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                          UNIRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO
              CENTRO DE LETRAS E ARTES - CLA
 ESCOLA DE TEATRO – DEPARTAMENTO DE ENSINO DO TEATRO




                LABORATÓRIO MADALENA:
         DERIVAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA CÊNICA




                           POR




             FERNANDA PAIXÃO MOREIRA




                      Rio de Janeiro
                    Novembro de 2012
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      Fernanda Paixão Moreira




      LABORATÓRIO MADALENA:
DERIVAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA CÊNICA




           Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Banca
           Examinadora como requisito parcial para obtenção
           do Grau de Graduado em Teatro, na modalidade
           Licenciatura, da Escola de Teatro da Universidade
           Federal do Estado do Rio de Janeiro, sob a
           orientação da Professora Elza de Andrade.




            Rio de Janeiro
          Novembro de 2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO
              CENTRO DE LETRAS E ARTES - CLA
 ESCOLA DE TEATRO – DEPARTAMENTO DE ENSINO DE TEATRO




                 LABORATÓRIO MADALENA:
         DERIVAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA CÊNICA



                              por


                  Fernanda Paixão Moreira




                 BANCA EXAMINADORA




               Profa. Dra. Elza de Andrade (Orientadora)




               Profa. Dra. Liliane Ferreira Mundim




              Prof. Dr. José Luiz Ligièro Coelho




         Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2012
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                          AGRADECIMENTOS




  Agradeço aos amigos que conheci ao longo da minha formação pelos
  questionamentos e cumplicidades, à Alessandra Vannucci, Centro de
  Teatro do Oprimido, Cláudia Simone, Marcos Brizio, Projeto Conexão
ArteViva, Regina Paixão e aos mestres que me formaram ao longo da vida.
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                                        RESUMO


Palavras-chave: teatro, opressão, feminino, espaço, derivação


Laboratório Madalena é um laboratório estético desenvolvido com mulheres catadoras
de lixo reciclável da cidade de Brasília, que teve como ponto de partida a pesquisa
sobre o corpo feminino e o gesto de catar. Este projeto monográfico pretende refletir
sobre as derivações dessa experiência cênica feita com mulheres não atrizes, tais como
o trabalho dramatúrgico elaborado a partir da própria biografia, a estética descoberta
daquele grupo e as reflexões que o processo criativo detonou no corpo das mulheres.
É de bastante importância, a percepção de como o teatro trouxe para elas uma
problematização e uma desestabilização das relações de opressão do cotidiano
daquela realidade social. As questões levantadas ao longo da escrita deste trabalho de
conclusão de curso partem sempre dos acontecimentos da prática artística ocorrida
em Brasília.


                                     RESUMÉN



Palabras llaves: teatro, opresión, femenino, espacio, derivación


Laboratório Madalena es un laboratorio estético desarrollado con mujeres
recolectores de residuos reciclables en la ciudad de Brasilia, que tuvo como punto de
partida la investigación sobre el cuerpo femenino y el gesto de picking. Este proyecto
monográfico pretende discutir las derivaciones de esta experiencia escénica hecha con
mujeres no actrices: el trabajo dramatúrgico extraído de la propia biografía, el
descubrimiento de una estética del grupo y las reflexiones que el proceso creativo
provoco en el cuerpo de las mujeres. Es muy importante, la percepción de la forma en
que el teatro les trajo un cuestionamiento y una desestabilización de las relaciones de
opresión que existian en el cotidiano de trabajo e vivienda de las mujeres. Las
cuestiones planteadas durante la redacción de este trabajo de conclusión de grado son
apuntadas siempre a partir de la experiencia vivida en Brasília.
6




SUMÁRIO




INTRODUÇÃO.................................................................................................... 01


CAPÍTULO I – Pedagogia Teatral, Processo Criativo e
Construção da Dramaturgia ...............................................................................08


CAPÍTULO II - mArias & maDaLenAS .................................................................... 20


CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 29


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................31


ANEXOS...................................................................................................................32
7




       1. INTRODUÇÃO


       Essa pesquisa monográfica, apresentada como trabalho de conclusão do Curso
de Licenciatura em Teatro, pretende estudar possíveis caminhos da Pedagogia teatral
que tem sua origem na Pedagogia do Ator. Entende-se como Pedagogia do Ator as
possíveis metodologias utilizadas no processo criativo do artista para a construção de
uma linguagem cênica. Como esse processo criativo se dilatou e se tornou importante
também na formação do cidadão dentro do currículo escolar ou em processos
experimentais em comunidades?
       Ao longo da minha formação na Escola de Teatro da UNIRIO tive a
oportunidade, através da bolsa de pesquisa do Núcleo de Performances Afro-
Ameríndias (Nepaa), de ter acesso ao projeto Laboratório Madalena - ocorrido na
África, Brasil, Europa e Índia. Este laboratório foi idealizado e executado pela coringa do
Centro de Teatro do Oprimido, Barbara Santos, e pela diretora teatral e coringa,
Alessandra Vannucci. Ao me debruçar sobre as características desse projeto percebi
que ele poderia ser um ponto de partida fundamental para refletir de forma mais
consistente minhas indagações sobre a pedagogia teatral, entender metodologias e
perceber, através de uma prática, as possíveis funções políticas da experiência teatral.
Nesta escrita, portanto, delimito a experiência do processo criativo em uma
comunidade.
       Em uma conversa por telefone com Alessandra Vannucci, (eu ainda não a
conhecia pessoalmente), ela me perguntou como eu soube do projeto e como sabia
que tinha acontecido em tantos lugares. Eu respondi e comentei que queria relacionar
todos os lugares. Ela me revelou que tinha os materiais, mas que era melhor pensar em
um laboratório apenas e foi me contando como foram todos, para uma possível
escolha.
       Todos eles tinham características muito diferentes e resultados também
bastante distintos, o que eu pensei ser muito bom, pois me dava o ensejo de
8

relacionar, discutir as diferenças das mulheres e dessas expressões femininas. Até que
ela começou a contar o “Laboratório Madalena” na Estrutural1 de Brasília com
mulheres catadoras de lixo reciclável, que foi a experiência onde tinha sido possível
reunir mais material. Isso foi importante. As relações que eu pensava em fazer com as
diferentes culturas, as expressões artísticas femininas nos continentes, se encontravam
todas, a meu ver, lá no Laboratório feito na Estrutural.
        Tive minha primeira noção e base do projeto ao conversar com Alessandra e
também no release escrito pela diretora em 2010.


                      bRazILHA é um laboratório estético dedicado ao tema do
             corpo feminino e do trabalho, desenvolvido com mulheres catadoras
             de lixo da cidade de Brasília. No laboratório, queremos recolher e
             devolver ferramentas artísticas às mulheres trabalhadoras, “atrizes”
             em seu cotidiano contemporâneo, entre a necessidade de repetir
             todo dia o mesmo papel e o desejo de ser outra. Mulheres que
             cumprem gestos antigos e vivenciam em seus corpos a memória
             ancestral de gerações de trabalhadoras engajadas na luta para a
             sobrevivência no campo, no rio, no cerrado e no sertão. Seu corpo é
             território marcado pelo trabalho e pela opressão. Seu desejo, sua
             luta, seus cantos são transformadores. Focamos especialmente uma
             comunidade engajada em um gesto de trabalho tradicionalmente
             feminino: o de catar. O gesto de recolher e reutilizar dejetos da
             natureza assim como urbanos ou industriais, faz parte do cotidiano
             das mulheres desde os tempos mais antigos. Catar, o que hoje
             chamamos reciclar, é uma pratica de auto-sustentabilidade
             característica de uma economia ecológica e comunitária,
             tradicionalmente feminina. Este modelo de sociedade se diferencia
             do sistema patriarcal, fundado na propriedade particular, na divisão
             do trabalho por gêneros e na exclusão dos dejetos (objetos ou
             indivíduos). Ela se diferencia pelo fato de fundar o consumo no
             direito natural (por necessidade e não por possessão) e a convivência
             na comunidade dos bens e na cooperativação do trabalho. Esta
             possível sociedade resgataria uma mentalidade pré-histórica
             matrilinear, muito bem sucedida na história da civilização humana
             antes do patriarcado. Por isso, o projeto acontece com catadoras de
             lixo reciclável que participam da Central de Cooperativas de Brasília.
             Escrevemos o nome da cidade bRazILHA por entendê-la cidade sem
             raízes, constituída por pessoas em trânsito, fundada na mitologia da
             conquista do futuro, representativa do sonho do Brasil e móvel como
             um navio sem amarras, lançado no horizonte. bRazILHA. (VANNUCCI,
             2010)


1
         A Vila Estrutural de Brasília pertence à região administrativa do Guará e é uma área de invasão,
lá está um grande lixão de objetos recicláveis formado logo após a construção da Capital Federal. Pouco
tempo depois, os barracos construídos pelos catadores de lixo começaram a formar o que hoje é a Vila
Estrutural.
9




           Mulheres. Trabalhadoras de uma atividade, que além de ser tipicamente
feminina como citado acima, é uma ação que tem um lugar político dentro da
sociedade brasileira. O lixo da grande capital que se refaz todos os dias vai para as
mãos dessas catadoras, as casas onde elas vivem são construídas em função desse
trabalho, nas margens da nova capital brasileira, onde o transporte é escasso e viver
perto do trabalho é a única opção.
           As suas casas são construídas aproveitando do que se tem, sendo o terreno do
governo. Com o lixo reciclável, restos do consumo dos moradores de Brasília que chega
às mãos delas, muitas vezes montam as suas casas. As mulheres catadoras decoram
seus barracos transformando o que é encontrado de resto e gratuito.
           Para a construção da cidade de Brasília sabemos que chegaram caminhões
cheios de trabalhadores vindos de todas as partes do Brasil com a esperança de um
futuro melhor. Futuro desenhado como quase perfeito pelo Presidente modernista
Juscelino Kubitschek (1956-1961). O sonho era integrar e tornar o país independente, e
para os trabalhadores a construção da cidade se mostrava um momento importante
onde eles seriam os responsáveis pela existência da Capital de seu país. Em 21 de abril
de 1960, JK inaugura o grande sonho recitando o famoso discurso de esperança e
vitória:


                        Cabe-me a honra de içar neste momento a Bandeira Nacional.
               Faço-o com emoção que dificilmente poderia exprimir. Esta e todas
               quantas agora se hasteiam, não importa em que sitio de nosso
               imenso território, ostentam uma estrela a mais. Porque o país
               cresceu, se animou do espírito criador, e este espírito criador
               produziu mais uma entidade na Federação. Ai está a estrela do Estado
               da Guanabara que se vem juntar aos vinte Estados que giram
               harmoniosamente em torno de Brasília, Capital Federal da pátria
               brasileira, centro das futuras decisões políticas, cidade da esperança,
               torre de comando da batalha pelo aproveitamento do deserto
               interior. A bandeira que vai tremular nos céus do Brasil simbolizará
               um país que se tornou maior. Sinto agora a mesma vibração, o
               mesmo entusiasmo, o mesmo tremor que sentem todos aqueles que
               estão praticando o mesmo gesto nos quatro cantos da Pátria. Meu
               pensamento volta-se, neste instante, para as novas gerações que hão
               de recolher o fruto de nossos trabalhos e encontrar um Brasil
               diferente daquele que encontramos, um Brasil integrado no seu
               verdadeiro destino. Diante da Bandeira Nacional, com suas vinte e
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           duas estrelas, saúdo os pioneiros, os que lutaram para que
           chegássemos ao que somos, e saúdo os filhos dos nossos filhos para
           os quais, sem medir esforços e sacrifícios, erguemos as bases da
           nossa grandeza futura. (KUBITSCHEK. Trecho do discurso de
           inauguração de Brasília, em 21/04/1960.)




       Olhar para esta chamada cidade satélite à beira da capital nos faz perguntar
qual é a função de Brasília. Para quem é Brasília? O que ela integra? Essa estrutura que
abrigou o projeto artístico de Alessandra Vannucci é uma denúncia de vários fatores
sociais que são falhas, brechas e contradições dos desejos políticos afamados pela
mídia e principalmente do plano de integração e de colheita de frutos. Quais são os
frutos colhidos em Brasília hoje? Quem colhe esses frutos? O que significa ser
trabalhador no Brasil?
       A construção da capital já era planejada desde a época do Império e foram
pensados vários nomes como Nova Lisboa e Petrópolis, nomes nos quais podemos ver
claramente uma homenagem ao nosso país colonizador ou diretamente a Dom Pedro
II. Conceitos como integração, independência eram ditos pelos políticos idealizadores,
assim como desenvolvimento na época de JK e modernismo eram também conceitos
muito presentes na propaganda da nova capital. A partir de Brasília se pensava em
reconstruir a sociedade brasileira, em mudar e transformar essa sociedade, uma utopia
que precisava virar realidade. Na dissertação de mestrado em sociologia de Adilson
José Paulo Barbosa, jurista que participou do projeto de Alessandra Vannucci na
Estrutural, ele cita um trecho de documento histórico de Brasília:

                   Os blocos de apartamentos de uma super quadra são todos
           iguais: a mesma fachada, a mesma altura, as mesmas facilidades,
           todos construídos sobre pilotis, todos dotados de garagem e
           construídos com o mesmo material, o que evita odiosa diferenciação
           de classes sociais, isto é, todas as famílias vivem em comum, o alto
           funcionário público, o médio e o pequeno. Quantos aos
           apartamentos há uns menores e outros maiores em número de
           cômodos, que são distribuídos, respectivamente, para famílias
           conforme o número de dependentes. E por causa de sua distribuição
           e inexistência de discriminação de classes sociais, os moradores de
           uma super quadra são forçados a viver como que no âmbito de uma
           grande família, em perfeita coexistência social, o que redunda em
           benefício das crianças que vivem, crescem, brincam e estudam num
           mesmo ambiente de franca camaradagem, amizade e saudável
           formação. […] e assim é educada, no Planalto, a infância que
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           construirá o Brasil de amanhã, já que Brasília é o glorioso berço de
           uma nova civilização. (BARBOSA, 1963: 65-81)




       Construir mais um Estado que abrigaria a Capital Federal e nela investir todos os
ímpetos de desenvolvimento e utopia da sociedade é não pensar diretamente em
transformar a sociedade no que ela já tem que são os outros estados brasileiros. Ali em
um novo solo, teria um simbolismo de mudança? Uma ilha transformada?
       Voltamos ao nome do projeto bRazILHA. Uma ilha utópica construída por
braços brasileiros vindos de todas as partes. A possibilidade de Brasília ser um futuro
de esperança para esses trabalhadores significa que em cada parte do Brasil a odiosa
diferença de classes existia e bastante. Andando por Brasília podemos perceber que
são raros os nascidos lá. A cidade é habitada por pessoas de todas as partes que vieram
em busca de um sonho. A estrutura de moradia, pensada em sua construção, sabemos
que não existe, nem mesmo os políticos, trabalhadores do Palácio da Alvorada vivem
no âmbito de uma grande família.
       A cidade foi construída em quatro anos (1956-1960), e como Brasília outros
projetos de integração foram realizados. Na década de setenta a estrada
Transamazônica foi construída pelo presidente militar Emílio Garrastazu Médici (1969-
1974) no intuito também de integrar o Brasil à Amazônia. Essa estrada nasce na Paraíba
até chegar ao estado do Pará onde entra pelo Acre e chega à fronteira com o Peru, sem
mostrar uma divisa final.
       O jargão da época era dar uma terra sem homens para homens sem terras. O
marco da inauguração da estrada não foi pela pedra fundamental e sim pela derrubada
de uma grande castanheira, até hoje conhecida vulgarmente como pau do presidente.
Observa-se uma política de construções imediatas e de invasão, uma transamazônica
realizada por colonizadores do sul e nordeste do país com a mesma esperança de um
futuro melhor. Evasão sobre evasão, promessas e uma destruição nas relações
humanas que se estabelecem no abismo das diferenças de recursos sociais. O
colonizador europeu se torna colonizador brasileiro. Dentro do grande território corre-
se de um lado para o outro, invadindo, conquistando e progredindo.
12

       Antes de Brasília, a Capital Federal era a cidade do Rio de Janeiro, hoje não mais
Capital Federal, porém ainda Cidade Maravilhosa, eleita pela UNESCO em julho de
2012 “Patrimônio Mundial da Humanidade”. Em foco internacional receberá a
Olimpíada de 2016, a Copa do Mundo de 2014 e constrói apressadamente um Porto
Maravilha. A favelização da Cidade Maravilhosa é de grande impacto ambiental e
social, recebendo imigrantes do todo o Brasil, principalmente nordestinos que
acreditam nela haver esperança de um mundo melhor. Os remanescentes negros
também são vítimas das condições precárias da moradia nas favelas do Rio,
completando ou reabrindo o ciclo odioso das diferenças sociais.
       Qual é a relação do teatro e da arte com tudo isso? Ao pensar no mundo, África,
Europa, Ásia e Brasil, eu desejava discutir as diferentes opressões denunciadas pelos
laboratórios artísticos das mulheres. No entanto, as catadoras de lixo já são geradoras
de uma denúncia social que dilata o espaço de Brasília e nos faz levantar os olhos às
relações sociais estabelecidas no mundo, o desejo do sistema capitalista, o que emerge
e o que resta. Na verdade as opressões não foram só denunciadas a partir de um
processo teatral. O grupo de artistas que planejou estar nesse local já começou a
evidenciar o contexto problemático simplesmente ao pensar em estar lá. Ao chegar ao
lugar, um laboratório que tem como material principal a condição humana dos seus
participantes, já são detectadas as relações de poder estabelecidas e se começa a ver
necessidade de saber como estar neste local. Como o teatro se coloca nesse contexto?
Como trabalhar como essas mulheres? O que o teatro nos evidencia e em que lugar
político ele coloca os artistas?
       Ao ler o release do projeto Laboratório Madalena na Estrutural percebe-se o
compromisso histórico e estético da arte nesse local. Distancia-se, assim, a ação do
artista de um propósito imediato, de uma construção concreta de alguma estrutura
social, arquitetônica e principalmente de uma mensagem ou catequização do que quer
fosse. O artista entra, mas não é colonizador. O gesto de catar das mulheres, recolher e
reutilizar os dejetos e os restos recicláveis de uma parte da sociedade é o gestus
denunciador de seu papel naquele lugar e ao mesmo tempo deflagrador do próprio
local e sua realidade. Em seu estudo sobre a bufonaria – figura grotesca, denunciadora
13

que nasceu na Idade Média e circulava pelo palácio do Rei – a professora e diretora
Beth Lopes fala sobre o teatro de Brecht e sua possibilidade política dialética 2.


