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Península Ibérica no período moderno
História/UFMG – 1º semestre/2013
Prof.ª Fabiana Léo
“É certo que, já desde o século XVI, se podem identificar grandes
zonas de actuação dos agentes da coroa, nomeadamente a
„justiça’, a „fazenda’ e a „milícia’. Mas esta
classificação, aparentemente temática, não é mais do que o
resultado de uma apologia mais funda de actos de governo que
decorre da imagem do rei (das imagens do rei) e das
correspondentes representações sobre a finalidade das suas
atribuições e o modo de as levar a cabo.
[...]Aos vários „corpos‟ que coexistiam no rei aplicavam-se várias
imagens: a de „senhor da justiça e da paz‟, a de „chefe da casa‟ (de
grande „ecónomo‟), „protector da religião‟ e „cabeça da república‟.
A cada uma destas imagens atribuíam-se certas funções e
prerrogativas.” (SUBTIL)
Teoria corporativa do poder e da sociedade  paradigma
jurisdicionalista: a justiça não é uma das áreas de atuação do
governo, mas a sua área por excelência.
Rei como “senhor da justiça e da paz”:
• Resolução de conflitos de interesse
• Poder de editar leis
• Punição dos criminosos
• Comando dos exércitos
• Expropriação por utilidade pública
• Poder de impor tributos
A área da justiça também é aquela “em que dominam os órgãos
ordinários de governo
(tribunais, conselhos, magistrados, oficiais), com „competências
bem estabelecidas‟na lei, obedecendo a um processo „regulado‟de
formação da decisão, normalmente „dominados por juristas‟
que, na resolução das questões, preferem as razões da iustitia e da
prudentia aos arbitria da utilidade e da conveniência” (SUBTIL).
administração ativa
x
administração passiva
Para além de um entendimento distributivo e comutativo da
justiça, um importante construto social no Portugal moderno é a
concepção de graça, dom dependente da liberalidade régia.
Processamento dos assuntos: mundo do governo informal. Círculo mais
íntimo da atividade régia (“escrivães da puridade” e “secretários”).
Algumas matérias de graça vão ganhando um tratamento mais
autônomo e regulado:
• Graça em matéria de justiça  Desembargo do Paço (1521/1532)
• Domínio de assuntos relacionados ao eclesiástico  Mesa da
Consciência e Ordens (1532/1551)
As matérias relacionadas a mercês vão ganhando progressiva
formalização, aproximando progressivamente a gestão da liberalidade
régia com as tecnologias organizativas da própria justiça.
Rei como “chefe da casa”: proximidade (não metafórica) entre
governar a cidade e governar a família  universos em que,
como são entendidos, não há conflito de interesses.
Decisões do governo econômico: considerações de mera
oportunidade:
• Gestão da Casa Real
• Gestão do patrimônio régio :
o questões de Fazenda
o poderes extraordinários
“Num círculo mais vasto, o governo económico incluía ainda
todas as matérias que não envolvessem direitos adquiridos de
particulares, pois o rei teria um domínio especial sobre todo o
Reino [...], que lhe autorizava uma gestão alargada.” (SUBTIL)
Critério de decisão: “discricionariedade de um „prudente pai de
família‟, ao qual cumpre adequar livremente os meios disponíveis
à busca do „sustento‟ e „engrandecimento‟ da casa, pois com eles
se está a apontar para uma gestão que não se limita a
conservar, mas a prover, a prever e a promover, isto é, para uma
„administração activa‟.” (SUBTIL)
Processamento dos assuntos: gestão informal. Agentes livremente
escolhidos e livremente descartáveis
(“juntas”, “comissários”, “secretários”, “criados”, “validos”, “inten
dentes”, “inspetores”), atuando na discrição da casa, tendo por
regra o segredo, assim como acontece nos assuntos familiares.
O século XVII vai encontrar e revalorizar conceitos mais
antigos, reforçando a ponte entre o paradigma doméstico e o
paradigma político da administração.
Rei como “cabeça da República”: antiga tradição nas fontes
jurídicas.
• Tradição medieval: extraordinaria potestas – permissão de
derrogar o direito civil e violar interesses particulares.
• Tradição política moderna: ideia de soberania (Jean Bodin) –
razão e poderes próprios da República, essencialmente
distintos das razões e poderes dos privados  construção do
conceito de “governo político”, que, ao final do Antigo
Regime, vai se tornando progressivamente a esfera de
governo por excelência, substituindo uma ideia passiva
(jurisdicionalista) de administração por uma ideia ativa
(ápice do processo: período das Luzes).
