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A Pluralidade Cultural na Obra do Cravo Carbono
                                                      Keila Michelle Silva Monteiro1

Resumo:
Este artigo focaliza um dos grupos de música urbana na Amazônia que trabalha com a
pluralidade cultural. Pretendo revelar alguns elementos desta pluralidade, em
determinados momentos, na letra e na música de algumas faixas do álbum Peixe Vivo,
lançado em 2001 pelo grupo Cravo Carbono, tendo como base teórica as obras A
identidade cultural na pós-modernidade de Stuart Hall (2005), que estuda a questão da
identidade na modernidade tardia, na qual se chocam elementos “tradicionais”,
“modernos”, “locais” e “globais” na práxis das sociedades do mundo atual e Culturas
Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade de Néstor García Canclini
(2006) também estudioso do convívio hibridizado desses elementos nas sociedades e na
cultura da América Latina.


Introdução
        O presente texto considera apenas um dos vários aspectos de uma pesquisa que
ainda está dando os primeiros passos e deverá ser concluída e apresentada ao final do
curso de Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Pará, iniciada em março de
2009.
        Em Belém, no final dos anos 90, surgiram bandas com estilos variados. Estas,
classificadas pela imprensa local como bandas de rock, encontravam um público
bastante receptivo, diferentemente da década de 80, em que havia, praticamente, um
público específico para o heavy metal e outro para o punk, duas vertentes diferentes do
rock. Já na passagem dos anos 80 para os anos 90 é que esses estilos foram se
transformando e/ou se mesclando a outros e, concomitantemente, foi-se formando um
público mais tolerante, aberto a novas experimentações musicais. Em 2001, uma banda
cativou parte desse público ao lançar um álbum que mereceu destaque pelo modo como
conduzia suas composições, trabalhando com releituras de ritmos do cotidiano paraense.
Este grupo chamava-se Cravo Carbono e chamou a atenção, em especial, pela técnica
que apresentava na execução de suas músicas e pela riqueza poética de suas letras.
Então, percebi que o álbum recém lançado na época pelo grupo em questão, intitulado
Peixe Vivo, poderia ser objeto de estudo, basicamente por dois fatores: por unir duas
artes: a poesia e a música, e também por relacionar elementos “tradicionais” e
“modernos” numa mesma obra. Esta relação, aliás, já vem sendo alvo de discussões por
sociólogos, antropólogos, etnomusicólogos e, inclusive, está presente nas obras de
alguns compositores na cidade de Belém, como, por exemplo Ruy e Paulo André
Barata. Pretendo identificar neste artigo, principalmente, o que há de “tradicional” e
“moderno” no álbum Peixe Vivo, o qual se encontra inserido na pluralidade cultural da
Amazônia. Para tanto, farei um breve histórico acerca da trajetória da banda, com ênfase
no álbum Peixe Vivo, e então prosseguirei com a demonstração da presença de
elementos tradicionais e modernos concomitantemente numa mesma canção em trechos
de algumas faixas deste álbum.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes do ICA/UFPA. Este artigo representa o
início da minha pesquisa para a dissertação do Mestrado em Artes pelo Instituto de Ciências da
Arte da Universidade Federal do Pará.
Pluralidade Cultural e Hibridação
        Para que se trate da presença da pluralidade que afeta a nossa sociedade atual, e
é claro, a nossa cultura, faz-se necessário retomarmos as ideias de Stuart Hall (2005)
sobre a questão da identidade na modernidade tardia, em que se chocam elementos
tradicionais, modernos, nacionais, regionais e estrangeiros na práxis das sociedades do
mundo atual, e de Néstor García-Caclini (2006), que trata do convívio destes mesmos
elementos nas sociedades e na cultura da América Latina.
        O primeiro autor considera que há argumentos que afirmam que o sujeito pós-
moderno está se tornando de modo fragmentado, composto de várias identidades, por
vezes contraditórias ou não-resolvidas, sendo quase impossível, hoje, identificarmos
nossas identidades culturais, por estarmos em constante transformação. Isto seria o que
difere as sociedades “modernas” das “tradicionais”, visto que estas últimas, segundo
Giddens (apud HALL, 2005, pp. 14-15), veneram o passado e valorizam os símbolos,
por conterem estes experiências de gerações antepassadas, além de perpetuá-las no
presente e para o futuro. Termo interessante adotado por Hall é a ‘pluralização’ de
identidades, que emergira com “as transformações associadas à modernidade [que]
libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas” (HALL,
2005: 25). Dado isto, sua identificação (e não mais a ‘identidade’ enquanto ideia que
perdeu praticamente o sentido, por sua fragmentação) passou a se tornar um processo
em andamento.
        As culturas nacionais são colocadas entre o passado e o futuro, visto que seu
discurso se mantém entre a vontade de retornar as glórias do passado e o impulso por
avançar ainda mais em direção à modernidade. A etnia, no mundo moderno Ocidental,
revela-se híbrida. Contudo, “as culturas nacionais contribuem para “costurar” as
diferenças numa única identidade” (Idem, Ibidem: 65). Há ainda uma “costura”
realizada em escala global, para além da fronteiras nacionais, integrando e conectando
comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, o que Hall
chamou de processo de “homogeneização cultural” (Idem, Ibidem: 75-76).
        Segundo o mesmo autor, de acordo com estes fatos, a identidade, na era da
globalização, estaria destinada a retornar às suas “raízes”, a desaparecer por meio da
assimilação e da homogeneização; ou ainda, a virar “tradução”, situação que o autor
destina a pessoas pertencentes às “culturas híbridas”, ou seja, que mesmo distantes de
sua terra natal carregam traços das culturas de seus lugares de origem e suas tradições e
de outras culturas.
        García Canclini afirma que, na América Latina, as tradições ainda estão
presentes e a modernidade não para de gerar “novos” elementos, incluindo-se aí, a arte,
e que também não estamos convictos de que nos modernizar seja o principal objetivo,
de acordo com o que divulgam os políticos, os economistas e a publicidade de novas
tecnologias. A partir daí, podemos chegar à conclusão de que a modernidade chega à
América Latina após a pós-modernidade européia, apesar de termos algo de pós-
moderno em pouquíssimos aspectos do mercado cultural, por exemplo.
        Devo esclarecer que, em termos teóricos, a modernidade possui elementos que
entram em conflito, sendo que, no caso da América Latina, há o modernismo cultural
com uma modernização social desigual; tal moderrnismo serve para privilegiar a elite
(classes dominantes) evitando que a maioria da população tenha acesso à educação,
inclusive, à cultura dessa elite que contraditoriamente prega autonomia, superação do
antigo e tradicional, mas recorre, depende do passado. A modernidade, possui, portanto,
movimentos de renovação e democratização que entram em contradição. Já a pós-
modernidade possui uma reflexão anti-evulocionista; não há a noção de ruptura, mas a
relativização da separação entre culto, popular e massivo (sobre a qual se assenta a
modernidade). Com um pensamento de maior abertura, a pós-modernidade absorve
todos os movimentos artístico-culturais criando sua própria realidade e sua própria
necessidade. Quanto ao indivíduo na sociedade, o sujeito moderno seria, supostamente,
unificado e o pós-moderno seria um sujeito que não tem identidade fixa, essencial ou
permanente.2
        O autor referido fala de ‘hibridação’, termo que usa no sentido de mestiçagem,
sincretismo, fusão e outros vocábulos empregados para designar misturas particulares.
Esta hibridação é percebida enquanto processo e como uma mistura de estruturas e
práticas discretas que existem de forma separada, mas não pura, em combinações que
geram novas estruturas, objetos e práticas. Um exemplo claro disso é o que ocorre na
música, quando diz que,

                       É possível colocar sob um só termo fatos tão variados quanto
                       (...) a fusão de melodias étnicas com música clássica e
                       contemporânea ou com o jazz e a salsa (...) mistura de ritmos
                       andinos e caribenhos; a reinterpretação jazzística de Mozart
                       (...) pelo grupo afro-cubano Irakere; as reelaborações de
                       melodias inglesas e hindus (...) pelos Beatles, Peter Gabiel e
                       outros músicos (?). (GARCÍA-CANCLINI, 2006: XX) (a página
                       é XX? sim, são as primeiras páginas que correspondem a uma
                       introdução!)