                     O teatro não-aristotélico de Brecht, além de colocar o homem
            comum no centro da dramaturgia, não deve propiciar a catarse nem a
            empatia diante do herói trágico. Ao contrário, o espectador não se
            identifica com as personagens, mas as reconhece em suas
            contradições. Como na técnica do cinema, a cena de Brecht, corta,
            recorta, monta, cola, edita, em processo descontínuo. E o ator, por
            sua vez, conta, narra e expõe diretamente ao público, combinando
            acontecimentos em tempos diferentes. O lugar das emoções é
            reservado ao espectador que, sem os recursos da ilusão cênica, é
            levado a refletir ativamente sobre o que assiste. A realidade é
            analisada pelo confronto de ideias opostas, na direção de um teatro
            dialético.
                     A redescoberta de Brecht dos valores do velho teatro popular
            se traduz na produção de uma atuação e dramaturgia
            “vaudevillenesca” fragmentada e viva como os “números” circenses.
            O trabalho do ator consiste em contar uma história (fábula) por meio
            de atitudes gestuais. O gestus, guardada a sua dimensão assaz
            complexa, indica uma conduta ou atitude social. Ligada ao conteúdo
            histórico e ideológico marxista, a escritura corporal (feita também de
            palavras) se constrói a partir de diferentes níveis miméticos, desde
            um detalhe de movimento de um personagem a um comportamento
            característico de um grupo. Mais do que isto, o gestus deve revelar as
            ideias subentendidas nas palavras e acontecimentos. Ações que
            contradizem os textos produzem fissuras na representação,
            provocando o efeito de estranhamento e distanciamento essenciais
            para o teatro épico. (LOPES, 2005: 16)




        Esse trecho do estudo de Lopes (2005) fala claramente de um processo de ator
e de possibilidades para construção de um espetáculo, porém ao destacar a entrada
dos artistas nessa comunidade e ao saber que esse projeto pretende um laboratório
artístico seguido de espetáculo, podemos nos perguntar: quem são os atores desse
trabalho? Ela diz que além de colocar o homem comum no centro da ação a
dramaturgia não deve propiciar a catarse, podemos dizer que os atores nesse
momento são as catadoras e elas são ao mesmo tempo o homem comum e
personagem colocado na dramaturgia.



2
        LOPES, Beth. A blasfêmia, o prazer, o incorreto, IN, Revista Sala Preta, nº 5, São Paulo: USP,
2005.
14

       O trabalho do Laboratório Madalena tem grande inspiração na teoria da
Estética do Oprimido, um método aberto de Augusto Boal que permitiu a Alessandra
Vannucci introduzir, além das indicações e atividades já elaboradas pelo teatro do
Oprimido, muitas técnicas de dança, criação coreográfica, construção de máscaras e
escrita seguindo seu próprio currículo artístico de modo lúdico e empírico. O
Laboratório Madalena, portanto, se mostra um trabalho de caráter experimental.
       No Capítulo 1, a metodologia utilizada para a construção da dramaturgia do
espetáculo dessas mulheres é revisitada para uma reflexão em torno do que revelamos
através do teatro e principalmente como o sonho e as ferramentas artísticas do ser
humano se afloram para o desenvolvimento da potência própria.
       No Capítulo 2 escrevo sobre a dramaturgia propriamente dita do espetáculo das
catadoras: os textos selecionados, quais falas do cotidiano estão em cena e quais foram
os resultados das técnicas de Teatro Fórum e de Teatro Legislativo nessa montagem.
15

Capítulo I – PEDAGOGIA TEATRAL, PROCESSO CRIATIVO E CONSTRUÇÃO DA
DRAMATURGIA


                                           La Loba

                 Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos
        sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos de fadas da E
        uropa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que
        se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.
                 Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente
        gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das
        pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais
        sons animais do que humanos.
                 Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto
        no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na
        periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando
        para o sul, para o Monte Alban num carro incendiado com a janela
        traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso,
        que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia,
        México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com
        galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida
        por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a
        Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo.
                 O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se
        que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se
        perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os
        tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem,
        porém, que sua especialidade reside nos lobos.
                 Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montanhas e os
        arroyos, leitos secos de rios, à procura de ossos de lobos e, quando
        consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no
        lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente,
        ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.
                 Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura,
        ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os
        ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de
        carne, e que a criatura começa a se cobrir de pelos. La Loba canta um
        pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo
        forma uma curva para cima, forte e desgrenhado.
                 La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.
                 E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do
        deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um
        salto e sai correndo pelo desfiladeiro.
                 Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por
        atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio
        de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado
        numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.
                 Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo
        deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco
        perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode
16

           simpatizar com você e lhe ensinar algo — algo da alma. (ESTÉS, 1994:
           43-44)


       La Loba é a primeira história do livro Mulheres que Correm com os Lobos de
Clarice Pinkola Estés (1994). Quando decidi estudar sobre um projeto que trabalha
especificamente com mulheres, o primeiro livro que me veio à mente foi este de
Pinkola. Mais do que artigos de antropologia, o conto de fadas para mim era o que se
relacionava mais diretamente com esta questão. Como provar cientificamente que
catar é um gesto tipicamente feminino, se não pela tradição oral? Será que a literatura
dos contos de fada não é também um argumento de autoridade para tal questão? A
mitologia, as lendas nos acompanham desde sempre e com códigos mais simbólicos
do que racionais que nos levam a refletir sobre problemas concretos e características
sociais. Como conta Clarice Pinkola Estés (1994: 43) esta velha existe: “O único trabalho
de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o
que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos
os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua
especialidade reside nos lobos”.
       A característica que une todos os Laboratórios Madalena que foram realizados
em diversas partes do mundo é a realidade feminina, a ideia do corpo feminino como
território de trabalho e poder, não sendo somente um corpo reprodutor e sim
produtor. No projeto dentro da Estrutural de Brasília o trabalho foi feito com as
catadoras de lixo como já dito e o gesto de trabalho é o de catar.
       O lixo jogado na Estrutural é um lixo reciclável, não se sabe por que, mas é o
tipo de material que é despejado naquele lugar, onde as mulheres participantes da
oficina trabalham. E é nesse lugar onde elas construíram seus barracos e onde vivem
todo o tempo. Como a mulher Lobo elas catam objetos específicos, separam o que
podemos chamar o joio do trigo, não diferenciando entre bom ou mal como
conhecemos o provérbio, mas diferenciando, qual coisa é cada coisa. A loba recolhe
ossos. As mulheres aqui diferenciam cada objeto para uma possível reciclagem, para
que voltem ao mundo. Ao mundo do uso, ou até mesmo dando outra função para os
objetos, transferindo afetos e necessidades.
       Ao redor do lixo, elas moram como podem e do lixo encontram os meios de
vida. Entrevistando a diretora Alessandra Vannucci descobri como foi feito um dos
17

barracos da grande favela onde moram os catadores da Estrutural, homens e mulheres.
Relata a diretora:

            O barraco da Marilúcia? (...) tudo feito com lixo, agora na primeira
            chuva aquilo cai tudo abaixo, ela fez com papelão e mora com as
            quatro filhas. Só ela, fez o barraco com o papelão, agora tem tudo,
            tem liquidificador, tem pia, tudo ela catou. Ela diz que o shopping
            dela é o lixão, flores na mesa, eu disse: isso aqui você comprou? Não!
            Achei lá! ela falou. Aí eu vi dois reais pendurados na parede, eu
            fotografei. Era uma lembrança e ela não gastou, lavou e guardou.
            (VANNUCCI)


       Quando a Alessandra foi narrando a casa desta mulher, ela foi nomeando os
objetos: liquidificador, pia. A dona do barraco conhece um shopping, mas afirma que o
dela é aquele ali, o lixão. Ela sabe quais são os valores das mercadorias que estão em
um shopping e os motivos que todos nós temos de comprar artefatos úteis. Ela, no
entanto, cata, recupera, reutiliza. Por que foi jogado fora? Não se sabe, pode ser por
qualquer motivo, vontade de trocar por outra cor, algum rachado que possa ter, algum
desafeto com quem lhe presenteou, não se sabe o porquê foi parar no lixão. O que
sabemos é que estava perdido, em uma tentativa de se perder do mundo. Infelizmente
ou felizmente para certos objetos é difícil se perder do mundo, se decompor na terra,
ser engolido pelo olho do furacão. Simplesmente alguns materiais não se decompõem
assim, pois a terra não digere. E ficam em algum lugar como em um lixão, ou entupindo
um bueiro, ou sendo queimado e agredindo o ar, invisível. Para alguns eles se perdem
sim, mas a gente aqui agora vê que é só a tentativa de se perder.
       No final da fala de Vannucci sobre o barraco de Marilúcia, é narrado o
aparecimento de flores e de uma nota de dois reais pendurada na parede. O dinheiro
achado no lixão dentro dos valores da sociedade confirma a hipótese que estava lá por
descuido, ninguém joga dinheiro fora e quando se acha no chão ou no lixo geralmente
se gasta. A Marilúcia lavou primeiramente e pendurou na sua casa como um adorno,
uma lembrança.
       Na orelha do livro “A Estética do Oprimido” de Augusto Boal (2009), Maria Rita
Kehl fala sobre a proposta de teoria de pensamento sensível para uso prático:


            Pensar não é apenas simbolizar o que está dado diante de nós: é
            também imaginar o mundo para além dos limites do presente e do
18

           possível. Como as crianças, tão caras à observação de nosso autor,
           também o artista – que pode ser qualquer um - descobre-se capaz de
           remontar qualquer imagem dada, desafiar sua aparência concreta e
           imperativa e recriá-la sob outros ângulos de modo a revelar o que se
           escondia ou se recalcava, sob a aparência da normalidade.


       A nota de dois reais pendurada na parede de Marilúcia não está neste discurso
como um exemplo de obra de arte, mas sim como uma imagem remontada, que
constitui em si um desafio à sua aparência concreta e imperativa. Mostra-se também
um desafio não só à aparência, desse desconcerto de se colocar pendurado em uma
parede uma nota ainda corrente no mercado, mas ao valor econômico, moral, ético e
político dado àquela nota. Em relação à infra-estrutura de um barraco de papelão
percebe-se uma precariedade de recursos financeiros para a construção de um lar
seguro às intempéries da natureza e para o conforto do cidadão, porém ao ver o
dinheiro no lixo a catadora desviou ou desafiou suas necessidades econômicas, não
gastou, lavou e decorou sua casa.
       Uma questão bastante presente nos textos e pensamentos de Augusto Boal é
que artista pode ser qualquer um. Nessa monografia o que está sendo colocado em
evidência de forma prioritária é a estética encontrada em cidadãos que não tem como
ofício a arte e, principalmente, como um processo criativo desencadeado por artistas
(propositores que tem como profissão a arte) pode detonar situações de opressão e
denunciar as relações de poder massificantes da sociedade.
       Os aspectos estéticos da realidade dessas mulheres influenciaram de forma
contundente a proposta de uma metodologia e principalmente na pesquisa de uma
linguagem para o produto artístico a ser construído pelas catadoras.
       Conceitos dos movimentos de vanguarda, como ready made, proposto por
Marcel Duchamp e colagem, vieram à tona no processo de construção do laboratório.
Em meio à realidade de uma guerra mundial na Europa, a contemplação estética foi
problematizada, iniciando um movimento de pesquisa onde os objetos do cotidiano,
ready made -     já pronto – são ressignificados, ganhando um estatuto de objeto
artístico, o espectador reflete sobre o que vê, não contempla o belo.
       Restos utilizados pela sociedade, além de objetos da própria biografia, também
foram transfigurados no Manto de Apresentação de Bispo do Rosário, por exemplo.
Vendo a imagem do manto, pode-se perceber um trabalho de constante elaboração e
19

decisão de Rosário que compôs cores, tecidos, nomes, definiu posições e
principalmente contextualizou o seu manto, que tinha a função de vesti-lo no dia de
seu juízo final, no dia de sua morte.
        A pesquisa do Laboratório Madalena está voltada para o tema do corpo
feminino como território de poder e trabalho, delimitando o gesto de catar como
deflagrador de uma reflexão. A partir de inquietações sobre gênero e opressão, o corpo
se torna a fonte mais importante da elaboração artística. Aqui, além dos objetos do
cotidiano, os       próprios hábitos e corpos dessas mulheres se colocam como
protagonistas no processo criativo. Nota-se a importância de uma análise cuidadosa da
metodologia que foi base para a construção de uma dramaturgia e também como a
poética já existente em tal realidade foi sendo percebida e revelada no Laboratório.
        Em um artigo sobre a Pedagogia teatral, Gilberto Icle (2007)3 reflete sobre como
e em que momento o processo criativo começa a se instalar em diversas realidades
fora do mercado do espetáculo. O surgimento do encenador no século XX e
consequentemente uma transformação no processo de formação do ator e de
construção de um personagem é início do pensamento de uma possível pedagogia
teatral. Deste momento até os processos contemporâneos de escrita cênica, muitas
mudanças ocorreram neste campo de pensamento e procedimentos metodológicos
vem sendo experimentados, um entendimento de pedagogia começa a interferir
também no ofício do diretor teatral e conceitos como autonomia, potência e processo
transitam na formação do artista e na formação do cidadão.


             Vemos, assim, a passagem da Pedagogia do Ator - como intenção e
             prática melhorar a eficiência da atuação no seio dos espaços criativos
             e inventivos do teatro do século               XX – para a pedagogia
             teatral como urgência de humanização dos sujeitos na ida
             contemporânea, por intermédio das práticas teatrais. Cabe por isso
             indagar: como foi possível a pedagogia do ator, tal qual a idealizada
             por Stanislavski, Copeau, Decroux e outros “reformadores do teatro”,
             se tornar uma pedagogia teatral, amplamente difundida e
             generalizada em espaços diferentes e com propósitos distintos e para
             além do teatro? (ICLE: 2007)




3
         ICLE, Gilberto. Da Pedagogia do Ator à Pedagogia Teatral: verdade, urgência e movimento.
http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/viewFile/525/461, consultado em 22 set.12.
20

       Não será possível e nem é um propósito dessa pesquisa responder a essa
pergunta, porém analisar a experiência na Estrutural, a fim de entender possíveis
caminhos concretos de metodologia. Para esta reflexão, é preciso voltar muitas vezes à
pergunta de Icle com o intuito de perceber as transformações da pedagogia no
processo criativo durante os anos.
       Como já dito, em lugares com distintos objetivos, a pedagogia teatral é aplicada.
Uma questão importante é – se o artista não entra no espaço comunitário como
colonizador e como consequência de seu trabalho detona questões sociais, seja de
opressão ou não – como servir a todos os propósitos do sistema político com a
pedagogia teatral?
       No processo de laboratório, as mulheres catadoras de lixo começaram a sua
participação com a esperança de uma oportunidade na mídia, porém a própria
atividade teatral foi se revelando deflagradora e poética, e a vontade de algo imediato
e financeiro foi se transformando em reflexão sobre o próprio lugar de cada ser
humano ali presente. Um espetáculo no final do processo foi apresentado no principal
teatro da capital. Neste momento, o teatro trazia sua existência espetacular e com
importância e sutileza a cena teatral coexiste no cotidiano e no sistema.
       Augusto Boal participou em 1973 do projeto Alfin (Operação Alfabetização
Integral) que tinha como objetivo trazer o conhecimento da língua castelhana a
comunidades do Peru que se comunicavam em diversas línguas. Em observação ao
trabalho de Estela Liñares, orientadora do setor de fotografia de Alfin, ele conta que a
alfabetização através da fotografia não se deu através de fotos trazidas para os
participantes contemplarem. No processo eram feitas perguntas em castelhano e eles
respondiam em foto. As máquinas foram disponibilizadas para eles, assim como
instruções técnicas de manuseio do equipamento.
       A partir desta experiência não podemos afirmar que os participantes deste
projeto detêm a linguagem da fotografia e são artistas. O que se evidencia aqui é a
possibilidade de conhecimento e de manuseio de meios de produção seja para que fim
for e de que origem venha: seja algum meio relacionado à tecnologia ou à arte. Os
meios devem ser disponibilizados como canais de descobertas do potencial do ser
humano e ao estar em contato com as linguagens, o cidadão se desenvolverá ou não
21

como artista, partindo do ponto de vista de que artista é aquele que tem como ofício a
arte.
        É também em relação afetiva com as participantes do projeto que se constitui o
“Laboratório Madalena” e a partir da realidade do espaço, dos materiais estéticos ou
não que surgem dentro daquele contexto, a metodologia baseada nas teorias do Teatro
do Oprimido de Augusto Boal vai se mostrando. No release do projeto, Vannucci diz
pretender “devolver as ferramentas artísticas às mulheres trabalhadoras, atrizes do
cotidiano”. Percebe-se que o laboratório estabelece um lugar entre o que se propõe
para elas e o que se necessita delas para que a proposta exista. Quando ela fala em
devolver, pressupõe-se que elas já tinham ou têm ferramenta artística. Segundo
Vannucci “sua integração pelo teatro se dá pelos caminhos da criatividade, da
inteligência emocional e da auto-estima e não pelo seu pertencimento à sociedade
como última rodela do mecanismo do consumo”.
        O que se vê no laboratório é uma busca estética que parte do corpo daquelas
mulheres participantes que estão em um lugar de busca pela sobrevivência, porém
encontrando os respiros do cotidiano desde as flores, a nota pendurada, até o que se
descobriu para a montagem da dramaturgia do espetáculo apresentado na Caixa
Cultural de Brasília pelas catadoras.