Temas em que a tradição invoca a prerrogativa real:
• Punição criminal
• Regia protectio
“A função do rei é
a função da
cabeça”. Francisco
António Moraes de
Campos, Príncipe
Perfeito, Biblioteca
Nacional do Rio de
Janeiro, 1790.
[Casa de Suplicação]
Tribunal do Santo Ofício (1515/1536/1547)
Conselho de Estado (1562)
Órgão de consulta do Rei, presidido pelo próprio monarca.
Junta da Bula da Cruzada (1591)
Administração das rendas provindas das bulas de Gregório XIII
(Dolore cordis intimo) e XIV (Decens esse videtur), que
estabeleceram um fundo para resgate dos cativos e prisioneiros de
guerra santa. Era presidida por um comissário geral, nomeado pelo
papa por indicação do rei. Mantinha alguma sintonia funcional
com a Mesa da Consciência e Ordens na arrecadação e
administração de esmolas.
“A coroa procurou controlar política e administrativamente a
periferia, especialmente nos sectores da justiça e da fazenda,
através do oficialato régio. As unidades básicas dessa estrutura
periférica eram os concelhos e as comarcas. Os funcionários, os
juízes de fora, corregedores e provedores. Por estes magistrados,
que comunicavam burocraticamente com os conselhos e tribunais
da administração central, a coroa fomentava a promoção e
difusão da justiça oficial e do direito régio.” (SUBTIL, grifos
nossos)
Nível concelhio: juízes de fora e juízes ordinários
Juízes de fora: tinham autonomia jurisdicional, embora sujeitos à
fiscalização a posteriori através dos “autos de residência”
instaurados pelos corregedores ao fim de cada triênio.
Juízes ordinários: eleitos localmente, sem formação letrada e, ao
menos teoricamente, tutelados pelos corregedores de comarca.
Nível da comarca: provedores
Tinham fundamentalmente duas competências:
• Administrativa: gestão dos bens dos titulares defuntos, ausentes
e órfãos, dos cativos, confrarias, capelas e hospitais.
• Financeira: examinar o registro das receitas e despesas dos
concelhos, zelar pelas rendas reais e julgar, em primeira
instância, questões relativas à Fazenda real.
Nível da comarca: corregedores
Primeiro magistrado régio na hierarquia da administração
periférica. Tem funções de justiça, polícia e governo político. (Cf.
SUBTIL)
Abaixo desses funcionários principais, há um corpo composto por
contadores, almoxarifes, juízes dos órfãos, escrivães de vários
ofícios, porteiros, meirinhos e tesoureiros. Um último grupo de
ofícios locais era formado pelos oficiais militares que
enquadravam o corpo de ordenanças.
(Texto-base: MONTEIRO, 2012, p. 40-43; grifos nossos)
“1-) A grande uniformidade institucional. Não obstante as
diferenças resultantes da existência ou não da presidência dos
juízes de fora e/ou da confirmação senhorial, todas as câmaras do
território continental e insular português (à expceção da de
Lisboa, nomeada pela coroa) estavam sujeitas, desde a viragem
do século XV para o século XVI, a normas gerais quanto às suas
competências e à eleição das vereações, situação praticamente
sem paralelo num território com a dimensão do reino de Portugal
e Algarves;
2-) A existência de aldeias com estatuto similar ao de cidades.
Embora quase todos os centros urbanos mais importantes
controlassem vastos termos, por vezes com mais de uma centena
de paróquias, a verdade é que, uma vez elevada à dignidade
municipal, qualquer povoação com algumas dezenas de fogos...
...e habitantes passava a ter uma câmara com competências
idênticas às de um centro urbano. Mais de metade das câmaras
portuguesas tinham menos de 400 fogos;
3-) A ausência de ofícios honoráveis (juiz ou vereador)
hereditários ou corporativos. Ao contrário de Castela, a venda de
ofícios municipais em Portugal, que foi quantitativamente
importante, não abrangeu esses ofícios maiores, mas apenas outro
oficialato municipal (sobretudo escrivães e juízes dos
órfãos), para além de outras instituições locais não dependentes
das câmaras, como as alfândegas. De resto, em princípio, um
único ofício controlado por organismos corporativos era o de
procurador dos mesteres em alguns centros urbanos, como Lisboa
e outros, para além da situação excepcional do vereador pela
Universidade na câmara de Coimbra;
4-) Em parte pelo que antes se referiu, verifica-se em Portugal...