        No que diz respeito à música urbana brasileira, desde o final da década de 1950,
as evidências de hibridação cultural tornaram-se mais visíveis e questionáveis, com o
advento da Bossa Nova que apresentava influências do jazz norte-americano e do samba
urbano do Rio de Janeiro. Com o desenvolvimento da Bossa Nova, a partir de 1964, as
modificações impostas ao povo brasileiro pelo governo militar fizeram com que os
músicos incorporassem a temática política, e alguns deles, o engajamento social.
Segundo Affonso Romano de Sant’Anna (2004, p. 159), o jovem brasileiro, proibido,
nessa época, de participar da vida política de seu país, coibido em seu contexto cultural
e alijado de seus instrumentos de manifestação, encontrou na música um instrumento
para canalizar sua energia e ânsia de participação no contexto nacional; e ainda, junto
aos intérpretes e autores dessa música, viam-na como veículo, instrumento e elemento
de comunicação e participação.

       Concomitantemente, surgiram os programas musicais na televisão e os festivais
da canção que atuaram ao longo da década de 60. A Música Popular Brasileira surgiu,
portanto, como instituição e se firmou como “marca da música brasileira por
excelência” (NAVES; COELHO; BACAL, p. 9).

        A indústria cultural chamada MPB, mais um rótulo comercial que um estilo,
seria uma espécie de consolidação da hibridação cultural no Brasil, por permitir o
encontro entre várias culturas diferentes. E, no caso da região amazônica, mais
2 Os conceitos de modernidade e pós-modernidade foram extraídos de leituras que fiz,
principalemnte, de Hall (2005), García Canclini (2006) e Pignatari (1998).
especificamente paraense, além do grupo que é foco da nossa pesquisa, essa pluralidade
cultural está presente nas obras de Ruy e Paulo André Barata, grandes expoentes da
MPB no Pará, e de outros artistas. Ao citar Aracy Amaral, García-Canclini oferece um
diagnóstico sobre a arte e a literatura brasileira que ratifica nossa concepção sobre a
canção brasileira: “Os modernismos beberam em fontes duplas e antagônicas: de um
lado, a informação internacional (...) de outro, ‘um nativismo que se evidenciaria na
inspiração e busca de nossas raízes’” (Idem, Ibidem: 79).

O Grupo Cravo Carbono e a Obra Peixe Vivo
        Sendo o nosso objeto de estudo o grupo Cravo Carbono, e mais especificamente,
o álbum Peixe Vivo, faz-se necessário conhecermos o cenário musical paraense em que
estava inserido e o modo como este surgiu e atuou. É também de extrema importância
apresentarmos a obra em questão, a fim de que haja maior familiarização com a mesma
e melhor entendimento acerca do conteúdo a ser estudado.
        Em Belém-PA, experimentações com elementos musicais provenientes de várias
culturas tornaram-se mais evidentes nos anos 90, com bandas identificadas como sendo
de rock e um público mais aberto a experimentações novas misturando sons regionais
aos acordes da guitarra com efeito de distorção, por exemplo. Havia grupos trabalhando
com a fusão de vários elementos rítmicos, incluindo o brega, música indiana, indígena,
eletrônica, entre outros. Nesta mesma linha surgiram também outros grupos em diversas
regiões do país. As bandas daqui inovavam também no seu instrumental, com cornetas
feitas de garrafas de refrigerante descartáveis, por exemplo. É neste contexto que surge
o Cravo Carbono.
        A banda trabalha dentro da tradição instrumental de rock básico: guitarra, baixo
e bateria. Talvez por isso tenha sido confundida muitas vezes com uma banda de rock,
sendo associada a este gênero pela imprensa local e penetrando em espaços como
programas e casas de espetáculos destinadas a este estilo. De fato, o rock se faz presente
em suas composições, mas ele é apenas mais um elemento constituinte de suas
experiências musicais. Lázaro Magalhães nega este rótulo à banda:

                        Somos um grupo de MPB (...) MPB é o retrato do próprio povo
                        brasileiro que é um povo que se miscigenou, veio de várias
                        matrizes étnicas, trouxe influências de todo mundo e misturou
                        tudo numa história só. Então, a gente entende que fazer rock ou
                        fazer pop no Brasil é fazer MPB, porque a MPB está se
                        apropriando disso e transformando em outras coisas. (...) somos
                        brasileiros devorando o rock, digerindo isso e trazendo pra
                        dentro da nossa história, e mais especificamente, com a nossa
                        história regional que já tem muitas coisas, como carimbó,
                        guitarrada etc. (MAGALHÃES, em entrevista concedida em 03
                        de julho de 2001).

       É desta mistura de “histórias” de que fala o vocalista do grupo que trataremos
posteriormente. E é o “barulho” da modernidade que chega aos ouvidos dos integrantes
do grupo: o motor dos carros e as músicas tocadas em fortes intensidades nos ônibus de
Belém, nos carros particulares e nas caixas fixadas nos postes com rádios comunitárias
(algo muito comum na Cidade Velha e em outros bairros da cidade) e rádios AM.
Juntando isto a certo som produzido pelo computador e acrescentando esse ‘tempero’
regional e à poesia, o grupo cria suas composições.
Cravo e carbono seria a combinação exótica e sonora de dois nomes, que
segundo os integrantes da banda, soa como uma espécie de “ciência da mercearia”. O
grupo surgiu entre 1996 e 1997 no bairro da Cidade Velha e se consolidou com a
seguinte formação: Lázaro Magalhães (vocal), Pio Lobato (guitarra e baixo), Bruno
Rabelo (baixo e guitarra) e Clenilson Almeida [Vovô] (bateria). Entre eles, havia uma
necessidade de fazer música como uma experimentação, ou seja, criaram o que eles
mesmos definiam como um “laboratório musical do qual todos nós fazemos parte”.
Uma de suas experiências era ouvir os sons produzidos pelo computador.
        A música do grupo aglutina diversas influências, entre as quais o samba, a
marcha, o frevo, o choro, além daquelas mais ouvidas ou surgidas na região amazônica:
o merengue, o boi-bumbá, o brega, o carimbó, a cumbia, o zouk e as guitarradas3. Pio
Lobato, responsável pela influência das guitarradas no grupo, conta que se trata do
modo próprio do paraense de tocar guitarra, pelo fato deste não ter tido, na época da
chegada da guitarra no Pará, referências de como tocá-la. É, portanto, a guitarra com um
sotaque regional. O guitarrista pesquisou o gênero e manteve contato com os Mestres da
Guitarrada que nasceram exatamente desse encontro entre o saber musical fincado no
interior do Pará e os saberes cosmopolitas encerrados em Belém. Consequentemente, o
gênero guitarrada acabou por se tornar uma música ouvida tradicionalmente pelos
ribeirinhos do Estado.
        Lobato afirma que as músicas regionais entram como um elemento “simbólico”
apenas. Isso quer dizer que, não poderíamos afirmar que tocam um carimbó ou um
brega na íntegra. O que acontece é uma espécie de releitura... É interessante notar que
os quatro integrantes (denominá-los já estão denominados há dois parágrafos acima
deste(em azul)!) possuem diversas influências; pode-se dizer que os sons que eles
apreciam são o rock progressivo, a MPB, o funk, o samba, ritmos paraenses, entre
outros que permitem essa fusão musical a que se propõem.
        Com este estilo próprio, o grupo fazia várias apresentações em casas noturnas,
teatros e espaços acadêmicos de Belém, bem como na TV Cultura e na Rádio Cultura
FM do Pará. Foi num estúdio desta Rádio que o grupo gravou a maior parte das
composições que do álbum Peixe Vivo, lançado em 2001. Há um álbum anterior a este,
chamado Mundo-Açu, gravado em computador caseiro e que obteve pouca repercussão.
Devido ao sucesso daquele álbum, no ano seguinte ao do lançamento o grupo foi
incluído no mapeamento musical do antropólogo brasileiro Hermano Vianna para o
documentário multimídia intitulado Música do Brasil. Por meio deste, o Cravo e
Carbono teve uma faixa do seu CD incluída na trilha sonora do filme Deus é Brasileiro,
de Cacá Diegues. Em março de 2001, apresentou-se em São Paulo, no Centro Itaú
Cultural, por ocasião da mostra nacional do projeto Rumos Itaú Cultural Música –
Tendências e Vertentes, que mapeou 78 revelações musicais em todo o Brasil.
        Em 2003, o grupo iniciou as gravações do álbum Córtex, com o apoio da Lei de
Incentivo Tó Teixeira e da Fundação Y.Yamada (empresa que comporta uma rede de
lojas e supermercados no Pará e trabalha com incentivos culturais). No entanto, seu

