O artigo analisa os processos de expulsão de imigrantes do Rio de Janeiro durante a Primeira República para estudar as formas de imposição da disciplina no espaço urbano. O autor apresenta o caso de um imigrante português expulso por ser considerado mendigo incorrigível, demonstrando como a prática de expulsão representou uma face da exclusão implantada pelo regime republicano, atingindo os estrangeiros pobres. A expulsão é vista como instrumento de controle social e disciplinamento da população imigrante na cidade.
Um olhar sobre a disciplina urbana no Rio de Janeiro
1.
2. O 1998 by Arquivo Nacional
Rua Azeredo Coutinho, 77
CEP 20230-170 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Presidente da R e p ú b l i c a
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da J u s t i ç a
J o s é Renan Vasconcelos Calheiros
Dlretor-Geral do Arquivo Nacional
Jaime Antunes da Silva
Editora
Maria do Carmo T. Rainho
Conselho Editorial
Ingrid Beck. J o s é Ivan Calou Filho, Maria do Carmo T. Rainho, Maria Isabel F a l c ã o , Maria Izabel
de Oliveira, Nilda Sampaio Barbosa, Sílvia Ninita de Moura E s t e v ã o , Verone G o n ç a l v e s Cauville
Conselho Consultivo
Ana Maria Camargo, Angela Maria de Castro Gomes, Boris Kossoy, Célia Maria Leite Costa,
Elizabeth Carvalho, Francisco Falcon, Francisco Iglesias, Helena Ferrez, Helena C o r r ê a Machado,
H e l o í s a Liberalli Belotto, limar Rohloff de Mattos, Jaime Spinelli, Joaquim Marcai Ferreira de
Andrade, J o s é Carlos Avelar, J o s é S e b a s t i ã o Witter, L é a de Aquino, Lena Vânia Pinheiro,
Margarida de Souza Neves, Maria Inez Turazzi, Marilena Leite Paes, Regina Maria M. P. Wanderley,
Solange Z ú n i g a
Projeto G r á f i c o
A n d r é Villas Boas
E d i t o r a ç ã o E l e t r ô n i c a , Capa e I l u s t r a ç ã o
Qisele Teixeira de Souza
Revisão
Alba Gisele Qouget, J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar, J o s é Ivan Calou Filho e T â n i a Maria Cuba
Bittencourt
Resumos
Carlos Peixoto de Castro, Flávia Roncarati Gomes e J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar ( v e r s ã o em
i n g l ê s ) e Flávia Roncarati Gomes e Léa Porto de Abreu Novaes ( v e r s ã o em f r a n c ê s )
Reprodução Fotográfica
Agnaldo Neves Santos, C í c e r o Bispo, Flavio Ferreira Lopes e Marcello Lago
Secretaria
Jeane D'Arc Cordeiro
Acervo: revista do Arquivo nacional. —
v. 10, n. 2 (jul./dez. 1997). — Rio de Janeiro: Arquivo
nacional. 1998.
v.; 26 cm
Semestral
Cada número possui um tema distinto
ISSn 0102-700-X
1. Imigraçáo - Brasil - I. Arquivo nacional
CDD 323-1
3. Ministério da J u s t i ç a
Arquivo Nacional
ACERVO
R E V I S T A
D O A R Q U I V O
N A C I O N A L
RIO DE JANEIRO, V.10, NÚMERO 02, JULHO/DEZEMBRO 1997
4. S
U
M
Á
R
I
O
01
Apresentação
03
Bastidores
U m outro olhar sobre a i m i g r a ç ã o no R i o de Janeiro
Lená Medeiros de Menezes
17
Camisas-Verdes
O integralismo no S u l do Brasil •
Carla Brandalise
37
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do Imigrante em Itu - S P ( 1 8 7 6 - 1 9 3 0 )
Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
53
"Proverbial H o s p i t a l i d a d e " ?