        As Oficinas


        No dia 1 de fevereiro de 2012 começou a primeira oficina com o grupo de
catadoras de lixo reciclável na sede do Ponto de Cultura ESTEC instalado na Casa d`Italia
na cidade de Brasília. As oficinas foram executadas durante duas semanas antes do
começo da construção de uma dramaturgia. Nas oficinas, a diretora Alessandra
trabalhou com outros artistas para complementar a pesquisa artística das catadoras:
Luciano Porto (músico e palhaço), Delei (artista plástico) e Maria Carmen de Souza
(cenógrafa). Por fim, Carolina Machado (coringa do Teatro do Oprimido) veio dar sua
atenção e apoio para a construção do roteiro. Nas últimas duas semanas, se realizou a
construção do cenário e dos figurinos com participação das mulheres, o cenário foi
feito com lixo reciclável e as roupas costuradas pelas próprias catadoras.
22

         As oficinas foram elaboradas em cinco etapas que se estruturavam da seguinte
forma:
         1.      RITMO/DANÇA/SOM: ancestrais
         2.      DANÇA/SOM/NARRATIVA: habitat
         3.      DANÇA/SOM/DRAMA/TECIDO DE RETALHOS: pelotão e sereias,
         declarações de identidade
         4.      FIGURAS/NARRATIVAS: inferno/paraíso e pinturas com lixo
         5.      FIGURAS/NARRATIVA: cidade invisível


         Na primeira etapa da oficina4, foram praticados ritmos de origem tribal, foram
utilizados sons vocais das mulheres com as vogais de seus nomes, o círculo, o ritmo
uno estavam presentes nessa etapa do desenvolvimento do projeto.
         Acredita-se que é pertinente à formação daquele novo coletivo, exercícios que
revelem seus nomes, a forma de círculo que permitia o olhar entre todas e jogos como
Batizado Mineiro retirado do sistema de “Jogos para atores e não atores” de Boal onde
cada mulher entrava no centro da roda, dizia seu nome e uma característica sua com a
primeira letra do nome. Aparentemente simples é um jogo que propõe uma primeira
exposição pessoal diante do coletivo: qual característica escolher nessa primeira
apresentação a um grupo? Nesta experiência, as mulheres atribuíam a si características
suaves e muito femininas, até um pouco contraditório com a dureza de suas vidas.
         Outro acontecimento gerado nessa etapa é uma pesquisa sobre os movimentos
cotidianos de cada catadora. Elas repetiam cinco gestos utilizados em seus cotidianos,
construíam respirações e sons para cada gesto até chegarem a uma dança do cotidiano.
Um trabalho de busca, através da memória da respiração, de uma certa realidade física
das mulheres ancestrais de cada uma das participantes, memória de corpos femininos
progenitores, embutidos no corpo vivo e presente, foi realizado a partir de uma ideia
experimental da diretora. Percebe-se, portanto, a necessidade do encontro consigo
mesma e da externalização dessas descobertas individuais.




4
          Essas informações foram colhidas no programa de atividades do projeto escrito em tópicos pela
diretora Alessandra Vannucci.
23

       Na segunda etapa a partir da sequencia de gestos cotidianos, as participantes
constroem uma partitura coreográfica única, que elas executam em coro, loop e com
variações de intensidade, dimensão gestual e rítmicas. Nesta etapa também se inicia
uma pesquisa com objetos próprios e trazidos pelas catadoras. Que objetos podem
contar a cidade que você vive? A informação é passada de maneira silenciosa, sem
explicação verbal. A disposição coletiva no espaço dos objetos particulares demonstra
a cidade, chamada habitat. A narrativa é recuperada também em uma história contada
por cada participante com o seu objeto, em seguida essa história é contada por outra
participante. O pertencimento de cada corpo narrador a uma narrativa do outro
acontece, revelando identidades e diferenças.
       No terceiro momento foram feitas atividades que já começaram a trabalhar
com emoções, através da pesquisa de movimentos deformados, ruídos expressões e
caminhadas tipicamente femininas. Dois trabalhos realizados nessa oficina que serão
destacados nessa pesquisa são a construção da declaração de identidade (p.17) e a
construção de tecidos e retalhos (p.19). O ser humano do lixo foi um trabalho
construído no quarto momento da vivência, partindo da mesma linha de
desenvolvimento anterior, onde se valoriza o recolhimento de objetos pessoais, do
espaço da cidade e principalmente o lixo limpo que essas mulheres trabalham, foram
construídas figuras imaginárias, monstro, mulher, personagem, boneca.
       Em um último momento da vivência foi apresentada a narrativa da cidade de
Leônia, lugar fictício que se encontra no livro “As Cidades Invisíveis”, do escritor Ítalo
Calvino (1990). Esse momento é uma inserção de um trabalho exterior ao mundo
delas, porém com forte relação ao que se vive na estrutural de Brasília. Outras obras de
arte foram mostradas para as catadoras como estudo e influência para o que elas
mesmas estavam desenvolvendo, como pinturas do artista Jeronimus Bosch (Jardim
das delícias), por exemplo, foram contempladas ao longo da vivência e inspiraram o
trabalho criativo das catadoras/artistas.
       Ao estudar a construção da dramaturgia do espetáculo analisamos a
importância da expressão particular dessas mulheres e como o trabalho se
desenvolveu até se transformar em objeto artístico. Em que momento se reconheceu
como objeto de arte o que se construía na oficina? Tudo era arte? O poeta Ferreira
Gullar (exilado na mesma época que Augusto Boal) compartilha opiniões políticas com
24

Boal. Os dois foram companheiros intelectuais na época da ditadura, porém em seus
ensaios e poemas há uma preocupação evidente na discussão do que se pode chamar
de arte, e claro ele não responde essa pergunta.
                                TRADUZIR-SE5

                                Uma parte de mim
                                é todo mundo:
                                outra parte é ninguém:
                                fundo sem fundo.

                                Uma parte de mim
                                é multidão:
                                outra parte estranheza
                                e solidão.

                                Uma parte de mim
                                pesa, pondera:
                                outra parte
                                delira.

                                Uma parte de mim
                                almoça e janta:
                                outra parte
                                se espanta.

                                Uma parte de mim
                                é permanente:
                                outra parte
                                se sabe de repente.

                                Uma parte de mim
                                é só vertigem:
                                outra parte,
                                linguagem.

                                Traduzir uma parte
                                na outra parte
                                - que é uma questão
                                de vida ou morte -
                                será arte?



       O espetáculo que é criado como fruto deste laboratório tem como ponto de
partida uma reflexão sobre o corpo da mulher, as relações de poder estabelecidas na

5
       GULLAR,      Ferreira,   Na    Vertigem     do    Dia,   1980   retirado   do   site:
http://www.revista.agulha.nom.br/gula.html)
25

sociedade patriarcal e as ações produtoras desse corpo além da função reprodutora,
portanto o material humano e as histórias de vida dessas mulheres são os geradores
dessa dramaturgia, porém quando esse material se transforma em arte? Onde o outro,
o espectador, vê e escuta não como um desabafo íntimo, mas como poesia
desconcertante?
       Um trabalho proposto por Alessandra em oficina foi a escrita de uma
DECLARAÇÃO DE IDENTIDADE anônima, mas dirigida a alguém em especial, feita por
elas. Considera-se que esteja neste documento uma síntese de quem são, o que
pensaram, o que escrevem e principalmente que palavras elegeram para a construção
de sua declaração de mulher em um espaço tão curto de papel. Ao ver as declarações,
percebi que a maioria ao se declarar e falar de si, falava de seus maridos e filhos:


                    Eu declaro que amo minha família meus filhos e meu marido
            e meus amigos de paixão.
                    Eu acho todos nos somos capazes.
                    Eu declaro que amo muito a minha filha e os meus filhos,
            marido, e eu gostei muito foi dos professores. Que estão me
            ensinando as coisas e as outras pessoas que tiram fotos.
                    Um beijo amo você
                    Eu declaro que estes mundo que nos Vivemos não e Como eu
            queria Cheio de drogas Cheio de criança nas Ruas Cheio de Violencia
            mas Seu poder munda este mundo e eu mudaria Colocando paz e
            Amor e tiraria todos As Criança da Rua e Colocava na escola


       O projeto tem guardado um total de vinte e seis declarações de identidade. A
proposta inicial era começar a declaração com a fórmula “eu me declaro como..., eu
sou...” e nenhuma tem isso. O principal desafio é saber quem são elas tanto para a
construção de uma dramaturgia quanto para elas entenderem o que estão fazendo ali.
Muitas mulheres foram atraídas por uma oportunidade de estar na televisão, sem
nenhum juízo de valor disso, porém a medida foram percebendo a roupagem que a
vivência estava tomando, algumas mulheres não compareceram mais, entretanto
enviaram suas filhas adolescentes.
       A última declaração, fala de uma vontade de mudar o mundo, porém existe
uma distância e uma esperança longínqua no real poder da mudança, inclusive quando
se fala de colocar todas as crianças na escola. Quando ela fala em todas, está
evidenciando como algo impossível, primeiro porque ela se coloca sozinha nessa
26

almejada função e segundo porque não se pode saber quem são todas as crianças. A
mulher que escreveu tem nove filhos, porém um deles ela nunca viu, foi tirado dela
neném. Destaco aqui:


           Vivemos – Como – Cheio – Cheio – Ruas – Cheio – Violencia – Seu –
           Colocando – Amor – As – Criança – Rua – Colocava.


       Percebe-se uma estrutura na escrita desta mulher, com algumas palavras em
caixa alta, não se identifica um código para tal escolha, porém retiro elas da poesia,
ambientando um outro ângulo de contemplação do que ela escreve. Uma hipótese que
se pode afirmar é que uma palavra com letra maiúscula adquire uma importância no
texto, seja de significado ou de aparência.
       Nesse momento de declaração de identidade era dito que as mulheres
poderiam pensar em uma poesia sobre elas. Abaixo podemos ver o escrito de
Marilúcia, catadora que foi citada na introdução deste trabalho.
27

                              Queria ser poenta mais
                              poenta não posso
                              ser poenta pensa
                              muita coisa
                              Ass.
                              Marilucia


       Além de falar de uma vontade, ela revela uma fraqueza, uma crença em não
poder ser alguma coisa, fala também do que ela imagina ser uma poenta, explicitando
o porquê ela não pode ser. Quando fala do que não pode, evidencia-se uma falta,
porém ao longo do processo criativo de Marilúcia pode-se considerar que o
reconhecimento de uma falta é o começo de um movimento que se inicia dentro de si
e de suas impossibilidades para uma busca e uma exposição geradora da expressão
artística. Percebe-se um primeiro momento de exposição individual de uma
participante que já tinha aberto sua casa à diretora do projeto e como vamos ver no
Capítulo 2 é da sua biografia que vem grande parte da dramaturgia a ser construída.
       Após esse exercício, foi proposto um trabalho com tinta e tecidos de retalhos.
Alessandra declara que no início os desenhos eram bastante figurativos, como corações
e casas. Percebeu-se uma necessidade de oferecer uma metodologia que facilitasse a
entrega delas no trabalho, portanto, em conjunto com o artista plástico Delei, foi
proposto que as mulheres dançassem com olhos vendados na frente dos panos, com o
pincel na mão e sem sapato, sobre os panos e as tintas e experimentassem a mistura
das cores relacionando diretamente o movimento de seus corpos.
       Qual são seus movimentos? O que surge diante de uma pesquisa onde não
necessariamente precisamos definir o que vamos mostrar? Que tenha uma lógica de
entendimento, como mostrar uma casa, uma árvore e um coração? Essa experiência foi
responsável pela construção do primeiro trabalho que tinha uma grande possibilidade
de estar no espetáculo e a partir deste material e do universo de vida delas a estética
do espetáculo foi se construindo.
28

Capítulo II - mArias & maDaLenAS


       Após as semanas de vivência foi construído o espetáculo mArias & maDaLenAS
em que as catadoras atuam como atrizes. O público entra no teatro da Caixa Econômica
Federal de Brasília e é recebido pelas catadoras atrizes. No centro do espaço tem uma
ILHA onde uma mulher está ocupando com vendas nos olhos. As vendas caem sobre o
seu rosto e tapetes estão espalhados pelos quatro cantos do palco. O público é levado
pelas atrizes aos cantos do espaço e cada espectador, seguindo a sua vontade, senta
em um dos tapetes nomeados como Estrutural, Samambaia etc. Cada tapete tem
nomes das cidades satélites de Brasília. No teto há tapetes com pinceladas e colagem
de objetos, tecidos, roupas. O palco é todo preenchido por objetos recolhidos nas
semanas de vivência, cada peça tem um valor pessoal e faz parte do lugar de onde
vêem as catadoras, lugar este que é geral e também particular a cada uma daquelas
mulheres. Os seus figurinos foram cuidadosamente costurados por elas.
       Os quatro elementos da natureza estão presentes nesse momento de chegada
do público. Após esse primeiro contato com aquele ambiente poético e com as
anfitriãs, desce de um urdimento a palavra BRAZILHA.
       A dramaturgia se utiliza de textos do livro “Cidades Invisíveis” do escritor Ítalo
Calvino e também de notícias fictícias e reais da cidade de Brasília. São seis cenas que
se sucedem em uma estética artesanal. Artesanal, por terem sido costuradas e
elaboradas ao longo do laboratório, pelas atrizes – mulheres catadoras. Muitos
elementos foram retirados diretamente de seus habitat e transfigurados nessa
realidade chamada BRAZILHA.
       Todos estão sobre o palco (atrizes e público). Na primeira cena algumas atrizes
se voltam para a plateia vazia e descrevem o que vêem, como debruçadas em uma
janela. Através de uma narrativa aparentemente absurda ambienta-se a realidade de
uma cidade:
           - Engraçado aqueles homens trabalhando na fundação daquele
           prédio, de patins!
           - É lá!
           - Onde é lá?
           - Lá no sétimo bloco da superquadra 305. Aquele gato preto nadando
           no esgoto? Tão vendo? Como é que pode???? Que nojo.
29

           - Acabou de passar um meteorito pela Praça dos 3 Poderes! Tem
           galinha voando!


       O espaço é ocupado, como já dito, pelos cantos, no centro e no teto. Palavras
descem do teto na primeira cena:


           OLHOS CERRADOS ABERTOS PARA VER CERTOS CERRADOS E CERTOS
           DESERTOS ERRADOS (O DESERTO CERTO CHORA AREIA).


       Atrás do palco há uma elevação que, em alguns momentos, uma atriz sobe e
fala no microfone, lendo uma notícia sobre Brasília. São estatísticas, são dados políticos
que deslocam a sensação e o olhar do público do aspecto artesanal para uma
ambientação informativa. Ao lado, uma instrumentista toca um violoncelo em
momentos marcados como na primeira mudança de cena.
       Na cena dois, a cidade de Ítalo Calvino Eudóxia é narrada no microfone por uma
mulher, cada palavra da cidade invisível do escritor cubano/italiano preenche a
realidade da capital Brasília e da cidade Brazilha. Que cidade invisível tem por trás da
capital do Brasil? Quais cidades invisíveis podem existir nas cidades que vivemos ou
visitamos? É possível compartilhar uma memória de uma cidade através das vertigens
que ela causa? E das consequências nas nossas vidas que ela exerce? Seria tão
verdadeiro como em uma discrição cronológica e geográfica? O que se pode dizer é
que os textos literários de Calvino são como narrações próprias das catadoras. Ou pelo
menos parecem. A cidade de Brasília deve existir em algum outro lugar do mundo, ou
pelo menos os nossos corpos e nossos espíritos devem se comportar de maneiras
parecidas em cidades do mundo.


           (...) À primeira vista, nada é tão pouco parecido com Eudóxia quanto
           o desenho do tapete, ordenado em figuras simétricas que repetem os
           próprios motivos com linhas retas e circulares, entrelaçado por
           agulhadas de cores resplandecentes, cujo alternar de tramas pode ser
           acompanhado ao longo de toda a urdidura. (...) mas o tapete prova
           que existe um ponto no qual a cidade mostra as suas verdadeiras
           proporções, o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes.
           (CALVINO, 1990: 91)
30

       Na sequencia seguinte, diálogos do livro são utilizados novamente com
pertencimento pelas atrizes. Percebe-se que as cenas comentadas até aqui nesse
trabalho, possuem     elementos como a música, textos literários intercalados por
notícias e principalmente objetos visuais construídos pelas mulheres com elaboração
cuidadosa de cortes e cores. Só a partir da cena cinco que a dramaturgia começa a se
inclinar para um recorte mais narrativo da vida das catadoras de lixo reciclável da
estrutural de Brasília. A realidade de catar, o ambiente particular de moradia, suas
vidas como mulheres e a urgência da sobrevivência que cai sobre suas cabeças no
cotidiano começa a ter uma roupagem mais crua nesse momento do espetáculo.
       Já na cena quatro as atrizes dizem em poucas palavras para os espectadores de
onde vieram. Desce do urdimento seis PARANGOLÉS feitos por elas no processo com a
Alessandra. De acordo com relatos da experiência, nem a cenógrafa Maria Carmen de
Souza e nem Alessandra Vannucci ensinaram para elas como se faz um parangolé. Foi
feita uma visita com as catadoras à exposição de Helio Oiticica na Biblioteca Nacional
de Brasília. Elas se identificaram muito com o trabalho e encontraram a técnica de
maneira quase intuitiva. É interessante de notar que o primeiro momento em que
todas falam de onde vieram para o público, seus figurinos sejam parangolés e é nesse
momento que começa uma passagem, uma transição para a parte da dramaturgia que
vai tratar com diálogos próprios de seus cotidianos uma situação íntima da vida delas.
       Em seu livro Corpo a Corpo (2011) o pesquisador Zeca Ligiéro fala sobre a
experiência de Helio Oiticica e seu trabalho com os parangolés que são principalmente
capas, mas podem ser também tendas e estandartes. No livro, Ligiéro apresenta uma
citação importante de Paola Berenstein Jacques em seu estudo Estética da Ginga, a
arquitetura das favelas através da obra de Helio Oiticica, onde o artista explica como
surgiu o termo PARANGOLÉ:


           Um dia eu estava indo de ônibus e na praça da bandeira havia um
           mendigo que fez assim uma espécie de coisa mais linda do mundo:
           uma espécie de construção.
           No dia seguinte já havia desaparecido. (…) Era terreno baldio, com um
           matinho, e tinha essa clareira que o cara estacou e botou as paredes
           feitas de um fio de barbante de cima a baixo. Bem feitíssimo. E havia
           pedaço de aniagem pregado num desses barbantes que dizia “aqui
           é...” e a única coisa que eu entendi, que estava escrito, foi a palavra
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           “parangolé”. Aí eu disse: é essa a palavra. (Jacques, 2001, p.29 In:
           LIGIÈRO, 2011, p.209)


       As mulheres catadoras construíram seus “parangolés” com os próprios
elementos que encontravam em seus caminhos, no lixo reciclável com que
trabalhavam. Elas construíram os “Parangolés” com vários tipos de tecido, tem um que
tinha até pluma misturada com tecido de chita, plástico, tachinhas... Em cena, elas os
retiram dos cabides vestem e rodam. Enquanto rodam, quatro mulheres tocam um
instrumento de sopro nos quatro cantos do palco.
       A relação espacial sempre volta à mesma estrutura nesse fazer artesanal do
espetáculo, os cantos e a ilha. Essa mesma maneira de construção do figurino se
relaciona bastante com a da construção de suas casas. Como dito no início do trabalho,
podemos lembrar da maneira como a Marilúcia construiu seu barraco, como
selecionou os objetos retirados do lixo.
       Novamente o texto de Cidades Invisíveis entra na dramaturgia, agora a cidade
de Leônia (Calvino: 1990, 105) é narrada e com essa cidade o universo particular das
catadoras vai se desenhando ainda mais, para que na cena seis elas escancarem uma
situação íntima.