3 Cumbia: ritmo que nasceu na região caribenha do que hoje é a Colômbia. Zouk ou Zuque:
gênero musical originariamente caribenho, surgido nas Antilhas. Guitarradas: tipo de música
instrumental caracterizada pelo uso da guitarra elétrica solo como elemento principal da
composição;       iniciada    em      Barcarena-PA   por       Mestre      Vieira.   Acessar:
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%BAmbia         ;    http://pt.wikipedia.org/wiki/Zouk     e
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guitarrada .
lançamento deu-se somente em 2007. No ano de 2008, o Córtex ganhou um prêmio de
melhor álbum por meio de votações num site da internet, e ainda, fez parte da coletânea
da revista francesa Brazuca abordando o trabalho de bandas definidas como
pertencentes à categoria de “novo rock do Brasil”. Ao final de 2008, o grupo se diluiu.
Alguns músicos deram prosseguimento aos seus projetos paralelos e carreiras solo,
enquanto que outros se encontram em fase de experimentação, em busca de novos
projetos em parceria com outros músicos.

O Peixe Vivo
       Peixe Vivo consiste em um álbum que começou a ser Produzido em 1997 por
Pio Lobato, com duas faixas ‘caseiras’ (produzidas em computador dentro de uma
residência) denominadas “Psicocumbia” e “Recado para Lúcio Maia”. As outras
canções foram gravadas ao vivo no estúdio da FUNTELPA (Fundação das
Telecomunicações do Pará), em setembro de 1999, produzidas pelo jornalista da Rádio
Cultura FM Beto Fares, sendo elas: “São Cristóvão”, “Rasante”, “Mestre Vieira”,
“Mundo-Açu”, “Capoeira Geográfica”, “Ver o Peso”, “Conselho Barato”, “Andarilho” e
“Mercúrio”, totalizando 11 faixas. Na configuração final do CD, as duas faixas caseiras,
que são instrumentais, foram consideradas como faixas bônus. O álbum foi lançado em
2001, pela Cardume Produções, um selo do próprio grupo, localizado no bairro da
Cidade Velha (Belém-PA). Este álbum é de fundamental importância para detectarmos a
presença principalmente de elementos “tradicionais” e “modernos” no trabalho do
grupo.

Um Peixe Vivo na Amazônia Plural
        Segundo Laraia (2004), o homem depende do acesso a certos materiais que
atendam às suas necessidades na comunidade em que vive, a materiais que lhe permitam
exercer sua criatividade de maneira revolucionária. Para aplicarmos esta idéia à
realidade do compositor que habita a Amazônia, especialmente os ribeirinhos, devemos
considerar que “a aplicação de técnicas modernas [,] em particular na música, se bem
aproveitadas [, e se,] de repente [,] aquele artista caboclo que tem um poder de
criatividade evoluído tivesse a oportunidade de estudar e desenvolver essas técnicas, ele
seria em pouco tempo um gênio da música” (COSTA, 2000: 28). O trabalho do grupo
Cravo Carbono, acreditamos, consiste nesta aplicação.
        Em Belém, este grupo musical trabalhou com poesia que lembra, principalmente
o modernismo, sendo que este já é permeado por outros gêneros literários (como o
Simbolismo, por exemplo) e aglutina contraditoriamente elementos como
conservadorismo e mudança, aliando essa poesia a gêneros musicais “tradicionais” e
“modernos”. A obra Peixe Vivo apresenta estilos musicais latinos que têm circulação na
Amazônia, a exemplo da cumbia e do merengue, bem como derivações desses ritmos,
como as guitarradas e gêneros musicais como o funk e o rock.
        Esta mistura de gêneros e estilos musicais presentes no nosso cotidiano,
conseqüência da “modernidade tardia” sobre a qual se refere Hall (2005) e que
caracteriza a hibridação, se encontra calcada na Amazônia e aparece como idéia central
da canção Mundo-Açu, que Magalhães define bem no poema impresso no encarte,
dispostas as letras com margem curva à esquerda, imitando fios de cabelo, ou conforme
o poeta, remetendo aos braços dos rios da Amazônia. Basta observar a primeira estrofe:

       Amazonas
       Segura ao pêlo
        Rios
Negros
         Fios
        De cabelos
        Nheengatu
       Nem eu
       Nem tu

        Podemos observar a aproximação entre o som de “rios” e “fios”, de “pêlo” e
“cabelos”, numa fala fragmentada, e também sugerir que a poesia de Magalhães é
concretista, trabalhando, portanto, com elementos de vanguarda da poesia modernista,
embora inserindo a temática amazônica, com suas diversidades e contradições. Por
beber tanto no “tradicional”, falando de uma língua nativa, do rio da região amazônica,
quanto no “moderno”, por meio da poesia modernista, é provável que esteja dando
continuidade ao processo que Oswald de Andrade chamou de Antropofágico4 e que
Canclini afirma residir na arte latino-americana, a partir do século XX, quando se refere
à Semana de Arte Moderna de 1922: “os modernismos beberam em fontes duplas e
antagônicas: de um lado, a informação internacional (...) de outro, ‘um nativismo que se
evidenciaria na inspiração e busca de nossas raízes’” (CANCLINI, 2006: 79).
        Magalhães fala de hibridação da seguinte forma: “caberá nos globos dos olhos
este nosso Mundo-Açu (o olhar caboclo sobre este mundo vasto mundo)?”. Este é o
trecho de um dos boxes que o poeta disponibilizou ao lado de cada letra, no encarte, de
modo a tentar explicar a intenção da letra no momento em que foi feita – explicação
essa que poderá ser complementada pelo leitor, já que cada canção permite várias
interpretações. Ele complementa esta idéia de “mundo-açu” em entrevista:

                       É mundo grande... (...) Mundo-açu seria essa nossa visão do
                       mundo, mas sendo a gente. É como entrar no mundo, não pela
                       porta da globalização que você tem que ser americano(...)falar
                       inglês pra ser do mundo...não! Você é do mundo sendo ‘eu’!
                       (MAGALHÃES, em entrevista concedida em 03 de julho de
                       2001).


       Comentando o trecho anterior, segue o entrevistado:

                       Nheengatu é uma língua geral que a gente falava no Brasil (...).
                       Os portugueses chegaram e não conseguiram impor a língua
                       portuguesa, passaram séculos falando uma língua que era
                       indígena (...). Então isso foi (...) um choque cultural e a gente
                       precisa entender isso, porque dá impressão que nós (...)
                       queremos ser europeus e queremos ser americanos e temos uma
                       tradição grande de um povo indígena que fez parte da nossa
                       formação e influencia no que a gente come (...) no que a gente

4 Manifestação artística da década de 20 que tinha por objetivo a deglutição da cultura
estrangeira sem, no entanto imitá-la, para re-elaborar suas técnicas com autonomia,
convertendo-as           em          produto      de        exportação.        Acessar:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Antrop%C3%B3fago .
faz e a gente nega isso (...). Nem eu nem você falamos
                        nheengatu,   mas   ainda      tentamos ser  brasileiros.
                        (MAGALHÃES, em entrevista concedida em 03 de julho de
                        2001).

