O documento discute o Plano Real e sua crise atual no Brasil. Ele argumenta que (1) o Plano Real foi um pacto social que permitiu a superação da crise da ditadura mas também promoveu a desindustrialização; (2) os governos petistas dependeram do Plano Real para a distribuição de renda mas sem um projeto alternativo de desenvolvimento industrial; (3) a esquerda precisa oferecer uma alternativa clara a este modelo para além do debate entre ortodoxia e heterodoxia.
O Real enquanto Pacto Social e a Crise Econômico-Política Atual
1. O Real enquanto Pacto Social e a
Crise Econômico-Política Atual
Fundação de Economia e Estatístia
13 de julho de 2015
Carlos Águedo Paiva
2. O Plano Real (1)
• O Plano Real foi a mair revolução “tecnopolítica”
no Brasil desde e o PAEG-Ditadura Militar. Ele é o
Pacto Social que permite a superação da crise
institucional associada à crise da ditadura
expressa na estagnohiperinflação de 1984-1993
• Os determinantes políticos do Plano Real
encontram-se no estrondoso (e, para a burguesia,
inesperado) crescimento e integração das forças
políticas da esquerda, nucleadas em torno do PT,
que aparece como a principal força de oposição
às forças conservadoras desde a primeira eleição
direta, em 1989.
3. O Plano Real (2)
• A hiperinflação é a resolução perversa do conflito
distributivo escancarado na crise da ditadura. Os
trabalhadores logo aprenderam que eles perderam na
guerra aberta (em parte) por eles mesmos.
• O Plano Real “concede” o fim da inflação e, com isto,
“compra” o apoio e mais duas gestões “não petistas”.
Duas gestões que se mostraram fundamentais para o
desaparalhamento do Estado.
• O Estado só poderia ser entregue à esquerda
devidamente “desidratado”. Após a privatização e a
LRF. E após a consolidação do Real, que conta com
outro componente de fato: a independência do Banco
Central para controlar juros e CÂMBIO.
4. O Plano Real (3) – A questão de sua
eficácia no controle inflacionário
• Aqui cabe um parêntese teórico: como interpretamos a
eficácia do Plano Real?
• Ele tem duas pernas: a monetário-cambial e a fiscal-
salarial.
• A primeira é a mais usada e a mais eficaz. Quando a
inflação sobe, o Bacen reage elevando o juro, atraindo
dólares (ou outras divisas), valorizando o Real e
tornando os importados (e exportados) mais baratos.
• Se não há espaço para isto (porque os mercados
externos de divisas estão ilíquidos), o governo puxa o
freio fiscal, deprime os gastos, o emprego e a demanda
global, atingindo o salário nominal. A consequência é a
depressão dos custos diretos das empresas (em
especial as intensisvas em trabalho) e a depressão da
demanda dos setores de preços flexíveis (em especial,
alimentos) .
5. O Plano Real (4)
• O controle de preços via ancoragem monetário-cambial (que se
tornou a perna principal do Real) só foi possível com ajuda da China
(grande importadora de commodites brasileiras) e da eleição de
Clinton (que flexibilizou a política do FED). Mas ele envolveu uma
decisão interna que foi ainda mais importante: rifar uma parte da
burguesia: a parcela que não podia mais viver sem inflação.
• Esta foi a grande contribuição de FHC. Eu acredito piamente que ele
nunca solicitou que esquecessem o que ele escreveu. Não é
necessário. Ele fez exatamente o que ele escreveu. Ele é o pai do
Real.
• Ele promoveu, com o Real, o fim dos bancos e de todas as
instituições que dependiam da inflação para viver. Promoveu a
quebra da pequena indústria que não tinha condições de competir
com a exposição externa. Promoveu a concentração interna e a
multinacionalização do grande capital nacional.
• Este sempre foi o seu sonho de capitalismo “nacional”.
6. O Plano Real “Petista”
• Em 2002 Lula se deu conta de que não
conseguiria ganhar lutando contra o Real. E
fechou algum acordo (não sei em que nível de
formalidade) com a Febraban de que daria
autonomia “efetiva” ao Bacen para controlar o
juro ao longo de sua gestão.
• Isto implica abrir mão de fazer política industrial.
A não ser como política compensatória. Isto
implica ser “meio governo”.
• É claro que niguém declara isto em alto e bom
som. Mas é isto que é.
7. O Plano Real “Petista” e “neo
desenvolmentismo pós-moderno
• O mais louco de tudo é que esta relação semi-
esquizofrênica em que se é e não se é governo
não foi percebida pela base de um partido que foi
construiído ao fim da ditadura e que tomou o
“poder” em poucos anos de eleições diretas.
Ninguém queria, de fato, perceber isto. Ninguém
queria ouvir os resmungos dos “getulistas
saudosistas” (como o Prof. Pedro Fonseca) que
afirmam que os governos petistas não são
desenvolvimentistas. Mas eles têm sua razão. É
preciso reconhecer.
8. O Plano Real Petista e o neo-
desenvolvimentismo Pós-Moderno
• Até porque os sinais da desindustrialização foram se
tornando cada vez mais evidentes, assim como a fragilidade
de uma política industrial compensatória que (como não
podia deixar de ser) concentrava (e ampliava o grau de
monopólio e o mark-up) da indústria interna.