...maior tutela da coroa sobre a composição das câmaras, uma
vez que, depois do início de Setecentos, os corregedores e o
Desembargo do Paço (tribunal central de graça de justiça)
tutelavam directamente a eleição de maior parte delas. Em sentido
inverso, pode falar-se de uma maior autonomia corrente das
câmaras, designadamente em matérias de justiça, tanto mais que
os vereadores podiam substituir os juízes na sua ausência
(chamando-se então „juízes pela ordenação‟);
5-) A coincidência entre os mais nobres e os elegíveis para
vereadores (e juízes) camarários. Tal facto decorre de a base da
constituição das câmaras ser geral e electiva, pois o perfil
definido pela ordem jurídica prevalecente exigia que os elegíveis
fossem recrutados de entre os mais nobres e „principais‟ das
diversas terras. Consequentemente, poder-se-á supor que as
„oligarquias municipais‟não se diferenciavam das elites sociais...
...locais. Uma implicação directa desse facto era a raridade de
centros urbanos importantes administrados por elites mercantis.
Outa pode reputar-se bastante relevante no plano empírico: pelo
que antes se disse, as relações dos elegíveis (os chamados
„arrolamentos‟), fornecem-nos também, em princípio, a
identificação dos mais nobres de cada terra(...);
6-) Por fim, deve-se sublinhar que não havia em Portugal
autênticas capitais provinciais. As câmaras limitavam-se a tutelar
os territórios dos seus termos, e não existiam quaisquer
instituições corporativas de âmbito supraconcelhio. Uma sede de
comarca ou de provedoria (...) era apenas o local de assistência de
um magistrado régio (o corregedor ou provedor) com
competências sobre um território de diversos concelhos, mas sem
nenhuma dependência de instituições locais ou regionais.”
Como entender a relação entre as esferas central e locais de
poder? Estamos diante de um Estado descerebrado ou
polissinoidal?
“o lugar das câmaras na administração local parece ser, até ao
fim do antigo regime político, a contrapartida do absolutismo que
o caracteriza no topo. A desaparição das cortes impede talvez que
se preste a atenção que merece a esse vigor relativo das
autonomias locais.. Mas não deixa de ser verdade que nos
escalões inferiores da administração o absolutismo perde uma
grande parte do seu sentido, por não dispor aí dos meios materiais
para se exercer” (SILBERT apud MONTEIRO, 2000)
“O sistema de justiça não oficial se era, por um lado, a emanação
natural do sistema de poder das comunidades locais que
mantivessem a sua estrutura sociopolítica tradicional, era também
a alternativa que se oferecia aos vícios e aos custos do sistema de
justiça oficial” (HESPANHA apud MONTEIRO, 2000)

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  • 1. Península Ibérica no período moderno História/UFMG – 1º semestre/2013 Prof.ª Fabiana Léo
  • 2. “É certo que, já desde o século XVI, se podem identificar grandes zonas de actuação dos agentes da coroa, nomeadamente a „justiça’, a „fazenda’ e a „milícia’. Mas esta classificação, aparentemente temática, não é mais do que o resultado de uma apologia mais funda de actos de governo que decorre da imagem do rei (das imagens do rei) e das correspondentes representações sobre a finalidade das suas atribuições e o modo de as levar a cabo. [...]Aos vários „corpos‟ que coexistiam no rei aplicavam-se várias imagens: a de „senhor da justiça e da paz‟, a de „chefe da casa‟ (de grande „ecónomo‟), „protector da religião‟ e „cabeça da república‟. A cada uma destas imagens atribuíam-se certas funções e prerrogativas.” (SUBTIL) Teoria corporativa do poder e da sociedade  paradigma jurisdicionalista: a justiça não é uma das áreas de atuação do governo, mas a sua área por excelência.
  • 3.
  • 4. Rei como “senhor da justiça e da paz”: • Resolução de conflitos de interesse • Poder de editar leis • Punição dos criminosos • Comando dos exércitos • Expropriação por utilidade pública • Poder de impor tributos A área da justiça também é aquela “em que dominam os órgãos ordinários de governo (tribunais, conselhos, magistrados, oficiais), com „competências bem estabelecidas‟na lei, obedecendo a um processo „regulado‟de formação da decisão, normalmente „dominados por juristas‟ que, na resolução das questões, preferem as razões da iustitia e da prudentia aos arbitria da utilidade e da conveniência” (SUBTIL). administração ativa x administração passiva
  • 5.
  • 6. Para além de um entendimento distributivo e comutativo da justiça, um importante construto social no Portugal moderno é a concepção de graça, dom dependente da liberalidade régia. Processamento dos assuntos: mundo do governo informal. Círculo mais íntimo da atividade régia (“escrivães da puridade” e “secretários”). Algumas matérias de graça vão ganhando um tratamento mais autônomo e regulado: • Graça em matéria de justiça  Desembargo do Paço (1521/1532) • Domínio de assuntos relacionados ao eclesiástico  Mesa da Consciência e Ordens (1532/1551) As matérias relacionadas a mercês vão ganhando progressiva formalização, aproximando progressivamente a gestão da liberalidade régia com as tecnologias organizativas da própria justiça.