        Cabe-nos lembrar agora da questão da identidade cultural pontuada por Hall.
Qual seria a identidade do nativo da Amazônia? Magalhães esclarece que somos um
povo que tem, muitas vezes, traços indígenas estampados no rosto. No entanto, negamos
isto em prol de outra identidade étnica, quase sempre até de um povo que exerceu ou
exerce domínio econômico sobre nós mesmos. Interessante é notarmos que esse
amazônida que Magalhães afirma negar as origens é o mesmo que ouve músicas
permeadas por elementos indígenas e latinos.
        O instrumental, em compasso 2/4, tem a linha melódica de uma lambada, ritmo
caribenho caracterizado pela presença da síncopa. Em alguns momentos, porém, a
bateria acentua sua batida, tornando-a mais reta, como um hardcore5 relativamente
desacelerado. Temos, portanto, a mistura entre um ritmo ouvido tradicionalmente na
região e uma vertente do rock que surgiu após o advento da modernidade.
        Mercúrio é uma canção que o grupo definiu no encarte do álbum como um
“brega distinto”. Primeiro devemos considerar o fato de que o gênero escolhido pelo
grupo já é um exemplo de multiculturalismo na Amazônia. O brega surgiu no Pará
como uma fusão de alguns ritmos caribenhos com outros reminiscentes do movimento
da Jovem Guarda, a partir dos anos 60, quando esta migrou para o interior do Brasil 6.
Num box explicativo ao lado da letra Mercúrio, temos: “(...) Assimilado o compasso 4/4
americano [a música da Jovem Guarda] ganhou andamento acelerado que lhe conferiu
um sentido mais dançante: música de baile, para dançar agarrado [dando-se origem ao
brega]”. Neste parágrafo, podemos perceber que outros ritmos originaram e/ou
constituem o gênero.
        Tendo-se o brega como fenômeno que agrega culturas diferentes e que na sua
simplicidade faz com que as camadas populares se identifiquem, o Cravo Carbono lhe
imprimiu, ainda, nova roupagem. A obra Mercúrio une o “picotado” típico da guitarra
paraense ao 2/4 do boi-bumbá no contrabaixo, segundo a informação contida no encarte
do álbum. Sabe-se que o boi-bumbá também é uma cultura que agrega várias outras.
Ainda, para complementar esse pluralismo contido na música, temos a letra como um
poema cheio de metáforas, em que prevalece a idéia da intolerância às peculiaridades da
região amazônica. Vejamos a primeira estrofe:

       Solto o paralelo
       Amarelo
       Me desmancha

5 Vertente do rock, especificamente do punk rock, que surgiu no final dos anos 70 nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Acessar: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hardcore .




6 Informações retiradas do artigo “Estigma e cosmopolitismo local: considerações sobre uma
estética legitimadora do tecnobrega em Belém do Pará” por GUERREIRO DO AMARAL,
2006: 281.
A tolerância
       Desafio de amor
       É azul distância
       Ar erguido
       Ante a lembrança

        Ainda no encarte, segue outra informação: “Partir (soltar o paralelo) então
parece ser a ordem na Amazônia do velho desgosto luso”. A partir dos versos “Solto o
paralelo” e “Me desmancha”, observamos o lirismo do poema, em que há a
determinação de certa vontade de partir, de deixar a Amazônia, e junto com ela, tudo o
que se tem por desgosto. Um dos aspectos desta estrofe, segundo Magalhães, é o fato de
o fim do amor entre um garimpeiro e uma prostituta (é interessante notar que é comum
os garimpeiros da região ouvirem brega para se divertir nos fins de semana – a isto
também se deve o gênero escolhido pelo Cravo e Carbono) ser um motivo para o
garimpeiro, desiludido com o amor da prostituta, ficar desiludido também com o lugar
onde vive e trabalha duro. Daí a vontade de evadir da Amazônia, por estar saturado
desse universo multicultural, bio-diversificado e de exploração, tão rico mas que ainda
permite com que a maior parte da população se mantenha no nível da pobreza, sem
possibilidade de melhoria de qualidade de vida. A respeito disto, podemos dizer que a
‘modernização deficiente’ na América Latina sobre a qual se refere García-Canclini
contribui para a permanência dessa diferença social:

                       Modernização com expansão restrita do mercado,
                       democratização para minorias, renovação das ideias mas com
                       baixa eficácia nos processos sociais. Os desajustes entre
                       modernismo(cultural) e modernização(social) são úteis às
                       classes dominantes para preservar sua hegemonia, e às vezes
                       para não ter que se preocupar em justificá-la, para ser
                       simplesmente classes dominantes. Na cultura escrita,
                       conseguiram isso limitando a escolarização e o consumo de
                       livros e revistas (GARCÍA-CANCLINI, 2006: 69).

        A partir dessas observações, notamos que o grupo trabalhou a manutenção da
base rítmica de determinado gênero musical típico da região, ou mesmo unindo duas
bases desses gêneros acrescentando novos elementos: novas notas, por exemplo, ou
ainda, ritmos de padrão universal, como o funk e rock (já citados), e também certa
técnica, de modo a tornar sua obra universalizada e, portanto, mais aceitável em outros
lugares. Então, a obra do grupo cria códigos de compreensão para além do âmbito
cultural em que ela é praticada, universalizando a sua comunicação, a sua expressão,
como explica Loureiro ao ser entrevistado por Tynnôko Costa:

                       O que eu entendo nesse teu trabalho [é que ele possui, como
                       Waldemar Henrique] uma vinculação das raízes simbólicas e
                       musicais e culturais da Amazônia e do Pará, a uma linguagem
                       universal, que permita interesse em qualquer lugar do mundo,
                       que seja compreendida e agrade, embora as pessoas, sabendo
                       que elas são diferentes do seu lugar, que elas são ‘Amazônica’”
                       (LOUREIRO In COSTA, 2000:26).
O universalismo e o regionalismo no álbum Peixe Vivo não se excluem, portanto.
Ao contrário, complementam-se para a expressão do que o próprio poeta Magalhães
chamaria de ‘Mundo-Açu’. O grupo reconhece o diálogo da música paraense com
ritmos que vão além das fronteiras nacionais. A hibridação, como pudemos perceber,
permeia sua obra.

Considerações finais
        De acordo com o que se pôde observar no presente artigo, o qual apresentou um
pequeno esboço da leitura que farei de algumas faixas do álbum Peixe Vivo, já se pode
localizar pequenos focos de pluralidade cultural neste objeto/sujeito de pesquisa. A
hibridação de que fala García Canclini é perceptível nas faixas que, como foi visto,
agregam elementos “tradicionais”, “modernos”, “locais” e “globais”. Com isso, cabe um
questionamento acerca da identidade, como aponta Hall, sobre as pessoas que habitam a
Amazônia. As canções aqui estudadas, além de se revelarem híbridas, entram em
diálogo com os questionamentos desses autores. Pretendo, portanto, prosseguir minha
pesquisa com a finalidade de identificar elementos da pluralidade cultural que se faz
presente em nossa região e encontra expressão em trabalhos de bandas como o Cravo
Carbono, a qual se torna um importante sujeito/objeto de pesquisa nesse aspecto, sem
ter sido, no entanto, reconhecida sua importância para a cultura do país.

Rerefências bibliográficas


COSTA, Tynnôko. Ritmos Amazônicos: entrevista. Belém: CEJUP, 2000.

GARCÍA-CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. 4 ed. Heloísa Pezza Cintrão & Ana Regina Lessa (Trad.). São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

GUERREIRO DO AMARAL, P. M. Estigma e cosmopolitismo local: considerações
sobre uma estética legitimadora do tecnobrega em Belém do Pará. In: III ENCONTRO
DA ABET – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ETNOMUSICOLOGIA, 2006, São
Paulo. Anais... 1 CD-ROM.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10 ed. Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro (Trad.). Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 17 ed. Rio de Janeiro: Zahar,
2004.