• Por que ninguém via isto? Por que se processava ao lado de
uma magnífica distribuição da renda e criação de
microempreendimentos NO SETOR DE SERVIÇOS.
• Isto tudo era e e é a emancipação de uma parcela da
população. Sem deixar de ser a perda de um projeto de
autonomia de um povo. Pois a Indústria e os demais
tradables (agricultura e exrativa) é a forma como nos
relacionamos com o exterior. Estamos nos primarizando
9. Voltando à inflação
• Com os preços dos bens industrias (de consumo, insumos
intermediários, de capital, etc) sob controle via âncora
cambial, os governos petistas conseguiram distribuir a
renda via salários nominais e transferências
governamentais sem déficits públicos, pois a tributação
crescia assentada numa renda em elevação puxada pelos
setores não tradables
• Mas a farra não poderia durar sempre. O problema não era
que ela se assentava no consumo. Mas que ela se baseava
numa política “desindustrializante no longo prazo”. E não
há política industrial compensatória que compense um
câmbio completamente irreal.
• Como mudar isto? Só se mudar os fundamentos do Real.
Voltaremos a isto logo adiante. Mas, primeiro, vejamos um
pouco os dados.
11. Var
Rendimento Médio
da População
Ocupada
Variação IPCA
Variação do Rendimento Médio da PO
Nominal Real
Período Nominal Real Ano Acum Ano Ant Acum Ano Ant Acum
2002 859,41 825,01 12,53% 12,53% 3,72% 3,72% -3,86% -3,86%
2003 898,93 747,60 9,30% 23,00% 4,60% 8,49% -9,38% -12,88%
2004 951,12 740,56 7,60% 32,34% 5,81% 14,79% -0,94% -13,70%
2005 1.016,10 742,41 5,69% 39,87% 6,83% 22,63% 0,25% -13,49%
2006 1072,85 753,96 3,14% 44,27% 5,58% 29,48% 1,56% -12,14%
2007 1128,51 764,48 4,46% 50,70% 5,19% 36,20% 1,39% -10,91%
2008 1221,02 777,63 5,90% 59,59% 8,20% 47,36% 1,72% -9,38%
2009 1292,71 787,84 4,31% 66,48% 5,87% 56,02% 1,31% -8,19%
2010 1437,87 837,76 5,91% 76,31% 11,23% 73,54% 6,34% -2,37%
2011 1629,68 888,46 6,50% 87,78% 13,34% 96,69% 6,05% 3,53%
2012 1794,64 930,04 5,84% 98,74% 10,12% 116,60% 4,68% 8,38%
2013 1930,78 941,55 5,91% 110,49% 7,59% 133,02% 1,24% 9,72%
2014 2109,55 965,93 6,41% 123,98% 9,26% 154,60% 2,59% 12,56%
12. Período IPCAs Acumulados
X IPCA-Tot IPCA-Tra
IPCA-N-
Tra
IPCA-
Mon
FHC1e2
IPCAs Acum no período 100,68% 64,98% 95,69% 228,26%
Relações
IPCAs Acum
no Período
c/ IPCA-Tot 1,00 0,65 0,95 2,27
c/ IPCA-Tra 1,55 1,00 1,47 3,51
c/ IPCA-N-Tra 1,05 0,68 1,00 2,39
IPCA-Mon 0,44 0,28 0,42 1,00
Lula1
IPCAs Acum no período 28,20% 20,24% 26,06% 41,76%
Relações
IPCAs Acum
no Período
c/ IPCA-Tot 1,00 0,72 0,92 1,48
c/ IPCA-Tra 1,39 1,00 1,29 2,06
c/ IPCA-N-Tra 1,08 0,78 1,00 1,60
IPCA-Mon 0,68 0,48 0,62 1,00
Lula2Dilma
IPCAs Acum no período 45,90% 42,10% 65,17% 26,74%
Relações
IPCAs Acum
no Período
c/ IPCA-Tot 1,00 0,92 1,42 0,58
c/ IPCA-Tra 1,09 1,00 1,55 0,64
c/ IPCA-N-Tra 0,70 0,65 1,00 0,41
IPCA-Mon 1,72 1,57 2,44 1,00
13. O que fazer?
• Qual a alternativa a esquerda oferece a este quadro?
• Infelizmente, não conseguimos identificar nenhum projeto alternativo
claro. Pelo contrário.
• Tal como procuramos denunciar no início da exposição, a esquerda vem se
auto-enredando em um debate falso centrado: 1) no realismo ou
irrealismo das hipóteses subjacentes às políticas monetária e fiscal
ortodoxas; 2) nas alternativas ao reequilíbrio das finanças que
minimizariam os cortes nos dispêndios (p. ex.: aumento dos impostos
sobre os mais ricos).
• Esta estratégia equivale a tomar o discurso ideológico (articulado apenas
para ser o que é: uma máscara farsesca encobridora dos verdadeiros fins)
como um discurso passível de (porquanto aberto à) crítica.
• Do nosso ponto de vista, é preciso uma rotação de perspectiva que parte
do reconhecimento: 1) dos fundamentos reais do Real nas âncoras
cambial e fiscal-salarial; 2) da exaustão do Plano Real em função do peso
que vem impondo à competitividade da indústria.
•