       Cena Cinco - O Lixão


           MULHER COM MICROFONE diz:
           - Esta cidade se refaz todos os dias. A população acorda em lençóis
           frescos, lava-se com sabonetes que acabaram de sair da embalagem,
           veste roupas na moda, escuta pelo radio a mais nova melodia.
           Na calçada, os restos da cidade de ontem aguardam a passagem dos
           catadores. Tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas,
           jornais, aquecedores, enciclopédias, louças de porcelana.
           Mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas
           compradas, a riqueza desta cidade se mede pelas coisas que todo dia
           são jogadas fora.
           (PERGUNTANDO) - Sua verdadeira paixão é o prazer dos objetos
           novos?
           - Ou então o ato de expulsar, afastar, expurgar o lixo recorrente?
           (AS CATADORAS ENTRAM E COMECAM A LIMPAR, LENTAMENTE)
           - Certo é que as catadoras são recebidas como anjos e sua tarefa de
           remover os restos da existência de ontem é envolvida por silencioso
           respeito, como um ritual. (...)
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       A última cena que antecede o conflito familiar de uma das mulheres termina
com um coro de uma cantiga infantil: “Se essa rua fosse minha”.
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           Se essa rua se essa rua fosse minha,
           Eu mandava, eu mandava ladrilhar,
           Com pedrinhas com pedrinhas de brilhante
           Para o meu para o meu amor passar.


       O principal tema do conflito particular apresentado é o pertencimento. Como se
define de quem pertence a terra? É de quem cuida? É de quem compra? A terra que é
intitulada do governo é de quem?
       Uma mãe fica sabendo que sua filha, menor de idade, está grávida, a menina
quer morar com o pai de seu filho. A mãe se opõe e alerta à filha dos perigos de uma
mulher morar sozinha na Estrutural, pede para que a filha continue em sua casa. A filha
quer ter um lar, construir uma família. Ela consegue um lote na estrutural e tem quatro
filhas com o marido. Durante a construção da casa a mulher se vê construindo,
trabalhando e cuidando das filhas sozinha. O marido bebe e não ajuda na construção,
vendendo materiais da casa. Um dia, um oficial de justiça chega com ordem de despejo
e toda a relação com a polícia é apresentada na cena. O marido tinha vendido o lote
sem falar com a mulher. A polícia alega que aquela região é de invasão. Depois de toda
explanação em detalhes da vida da mulher e dos motivos de sua resistência em sair da
casa, a atriz vira para o público e cantando pergunta:


           E vocês, espectadores que ouviram a minha historia, me ajudem a
           entender a moral: a posse é de quem compra? Ou tem mais direito é
           quem cuida? Eu penso assim: terra é do bom camponês que tira
           frutos dela, carroça é do bom condutor, criança é das mulheres boas,
           que os crescem e educam, lar é de quem cuida. Então, como é que
           eu, que tanto lutei, fiquei sem o meu lar? O que eu posso fazer
           agora?




       Teatro Fórum


       O espetáculo mArias & maDaLenAS se utiliza, no final da apresentação, da
técnica de Teatro Fórum desenvolvida por Augusto Boal e o Teatro do Oprimido. Nessa
técnica o espetáculo apresenta um problema do qual os atores querem buscar a
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solução, trabalha-se com um conflito real que acontece na vida de uma das pessoas da
equipe, neste caso de uma das mulheres que estavam no elenco.
       No início do desenvolvimento desta técnica os atores apresentavam o problema
e perguntavam sobre possíveis soluções, depois de algumas experiências percebeu-se a
importância de pedir para que o espectador saia do banco da plateia e vá para a cena
exercer a sua opinião. Como diz Boal é um ensaio para a revolução. Pensamento e
corpo se confluem no exercício de opinião da plateia.


           Quando é o próprio espectador que entra em cena e realiza a ação
           que imagina, ele o fará de uma maneira pessoal, única e
           intransferível, como só ele poderá fazê-lo e nenhum artista em seu
           lugar. Em cena, o ator é um intérprete que, traduzindo, trai.
           Impossível não fazê-lo. (BOAL: 1996, 22)


       Nesse momento um curinga de Teatro do Oprimido sobe no palco, chama as
atrizes e começa uma mediação com a plateia sobre a situação que as mulheres
acabaram de encenar. O exercício de mediação feito por Carolina Machado é de
bastante importância, por vários motivos dentre os quais, ser o primeiro momento em
que se trava um diálogo direto com a platéia. A Coringa não estava em cena, podendo
assim construir uma ponte entre as atrizes e o público. Ela, além de interrogar sobre o
entendimento da plateia sobre a situação, explica as noções básicas da técnica de
fórum para que o público possa participar. Alguém da plateia, que tiver uma solução
para o problema, irá substituir o protagonista e improvisar uma cena com os atores,
expondo sua sugestão.
       O termo Coringa começou a ser utilizado por Boal na época do Teatro de Arena
em que ele elaborou um sistema Coringa de interpretação, quatro técnicas baseavam
esse sistema: a primeira era desvincular ator de personagem, os atores trabalhavam
com um conjunto de ações mecanizadas; os atores faziam todos os personagens,
construindo assim uma interpretação coletiva em que cada ator desenvolvia uma
propriedade narrativa; trabalhava-se com um ecletismo de gênero e estilo, em um
mesmo espetáculo poderia haver momentos em que era utilizado um melodrama
simples e uma chanchada vaudevillesca, por exemplo e uma última técnica era a
maneira de se utilizar da música, preparando ludicamente a escuta da platéia para
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textos que apresentam ideias de forma sintética, por exemplo “como dizer que é um
tempo de guerra?”
       Esse sistema foi aplicado primeiramente no espetáculo Arena conta Zumbi
(1965). No espetáculo Arena conta Tiradentes (1967), a figura do Coringa aparece, os
atores no espetáculo são distribuídos em funções e não em papéis. Segundo Boal
(2005: 207) “A consciência de um ator-coringa deve ser a de autor ou adaptador que se
supõe acima e além, no espaço e no tempo, da dos personagens”. Boal trabalhou
muito com a ideia de coro e corifeu nesta época, sendo o Coringa uma espécie de
Corifeu.
       Hoje, a figura do Coringa aparece no final do espetáculo, depois de uma
encenação que pode ser de muitos estilos e linguagens possíveis. A técnica de Teatro
Fórum é aplicada em países de todos os continentes, trazendo por essa realidade uma
liberdade na maneira de fazer. Porém é necessário que um problema seja apresentado
de forma clara para que se possa interrogar a platéia e abrir a discussão e as tentativas
de solução que o público presente irá exercitar. A pergunta, ou as perguntas são diretas
e o problema precisa ser bem apresentado em algum momento do espetáculo:
situação – problema – tentativa de solução pelos atores – pergunta para o público –
tentativa prática de alguém da platéia com alguma possível solução - discussão.
       Pelo que se percebe essas são etapas básicas para que um fórum possa
acontecer. O fórum não é um espetáculo, ele é um debate. Opta-se, às vezes, por
demonstrar a cena e ir para o debate. Porém, nessa experiência com a Alessandra não
foi assim: desenvolveu-se um trabalho estético, artesanal e depois a demonstração da
situação, também de maneira bastante teatral para que se possa depois fazer o fórum.
Não foram em todos os Laboratórios Madalena que houve fórum.
       Uma premissa importante é que alguém da plateia precisa sempre substituir o
protagonista. É ele que é intitulado como o “oprimido” da situação. Entende-se por
oprimido aquele que está em uma situação injusta, repressora mas que tem condições
e quer mudar a realidade opressora, diferente da vítima que não tem como mudar a
situação. Não se consegue fazer um fórum sobre histórias de pessoas que foram
vítimas: uma pessoa sequestrada e abusada sexualmente por exemplo, como fazer um
fórum sobre isso? Que tentativas de solução existe para essa pessoa? Como ela poderia
ter agido? Impossível pensar.
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       Em uma entrevista com Alessandra ela conta que a busca era por histórias que
revelassem a potência e a força daquelas mulheres e não histórias de vitimização. Um
jogo foi proposto por ela no laboratório com o intuito de entender a diferença entre
oprimido e vítima. Uma pessoa deita no chão e um grupo tenta levantá-la: o oprimido
resiste e a vítima não resiste. Na experiência feita com as mulheres nenhum grupo
conseguiu levantar o oprimido, aquele que resiste e tem condições de resistir a uma
situação opressora. A pergunta que faço é se queremos em algumas situações que
efetivamente nos tire do lugar, que nos levante. Como lutamos para não sermos
manipulados? Essas mulheres estavam em situação de vítima ou de opressão?
       A vida amorosa era um tema bastante contado pelas mulheres, os problemas
estavam sempre mais voltados para seus fracassos com os maridos. Depois desse jogo
é que a situação da casa apareceu, por exemplo, a história da perda do lote é da
Marilúcia que ainda estava em luta. Outras mulheres que tinham esse problema
perderam a casa. As insatisfações foram tendo um tom mais social e político no que diz
respeito à realidade das necessidades básicas que elas sofrem em seus cotidianos, até
chegar a uma externalização da consciência que elas têm sobre os seus lugares no país.
       Uma pergunta foi disparada no laboratório sobre o que elas teriam vontade de
fazer com uma pessoa que tirasse a casa delas: odiariam, lutariam, não perdoariam... e
então se essa pessoa fosse o seu marido? Também! A história do marido que vende o
lote é de outra mulher que dizia que ainda amava o marido. Ao falar e trabalhar a
história da sua vida, ela percebeu pelo o que ela lutava realmente. Ela lutava pela casa.
Isso foi crucial para o desenvolvimento da dramaturgia. A situação é sobre a
propriedade, sobre o direito de moradia.
       A dramaturgia une duas histórias verdadeiras, uma história é a do marido que
vende o lote, essa mulher foi transferida para Goiânia, ela colocou uma porta para não
perder o lote em Goiânia e voltou para casa da qual ela tinha sido despejada, correndo
o risco de ser retirada pela polícia de novo. A outra história é a da Marilúcia que o
governo quer a terra de volta.
       Algumas tentativas para solucionar o problema foram improvisadas pela plateia,
cada pessoa escolhia o momento da situação que gostaria de entrar, foram várias
tentativas: o momento de avisar para mãe que estava grávida, mas dizer que quer
abortar, essa situação fala de um momento do passado que não ajuda na solução
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concreta do problema; esganar o marido na frente do oficial de justiça, também não
ajuda a mulher a obter o lote de volta, procurar um grupo de mulheres foi uma solução
mais palpável...     Enfim, várias tentativas, mas nenhuma solução concreta. O que
podemos observar é o movimento de afetos que gerou na plateia e nas atrizes, todos
expostos e agindo.


              Teatro Legislativo


       Após o fórum houve uma sessão de Teatro Legislativo, a decisão por fazer essa
sessão veio por conta da história da Marilúcia que estava decidida a não sair da casa e
enfrentava os oficiais com a ordem de despejo. O que ela precisava era de uma lei!
       O Teatro Legislativo surgiu com o nome de Câmara na Praça na época que
Augusto Boal foi eleito vereador no Rio de Janeiro em 1992. Era feito um debate sobre
um problema real de uma comunidade, pessoas interessadas pelo tema se reúnem
com um Coringa do CTO (Centro de Teatro do Oprimido) e obrigatoriamente um
assessor legislativo e expõem o problema geralmente em forma de cena.
       A pergunta feita pelo coringa deve ser clara para que a população possa pensar
em soluções e possíveis projetos de lei palpáveis. A presença do assessor é
imprescindível para poder traduzir em vocabulário jurídico as propostas da plateia e
ajudar a clarear o pensamento dos participantes quanto à realidade jurídica. Essa
técnica é exercida até hoje e muitas leis foram construídas através desse procedimento,
como providências no tratamento geriátrico, construção de lixeiras elevadas nos
logradouros públicos, entradas e saídas de acesso ao portador de deficiência no metrô
etc.
       No trabalho com as Madalenas, a sessão foi feita após o espetáculo com a
participação da Coringa do Centro de Teatro do Oprimido Helen Sarapeck e o sociólogo
Adilson José Paulo Barbosa que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o tema
da propriedade na Estrutural em Brasília. Ele fez uma consultoria pontual nas soluções
que a plateia escreveu no papel. Depois de lida as propostas, ele fez um parecer sobre
algumas ideias que porventura ficaram impossibilitadas nos termos de uma lei, e
conseguiu encontrar duas propostas que falava de alguma maneira da vontade da
maioria.
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       Foram vinte e nove sugestões que tinham um sentido próximo. Adilson fez um
breve discurso sobre as leis existentes, as lutas que já foram feitas e colocou duas
propostas da plateia como possíveis para serem levadas adiante: a autorização de
usucapião em terra pública e o impedimento de venda do lote enquanto tiver criança
no local.
       De acordo com notícias trazidas por Alessandra Vannucci, essas propostas foram
aprovadas recentemente, a partir desses pedidos apresentados pela plateia.
       O Teatro Legislativo é um método que conseguiu penetrar na realidade das
mulheres com uma função de política pública. Conforme dito por Alessandra, esse foi o
primeiro contato que as mulheres fizeram com o governo. Ainda um contato indireto
no dia do espetáculo, mas hoje o que elas geraram ali, está aprovado para ser
implantado.
       Da cidade satélite Estrutural, atrás de um grande monte de lixo reciclável, se vê
os arranha-céus do Distrito Federal. Na cidade dos grandes edifícios e do Palácio da
Alvorada as catadoras nunca tiveram um trabalho e nem aparente motivo para irem até
lá. Somente os lixos com possibilidade de reciclagem eram o contato entre elas e
aquele mundo de lá.




       CONSIDERAÇÕES FINAIS


       Esse trabalho teve o objetivo de refletir o processo de criação, percebendo os
aspectos pedagógicos que estão inseridos em suas etapas. Através de uma análise do
projeto Laboratório Madalena, debruçou-se em uma experiência que apresentou uma
metodologia bastante clara para detonar um processo criativo de mulheres que não
tem como ofício o teatro.
        Ao concluir o curso de Licenciatura em Teatro, percebo que estou também
iniciando uma nova etapa de investigação que transborda a minha formação individual
de artista para pesquisar e descobrir possíveis metodologias que serão importantes no
processo com o outro. Que papel se descobre desse lado do jogo, onde o recém
formado como professor de teatro se coloca a frente de um processo criativo e
educacional através do teatro? Que projeto ele tem, para que lugar ele quer ir e o que
39

a pedagogia teatral pode trazer para o trabalho? E o mais importante: com quem ele
está trabalhando?
       Não se pretendeu aqui, trazer o Laboratório Madalena como exemplo do modo
de se fazer, como se essa experiência pudesse ser uma cartilha com uma metodologia
aplicável. O Projeto de Alessandra Vannucci tinha um propósito de trabalhar com o
tema do corpo feminino como produtor e não somente reprodutor, delimitando a
experiência com um grupo de mulheres catadoras de lixo reciclável em Brasília.
       Pode-se notar que o laboratório teve inúmeras especificidades: um lugar que
tem uma história, um determinado tipo de comunidade e um gênero - o feminino.
Estas características trazem para a metodologia um caráter experimental e único,
intransferível. O que se almejou com a análise deste trabalho de Vannucci foi a preciosa
oportunidade de poder refletir sobre a ação do teatro. O que uma metodologia teatral
gera? Como podemos movimentar reflexões políticas nos lugares em que chegamos
com esse diamante?
       Nas poucas experiências com educação que tive, onde se pretendia colaborar
para o desenvolvimento da criatividade e da reflexão sensível, percebi que o teatro é a
sua maneira de estar em um lugar e de entrar em conexão com o outro. A Alessandra e
a Bárbara Santos quando pensaram no Laboratório, queriam entrar em conexão com
esse universo feminino. Eu quis entrar em conexão com crianças em outros lugares que
não citei no trabalho. O que talvez importe mais seja a maneira como você pode
chegar perto do outro e desenvolver um trabalho.
       Se queremos transformar o mundo e temos certos anseios é preciso entender a
maneira como podemos fazer isso e se o conhecimento pessoal é o teatro, a linguagem
teatral, como utilizá-la? Quais são os poderes do teatro e de que maneira ele se faz
poderoso? Quais são os segredos dessa linguagem que vai se construindo com o outro?
       Esse trabalho monográfico apresenta duas técnicas desenvolvidas por Augusto
Boal e o Centro de Teatro do Oprimido que são Teatro fórum e Teatro Legislativo. Esses
são métodos transferíveis que podemos utilizar em diversos contextos e trazem,
principalmente o Legislativo, um caráter bem incisivo no que diz respeito a mudanças
concretas no cotidiano. No entanto, mesmo trabalhando com essas técnicas é preciso
identificar a maneira como vamos trazê-la para o trabalho. Será que o Fórum funciona
sempre? Será que vale a pena pedir soluções para a plateia em determinados assuntos
40

ou é melhor pedir uma sugestão de proposta de lei? Como mostrar o problema para
que ele gere uma discussão mais profunda sobre um tema?
        Esse trabalho gerou muitas perguntas ainda sem respostas, mas que são
responsáveis pelo começo do meu caminho pessoal de investigação e desenvolvimento
como artista e ser humano. Estudar a descoberta dessas mulheres nessa vivência do
Laboratório Madalena foi uma travessia importante para minha reflexão pessoal sobre
teatro, vida e ofício.
        O conto La Loba inicia o primeiro capítulo do meu trabalho, agora recupero um
trecho dessa história:
            […] em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar
            um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou
            de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa
            mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.