NAVES, Santuza C.; COELHO, Frederico O.; BACAL, Tatiana (Org.). A MPB em
discussão: entrevistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

PIGNATARI, D. Cultura pós-nacionalista. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998.

SANT’ANNA, A. R. de. Música popular e moderna poesia brasileira. São Paulo:
Landmark, 2004.


Referências discográficas:
CRAVO CARBONO. Peixe Vivo. Belém: Cardume Produções, c 2001. 1 CD.

PAULO ANDRÉ BARATA. Nativo. Rio de Janeiro, 1978. 1 disco sonoro.



Páginas na Internet

<www.magazinebrazuca.blogspot.com>


Audiovisual

DEUS é Brasileiro. Direção: Cacá Diegues. São Paulo, 2003. Filme.

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  • 1. A Pluralidade Cultural na Obra do Cravo Carbono Keila Michelle Silva Monteiro1 Resumo: Este artigo focaliza um dos grupos de música urbana na Amazônia que trabalha com a pluralidade cultural. Pretendo revelar alguns elementos desta pluralidade, em determinados momentos, na letra e na música de algumas faixas do álbum Peixe Vivo, lançado em 2001 pelo grupo Cravo Carbono, tendo como base teórica as obras A identidade cultural na pós-modernidade de Stuart Hall (2005), que estuda a questão da identidade na modernidade tardia, na qual se chocam elementos “tradicionais”, “modernos”, “locais” e “globais” na práxis das sociedades do mundo atual e Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade de Néstor García Canclini (2006) também estudioso do convívio hibridizado desses elementos nas sociedades e na cultura da América Latina. Introdução O presente texto considera apenas um dos vários aspectos de uma pesquisa que ainda está dando os primeiros passos e deverá ser concluída e apresentada ao final do curso de Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Pará, iniciada em março de 2009. Em Belém, no final dos anos 90, surgiram bandas com estilos variados. Estas, classificadas pela imprensa local como bandas de rock, encontravam um público bastante receptivo, diferentemente da década de 80, em que havia, praticamente, um público específico para o heavy metal e outro para o punk, duas vertentes diferentes do rock. Já na passagem dos anos 80 para os anos 90 é que esses estilos foram se transformando e/ou se mesclando a outros e, concomitantemente, foi-se formando um público mais tolerante, aberto a novas experimentações musicais. Em 2001, uma banda cativou parte desse público ao lançar um álbum que mereceu destaque pelo modo como conduzia suas composições, trabalhando com releituras de ritmos do cotidiano paraense. Este grupo chamava-se Cravo Carbono e chamou a atenção, em especial, pela técnica que apresentava na execução de suas músicas e pela riqueza poética de suas letras. Então, percebi que o álbum recém lançado na época pelo grupo em questão, intitulado Peixe Vivo, poderia ser objeto de estudo, basicamente por dois fatores: por unir duas artes: a poesia e a música, e também por relacionar elementos “tradicionais” e “modernos” numa mesma obra. Esta relação, aliás, já vem sendo alvo de discussões por sociólogos, antropólogos, etnomusicólogos e, inclusive, está presente nas obras de alguns compositores na cidade de Belém, como, por exemplo Ruy e Paulo André Barata. Pretendo identificar neste artigo, principalmente, o que há de “tradicional” e “moderno” no álbum Peixe Vivo, o qual se encontra inserido na pluralidade cultural da Amazônia. Para tanto, farei um breve histórico acerca da trajetória da banda, com ênfase no álbum Peixe Vivo, e então prosseguirei com a demonstração da presença de elementos tradicionais e modernos concomitantemente numa mesma canção em trechos de algumas faixas deste álbum. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes do ICA/UFPA. Este artigo representa o início da minha pesquisa para a dissertação do Mestrado em Artes pelo Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará.
  • 2. Pluralidade Cultural e Hibridação Para que se trate da presença da pluralidade que afeta a nossa sociedade atual, e é claro, a nossa cultura, faz-se necessário retomarmos as ideias de Stuart Hall (2005) sobre a questão da identidade na modernidade tardia, em que se chocam elementos tradicionais, modernos, nacionais, regionais e estrangeiros na práxis das sociedades do mundo atual, e de Néstor García-Caclini (2006), que trata do convívio destes mesmos elementos nas sociedades e na cultura da América Latina. O primeiro autor considera que há argumentos que afirmam que o sujeito pós- moderno está se tornando de modo fragmentado, composto de várias identidades, por vezes contraditórias ou não-resolvidas, sendo quase impossível, hoje, identificarmos nossas identidades culturais, por estarmos em constante transformação. Isto seria o que difere as sociedades “modernas” das “tradicionais”, visto que estas últimas, segundo Giddens (apud HALL, 2005, pp. 14-15), veneram o passado e valorizam os símbolos, por conterem estes experiências de gerações antepassadas, além de perpetuá-las no presente e para o futuro. Termo interessante adotado por Hall é a ‘pluralização’ de identidades, que emergira com “as transformações associadas à modernidade [que] libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas” (HALL, 2005: 25). Dado isto, sua identificação (e não mais a ‘identidade’ enquanto ideia que perdeu praticamente o sentido, por sua fragmentação) passou a se tornar um processo em andamento. As culturas nacionais são colocadas entre o passado e o futuro, visto que seu discurso se mantém entre a vontade de retornar as glórias do passado e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade. A etnia, no mundo moderno Ocidental, revela-se híbrida. Contudo, “as culturas nacionais contribuem para “costurar” as diferenças numa única identidade” (Idem, Ibidem: 65). Há ainda uma “costura” realizada em escala global, para além da fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, o que Hall chamou de processo de “homogeneização cultural” (Idem, Ibidem: 75-76). Segundo o mesmo autor, de acordo com estes fatos, a identidade, na era da globalização, estaria destinada a retornar às suas “raízes”, a desaparecer por meio da assimilação e da homogeneização; ou ainda, a virar “tradução”, situação que o autor destina a pessoas pertencentes às “culturas híbridas”, ou seja, que mesmo distantes de sua terra natal carregam traços das culturas de seus lugares de origem e suas tradições e de outras culturas. García Canclini afirma que, na América Latina, as tradições ainda estão presentes e a modernidade não para de gerar “novos” elementos, incluindo-se aí, a arte, e que também não estamos convictos de que nos modernizar seja o principal objetivo, de acordo com o que divulgam os políticos, os economistas e a publicidade de novas tecnologias. A partir daí, podemos chegar à conclusão de que a modernidade chega à América Latina após a pós-modernidade européia, apesar de termos algo de pós- moderno em pouquíssimos aspectos do mercado cultural, por exemplo. Devo esclarecer que, em termos teóricos, a modernidade possui elementos que entram em conflito, sendo que, no caso da América Latina, há o modernismo cultural com uma modernização social desigual; tal moderrnismo serve para privilegiar a elite (classes dominantes) evitando que a maioria da população tenha acesso à educação, inclusive, à cultura dessa elite que contraditoriamente prega autonomia, superação do antigo e tradicional, mas recorre, depende do passado. A modernidade, possui, portanto, movimentos de renovação e democratização que entram em contradição. Já a pós- modernidade possui uma reflexão anti-evulocionista; não há a noção de ruptura, mas a
