te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido...
10.
11. Adeus, meus sonhos, eu pranteio e
morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto...
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em
luto.
Que me resta, meu Deus?!... morra
comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
12.
13. MINHA DESGRAÇA
Minha desgraça não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco...
E, meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco...
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro...
Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido
cujo sol (quem mo dera) é o dinheiro...
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que meu peito assim blasfema,
É ter por escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.