        Quais foram as derivações da experiência cênica? Penso no caminho da mulher que
era lobo, para lembrar sempre da trajetória e dos saltos que são necessários para as
descobertas da potência própria e principalmente da autoridade que se obtém
independente de cargos sociais, mas simplesmente por existir – sempre decidindo
como, com quem e para que.
41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


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USP, 2005.

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Laboratório Madalena: derivações de uma experiência cênica. Fernanda Paixão Moreira

  • 1. 1 UNIRIO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO CENTRO DE LETRAS E ARTES - CLA ESCOLA DE TEATRO – DEPARTAMENTO DE ENSINO DO TEATRO LABORATÓRIO MADALENA: DERIVAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA CÊNICA POR FERNANDA PAIXÃO MOREIRA Rio de Janeiro Novembro de 2012
  • 2. 2 Fernanda Paixão Moreira LABORATÓRIO MADALENA: DERIVAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA CÊNICA Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Banca Examinadora como requisito parcial para obtenção do Grau de Graduado em Teatro, na modalidade Licenciatura, da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação da Professora Elza de Andrade. Rio de Janeiro Novembro de 2012
  • 3. 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO CENTRO DE LETRAS E ARTES - CLA ESCOLA DE TEATRO – DEPARTAMENTO DE ENSINO DE TEATRO LABORATÓRIO MADALENA: DERIVAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA CÊNICA por Fernanda Paixão Moreira BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Elza de Andrade (Orientadora) Profa. Dra. Liliane Ferreira Mundim Prof. Dr. José Luiz Ligièro Coelho Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2012
  • 4. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço aos amigos que conheci ao longo da minha formação pelos questionamentos e cumplicidades, à Alessandra Vannucci, Centro de Teatro do Oprimido, Cláudia Simone, Marcos Brizio, Projeto Conexão ArteViva, Regina Paixão e aos mestres que me formaram ao longo da vida.
  • 5. 5 RESUMO Palavras-chave: teatro, opressão, feminino, espaço, derivação Laboratório Madalena é um laboratório estético desenvolvido com mulheres catadoras de lixo reciclável da cidade de Brasília, que teve como ponto de partida a pesquisa sobre o corpo feminino e o gesto de catar. Este projeto monográfico pretende refletir sobre as derivações dessa experiência cênica feita com mulheres não atrizes, tais como o trabalho dramatúrgico elaborado a partir da própria biografia, a estética descoberta daquele grupo e as reflexões que o processo criativo detonou no corpo das mulheres. É de bastante importância, a percepção de como o teatro trouxe para elas uma problematização e uma desestabilização das relações de opressão do cotidiano daquela realidade social. As questões levantadas ao longo da escrita deste trabalho de conclusão de curso partem sempre dos acontecimentos da prática artística ocorrida em Brasília. RESUMÉN Palabras llaves: teatro, opresión, femenino, espacio, derivación Laboratório Madalena es un laboratorio estético desarrollado con mujeres recolectores de residuos reciclables en la ciudad de Brasilia, que tuvo como punto de partida la investigación sobre el cuerpo femenino y el gesto de picking. Este proyecto monográfico pretende discutir las derivaciones de esta experiencia escénica hecha con mujeres no actrices: el trabajo dramatúrgico extraído de la propia biografía, el descubrimiento de una estética del grupo y las reflexiones que el proceso creativo provoco en el cuerpo de las mujeres. Es muy importante, la percepción de la forma en que el teatro les trajo un cuestionamiento y una desestabilización de las relaciones de opresión que existian en el cotidiano de trabajo e vivienda de las mujeres. Las cuestiones planteadas durante la redacción de este trabajo de conclusión de grado son apuntadas siempre a partir de la experiencia vivida en Brasília.
  • 6. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................... 01 CAPÍTULO I – Pedagogia Teatral, Processo Criativo e Construção da Dramaturgia ...............................................................................08 CAPÍTULO II - mArias & maDaLenAS .................................................................... 20 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................31 ANEXOS...................................................................................................................32
  • 7. 7 1. INTRODUÇÃO Essa pesquisa monográfica, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Licenciatura em Teatro, pretende estudar possíveis caminhos da Pedagogia teatral que tem sua origem na Pedagogia do Ator. Entende-se como Pedagogia do Ator as possíveis metodologias utilizadas no processo criativo do artista para a construção de uma linguagem cênica. Como esse processo criativo se dilatou e se tornou importante também na formação do cidadão dentro do currículo escolar ou em processos experimentais em comunidades? Ao longo da minha formação na Escola de Teatro da UNIRIO tive a oportunidade, através da bolsa de pesquisa do Núcleo de Performances Afro- Ameríndias (Nepaa), de ter acesso ao projeto Laboratório Madalena - ocorrido na África, Brasil, Europa e Índia. Este laboratório foi idealizado e executado pela coringa do Centro de Teatro do Oprimido, Barbara Santos, e pela diretora teatral e coringa, Alessandra Vannucci. Ao me debruçar sobre as características desse projeto percebi que ele poderia ser um ponto de partida fundamental para refletir de forma mais consistente minhas indagações sobre a pedagogia teatral, entender metodologias e perceber, através de uma prática, as possíveis funções políticas da experiência teatral. Nesta escrita, portanto, delimito a experiência do processo criativo em uma comunidade. Em uma conversa por telefone com Alessandra Vannucci, (eu ainda não a conhecia pessoalmente), ela me perguntou como eu soube do projeto e como sabia que tinha acontecido em tantos lugares. Eu respondi e comentei que queria relacionar todos os lugares. Ela me revelou que tinha os materiais, mas que era melhor pensar em um laboratório apenas e foi me contando como foram todos, para uma possível escolha. Todos eles tinham características muito diferentes e resultados também bastante distintos, o que eu pensei ser muito bom, pois me dava o ensejo de
  • 8. 8 relacionar, discutir as diferenças das mulheres e dessas expressões femininas. Até que ela começou a contar o “Laboratório Madalena” na Estrutural1 de Brasília com mulheres catadoras de lixo reciclável, que foi a experiência onde tinha sido possível reunir mais material. Isso foi importante. As relações que eu pensava em fazer com as diferentes culturas, as expressões artísticas femininas nos continentes, se encontravam todas, a meu ver, lá no Laboratório feito na Estrutural. Tive minha primeira noção e base do projeto ao conversar com Alessandra e também no release escrito pela diretora em 2010. bRazILHA é um laboratório estético dedicado ao tema do corpo feminino e do trabalho, desenvolvido com mulheres catadoras de lixo da cidade de Brasília. No laboratório, queremos recolher e devolver ferramentas artísticas às mulheres trabalhadoras, “atrizes” em seu cotidiano contemporâneo, entre a necessidade de repetir todo dia o mesmo papel e o desejo de ser outra. Mulheres que cumprem gestos antigos e vivenciam em seus corpos a memória ancestral de gerações de trabalhadoras engajadas na luta para a sobrevivência no campo, no rio, no cerrado e no sertão. Seu corpo é território marcado pelo trabalho e pela opressão. Seu desejo, sua luta, seus cantos são transformadores. Focamos especialmente uma comunidade engajada em um gesto de trabalho tradicionalmente feminino: o de catar. O gesto de recolher e reutilizar dejetos da natureza assim como urbanos ou industriais, faz parte do cotidiano das mulheres desde os tempos mais antigos. Catar, o que hoje chamamos reciclar, é uma pratica de auto-sustentabilidade característica de uma economia ecológica e comunitária, tradicionalmente feminina. Este modelo de sociedade se diferencia do sistema patriarcal, fundado na propriedade particular, na divisão do trabalho por gêneros e na exclusão dos dejetos (objetos ou indivíduos). Ela se diferencia pelo fato de fundar o consumo no direito natural (por necessidade e não por possessão) e a convivência na comunidade dos bens e na cooperativação do trabalho. Esta possível sociedade resgataria uma mentalidade pré-histórica matrilinear, muito bem sucedida na história da civilização humana antes do patriarcado. Por isso, o projeto acontece com catadoras de lixo reciclável que participam da Central de Cooperativas de Brasília. Escrevemos o nome da cidade bRazILHA por entendê-la cidade sem raízes, constituída por pessoas em trânsito, fundada na mitologia da conquista do futuro, representativa do sonho do Brasil e móvel como um navio sem amarras, lançado no horizonte. bRazILHA. (VANNUCCI, 2010) 1 A Vila Estrutural de Brasília pertence à região administrativa do Guará e é uma área de invasão, lá está um grande lixão de objetos recicláveis formado logo após a construção da Capital Federal. Pouco tempo depois, os barracos construídos pelos catadores de lixo começaram a formar o que hoje é a Vila Estrutural.
  • 9. 9 Mulheres. Trabalhadoras de uma atividade, que além de ser tipicamente feminina como citado acima, é uma ação que tem um lugar político dentro da sociedade brasileira. O lixo da grande capital que se refaz todos os dias vai para as mãos dessas catadoras, as casas onde elas vivem são construídas em função desse trabalho, nas margens da nova capital brasileira, onde o transporte é escasso e viver perto do trabalho é a única opção. As suas casas são construídas aproveitando do que se tem, sendo o terreno do governo. Com o lixo reciclável, restos do consumo dos moradores de Brasília que chega às mãos delas, muitas vezes montam as suas casas. As mulheres catadoras decoram seus barracos transformando o que é encontrado de resto e gratuito. Para a construção da cidade de Brasília sabemos que chegaram caminhões cheios de trabalhadores vindos de todas as partes do Brasil com a esperança de um futuro melhor. Futuro desenhado como quase perfeito pelo Presidente modernista Juscelino Kubitschek (1956-1961). O sonho era integrar e tornar o país independente, e para os trabalhadores a construção da cidade se mostrava um momento importante onde eles seriam os responsáveis pela existência da Capital de seu país. Em 21 de abril de 1960, JK inaugura o grande sonho recitando o famoso discurso de esperança e vitória: Cabe-me a honra de içar neste momento a Bandeira Nacional. Faço-o com emoção que dificilmente poderia exprimir. Esta e todas quantas agora se hasteiam, não importa em que sitio de nosso imenso território, ostentam uma estrela a mais. Porque o país cresceu, se animou do espírito criador, e este espírito criador produziu mais uma entidade na Federação. Ai está a estrela do Estado da Guanabara que se vem juntar aos vinte Estados que giram harmoniosamente em torno de Brasília, Capital Federal da pátria brasileira, centro das futuras decisões políticas, cidade da esperança, torre de comando da batalha pelo aproveitamento do deserto interior. A bandeira que vai tremular nos céus do Brasil simbolizará um país que se tornou maior. Sinto agora a mesma vibração, o mesmo entusiasmo, o mesmo tremor que sentem todos aqueles que estão praticando o mesmo gesto nos quatro cantos da Pátria. Meu pensamento volta-se, neste instante, para as novas gerações que hão de recolher o fruto de nossos trabalhos e encontrar um Brasil diferente daquele que encontramos, um Brasil integrado no seu verdadeiro destino. Diante da Bandeira Nacional, com suas vinte e
  • 10. 10 duas estrelas, saúdo os pioneiros, os que lutaram para que chegássemos ao que somos, e saúdo os filhos dos nossos filhos para os quais, sem medir esforços e sacrifícios, erguemos as bases da nossa grandeza futura. (KUBITSCHEK. Trecho do discurso de inauguração de Brasília, em 21/04/1960.) Olhar para esta chamada cidade satélite à beira da capital nos faz perguntar qual é a função de Brasília. Para quem é Brasília? O que ela integra? Essa estrutura que abrigou o projeto artístico de Alessandra Vannucci é uma denúncia de vários fatores sociais que são falhas, brechas e contradições dos desejos políticos afamados pela mídia e principalmente do plano de integração e de colheita de frutos. Quais são os frutos colhidos em Brasília hoje? Quem colhe esses frutos? O que significa ser trabalhador no Brasil? A construção da capital já era planejada desde a época do Império e foram pensados vários nomes como Nova Lisboa e Petrópolis, nomes nos quais podemos ver claramente uma homenagem ao nosso país colonizador ou diretamente a Dom Pedro II. Conceitos como integração, independência eram ditos pelos políticos idealizadores, assim como desenvolvimento na época de JK e modernismo eram também conceitos muito presentes na propaganda da nova capital. A partir de Brasília se pensava em reconstruir a sociedade brasileira, em mudar e transformar essa sociedade, uma utopia que precisava virar realidade. Na dissertação de mestrado em sociologia de Adilson José Paulo Barbosa, jurista que participou do projeto de Alessandra Vannucci na Estrutural, ele cita um trecho de documento histórico de Brasília: Os blocos de apartamentos de uma super quadra são todos iguais: a mesma fachada, a mesma altura, as mesmas facilidades, todos construídos sobre pilotis, todos dotados de garagem e construídos com o mesmo material, o que evita odiosa diferenciação de classes sociais, isto é, todas as famílias vivem em comum, o alto funcionário público, o médio e o pequeno. Quantos aos apartamentos há uns menores e outros maiores em número de cômodos, que são distribuídos, respectivamente, para famílias conforme o número de dependentes. E por causa de sua distribuição e inexistência de discriminação de classes sociais, os moradores de uma super quadra são forçados a viver como que no âmbito de uma grande família, em perfeita coexistência social, o que redunda em benefício das crianças que vivem, crescem, brincam e estudam num mesmo ambiente de franca camaradagem, amizade e saudável formação. […] e assim é educada, no Planalto, a infância que
  • 11. 11 construirá o Brasil de amanhã, já que Brasília é o glorioso berço de uma nova civilização. (BARBOSA, 1963: 65-81) Construir mais um Estado que abrigaria a Capital Federal e nela investir todos os ímpetos de desenvolvimento e utopia da sociedade é não pensar diretamente em transformar a sociedade no que ela já tem que são os outros estados brasileiros. Ali em um novo solo, teria um simbolismo de mudança? Uma ilha transformada? Voltamos ao nome do projeto bRazILHA. Uma ilha utópica construída por braços brasileiros vindos de todas as partes. A possibilidade de Brasília ser um futuro de esperança para esses trabalhadores significa que em cada parte do Brasil a odiosa diferença de classes existia e bastante. Andando por Brasília podemos perceber que são raros os nascidos lá. A cidade é habitada por pessoas de todas as partes que vieram em busca de um sonho. A estrutura de moradia, pensada em sua construção, sabemos que não existe, nem mesmo os políticos, trabalhadores do Palácio da Alvorada vivem no âmbito de uma grande família. A cidade foi construída em quatro anos (1956-1960), e como Brasília outros projetos de integração foram realizados. Na década de setenta a estrada Transamazônica foi construída pelo presidente militar Emílio Garrastazu Médici (1969- 1974) no intuito também de integrar o Brasil à Amazônia. Essa estrada nasce na Paraíba até chegar ao estado do Pará onde entra pelo Acre e chega à fronteira com o Peru, sem mostrar uma divisa final. O jargão da época era dar uma terra sem homens para homens sem terras. O marco da inauguração da estrada não foi pela pedra fundamental e sim pela derrubada de uma grande castanheira, até hoje conhecida vulgarmente como pau do presidente. Observa-se uma política de construções imediatas e de invasão, uma transamazônica realizada por colonizadores do sul e nordeste do país com a mesma esperança de um futuro melhor. Evasão sobre evasão, promessas e uma destruição nas relações humanas que se estabelecem no abismo das diferenças de recursos sociais. O colonizador europeu se torna colonizador brasileiro. Dentro do grande território corre- se de um lado para o outro, invadindo, conquistando e progredindo.
  • 12. 12 Antes de Brasília, a Capital Federal era a cidade do Rio de Janeiro, hoje não mais Capital Federal, porém ainda Cidade Maravilhosa, eleita pela UNESCO em julho de 2012 “Patrimônio Mundial da Humanidade”. Em foco internacional receberá a Olimpíada de 2016, a Copa do Mundo de 2014 e constrói apressadamente um Porto Maravilha. A favelização da Cidade Maravilhosa é de grande impacto ambiental e social, recebendo imigrantes do todo o Brasil, principalmente nordestinos que acreditam nela haver esperança de um mundo melhor. Os remanescentes negros também são vítimas das condições precárias da moradia nas favelas do Rio, completando ou reabrindo o ciclo odioso das diferenças sociais. Qual é a relação do teatro e da arte com tudo isso? Ao pensar no mundo, África, Europa, Ásia e Brasil, eu desejava discutir as diferentes opressões denunciadas pelos laboratórios artísticos das mulheres. No entanto, as catadoras de lixo já são geradoras de uma denúncia social que dilata o espaço de Brasília e nos faz levantar os olhos às relações sociais estabelecidas no mundo, o desejo do sistema capitalista, o que emerge e o que resta. Na verdade as opressões não foram só denunciadas a partir de um processo teatral. O grupo de artistas que planejou estar nesse local já começou a evidenciar o contexto problemático simplesmente ao pensar em estar lá. Ao chegar ao lugar, um laboratório que tem como material principal a condição humana dos seus participantes, já são detectadas as relações de poder estabelecidas e se começa a ver necessidade de saber como estar neste local. Como o teatro se coloca nesse contexto? Como trabalhar como essas mulheres? O que o teatro nos evidencia e em que lugar político ele coloca os artistas? Ao ler o release do projeto Laboratório Madalena na Estrutural percebe-se o compromisso histórico e estético da arte nesse local. Distancia-se, assim, a ação do artista de um propósito imediato, de uma construção concreta de alguma estrutura social, arquitetônica e principalmente de uma mensagem ou catequização do que quer fosse. O artista entra, mas não é colonizador. O gesto de catar das mulheres, recolher e reutilizar os dejetos e os restos recicláveis de uma parte da sociedade é o gestus denunciador de seu papel naquele lugar e ao mesmo tempo deflagrador do próprio local e sua realidade. Em seu estudo sobre a bufonaria – figura grotesca, denunciadora