  • 3. relativização da separação entre culto, popular e massivo (sobre a qual se assenta a modernidade). Com um pensamento de maior abertura, a pós-modernidade absorve todos os movimentos artístico-culturais criando sua própria realidade e sua própria necessidade. Quanto ao indivíduo na sociedade, o sujeito moderno seria, supostamente, unificado e o pós-moderno seria um sujeito que não tem identidade fixa, essencial ou permanente.2 O autor referido fala de ‘hibridação’, termo que usa no sentido de mestiçagem, sincretismo, fusão e outros vocábulos empregados para designar misturas particulares. Esta hibridação é percebida enquanto processo e como uma mistura de estruturas e práticas discretas que existem de forma separada, mas não pura, em combinações que geram novas estruturas, objetos e práticas. Um exemplo claro disso é o que ocorre na música, quando diz que, É possível colocar sob um só termo fatos tão variados quanto (...) a fusão de melodias étnicas com música clássica e contemporânea ou com o jazz e a salsa (...) mistura de ritmos andinos e caribenhos; a reinterpretação jazzística de Mozart (...) pelo grupo afro-cubano Irakere; as reelaborações de melodias inglesas e hindus (...) pelos Beatles, Peter Gabiel e outros músicos (?). (GARCÍA-CANCLINI, 2006: XX) (a página é XX? sim, são as primeiras páginas que correspondem a uma introdução!) No que diz respeito à música urbana brasileira, desde o final da década de 1950, as evidências de hibridação cultural tornaram-se mais visíveis e questionáveis, com o advento da Bossa Nova que apresentava influências do jazz norte-americano e do samba urbano do Rio de Janeiro. Com o desenvolvimento da Bossa Nova, a partir de 1964, as modificações impostas ao povo brasileiro pelo governo militar fizeram com que os músicos incorporassem a temática política, e alguns deles, o engajamento social. Segundo Affonso Romano de Sant’Anna (2004, p. 159), o jovem brasileiro, proibido, nessa época, de participar da vida política de seu país, coibido em seu contexto cultural e alijado de seus instrumentos de manifestação, encontrou na música um instrumento para canalizar sua energia e ânsia de participação no contexto nacional; e ainda, junto aos intérpretes e autores dessa música, viam-na como veículo, instrumento e elemento de comunicação e participação. Concomitantemente, surgiram os programas musicais na televisão e os festivais da canção que atuaram ao longo da década de 60. A Música Popular Brasileira surgiu, portanto, como instituição e se firmou como “marca da música brasileira por excelência” (NAVES; COELHO; BACAL, p. 9). A indústria cultural chamada MPB, mais um rótulo comercial que um estilo, seria uma espécie de consolidação da hibridação cultural no Brasil, por permitir o encontro entre várias culturas diferentes. E, no caso da região amazônica, mais 2 Os conceitos de modernidade e pós-modernidade foram extraídos de leituras que fiz, principalemnte, de Hall (2005), García Canclini (2006) e Pignatari (1998).
  • 4. especificamente paraense, além do grupo que é foco da nossa pesquisa, essa pluralidade cultural está presente nas obras de Ruy e Paulo André Barata, grandes expoentes da MPB no Pará, e de outros artistas. Ao citar Aracy Amaral, García-Canclini oferece um diagnóstico sobre a arte e a literatura brasileira que ratifica nossa concepção sobre a canção brasileira: “Os modernismos beberam em fontes duplas e antagônicas: de um lado, a informação internacional (...) de outro, ‘um nativismo que se evidenciaria na inspiração e busca de nossas raízes’” (Idem, Ibidem: 79). O Grupo Cravo Carbono e a Obra Peixe Vivo Sendo o nosso objeto de estudo o grupo Cravo Carbono, e mais especificamente, o álbum Peixe Vivo, faz-se necessário conhecermos o cenário musical paraense em que estava inserido e o modo como este surgiu e atuou. É também de extrema importância apresentarmos a obra em questão, a fim de que haja maior familiarização com a mesma e melhor entendimento acerca do conteúdo a ser estudado. Em Belém-PA, experimentações com elementos musicais provenientes de várias culturas tornaram-se mais evidentes nos anos 90, com bandas identificadas como sendo de rock e um público mais aberto a experimentações novas misturando sons regionais aos acordes da guitarra com efeito de distorção, por exemplo. Havia grupos trabalhando com a fusão de vários elementos rítmicos, incluindo o brega, música indiana, indígena, eletrônica, entre outros. Nesta mesma linha surgiram também outros grupos em diversas regiões do país. As bandas daqui inovavam também no seu instrumental, com cornetas feitas de garrafas de refrigerante descartáveis, por exemplo. É neste contexto que surge o Cravo Carbono. A banda trabalha dentro da tradição instrumental de rock básico: guitarra, baixo e bateria. Talvez por isso tenha sido confundida muitas vezes com uma banda de rock, sendo associada a este gênero pela imprensa local e penetrando em espaços como programas e casas de espetáculos destinadas a este estilo. De fato, o rock se faz presente em suas composições, mas ele é apenas mais um elemento constituinte de suas experiências musicais. Lázaro Magalhães nega este rótulo à banda: Somos um grupo de MPB (...) MPB é o retrato do próprio povo brasileiro que é um povo que se miscigenou, veio de várias matrizes étnicas, trouxe influências de todo mundo e misturou tudo numa história só. Então, a gente entende que fazer rock ou fazer pop no Brasil é fazer MPB, porque a MPB está se apropriando disso e transformando em outras coisas. (...) somos brasileiros devorando o rock, digerindo isso e trazendo pra dentro da nossa história, e mais especificamente, com a nossa história regional que já tem muitas coisas, como carimbó, guitarrada etc. (MAGALHÃES, em entrevista concedida em 03 de julho de 2001). É desta mistura de “histórias” de que fala o vocalista do grupo que trataremos posteriormente. E é o “barulho” da modernidade que chega aos ouvidos dos integrantes do grupo: o motor dos carros e as músicas tocadas em fortes intensidades nos ônibus de Belém, nos carros particulares e nas caixas fixadas nos postes com rádios comunitárias (algo muito comum na Cidade Velha e em outros bairros da cidade) e rádios AM. Juntando isto a certo som produzido pelo computador e acrescentando esse ‘tempero’ regional e à poesia, o grupo cria suas composições.
  • 5. Cravo e carbono seria a combinação exótica e sonora de dois nomes, que segundo os integrantes da banda, soa como uma espécie de “ciência da mercearia”. O grupo surgiu entre 1996 e 1997 no bairro da Cidade Velha e se consolidou com a seguinte formação: Lázaro Magalhães (vocal), Pio Lobato (guitarra e baixo), Bruno Rabelo (baixo e guitarra) e Clenilson Almeida [Vovô] (bateria). Entre eles, havia uma necessidade de fazer música como uma experimentação, ou seja, criaram o que eles mesmos definiam como um “laboratório musical do qual todos nós fazemos parte”. Uma de suas experiências era ouvir os sons produzidos pelo computador. A música do grupo aglutina diversas influências, entre as quais o samba, a marcha, o frevo, o choro, além daquelas mais ouvidas ou surgidas na região amazônica: o merengue, o boi-bumbá, o brega, o carimbó, a cumbia, o zouk e as guitarradas3. Pio Lobato, responsável pela influência das guitarradas no grupo, conta que se trata do modo próprio do paraense de tocar guitarra, pelo fato deste não ter tido, na época da chegada da guitarra no Pará, referências de como tocá-la. É, portanto, a guitarra com um sotaque regional. O guitarrista pesquisou o gênero e manteve contato com os Mestres da Guitarrada que nasceram exatamente desse encontro entre o saber musical fincado no interior do Pará e os saberes cosmopolitas encerrados em Belém. Consequentemente, o gênero guitarrada acabou por se tornar uma música ouvida tradicionalmente pelos ribeirinhos do Estado. Lobato afirma que as músicas regionais entram como um elemento “simbólico” apenas. Isso quer dizer que, não poderíamos afirmar que tocam um carimbó ou um brega na íntegra. O que acontece é uma espécie de releitura... É interessante notar que os quatro integrantes (denominá-los já estão denominados há dois parágrafos acima deste(em azul)!) possuem diversas influências; pode-se dizer que os sons que eles apreciam são o rock progressivo, a MPB, o funk, o samba, ritmos paraenses, entre outros que permitem essa fusão musical a que se propõem. Com este