  • 7.
  • 8. Rei como “chefe da casa”: proximidade (não metafórica) entre governar a cidade e governar a família  universos em que, como são entendidos, não há conflito de interesses. Decisões do governo econômico: considerações de mera oportunidade: • Gestão da Casa Real • Gestão do patrimônio régio : o questões de Fazenda o poderes extraordinários “Num círculo mais vasto, o governo económico incluía ainda todas as matérias que não envolvessem direitos adquiridos de particulares, pois o rei teria um domínio especial sobre todo o Reino [...], que lhe autorizava uma gestão alargada.” (SUBTIL)
  • 9. Critério de decisão: “discricionariedade de um „prudente pai de família‟, ao qual cumpre adequar livremente os meios disponíveis à busca do „sustento‟ e „engrandecimento‟ da casa, pois com eles se está a apontar para uma gestão que não se limita a conservar, mas a prover, a prever e a promover, isto é, para uma „administração activa‟.” (SUBTIL) Processamento dos assuntos: gestão informal. Agentes livremente escolhidos e livremente descartáveis (“juntas”, “comissários”, “secretários”, “criados”, “validos”, “inten dentes”, “inspetores”), atuando na discrição da casa, tendo por regra o segredo, assim como acontece nos assuntos familiares. O século XVII vai encontrar e revalorizar conceitos mais antigos, reforçando a ponte entre o paradigma doméstico e o paradigma político da administração.
  • 10.
  • 11. Rei como “cabeça da República”: antiga tradição nas fontes jurídicas. • Tradição medieval: extraordinaria potestas – permissão de derrogar o direito civil e violar interesses particulares. • Tradição política moderna: ideia de soberania (Jean Bodin) – razão e poderes próprios da República, essencialmente distintos das razões e poderes dos privados  construção do conceito de “governo político”, que, ao final do Antigo Regime, vai se tornando progressivamente a esfera de governo por excelência, substituindo uma ideia passiva (jurisdicionalista) de administração por uma ideia ativa (ápice do processo: período das Luzes). Temas em que a tradição invoca a prerrogativa real: • Punição criminal • Regia protectio
  • 12. “A função do rei é a função da cabeça”. Francisco António Moraes de Campos, Príncipe Perfeito, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1790.
  • 13.
  • 14. [Casa de Suplicação] Tribunal do Santo Ofício (1515/1536/1547) Conselho de Estado (1562) Órgão de consulta do Rei, presidido pelo próprio monarca. Junta da Bula da Cruzada (1591) Administração das rendas provindas das bulas de Gregório XIII (Dolore cordis intimo) e XIV (Decens esse videtur), que estabeleceram um fundo para resgate dos cativos e prisioneiros de guerra santa. Era presidida por um comissário geral, nomeado pelo papa por indicação do rei. Mantinha alguma sintonia funcional com a Mesa da Consciência e Ordens na arrecadação e administração de esmolas.
  • 15.
  • 16. “A coroa procurou controlar política e administrativamente a periferia, especialmente nos sectores da justiça e da fazenda, através do oficialato régio. As unidades básicas dessa estrutura periférica eram os concelhos e as comarcas. Os funcionários, os juízes de fora, corregedores e provedores. Por estes magistrados, que comunicavam burocraticamente com os conselhos e tribunais da administração central, a coroa fomentava a promoção e difusão da justiça oficial e do direito régio.” (SUBTIL, grifos nossos) Nível concelhio: juízes de fora e juízes ordinários Juízes de fora: tinham autonomia jurisdicional, embora sujeitos à fiscalização a posteriori através dos “autos de residência” instaurados pelos corregedores ao fim de cada triênio. Juízes ordinários: eleitos localmente, sem formação letrada e, ao menos teoricamente, tutelados pelos corregedores de comarca.
  • 17. Nível da comarca: provedores Tinham fundamentalmente duas competências: • Administrativa: gestão dos bens dos titulares defuntos, ausentes e órfãos, dos cativos, confrarias, capelas e hospitais. • Financeira: examinar o registro das receitas e despesas dos concelhos, zelar pelas rendas reais e julgar, em primeira instância, questões relativas à Fazenda real. Nível da comarca: corregedores Primeiro magistrado régio na hierarquia da administração periférica. Tem funções de justiça, polícia e governo político. (Cf. SUBTIL) Abaixo desses funcionários principais, há um corpo composto por contadores, almoxarifes, juízes dos órfãos, escrivães de vários ofícios, porteiros, meirinhos e tesoureiros. Um último grupo de ofícios locais era formado pelos oficiais militares que enquadravam o corpo de ordenanças.