  • 13. 13 que nasceu na Idade Média e circulava pelo palácio do Rei – a professora e diretora Beth Lopes fala sobre o teatro de Brecht e sua possibilidade política dialética 2. O teatro não-aristotélico de Brecht, além de colocar o homem comum no centro da dramaturgia, não deve propiciar a catarse nem a empatia diante do herói trágico. Ao contrário, o espectador não se identifica com as personagens, mas as reconhece em suas contradições. Como na técnica do cinema, a cena de Brecht, corta, recorta, monta, cola, edita, em processo descontínuo. E o ator, por sua vez, conta, narra e expõe diretamente ao público, combinando acontecimentos em tempos diferentes. O lugar das emoções é reservado ao espectador que, sem os recursos da ilusão cênica, é levado a refletir ativamente sobre o que assiste. A realidade é analisada pelo confronto de ideias opostas, na direção de um teatro dialético. A redescoberta de Brecht dos valores do velho teatro popular se traduz na produção de uma atuação e dramaturgia “vaudevillenesca” fragmentada e viva como os “números” circenses. O trabalho do ator consiste em contar uma história (fábula) por meio de atitudes gestuais. O gestus, guardada a sua dimensão assaz complexa, indica uma conduta ou atitude social. Ligada ao conteúdo histórico e ideológico marxista, a escritura corporal (feita também de palavras) se constrói a partir de diferentes níveis miméticos, desde um detalhe de movimento de um personagem a um comportamento característico de um grupo. Mais do que isto, o gestus deve revelar as ideias subentendidas nas palavras e acontecimentos. Ações que contradizem os textos produzem fissuras na representação, provocando o efeito de estranhamento e distanciamento essenciais para o teatro épico. (LOPES, 2005: 16) Esse trecho do estudo de Lopes (2005) fala claramente de um processo de ator e de possibilidades para construção de um espetáculo, porém ao destacar a entrada dos artistas nessa comunidade e ao saber que esse projeto pretende um laboratório artístico seguido de espetáculo, podemos nos perguntar: quem são os atores desse trabalho? Ela diz que além de colocar o homem comum no centro da ação a dramaturgia não deve propiciar a catarse, podemos dizer que os atores nesse momento são as catadoras e elas são ao mesmo tempo o homem comum e personagem colocado na dramaturgia. 2 LOPES, Beth. A blasfêmia, o prazer, o incorreto, IN, Revista Sala Preta, nº 5, São Paulo: USP, 2005.
  • 14. 14 O trabalho do Laboratório Madalena tem grande inspiração na teoria da Estética do Oprimido, um método aberto de Augusto Boal que permitiu a Alessandra Vannucci introduzir, além das indicações e atividades já elaboradas pelo teatro do Oprimido, muitas técnicas de dança, criação coreográfica, construção de máscaras e escrita seguindo seu próprio currículo artístico de modo lúdico e empírico. O Laboratório Madalena, portanto, se mostra um trabalho de caráter experimental. No Capítulo 1, a metodologia utilizada para a construção da dramaturgia do espetáculo dessas mulheres é revisitada para uma reflexão em torno do que revelamos através do teatro e principalmente como o sonho e as ferramentas artísticas do ser humano se afloram para o desenvolvimento da potência própria. No Capítulo 2 escrevo sobre a dramaturgia propriamente dita do espetáculo das catadoras: os textos selecionados, quais falas do cotidiano estão em cena e quais foram os resultados das técnicas de Teatro Fórum e de Teatro Legislativo nessa montagem.
  • 15. 15 Capítulo I – PEDAGOGIA TEATRAL, PROCESSO CRIATIVO E CONSTRUÇÃO DA DRAMATURGIA La Loba Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos de fadas da E uropa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo. Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos. Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban num carro incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo. O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos. Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montanhas e os arroyos, leitos secos de rios, à procura de ossos de lobos e, quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar. Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pelos. La Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e desgrenhado. La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar. E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo desfiladeiro. Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte. Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode
  • 16. 16 simpatizar com você e lhe ensinar algo — algo da alma. (ESTÉS, 1994: 43-44) La Loba é a primeira história do livro Mulheres que Correm com os Lobos de Clarice Pinkola Estés (1994). Quando decidi estudar sobre um projeto que trabalha especificamente com mulheres, o primeiro livro que me veio à mente foi este de Pinkola. Mais do que artigos de antropologia, o conto de fadas para mim era o que se relacionava mais diretamente com esta questão. Como provar cientificamente que catar é um gesto tipicamente feminino, se não pela tradição oral? Será que a literatura dos contos de fada não é também um argumento de autoridade para tal questão? A mitologia, as lendas nos acompanham desde sempre e com códigos mais simbólicos do que racionais que nos levam a refletir sobre problemas concretos e características sociais. Como conta Clarice Pinkola Estés (1994: 43) esta velha existe: “O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos”. A característica que une todos os Laboratórios Madalena que foram realizados em diversas partes do mundo é a realidade feminina, a ideia do corpo feminino como território de trabalho e poder, não sendo somente um corpo reprodutor e sim produtor. No projeto dentro da Estrutural de Brasília o trabalho foi feito com as catadoras de lixo como já dito e o gesto de trabalho é o de catar. O lixo jogado na Estrutural é um lixo reciclável, não se sabe por que, mas é o tipo de material que é despejado naquele lugar, onde as mulheres participantes da oficina trabalham. E é nesse lugar onde elas construíram seus barracos e onde vivem todo o tempo. Como a mulher Lobo elas catam objetos específicos, separam o que podemos chamar o joio do trigo, não diferenciando entre bom ou mal como conhecemos o provérbio, mas diferenciando, qual coisa é cada coisa. A loba recolhe ossos. As mulheres aqui diferenciam cada objeto para uma possível reciclagem, para que voltem ao mundo. Ao mundo do uso, ou até mesmo dando outra função para os objetos, transferindo afetos e necessidades. Ao redor do lixo, elas moram como podem e do lixo encontram os meios de vida. Entrevistando a diretora Alessandra Vannucci descobri como foi feito um dos
  • 17. 17 barracos da grande favela onde moram os catadores da Estrutural, homens e mulheres. Relata a diretora: O barraco da Marilúcia? (...) tudo feito com lixo, agora na primeira chuva aquilo cai tudo abaixo, ela fez com papelão e mora com as quatro filhas. Só ela, fez o barraco com o papelão, agora tem tudo, tem liquidificador, tem pia, tudo ela catou. Ela diz que o shopping dela é o lixão, flores na mesa, eu disse: isso aqui você comprou? Não! Achei lá! ela falou. Aí eu vi dois reais pendurados na parede, eu fotografei. Era uma lembrança e ela não gastou, lavou e guardou. (VANNUCCI) Quando a Alessandra foi narrando a casa desta mulher, ela foi nomeando os objetos: liquidificador, pia. A dona do barraco conhece um shopping, mas afirma que o dela é aquele ali, o lixão. Ela sabe quais são os valores das mercadorias que estão em um shopping e os motivos que todos nós temos de comprar artefatos úteis. Ela, no entanto, cata, recupera, reutiliza. Por que foi jogado fora? Não se sabe, pode ser por qualquer motivo, vontade de trocar por outra cor, algum rachado que possa ter, algum desafeto com quem lhe presenteou, não se sabe o porquê foi parar no lixão. O que sabemos é que estava perdido, em uma tentativa de se perder do mundo. Infelizmente ou felizmente para certos objetos é difícil se perder do mundo, se decompor na terra, ser engolido pelo olho do furacão. Simplesmente alguns materiais não se decompõem assim, pois a terra não digere. E ficam em algum lugar como em um lixão, ou entupindo um bueiro, ou sendo queimado e agredindo o ar, invisível. Para alguns eles se perdem sim, mas a gente aqui agora vê que é só a tentativa de se perder. No final da fala de Vannucci sobre o barraco de Marilúcia, é narrado o aparecimento de flores e de uma nota de dois reais pendurada na parede. O dinheiro achado no lixão dentro dos valores da sociedade confirma a hipótese que estava lá por descuido, ninguém joga dinheiro fora e quando se acha no chão ou no lixo geralmente se gasta. A Marilúcia lavou primeiramente e pendurou na sua casa como um adorno, uma lembrança. Na orelha do livro “A Estética do Oprimido” de Augusto Boal (2009), Maria Rita Kehl fala sobre a proposta de teoria de pensamento sensível para uso prático: Pensar não é apenas simbolizar o que está dado diante de nós: é também imaginar o mundo para além dos limites do presente e do
  • 18. 18 possível. Como as crianças, tão caras à observação de nosso autor, também o artista – que pode ser qualquer um - descobre-se capaz de remontar qualquer imagem dada, desafiar sua aparência concreta e imperativa e recriá-la sob outros ângulos de modo a revelar o que se escondia ou se recalcava, sob a aparência da normalidade. A nota de dois reais pendurada na parede de Marilúcia não está neste discurso como um exemplo de obra de arte, mas sim como uma imagem remontada, que constitui em si um desafio à sua aparência concreta e imperativa. Mostra-se também um desafio não só à aparência, desse desconcerto de se colocar pendurado em uma parede uma nota ainda corrente no mercado, mas ao valor econômico, moral, ético e político dado àquela nota. Em relação à infra-estrutura de um barraco de papelão percebe-se uma precariedade de recursos financeiros para a construção de um lar seguro às intempéries da natureza e para o conforto do cidadão, porém ao ver o dinheiro no lixo a catadora desviou ou desafiou suas necessidades econômicas, não gastou, lavou e decorou sua casa. Uma questão bastante presente nos textos e pensamentos de Augusto Boal é que artista pode ser qualquer um. Nessa monografia o que está sendo colocado em evidência de forma prioritária é a estética encontrada em cidadãos que não tem como ofício a arte e, principalmente, como um processo criativo desencadeado por artistas (propositores que tem como profissão a arte) pode detonar situações de opressão e denunciar as relações de poder massificantes da sociedade. Os aspectos estéticos da realidade dessas mulheres influenciaram de forma contundente a proposta de uma metodologia e principalmente na pesquisa de uma linguagem para o produto artístico a ser construído pelas catadoras. Conceitos dos movimentos de vanguarda, como ready made, proposto por Marcel Duchamp e colagem, vieram à tona no processo de construção do laboratório. Em meio à realidade de uma guerra mundial na Europa, a contemplação estética foi problematizada, iniciando um movimento de pesquisa onde os objetos do cotidiano, ready made - já pronto – são ressignificados, ganhando um estatuto de objeto artístico, o espectador reflete sobre o que vê, não contempla o belo. Restos utilizados pela sociedade, além de objetos da própria biografia, também foram transfigurados no Manto de Apresentação de Bispo do Rosário, por exemplo. Vendo a imagem do manto, pode-se perceber um trabalho de constante elaboração e
  • 19. 19 decisão de Rosário que compôs cores, tecidos, nomes, definiu posições e principalmente contextualizou o seu manto, que tinha a função de vesti-lo no dia de seu juízo final, no dia de sua morte. A pesquisa do Laboratório Madalena está voltada para o tema do corpo feminino como território de poder e trabalho, delimitando o gesto de catar como deflagrador de uma reflexão. A partir de inquietações sobre gênero e opressão, o corpo se torna a fonte mais importante da elaboração artística. Aqui, além dos objetos do cotidiano, os próprios hábitos e corpos dessas mulheres se colocam como protagonistas no processo criativo. Nota-se a importância de uma análise cuidadosa da metodologia que foi base para a construção de uma dramaturgia e também como a poética já existente em tal realidade foi sendo percebida e revelada no Laboratório. Em um artigo sobre a Pedagogia teatral, Gilberto Icle (2007)3 reflete sobre como e em que momento o processo criativo começa a se instalar em diversas realidades fora do mercado do espetáculo. O surgimento do encenador no século XX e consequentemente uma transformação no processo de formação do ator e de construção de um personagem é início do pensamento de uma possível pedagogia teatral. Deste momento até os processos contemporâneos de escrita cênica, muitas mudanças ocorreram neste campo de pensamento e procedimentos metodológicos vem sendo experimentados, um entendimento de pedagogia começa a interferir também no ofício do diretor teatral e conceitos como autonomia, potência e processo transitam na formação do artista e na formação do cidadão. Vemos, assim, a passagem da Pedagogia do Ator - como intenção e prática melhorar a eficiência da atuação no seio dos espaços criativos e inventivos do teatro do século XX – para a pedagogia teatral como urgência de humanização dos sujeitos na ida contemporânea, por intermédio das práticas teatrais. Cabe por isso indagar: como foi possível a pedagogia do ator, tal qual a idealizada por Stanislavski, Copeau, Decroux e outros “reformadores do teatro”, se tornar uma pedagogia teatral, amplamente difundida e generalizada em espaços diferentes e com propósitos distintos e para além do teatro? (ICLE: 2007) 3 ICLE, Gilberto. Da Pedagogia do Ator à Pedagogia Teatral: verdade, urgência e movimento. http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/viewFile/525/461, consultado em 22 set.12.
  • 20. 20 Não será possível e nem é um propósito dessa pesquisa responder a essa pergunta, porém analisar a experiência na Estrutural, a fim de entender possíveis caminhos concretos de metodologia. Para esta reflexão, é preciso voltar muitas vezes à pergunta de Icle com o intuito de perceber as transformações da pedagogia no processo criativo durante os anos. Como já dito, em lugares com distintos objetivos, a pedagogia teatral é aplicada. Uma questão importante é – se o artista não entra no espaço comunitário como colonizador e como consequência de seu trabalho detona questões sociais, seja de opressão ou não – como servir a todos os propósitos do sistema político com a pedagogia teatral? No processo de laboratório, as mulheres catadoras de lixo começaram a sua participação com a esperança de uma oportunidade na mídia, porém a própria atividade teatral foi se revelando deflagradora e poética, e a vontade de algo imediato e financeiro foi se transformando em reflexão sobre o próprio lugar de cada ser humano ali presente. Um espetáculo no final do processo foi apresentado no principal teatro da capital. Neste momento, o teatro trazia sua existência espetacular e com importância e sutileza a cena teatral coexiste no cotidiano e no sistema. Augusto Boal participou em 1973 do projeto Alfin (Operação Alfabetização Integral) que tinha como objetivo trazer o conhecimento da língua castelhana a comunidades do Peru que se comunicavam em diversas línguas. Em observação ao trabalho de Estela Liñares, orientadora do setor de fotografia de Alfin, ele conta que a alfabetização através da fotografia não se deu através de fotos trazidas para os participantes contemplarem. No processo eram feitas perguntas em castelhano e eles respondiam em foto. As máquinas foram disponibilizadas para eles, assim como instruções técnicas de manuseio do equipamento. A partir desta experiência não podemos afirmar que os participantes deste projeto detêm a linguagem da fotografia e são artistas. O que se evidencia aqui é a possibilidade de conhecimento e de manuseio de meios de produção seja para que fim for e de que origem venha: seja algum meio relacionado à tecnologia ou à arte. Os meios devem ser disponibilizados como canais de descobertas do potencial do ser humano e ao estar em contato com as linguagens, o cidadão se desenvolverá ou não
  • 21. 21 como artista, partindo do ponto de vista de que artista é aquele que tem como ofício a arte. É também em relação afetiva com as participantes do projeto que se constitui o “Laboratório Madalena” e a partir da realidade do espaço, dos materiais estéticos ou não que surgem dentro daquele contexto, a metodologia baseada nas teorias do Teatro do Oprimido de Augusto Boal vai se mostrando. No release do projeto, Vannucci diz pretender “devolver as ferramentas artísticas às mulheres trabalhadoras, atrizes do cotidiano”. Percebe-se que o laboratório estabelece um lugar entre o que se propõe para elas e o que se necessita delas para que a proposta exista. Quando ela fala em devolver, pressupõe-se que elas já tinham ou têm ferramenta artística. Segundo Vannucci “sua integração pelo teatro se dá pelos caminhos da criatividade, da inteligência emocional e da auto-estima e não pelo seu pertencimento à sociedade como última rodela do mecanismo do consumo”. O que se vê no laboratório é uma busca estética que parte do corpo daquelas mulheres participantes que estão em um lugar de busca pela sobrevivência, porém encontrando os respiros do cotidiano desde as flores, a nota pendurada, até o que se descobriu para a montagem da dramaturgia do espetáculo apresentado na Caixa Cultural de Brasília pelas catadoras. As Oficinas No dia 1 de fevereiro de 2012 começou a primeira oficina com o grupo de catadoras de lixo reciclável na sede do Ponto de Cultura ESTEC instalado na Casa d`Italia na cidade de Brasília. As oficinas foram executadas durante duas semanas antes do começo da construção de uma dramaturgia. Nas oficinas, a diretora Alessandra trabalhou com outros artistas para complementar a pesquisa artística das catadoras: Luciano Porto (músico e palhaço), Delei (artista plástico) e Maria Carmen de Souza (cenógrafa). Por fim, Carolina Machado (coringa do Teatro do Oprimido) veio dar sua atenção e apoio para a construção do roteiro. Nas últimas duas semanas, se realizou a construção do cenário e dos figurinos com participação das mulheres, o cenário foi feito com lixo reciclável e as roupas costuradas pelas próprias catadoras.