estilo próprio, o grupo fazia várias apresentações em casas noturnas, teatros e espaços acadêmicos de Belém, bem como na TV Cultura e na Rádio Cultura FM do Pará. Foi num estúdio desta Rádio que o grupo gravou a maior parte das composições que do álbum Peixe Vivo, lançado em 2001. Há um álbum anterior a este, chamado Mundo-Açu, gravado em computador caseiro e que obteve pouca repercussão. Devido ao sucesso daquele álbum, no ano seguinte ao do lançamento o grupo foi incluído no mapeamento musical do antropólogo brasileiro Hermano Vianna para o documentário multimídia intitulado Música do Brasil. Por meio deste, o Cravo e Carbono teve uma faixa do seu CD incluída na trilha sonora do filme Deus é Brasileiro, de Cacá Diegues. Em março de 2001, apresentou-se em São Paulo, no Centro Itaú Cultural, por ocasião da mostra nacional do projeto Rumos Itaú Cultural Música – Tendências e Vertentes, que mapeou 78 revelações musicais em todo o Brasil. Em 2003, o grupo iniciou as gravações do álbum Córtex, com o apoio da Lei de Incentivo Tó Teixeira e da Fundação Y.Yamada (empresa que comporta uma rede de lojas e supermercados no Pará e trabalha com incentivos culturais). No entanto, seu 3 Cumbia: ritmo que nasceu na região caribenha do que hoje é a Colômbia. Zouk ou Zuque: gênero musical originariamente caribenho, surgido nas Antilhas. Guitarradas: tipo de música instrumental caracterizada pelo uso da guitarra elétrica solo como elemento principal da composição; iniciada em Barcarena-PA por Mestre Vieira. Acessar: http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%BAmbia ; http://pt.wikipedia.org/wiki/Zouk e http://pt.wikipedia.org/wiki/Guitarrada .
  • 6. lançamento deu-se somente em 2007. No ano de 2008, o Córtex ganhou um prêmio de melhor álbum por meio de votações num site da internet, e ainda, fez parte da coletânea da revista francesa Brazuca abordando o trabalho de bandas definidas como pertencentes à categoria de “novo rock do Brasil”. Ao final de 2008, o grupo se diluiu. Alguns músicos deram prosseguimento aos seus projetos paralelos e carreiras solo, enquanto que outros se encontram em fase de experimentação, em busca de novos projetos em parceria com outros músicos. O Peixe Vivo Peixe Vivo consiste em um álbum que começou a ser Produzido em 1997 por Pio Lobato, com duas faixas ‘caseiras’ (produzidas em computador dentro de uma residência) denominadas “Psicocumbia” e “Recado para Lúcio Maia”. As outras canções foram gravadas ao vivo no estúdio da FUNTELPA (Fundação das Telecomunicações do Pará), em setembro de 1999, produzidas pelo jornalista da Rádio Cultura FM Beto Fares, sendo elas: “São Cristóvão”, “Rasante”, “Mestre Vieira”, “Mundo-Açu”, “Capoeira Geográfica”, “Ver o Peso”, “Conselho Barato”, “Andarilho” e “Mercúrio”, totalizando 11 faixas. Na configuração final do CD, as duas faixas caseiras, que são instrumentais, foram consideradas como faixas bônus. O álbum foi lançado em 2001, pela Cardume Produções, um selo do próprio grupo, localizado no bairro da Cidade Velha (Belém-PA). Este álbum é de fundamental importância para detectarmos a presença principalmente de elementos “tradicionais” e “modernos” no trabalho do grupo. Um Peixe Vivo na Amazônia Plural Segundo Laraia (2004), o homem depende do acesso a certos materiais que atendam às suas necessidades na comunidade em que vive, a materiais que lhe permitam exercer sua criatividade de maneira revolucionária. Para aplicarmos esta idéia à realidade do compositor que habita a Amazônia, especialmente os ribeirinhos, devemos considerar que “a aplicação de técnicas modernas [,] em particular na música, se bem aproveitadas [, e se,] de repente [,] aquele artista caboclo que tem um poder de criatividade evoluído tivesse a oportunidade de estudar e desenvolver essas técnicas, ele seria em pouco tempo um gênio da música” (COSTA, 2000: 28). O trabalho do grupo Cravo Carbono, acreditamos, consiste nesta aplicação. Em Belém, este grupo musical trabalhou com poesia que lembra, principalmente o modernismo, sendo que este já é permeado por outros gêneros literários (como o Simbolismo, por exemplo) e aglutina contraditoriamente elementos como conservadorismo e mudança, aliando essa poesia a gêneros musicais “tradicionais” e “modernos”. A obra Peixe Vivo apresenta estilos musicais latinos que têm circulação na Amazônia, a exemplo da cumbia e do merengue, bem como derivações desses ritmos, como as guitarradas e gêneros musicais como o funk e o rock. Esta mistura de gêneros e estilos musicais presentes no nosso cotidiano, conseqüência da “modernidade tardia” sobre a qual se refere Hall (2005) e que caracteriza a hibridação, se encontra calcada na Amazônia e aparece como idéia central da canção Mundo-Açu, que Magalhães define bem no poema impresso no encarte, dispostas as letras com margem curva à esquerda, imitando fios de cabelo, ou conforme o poeta, remetendo aos braços dos rios da Amazônia. Basta observar a primeira estrofe: Amazonas Segura ao pêlo Rios
  • 7. Negros Fios De cabelos Nheengatu Nem eu Nem tu Podemos observar a aproximação entre o som de “rios” e “fios”, de “pêlo” e “cabelos”, numa fala fragmentada, e também sugerir que a poesia de Magalhães é concretista, trabalhando, portanto, com elementos de vanguarda da poesia modernista, embora inserindo a temática amazônica, com suas diversidades e contradições. Por beber tanto no “tradicional”, falando de uma língua nativa, do rio da região amazônica, quanto no “moderno”, por meio da poesia modernista, é provável que esteja dando continuidade ao processo que Oswald de Andrade chamou de Antropofágico4 e que Canclini afirma residir na arte latino-americana, a partir do século XX, quando se refere à Semana de Arte Moderna de 1922: “os modernismos beberam em fontes duplas e antagônicas: de um lado, a informação internacional (...) de outro, ‘um nativismo que se evidenciaria na inspiração e busca de nossas raízes’” (CANCLINI, 2006: 79). Magalhães fala de hibridação da seguinte forma: “caberá nos globos dos olhos este nosso Mundo-Açu (o olhar caboclo sobre este mundo vasto mundo)?”. Este é o trecho de um dos boxes que o poeta disponibilizou ao lado de cada letra, no encarte, de modo a tentar explicar a intenção da letra no momento em que foi feita – explicação essa que poderá ser complementada pelo leitor, já que cada canção permite várias interpretações. Ele complementa esta idéia de “mundo-açu” em entrevista: É mundo grande... (...) Mundo-açu seria essa nossa visão do mundo, mas sendo a gente. É como entrar no mundo, não pela porta da globalização que você tem que ser americano(...)falar inglês pra ser do mundo...não! Você é do mundo sendo ‘eu’! (MAGALHÃES, em entrevista concedida em 03 de julho de 2001). Comentando o trecho anterior, segue o entrevistado: Nheengatu é uma língua geral que a gente falava no Brasil (...). Os portugueses chegaram e não conseguiram impor a língua portuguesa, passaram séculos falando uma língua que era indígena (...). Então isso foi (...) um choque cultural e a gente precisa entender isso, porque dá impressão que nós (...) queremos ser europeus e queremos ser americanos e temos uma tradição grande de um povo indígena que fez parte da nossa formação e influencia no que a gente come (...) no que a gente 4 Manifestação artística da década de 20 que tinha por objetivo a deglutição da cultura estrangeira sem, no entanto imitá-la, para re-elaborar suas técnicas com autonomia, convertendo-as em produto de exportação. Acessar: http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Antrop%C3%B3fago .