  • 18.
  • 19. (Texto-base: MONTEIRO, 2012, p. 40-43; grifos nossos) “1-) A grande uniformidade institucional. Não obstante as diferenças resultantes da existência ou não da presidência dos juízes de fora e/ou da confirmação senhorial, todas as câmaras do território continental e insular português (à expceção da de Lisboa, nomeada pela coroa) estavam sujeitas, desde a viragem do século XV para o século XVI, a normas gerais quanto às suas competências e à eleição das vereações, situação praticamente sem paralelo num território com a dimensão do reino de Portugal e Algarves; 2-) A existência de aldeias com estatuto similar ao de cidades. Embora quase todos os centros urbanos mais importantes controlassem vastos termos, por vezes com mais de uma centena de paróquias, a verdade é que, uma vez elevada à dignidade municipal, qualquer povoação com algumas dezenas de fogos...
  • 20. ...e habitantes passava a ter uma câmara com competências idênticas às de um centro urbano. Mais de metade das câmaras portuguesas tinham menos de 400 fogos; 3-) A ausência de ofícios honoráveis (juiz ou vereador) hereditários ou corporativos. Ao contrário de Castela, a venda de ofícios municipais em Portugal, que foi quantitativamente importante, não abrangeu esses ofícios maiores, mas apenas outro oficialato municipal (sobretudo escrivães e juízes dos órfãos), para além de outras instituições locais não dependentes das câmaras, como as alfândegas. De resto, em princípio, um único ofício controlado por organismos corporativos era o de procurador dos mesteres em alguns centros urbanos, como Lisboa e outros, para além da situação excepcional do vereador pela Universidade na câmara de Coimbra; 4-) Em parte pelo que antes se referiu, verifica-se em Portugal...
  • 21. ...maior tutela da coroa sobre a composição das câmaras, uma vez que, depois do início de Setecentos, os corregedores e o Desembargo do Paço (tribunal central de graça de justiça) tutelavam directamente a eleição de maior parte delas. Em sentido inverso, pode falar-se de uma maior autonomia corrente das câmaras, designadamente em matérias de justiça, tanto mais que os vereadores podiam substituir os juízes na sua ausência (chamando-se então „juízes pela ordenação‟); 5-) A coincidência entre os mais nobres e os elegíveis para vereadores (e juízes) camarários. Tal facto decorre de a base da constituição das câmaras ser geral e electiva, pois o perfil definido pela ordem jurídica prevalecente exigia que os elegíveis fossem recrutados de entre os mais nobres e „principais‟ das diversas terras. Consequentemente, poder-se-á supor que as „oligarquias municipais‟não se diferenciavam das elites sociais...
  • 22. ...locais. Uma implicação directa desse facto era a raridade de centros urbanos importantes administrados por elites mercantis. Outa pode reputar-se bastante relevante no plano empírico: pelo que antes se disse, as relações dos elegíveis (os chamados „arrolamentos‟), fornecem-nos também, em princípio, a identificação dos mais nobres de cada terra(...); 6-) Por fim, deve-se sublinhar que não havia em Portugal autênticas capitais provinciais. As câmaras limitavam-se a tutelar os territórios dos seus termos, e não existiam quaisquer instituições corporativas de âmbito supraconcelhio. Uma sede de comarca ou de provedoria (...) era apenas o local de assistência de um magistrado régio (o corregedor ou provedor) com competências sobre um território de diversos concelhos, mas sem nenhuma dependência de instituições locais ou regionais.”
  • 23. Como entender a relação entre as esferas central e locais de poder? Estamos diante de um Estado descerebrado ou polissinoidal? “o lugar das câmaras na administração local parece ser, até ao fim do antigo regime político, a contrapartida do absolutismo que o caracteriza no topo. A desaparição das cortes impede talvez que se preste a atenção que merece a esse vigor relativo das autonomias locais.. Mas não deixa de ser verdade que nos escalões inferiores da administração o absolutismo perde uma grande parte do seu sentido, por não dispor aí dos meios materiais para se exercer” (SILBERT apud MONTEIRO, 2000) “O sistema de justiça não oficial se era, por um lado, a emanação natural do sistema de poder das comunidades locais que mantivessem a sua estrutura sociopolítica tradicional, era também a alternativa que se oferecia aos vícios e aos custos do sistema de justiça oficial” (HESPANHA apud MONTEIRO, 2000)