  • 22. 22 As oficinas foram elaboradas em cinco etapas que se estruturavam da seguinte forma: 1. RITMO/DANÇA/SOM: ancestrais 2. DANÇA/SOM/NARRATIVA: habitat 3. DANÇA/SOM/DRAMA/TECIDO DE RETALHOS: pelotão e sereias, declarações de identidade 4. FIGURAS/NARRATIVAS: inferno/paraíso e pinturas com lixo 5. FIGURAS/NARRATIVA: cidade invisível Na primeira etapa da oficina4, foram praticados ritmos de origem tribal, foram utilizados sons vocais das mulheres com as vogais de seus nomes, o círculo, o ritmo uno estavam presentes nessa etapa do desenvolvimento do projeto. Acredita-se que é pertinente à formação daquele novo coletivo, exercícios que revelem seus nomes, a forma de círculo que permitia o olhar entre todas e jogos como Batizado Mineiro retirado do sistema de “Jogos para atores e não atores” de Boal onde cada mulher entrava no centro da roda, dizia seu nome e uma característica sua com a primeira letra do nome. Aparentemente simples é um jogo que propõe uma primeira exposição pessoal diante do coletivo: qual característica escolher nessa primeira apresentação a um grupo? Nesta experiência, as mulheres atribuíam a si características suaves e muito femininas, até um pouco contraditório com a dureza de suas vidas. Outro acontecimento gerado nessa etapa é uma pesquisa sobre os movimentos cotidianos de cada catadora. Elas repetiam cinco gestos utilizados em seus cotidianos, construíam respirações e sons para cada gesto até chegarem a uma dança do cotidiano. Um trabalho de busca, através da memória da respiração, de uma certa realidade física das mulheres ancestrais de cada uma das participantes, memória de corpos femininos progenitores, embutidos no corpo vivo e presente, foi realizado a partir de uma ideia experimental da diretora. Percebe-se, portanto, a necessidade do encontro consigo mesma e da externalização dessas descobertas individuais. 4 Essas informações foram colhidas no programa de atividades do projeto escrito em tópicos pela diretora Alessandra Vannucci.
  • 23. 23 Na segunda etapa a partir da sequencia de gestos cotidianos, as participantes constroem uma partitura coreográfica única, que elas executam em coro, loop e com variações de intensidade, dimensão gestual e rítmicas. Nesta etapa também se inicia uma pesquisa com objetos próprios e trazidos pelas catadoras. Que objetos podem contar a cidade que você vive? A informação é passada de maneira silenciosa, sem explicação verbal. A disposição coletiva no espaço dos objetos particulares demonstra a cidade, chamada habitat. A narrativa é recuperada também em uma história contada por cada participante com o seu objeto, em seguida essa história é contada por outra participante. O pertencimento de cada corpo narrador a uma narrativa do outro acontece, revelando identidades e diferenças. No terceiro momento foram feitas atividades que já começaram a trabalhar com emoções, através da pesquisa de movimentos deformados, ruídos expressões e caminhadas tipicamente femininas. Dois trabalhos realizados nessa oficina que serão destacados nessa pesquisa são a construção da declaração de identidade (p.17) e a construção de tecidos e retalhos (p.19). O ser humano do lixo foi um trabalho construído no quarto momento da vivência, partindo da mesma linha de desenvolvimento anterior, onde se valoriza o recolhimento de objetos pessoais, do espaço da cidade e principalmente o lixo limpo que essas mulheres trabalham, foram construídas figuras imaginárias, monstro, mulher, personagem, boneca. Em um último momento da vivência foi apresentada a narrativa da cidade de Leônia, lugar fictício que se encontra no livro “As Cidades Invisíveis”, do escritor Ítalo Calvino (1990). Esse momento é uma inserção de um trabalho exterior ao mundo delas, porém com forte relação ao que se vive na estrutural de Brasília. Outras obras de arte foram mostradas para as catadoras como estudo e influência para o que elas mesmas estavam desenvolvendo, como pinturas do artista Jeronimus Bosch (Jardim das delícias), por exemplo, foram contempladas ao longo da vivência e inspiraram o trabalho criativo das catadoras/artistas. Ao estudar a construção da dramaturgia do espetáculo analisamos a importância da expressão particular dessas mulheres e como o trabalho se desenvolveu até se transformar em objeto artístico. Em que momento se reconheceu como objeto de arte o que se construía na oficina? Tudo era arte? O poeta Ferreira Gullar (exilado na mesma época que Augusto Boal) compartilha opiniões políticas com
  • 24. 24 Boal. Os dois foram companheiros intelectuais na época da ditadura, porém em seus ensaios e poemas há uma preocupação evidente na discussão do que se pode chamar de arte, e claro ele não responde essa pergunta. TRADUZIR-SE5 Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte - que é uma questão de vida ou morte - será arte? O espetáculo que é criado como fruto deste laboratório tem como ponto de partida uma reflexão sobre o corpo da mulher, as relações de poder estabelecidas na 5 GULLAR, Ferreira, Na Vertigem do Dia, 1980 retirado do site: http://www.revista.agulha.nom.br/gula.html)
  • 25. 25 sociedade patriarcal e as ações produtoras desse corpo além da função reprodutora, portanto o material humano e as histórias de vida dessas mulheres são os geradores dessa dramaturgia, porém quando esse material se transforma em arte? Onde o outro, o espectador, vê e escuta não como um desabafo íntimo, mas como poesia desconcertante? Um trabalho proposto por Alessandra em oficina foi a escrita de uma DECLARAÇÃO DE IDENTIDADE anônima, mas dirigida a alguém em especial, feita por elas. Considera-se que esteja neste documento uma síntese de quem são, o que pensaram, o que escrevem e principalmente que palavras elegeram para a construção de sua declaração de mulher em um espaço tão curto de papel. Ao ver as declarações, percebi que a maioria ao se declarar e falar de si, falava de seus maridos e filhos: Eu declaro que amo minha família meus filhos e meu marido e meus amigos de paixão. Eu acho todos nos somos capazes. Eu declaro que amo muito a minha filha e os meus filhos, marido, e eu gostei muito foi dos professores. Que estão me ensinando as coisas e as outras pessoas que tiram fotos. Um beijo amo você Eu declaro que estes mundo que nos Vivemos não e Como eu queria Cheio de drogas Cheio de criança nas Ruas Cheio de Violencia mas Seu poder munda este mundo e eu mudaria Colocando paz e Amor e tiraria todos As Criança da Rua e Colocava na escola O projeto tem guardado um total de vinte e seis declarações de identidade. A proposta inicial era começar a declaração com a fórmula “eu me declaro como..., eu sou...” e nenhuma tem isso. O principal desafio é saber quem são elas tanto para a construção de uma dramaturgia quanto para elas entenderem o que estão fazendo ali. Muitas mulheres foram atraídas por uma oportunidade de estar na televisão, sem nenhum juízo de valor disso, porém a medida foram percebendo a roupagem que a vivência estava tomando, algumas mulheres não compareceram mais, entretanto enviaram suas filhas adolescentes. A última declaração, fala de uma vontade de mudar o mundo, porém existe uma distância e uma esperança longínqua no real poder da mudança, inclusive quando se fala de colocar todas as crianças na escola. Quando ela fala em todas, está evidenciando como algo impossível, primeiro porque ela se coloca sozinha nessa
  • 26. 26 almejada função e segundo porque não se pode saber quem são todas as crianças. A mulher que escreveu tem nove filhos, porém um deles ela nunca viu, foi tirado dela neném. Destaco aqui: Vivemos – Como – Cheio – Cheio – Ruas – Cheio – Violencia – Seu – Colocando – Amor – As – Criança – Rua – Colocava. Percebe-se uma estrutura na escrita desta mulher, com algumas palavras em caixa alta, não se identifica um código para tal escolha, porém retiro elas da poesia, ambientando um outro ângulo de contemplação do que ela escreve. Uma hipótese que se pode afirmar é que uma palavra com letra maiúscula adquire uma importância no texto, seja de significado ou de aparência. Nesse momento de declaração de identidade era dito que as mulheres poderiam pensar em uma poesia sobre elas. Abaixo podemos ver o escrito de Marilúcia, catadora que foi citada na introdução deste trabalho.
  • 27. 27 Queria ser poenta mais poenta não posso ser poenta pensa muita coisa Ass. Marilucia Além de falar de uma vontade, ela revela uma fraqueza, uma crença em não poder ser alguma coisa, fala também do que ela imagina ser uma poenta, explicitando o porquê ela não pode ser. Quando fala do que não pode, evidencia-se uma falta, porém ao longo do processo criativo de Marilúcia pode-se considerar que o reconhecimento de uma falta é o começo de um movimento que se inicia dentro de si e de suas impossibilidades para uma busca e uma exposição geradora da expressão artística. Percebe-se um primeiro momento de exposição individual de uma participante que já tinha aberto sua casa à diretora do projeto e como vamos ver no Capítulo 2 é da sua biografia que vem grande parte da dramaturgia a ser construída. Após esse exercício, foi proposto um trabalho com tinta e tecidos de retalhos. Alessandra declara que no início os desenhos eram bastante figurativos, como corações e casas. Percebeu-se uma necessidade de oferecer uma metodologia que facilitasse a entrega delas no trabalho, portanto, em conjunto com o artista plástico Delei, foi proposto que as mulheres dançassem com olhos vendados na frente dos panos, com o pincel na mão e sem sapato, sobre os panos e as tintas e experimentassem a mistura das cores relacionando diretamente o movimento de seus corpos. Qual são seus movimentos? O que surge diante de uma pesquisa onde não necessariamente precisamos definir o que vamos mostrar? Que tenha uma lógica de entendimento, como mostrar uma casa, uma árvore e um coração? Essa experiência foi responsável pela construção do primeiro trabalho que tinha uma grande possibilidade de estar no espetáculo e a partir deste material e do universo de vida delas a estética do espetáculo foi se construindo.
  • 28. 28 Capítulo II - mArias & maDaLenAS Após as semanas de vivência foi construído o espetáculo mArias & maDaLenAS em que as catadoras atuam como atrizes. O público entra no teatro da Caixa Econômica Federal de Brasília e é recebido pelas catadoras atrizes. No centro do espaço tem uma ILHA onde uma mulher está ocupando com vendas nos olhos. As vendas caem sobre o seu rosto e tapetes estão espalhados pelos quatro cantos do palco. O público é levado pelas atrizes aos cantos do espaço e cada espectador, seguindo a sua vontade, senta em um dos tapetes nomeados como Estrutural, Samambaia etc. Cada tapete tem nomes das cidades satélites de Brasília. No teto há tapetes com pinceladas e colagem de objetos, tecidos, roupas. O palco é todo preenchido por objetos recolhidos nas semanas de vivência, cada peça tem um valor pessoal e faz parte do lugar de onde vêem as catadoras, lugar este que é geral e também particular a cada uma daquelas mulheres. Os seus figurinos foram cuidadosamente costurados por elas. Os quatro elementos da natureza estão presentes nesse momento de chegada do público. Após esse primeiro contato com aquele ambiente poético e com as anfitriãs, desce de um urdimento a palavra BRAZILHA. A dramaturgia se utiliza de textos do livro “Cidades Invisíveis” do escritor Ítalo Calvino e também de notícias fictícias e reais da cidade de Brasília. São seis cenas que se sucedem em uma estética artesanal. Artesanal, por terem sido costuradas e elaboradas ao longo do laboratório, pelas atrizes – mulheres catadoras. Muitos elementos foram retirados diretamente de seus habitat e transfigurados nessa realidade chamada BRAZILHA. Todos estão sobre o palco (atrizes e público). Na primeira cena algumas atrizes se voltam para a plateia vazia e descrevem o que vêem, como debruçadas em uma janela. Através de uma narrativa aparentemente absurda ambienta-se a realidade de uma cidade: - Engraçado aqueles homens trabalhando na fundação daquele prédio, de patins! - É lá! - Onde é lá? - Lá no sétimo bloco da superquadra 305. Aquele gato preto nadando no esgoto? Tão vendo? Como é que pode???? Que nojo.
  • 29. 29 - Acabou de passar um meteorito pela Praça dos 3 Poderes! Tem galinha voando! O espaço é ocupado, como já dito, pelos cantos, no centro e no teto. Palavras descem do teto na primeira cena: OLHOS CERRADOS ABERTOS PARA VER CERTOS CERRADOS E CERTOS DESERTOS ERRADOS (O DESERTO CERTO CHORA AREIA). Atrás do palco há uma elevação que, em alguns momentos, uma atriz sobe e fala no microfone, lendo uma notícia sobre Brasília. São estatísticas, são dados políticos que deslocam a sensação e o olhar do público do aspecto artesanal para uma ambientação informativa. Ao lado, uma instrumentista toca um violoncelo em momentos marcados como na primeira mudança de cena. Na cena dois, a cidade de Ítalo Calvino Eudóxia é narrada no microfone por uma mulher, cada palavra da cidade invisível do escritor cubano/italiano preenche a realidade da capital Brasília e da cidade Brazilha. Que cidade invisível tem por trás da capital do Brasil? Quais cidades invisíveis podem existir nas cidades que vivemos ou visitamos? É possível compartilhar uma memória de uma cidade através das vertigens que ela causa? E das consequências nas nossas vidas que ela exerce? Seria tão verdadeiro como em uma discrição cronológica e geográfica? O que se pode dizer é que os textos literários de Calvino são como narrações próprias das catadoras. Ou pelo menos parecem. A cidade de Brasília deve existir em algum outro lugar do mundo, ou pelo menos os nossos corpos e nossos espíritos devem se comportar de maneiras parecidas em cidades do mundo. (...) À primeira vista, nada é tão pouco parecido com Eudóxia quanto o desenho do tapete, ordenado em figuras simétricas que repetem os próprios motivos com linhas retas e circulares, entrelaçado por agulhadas de cores resplandecentes, cujo alternar de tramas pode ser acompanhado ao longo de toda a urdidura. (...) mas o tapete prova que existe um ponto no qual a cidade mostra as suas verdadeiras proporções, o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes. (CALVINO, 1990: 91)
  • 30. 30 Na sequencia seguinte, diálogos do livro são utilizados novamente com pertencimento pelas atrizes. Percebe-se que as cenas comentadas até aqui nesse trabalho, possuem elementos como a música, textos literários intercalados por notícias e principalmente objetos visuais construídos pelas mulheres com elaboração cuidadosa de cortes e cores. Só a partir da cena cinco que a dramaturgia começa a se inclinar para um recorte mais narrativo da vida das catadoras de lixo reciclável da estrutural de Brasília. A realidade de catar, o ambiente particular de moradia, suas vidas como mulheres e a urgência da sobrevivência que cai sobre suas cabeças no cotidiano começa a ter uma roupagem mais crua nesse momento do espetáculo. Já na cena quatro as atrizes dizem em poucas palavras para os espectadores de onde vieram. Desce do urdimento seis PARANGOLÉS feitos por elas no processo com a Alessandra. De acordo com relatos da experiência, nem a cenógrafa Maria Carmen de Souza e nem Alessandra Vannucci ensinaram para elas como se faz um parangolé. Foi feita uma visita com as catadoras à exposição de Helio Oiticica na Biblioteca Nacional de Brasília. Elas se identificaram muito com o trabalho e encontraram a técnica de maneira quase intuitiva. É interessante de notar que o primeiro momento em que todas falam de onde vieram para o público, seus figurinos sejam parangolés e é nesse momento que começa uma passagem, uma transição para a parte da dramaturgia que vai tratar com diálogos próprios de seus cotidianos uma situação íntima da vida delas. Em seu livro Corpo a Corpo (2011) o pesquisador Zeca Ligiéro fala sobre a experiência de Helio Oiticica e seu trabalho com os parangolés que são principalmente capas, mas podem ser também tendas e estandartes. No livro, Ligiéro apresenta uma citação importante de Paola Berenstein Jacques em seu estudo Estética da Ginga, a arquitetura das favelas através da obra de Helio Oiticica, onde o artista explica como surgiu o termo PARANGOLÉ: Um dia eu estava indo de ônibus e na praça da bandeira havia um mendigo que fez assim uma espécie de coisa mais linda do mundo: uma espécie de construção. No dia seguinte já havia desaparecido. (…) Era terreno baldio, com um matinho, e tinha essa clareira que o cara estacou e botou as paredes feitas de um fio de barbante de cima a baixo. Bem feitíssimo. E havia pedaço de aniagem pregado num desses barbantes que dizia “aqui é...” e a única coisa que eu entendi, que estava escrito, foi a palavra
  • 31. 31 “parangolé”. Aí eu disse: é essa a palavra. (Jacques, 2001, p.29 In: LIGIÈRO, 2011, p.209) As mulheres catadoras construíram seus “parangolés” com os próprios elementos que encontravam em seus caminhos, no lixo reciclável com que trabalhavam. Elas construíram os “Parangolés” com vários tipos de tecido, tem um que tinha até pluma misturada com tecido de chita, plástico, tachinhas... Em cena, elas os retiram dos cabides vestem e rodam. Enquanto rodam, quatro mulheres tocam um instrumento de sopro nos quatro cantos do palco. A relação espacial sempre volta à mesma estrutura nesse fazer artesanal do espetáculo, os cantos e a ilha. Essa mesma maneira de construção do figurino se relaciona bastante com a da construção de suas casas. Como dito no início do trabalho, podemos lembrar da maneira como a Marilúcia construiu seu barraco, como selecionou os objetos retirados do lixo. Novamente o texto de Cidades Invisíveis entra na dramaturgia, agora a cidade de Leônia (Calvino: 1990, 105) é narrada e com essa cidade o universo particular das catadoras vai se desenhando ainda mais, para que na cena seis elas escancarem uma situação íntima. Cena Cinco - O Lixão MULHER COM MICROFONE diz: - Esta cidade se refaz todos os dias. A população acorda em lençóis frescos, lava-se com sabonetes que acabaram de sair da embalagem, veste roupas na moda, escuta pelo radio a mais nova melodia. Na calçada, os restos da cidade de ontem aguardam a passagem dos catadores. Tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, aquecedores, enciclopédias, louças de porcelana. Mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a riqueza desta cidade se mede pelas coisas que todo dia são jogadas fora. (PERGUNTANDO) - Sua verdadeira paixão é o prazer dos objetos novos? - Ou então o ato de expulsar, afastar, expurgar o lixo recorrente? (AS CATADORAS ENTRAM E COMECAM A LIMPAR, LENTAMENTE) - Certo é que as catadoras são recebidas como anjos e sua tarefa de remover os restos da existência de ontem é envolvida por silencioso respeito, como um ritual. (...)