  • 8. faz e a gente nega isso (...). Nem eu nem você falamos nheengatu, mas ainda tentamos ser brasileiros. (MAGALHÃES, em entrevista concedida em 03 de julho de 2001). Cabe-nos lembrar agora da questão da identidade cultural pontuada por Hall. Qual seria a identidade do nativo da Amazônia? Magalhães esclarece que somos um povo que tem, muitas vezes, traços indígenas estampados no rosto. No entanto, negamos isto em prol de outra identidade étnica, quase sempre até de um povo que exerceu ou exerce domínio econômico sobre nós mesmos. Interessante é notarmos que esse amazônida que Magalhães afirma negar as origens é o mesmo que ouve músicas permeadas por elementos indígenas e latinos. O instrumental, em compasso 2/4, tem a linha melódica de uma lambada, ritmo caribenho caracterizado pela presença da síncopa. Em alguns momentos, porém, a bateria acentua sua batida, tornando-a mais reta, como um hardcore5 relativamente desacelerado. Temos, portanto, a mistura entre um ritmo ouvido tradicionalmente na região e uma vertente do rock que surgiu após o advento da modernidade. Mercúrio é uma canção que o grupo definiu no encarte do álbum como um “brega distinto”. Primeiro devemos considerar o fato de que o gênero escolhido pelo grupo já é um exemplo de multiculturalismo na Amazônia. O brega surgiu no Pará como uma fusão de alguns ritmos caribenhos com outros reminiscentes do movimento da Jovem Guarda, a partir dos anos 60, quando esta migrou para o interior do Brasil 6. Num box explicativo ao lado da letra Mercúrio, temos: “(...) Assimilado o compasso 4/4 americano [a música da Jovem Guarda] ganhou andamento acelerado que lhe conferiu um sentido mais dançante: música de baile, para dançar agarrado [dando-se origem ao brega]”. Neste parágrafo, podemos perceber que outros ritmos originaram e/ou constituem o gênero. Tendo-se o brega como fenômeno que agrega culturas diferentes e que na sua simplicidade faz com que as camadas populares se identifiquem, o Cravo Carbono lhe imprimiu, ainda, nova roupagem. A obra Mercúrio une o “picotado” típico da guitarra paraense ao 2/4 do boi-bumbá no contrabaixo, segundo a informação contida no encarte do álbum. Sabe-se que o boi-bumbá também é uma cultura que agrega várias outras. Ainda, para complementar esse pluralismo contido na música, temos a letra como um poema cheio de metáforas, em que prevalece a idéia da intolerância às peculiaridades da região amazônica. Vejamos a primeira estrofe: Solto o paralelo Amarelo Me desmancha 5 Vertente do rock, especificamente do punk rock, que surgiu no final dos anos 70 nos Estados Unidos e na Inglaterra. Acessar: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hardcore . 6 Informações retiradas do artigo “Estigma e cosmopolitismo local: considerações sobre uma estética legitimadora do tecnobrega em Belém do Pará” por GUERREIRO DO AMARAL, 2006: 281.
  • 9. A tolerância Desafio de amor É azul distância Ar erguido Ante a lembrança Ainda no encarte, segue outra informação: “Partir (soltar o paralelo) então parece ser a ordem na Amazônia do velho desgosto luso”. A partir dos versos “Solto o paralelo” e “Me desmancha”, observamos o lirismo do poema, em que há a determinação de certa vontade de partir, de deixar a Amazônia, e junto com ela, tudo o que se tem por desgosto. Um dos aspectos desta estrofe, segundo Magalhães, é o fato de o fim do amor entre um garimpeiro e uma prostituta (é interessante notar que é comum os garimpeiros da região ouvirem brega para se divertir nos fins de semana – a isto também se deve o gênero escolhido pelo Cravo e Carbono) ser um motivo para o garimpeiro, desiludido com o amor da prostituta, ficar desiludido também com o lugar onde vive e trabalha duro. Daí a vontade de evadir da Amazônia, por estar saturado desse universo multicultural, bio-diversificado e de exploração, tão rico mas que ainda permite com que a maior parte da população se mantenha no nível da pobreza, sem possibilidade de melhoria de qualidade de vida. A respeito disto, podemos dizer que a ‘modernização deficiente’ na América Latina sobre a qual se refere García-Canclini contribui para a permanência dessa diferença social: Modernização com expansão restrita do mercado, democratização para minorias, renovação das ideias mas com baixa eficácia nos processos sociais. Os desajustes entre modernismo(cultural) e modernização(social) são úteis às classes dominantes para preservar sua hegemonia, e às vezes para não ter que se preocupar em justificá-la, para ser simplesmente classes dominantes. Na cultura escrita, conseguiram isso limitando a escolarização e o consumo de livros e revistas (GARCÍA-CANCLINI, 2006: 69). A partir dessas observações, notamos que o grupo trabalhou a manutenção da base rítmica de determinado gênero musical típico da região, ou mesmo unindo duas bases desses gêneros acrescentando novos elementos: novas notas, por exemplo, ou ainda, ritmos de padrão universal, como o funk e rock (já citados), e também certa técnica, de modo a tornar sua obra universalizada e, portanto, mais aceitável em outros lugares. Então, a obra do grupo cria códigos de compreensão para além do âmbito cultural em que ela é praticada, universalizando a sua comunicação, a sua expressão, como explica Loureiro ao ser entrevistado por Tynnôko Costa: O que eu entendo nesse teu trabalho [é que ele possui, como Waldemar Henrique] uma vinculação das raízes simbólicas e musicais e culturais da Amazônia e do Pará, a uma linguagem universal, que permita interesse em qualquer lugar do mundo, que seja compreendida e agrade, embora as pessoas, sabendo que elas são diferentes do seu lugar, que elas são ‘Amazônica’” (LOUREIRO In COSTA, 2000:26).
  • 10. O universalismo e o regionalismo no álbum Peixe Vivo não se excluem, portanto. Ao contrário, complementam-se para a expressão do que o próprio poeta Magalhães chamaria de ‘Mundo-Açu’. O grupo reconhece o diálogo da música paraense com ritmos que vão além das fronteiras nacionais. A hibridação, como pudemos perceber, permeia sua obra. Considerações finais De acordo com o que se pôde observar no presente artigo, o qual apresentou um pequeno esboço da leitura que farei de algumas faixas do álbum Peixe Vivo, já se pode localizar pequenos focos de pluralidade cultural neste objeto/sujeito de pesquisa. A hibridação de que fala García Canclini é perceptível nas faixas que, como foi visto, agregam elementos “tradicionais”, “modernos”, “locais” e “globais”. Com isso, cabe um questionamento acerca da identidade, como aponta Hall, sobre as pessoas que habitam a Amazônia. As canções aqui estudadas, além de se revelarem híbridas, entram em diálogo com os questionamentos desses autores. Pretendo, portanto, prosseguir minha pesquisa com a finalidade de identificar elementos da pluralidade cultural que se faz presente em nossa região e encontra expressão em trabalhos de bandas como o Cravo Carbono, a qual se torna um importante sujeito/objeto de pesquisa nesse aspecto, sem ter sido, no entanto, reconhecida sua importância para a cultura do país. Rerefências bibliográficas COSTA, Tynnôko. Ritmos Amazônicos: entrevista. Belém: CEJUP, 2000. GARCÍA-CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. Heloísa Pezza Cintrão & Ana Regina Lessa (Trad.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. GUERREIRO DO AMARAL, P. M. Estigma e cosmopolitismo local: considerações sobre uma estética legitimadora do tecnobrega em Belém do Pará. In: III ENCONTRO DA ABET – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ETNOMUSICOLOGIA, 2006, São Paulo. Anais... 1 CD-ROM. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10 ed. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro (Trad.). Rio de Janeiro: DP&A, 2005. LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 17 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. NAVES, Santuza C.; COELHO, Frederico O.; BACAL, Tatiana (Org.). A MPB em discussão: entrevistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. PIGNATARI, D. Cultura pós-nacionalista. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998. SANT’ANNA, A. R. de. Música popular e moderna poesia brasileira. São Paulo: Landmark, 2004. Referências discográficas:
  • 11. CRAVO CARBONO. Peixe Vivo. Belém: Cardume Produções, c 2001. 1 CD. PAULO ANDRÉ BARATA. Nativo. Rio de Janeiro, 1978. 1 disco sonoro. Páginas na Internet <www.magazinebrazuca.blogspot.com> Audiovisual DEUS é Brasileiro. Direção: Cacá Diegues. São Paulo, 2003. Filme.