  • 32. 32 A última cena que antecede o conflito familiar de uma das mulheres termina com um coro de uma cantiga infantil: “Se essa rua fosse minha”.
  • 33. 33 Se essa rua se essa rua fosse minha, Eu mandava, eu mandava ladrilhar, Com pedrinhas com pedrinhas de brilhante Para o meu para o meu amor passar. O principal tema do conflito particular apresentado é o pertencimento. Como se define de quem pertence a terra? É de quem cuida? É de quem compra? A terra que é intitulada do governo é de quem? Uma mãe fica sabendo que sua filha, menor de idade, está grávida, a menina quer morar com o pai de seu filho. A mãe se opõe e alerta à filha dos perigos de uma mulher morar sozinha na Estrutural, pede para que a filha continue em sua casa. A filha quer ter um lar, construir uma família. Ela consegue um lote na estrutural e tem quatro filhas com o marido. Durante a construção da casa a mulher se vê construindo, trabalhando e cuidando das filhas sozinha. O marido bebe e não ajuda na construção, vendendo materiais da casa. Um dia, um oficial de justiça chega com ordem de despejo e toda a relação com a polícia é apresentada na cena. O marido tinha vendido o lote sem falar com a mulher. A polícia alega que aquela região é de invasão. Depois de toda explanação em detalhes da vida da mulher e dos motivos de sua resistência em sair da casa, a atriz vira para o público e cantando pergunta: E vocês, espectadores que ouviram a minha historia, me ajudem a entender a moral: a posse é de quem compra? Ou tem mais direito é quem cuida? Eu penso assim: terra é do bom camponês que tira frutos dela, carroça é do bom condutor, criança é das mulheres boas, que os crescem e educam, lar é de quem cuida. Então, como é que eu, que tanto lutei, fiquei sem o meu lar? O que eu posso fazer agora? Teatro Fórum O espetáculo mArias & maDaLenAS se utiliza, no final da apresentação, da técnica de Teatro Fórum desenvolvida por Augusto Boal e o Teatro do Oprimido. Nessa técnica o espetáculo apresenta um problema do qual os atores querem buscar a
  • 34. 34 solução, trabalha-se com um conflito real que acontece na vida de uma das pessoas da equipe, neste caso de uma das mulheres que estavam no elenco. No início do desenvolvimento desta técnica os atores apresentavam o problema e perguntavam sobre possíveis soluções, depois de algumas experiências percebeu-se a importância de pedir para que o espectador saia do banco da plateia e vá para a cena exercer a sua opinião. Como diz Boal é um ensaio para a revolução. Pensamento e corpo se confluem no exercício de opinião da plateia. Quando é o próprio espectador que entra em cena e realiza a ação que imagina, ele o fará de uma maneira pessoal, única e intransferível, como só ele poderá fazê-lo e nenhum artista em seu lugar. Em cena, o ator é um intérprete que, traduzindo, trai. Impossível não fazê-lo. (BOAL: 1996, 22) Nesse momento um curinga de Teatro do Oprimido sobe no palco, chama as atrizes e começa uma mediação com a plateia sobre a situação que as mulheres acabaram de encenar. O exercício de mediação feito por Carolina Machado é de bastante importância, por vários motivos dentre os quais, ser o primeiro momento em que se trava um diálogo direto com a platéia. A Coringa não estava em cena, podendo assim construir uma ponte entre as atrizes e o público. Ela, além de interrogar sobre o entendimento da plateia sobre a situação, explica as noções básicas da técnica de fórum para que o público possa participar. Alguém da plateia, que tiver uma solução para o problema, irá substituir o protagonista e improvisar uma cena com os atores, expondo sua sugestão. O termo Coringa começou a ser utilizado por Boal na época do Teatro de Arena em que ele elaborou um sistema Coringa de interpretação, quatro técnicas baseavam esse sistema: a primeira era desvincular ator de personagem, os atores trabalhavam com um conjunto de ações mecanizadas; os atores faziam todos os personagens, construindo assim uma interpretação coletiva em que cada ator desenvolvia uma propriedade narrativa; trabalhava-se com um ecletismo de gênero e estilo, em um mesmo espetáculo poderia haver momentos em que era utilizado um melodrama simples e uma chanchada vaudevillesca, por exemplo e uma última técnica era a maneira de se utilizar da música, preparando ludicamente a escuta da platéia para
  • 35. 35 textos que apresentam ideias de forma sintética, por exemplo “como dizer que é um tempo de guerra?” Esse sistema foi aplicado primeiramente no espetáculo Arena conta Zumbi (1965). No espetáculo Arena conta Tiradentes (1967), a figura do Coringa aparece, os atores no espetáculo são distribuídos em funções e não em papéis. Segundo Boal (2005: 207) “A consciência de um ator-coringa deve ser a de autor ou adaptador que se supõe acima e além, no espaço e no tempo, da dos personagens”. Boal trabalhou muito com a ideia de coro e corifeu nesta época, sendo o Coringa uma espécie de Corifeu. Hoje, a figura do Coringa aparece no final do espetáculo, depois de uma encenação que pode ser de muitos estilos e linguagens possíveis. A técnica de Teatro Fórum é aplicada em países de todos os continentes, trazendo por essa realidade uma liberdade na maneira de fazer. Porém é necessário que um problema seja apresentado de forma clara para que se possa interrogar a platéia e abrir a discussão e as tentativas de solução que o público presente irá exercitar. A pergunta, ou as perguntas são diretas e o problema precisa ser bem apresentado em algum momento do espetáculo: situação – problema – tentativa de solução pelos atores – pergunta para o público – tentativa prática de alguém da platéia com alguma possível solução - discussão. Pelo que se percebe essas são etapas básicas para que um fórum possa acontecer. O fórum não é um espetáculo, ele é um debate. Opta-se, às vezes, por demonstrar a cena e ir para o debate. Porém, nessa experiência com a Alessandra não foi assim: desenvolveu-se um trabalho estético, artesanal e depois a demonstração da situação, também de maneira bastante teatral para que se possa depois fazer o fórum. Não foram em todos os Laboratórios Madalena que houve fórum. Uma premissa importante é que alguém da plateia precisa sempre substituir o protagonista. É ele que é intitulado como o “oprimido” da situação. Entende-se por oprimido aquele que está em uma situação injusta, repressora mas que tem condições e quer mudar a realidade opressora, diferente da vítima que não tem como mudar a situação. Não se consegue fazer um fórum sobre histórias de pessoas que foram vítimas: uma pessoa sequestrada e abusada sexualmente por exemplo, como fazer um fórum sobre isso? Que tentativas de solução existe para essa pessoa? Como ela poderia ter agido? Impossível pensar.
  • 36. 36 Em uma entrevista com Alessandra ela conta que a busca era por histórias que revelassem a potência e a força daquelas mulheres e não histórias de vitimização. Um jogo foi proposto por ela no laboratório com o intuito de entender a diferença entre oprimido e vítima. Uma pessoa deita no chão e um grupo tenta levantá-la: o oprimido resiste e a vítima não resiste. Na experiência feita com as mulheres nenhum grupo conseguiu levantar o oprimido, aquele que resiste e tem condições de resistir a uma situação opressora. A pergunta que faço é se queremos em algumas situações que efetivamente nos tire do lugar, que nos levante. Como lutamos para não sermos manipulados? Essas mulheres estavam em situação de vítima ou de opressão? A vida amorosa era um tema bastante contado pelas mulheres, os problemas estavam sempre mais voltados para seus fracassos com os maridos. Depois desse jogo é que a situação da casa apareceu, por exemplo, a história da perda do lote é da Marilúcia que ainda estava em luta. Outras mulheres que tinham esse problema perderam a casa. As insatisfações foram tendo um tom mais social e político no que diz respeito à realidade das necessidades básicas que elas sofrem em seus cotidianos, até chegar a uma externalização da consciência que elas têm sobre os seus lugares no país. Uma pergunta foi disparada no laboratório sobre o que elas teriam vontade de fazer com uma pessoa que tirasse a casa delas: odiariam, lutariam, não perdoariam... e então se essa pessoa fosse o seu marido? Também! A história do marido que vende o lote é de outra mulher que dizia que ainda amava o marido. Ao falar e trabalhar a história da sua vida, ela percebeu pelo o que ela lutava realmente. Ela lutava pela casa. Isso foi crucial para o desenvolvimento da dramaturgia. A situação é sobre a propriedade, sobre o direito de moradia. A dramaturgia une duas histórias verdadeiras, uma história é a do marido que vende o lote, essa mulher foi transferida para Goiânia, ela colocou uma porta para não perder o lote em Goiânia e voltou para casa da qual ela tinha sido despejada, correndo o risco de ser retirada pela polícia de novo. A outra história é a da Marilúcia que o governo quer a terra de volta. Algumas tentativas para solucionar o problema foram improvisadas pela plateia, cada pessoa escolhia o momento da situação que gostaria de entrar, foram várias tentativas: o momento de avisar para mãe que estava grávida, mas dizer que quer abortar, essa situação fala de um momento do passado que não ajuda na solução
  • 37. 37 concreta do problema; esganar o marido na frente do oficial de justiça, também não ajuda a mulher a obter o lote de volta, procurar um grupo de mulheres foi uma solução mais palpável... Enfim, várias tentativas, mas nenhuma solução concreta. O que podemos observar é o movimento de afetos que gerou na plateia e nas atrizes, todos expostos e agindo. Teatro Legislativo Após o fórum houve uma sessão de Teatro Legislativo, a decisão por fazer essa sessão veio por conta da história da Marilúcia que estava decidida a não sair da casa e enfrentava os oficiais com a ordem de despejo. O que ela precisava era de uma lei! O Teatro Legislativo surgiu com o nome de Câmara na Praça na época que Augusto Boal foi eleito vereador no Rio de Janeiro em 1992. Era feito um debate sobre um problema real de uma comunidade, pessoas interessadas pelo tema se reúnem com um Coringa do CTO (Centro de Teatro do Oprimido) e obrigatoriamente um assessor legislativo e expõem o problema geralmente em forma de cena. A pergunta feita pelo coringa deve ser clara para que a população possa pensar em soluções e possíveis projetos de lei palpáveis. A presença do assessor é imprescindível para poder traduzir em vocabulário jurídico as propostas da plateia e ajudar a clarear o pensamento dos participantes quanto à realidade jurídica. Essa técnica é exercida até hoje e muitas leis foram construídas através desse procedimento, como providências no tratamento geriátrico, construção de lixeiras elevadas nos logradouros públicos, entradas e saídas de acesso ao portador de deficiência no metrô etc. No trabalho com as Madalenas, a sessão foi feita após o espetáculo com a participação da Coringa do Centro de Teatro do Oprimido Helen Sarapeck e o sociólogo Adilson José Paulo Barbosa que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o tema da propriedade na Estrutural em Brasília. Ele fez uma consultoria pontual nas soluções que a plateia escreveu no papel. Depois de lida as propostas, ele fez um parecer sobre algumas ideias que porventura ficaram impossibilitadas nos termos de uma lei, e conseguiu encontrar duas propostas que falava de alguma maneira da vontade da maioria.
  • 38. 38 Foram vinte e nove sugestões que tinham um sentido próximo. Adilson fez um breve discurso sobre as leis existentes, as lutas que já foram feitas e colocou duas propostas da plateia como possíveis para serem levadas adiante: a autorização de usucapião em terra pública e o impedimento de venda do lote enquanto tiver criança no local. De acordo com notícias trazidas por Alessandra Vannucci, essas propostas foram aprovadas recentemente, a partir desses pedidos apresentados pela plateia. O Teatro Legislativo é um método que conseguiu penetrar na realidade das mulheres com uma função de política pública. Conforme dito por Alessandra, esse foi o primeiro contato que as mulheres fizeram com o governo. Ainda um contato indireto no dia do espetáculo, mas hoje o que elas geraram ali, está aprovado para ser implantado. Da cidade satélite Estrutural, atrás de um grande monte de lixo reciclável, se vê os arranha-céus do Distrito Federal. Na cidade dos grandes edifícios e do Palácio da Alvorada as catadoras nunca tiveram um trabalho e nem aparente motivo para irem até lá. Somente os lixos com possibilidade de reciclagem eram o contato entre elas e aquele mundo de lá. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho teve o objetivo de refletir o processo de criação, percebendo os aspectos pedagógicos que estão inseridos em suas etapas. Através de uma análise do projeto Laboratório Madalena, debruçou-se em uma experiência que apresentou uma metodologia bastante clara para detonar um processo criativo de mulheres que não tem como ofício o teatro. Ao concluir o curso de Licenciatura em Teatro, percebo que estou também iniciando uma nova etapa de investigação que transborda a minha formação individual de artista para pesquisar e descobrir possíveis metodologias que serão importantes no processo com o outro. Que papel se descobre desse lado do jogo, onde o recém formado como professor de teatro se coloca a frente de um processo criativo e educacional através do teatro? Que projeto ele tem, para que lugar ele quer ir e o que
  • 39. 39 a pedagogia teatral pode trazer para o trabalho? E o mais importante: com quem ele está trabalhando? Não se pretendeu aqui, trazer o Laboratório Madalena como exemplo do modo de se fazer, como se essa experiência pudesse ser uma cartilha com uma metodologia aplicável. O Projeto de Alessandra Vannucci tinha um propósito de trabalhar com o tema do corpo feminino como produtor e não somente reprodutor, delimitando a experiência com um grupo de mulheres catadoras de lixo reciclável em Brasília. Pode-se notar que o laboratório teve inúmeras especificidades: um lugar que tem uma história, um determinado tipo de comunidade e um gênero - o feminino. Estas características trazem para a metodologia um caráter experimental e único, intransferível. O que se almejou com a análise deste trabalho de Vannucci foi a preciosa oportunidade de poder refletir sobre a ação do teatro. O que uma metodologia teatral gera? Como podemos movimentar reflexões políticas nos lugares em que chegamos com esse diamante? Nas poucas experiências com educação que tive, onde se pretendia colaborar para o desenvolvimento da criatividade e da reflexão sensível, percebi que o teatro é a sua maneira de estar em um lugar e de entrar em conexão com o outro. A Alessandra e a Bárbara Santos quando pensaram no Laboratório, queriam entrar em conexão com esse universo feminino. Eu quis entrar em conexão com crianças em outros lugares que não citei no trabalho. O que talvez importe mais seja a maneira como você pode chegar perto do outro e desenvolver um trabalho. Se queremos transformar o mundo e temos certos anseios é preciso entender a maneira como podemos fazer isso e se o conhecimento pessoal é o teatro, a linguagem teatral, como utilizá-la? Quais são os poderes do teatro e de que maneira ele se faz poderoso? Quais são os segredos dessa linguagem que vai se construindo com o outro? Esse trabalho monográfico apresenta duas técnicas desenvolvidas por Augusto Boal e o Centro de Teatro do Oprimido que são Teatro fórum e Teatro Legislativo. Esses são métodos transferíveis que podemos utilizar em diversos contextos e trazem, principalmente o Legislativo, um caráter bem incisivo no que diz respeito a mudanças concretas no cotidiano. No entanto, mesmo trabalhando com essas técnicas é preciso identificar a maneira como vamos trazê-la para o trabalho. Será que o Fórum funciona sempre? Será que vale a pena pedir soluções para a plateia em determinados assuntos
  • 40. 40 ou é melhor pedir uma sugestão de proposta de lei? Como mostrar o problema para que ele gere uma discussão mais profunda sobre um tema? Esse trabalho gerou muitas perguntas ainda sem respostas, mas que são responsáveis pelo começo do meu caminho pessoal de investigação e desenvolvimento como artista e ser humano. Estudar a descoberta dessas mulheres nessa vivência do Laboratório Madalena foi uma travessia importante para minha reflexão pessoal sobre teatro, vida e ofício. O conto La Loba inicia o primeiro capítulo do meu trabalho, agora recupero um trecho dessa história: […] em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte. Quais foram as derivações da experiência cênica? Penso no caminho da mulher que era lobo, para lembrar sempre da trajetória e dos saltos que são necessários para as descobertas da potência própria e principalmente da autoridade que se obtém independente de cargos sociais, mas simplesmente por existir – sempre decidindo como, com quem e para que.
  • 41. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABELLAN, Joan. Boal Conta Boal. Barcelona: Institut del Teatro, 2001. BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221. _______________. Experiência e Pobreza. In: Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 114-119. BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. _______________. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. ________________. A estética do Oprimido. Rio de Janeiro: GARAMOND 2009. CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. COSTA, Iná Camargo. A hora do teatro épico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. DELEUZE, Gilles. O que é um dispositivo. In: O Mistério de Ariana. Lisboa: Vega- Passagens, 1996. _______________. Espinosa: Filosofia Prática. São Paulo: Escuta, 2002. ESTÉS, Clarisse Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
  • 42. 42 FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2011. LIGIÉRO, Zeca. Corpo a Corpo: estudo das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2011 LOPES, Beth. A blasfêmia, o prazer, o incorreto, IN, Revista Sala Preta, nº 5, São Paulo: USP, 2005.