A Revista Jc Imigração
e Colonização
c o discurso oficial sobre o imigrante ( 1 9 4 5 -
1955)
Elena Pájaro Peres
71
"Inimigos M a s c a r a d o s com o T í t u l o de C i d a d ã o s "
A v i g i l â n c i a c o controle sobre os portugueses no R i o de Janeiro do Primeiro Reinado
Qladys Sabina Ribeiro
97
I m i g r a ç ã o Portuguesa e M o v i m e n t o O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes c arquivos de Lisboa
Fernando Teixeira da Silva
109
Portugueses no B r a s i l
I m a g i n á r i o social c t á t i c a s cotidianas ( 1 8 8 0 - 1 8 9 5 )
Maria Manuela R. de Sousa Silva
5. 119
A ç o n a n o s e M a d eirenses no S u l do B r a s i l
Walter F. Piazza
129
A
C r i a ç ã o do E s t r a n h a m e n t o
e a C o n s t r u ç ã o do E s p a ç o
Público
Os japoneses no Estado Novo
Adriano Luiz Duarte
147
L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M e m ó r i a s dc uma diáspora
Maria Luiza Tucci Carneiro
165
I m i g r a ç ã o A l e m ã e C o n s t r u ç ã o do E s t a d o N a c i o n a l
Brasileiro
R i o Grande do S u l , s é c u l o
Helga Iracema Landgraf Piccolo
179
Breves R e f l e x õ e s Sohre o P r o h l e m a da I m i g r a ç ã o U r b a n a
O caso dos e s p a n h ó i s no R i o dc Janeiro ( 1 8 8 0 - 1 9 1 4 )
Lúcia Maria Paschoal Q u i m a r ã e s
199
M u l t i p l i c i d a d e É t n i c a no l i o de J a n e i r o
U m estudo sobre o 'Saara'
Paula Ribeiro
213
Perfil Institucional
M e m o r i a l do Imigrante
Marco Antônio Xavier
219
Perfil Institucional
M u seu e A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l de C a x i a s do S u l
Juventino Dal Bó
223
Fontes para E s t u d o s da E n t r a d a de Estrangeiros e de Imigrantes no B r a s i l
229
Bibliografia
6. A
P
R
E
S
E
N
T
A
Ç
Ã
O
Como afirma Boris Fausto, a imigração
Tentando contribuir para divulgar o que
tardou a constituir um campo específico
vem sendo produzido nas universidades
da pesquisa a c a d ê m i c a . Durante muito
e centros de pesquisa sobre imigração,
tempo — podemos dizer, a t é meados da
esse n ú m e r o da Acervo traz 13 artigos,
d é c a d a de 1960 — era objeto apenas de
além de dedicar a seção Perfil Institucional
grandes i n t e r p r e t a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s ,
a entidades que se destacam pela riqueza
destacando-se as obras de Roger Bastide
de seus acervos como o Memorial do
e Florestan Fernandes.
Imigrante e o Museu e Arquivo Histórico
A partir dos trabalhos dos brazilianistas
que, ainda segundo Fausto, se relacionam
com o desenvolvimento de estudos sobre
etnias nos Estados Unidos, o tema da
Municipal de Caxias do Sul. Para finalizar,
a p r e s e n t a u m r o t e i r o dos
núcleos
documentais custodiados pelo Arquivo
nacional, de interesse para o tema.
imigração passa a constituir-se em objeto
Abre esse n ú m e r o , o texto da professora
de análise não subordinado.
Lená Medeiros de Menezes que utiliza os
Dentre os estudos desenvolvidos por
processos de expulsão de imigrantes para
pesquisadores
e s t u d a r as formas de i m p o s i ç ã o da
brasileiros, chama a
a t e n ç ã o o de J o s é de Souza Martins que,
disciplina no e s p a ç o urbano do Rio de
a partir da d é c a d a de 1970, toma a
Janeiro, durante a Primeira República.
imigração
central,
A seguir, C a r l a B r a n d a l i s e a n a l i s a a
analisando n ã o apenas as r e l a ç õ e s de
inserção do movimento integralista no Rio
p r o d u ç ã o pós-escravistas, como t a m b é m
Qrande do Sul na d é c a d a de 1930 e a sua
os o b s t á c u l o s e i m p o s s i b i l i d a d e s de
a t u a ç ã o nas á r e a s ocupadas por colonos
a s c e n s ã o social dos imigrantes pobres.
a l e m ã e s e italianos.
Atualmente,
como
a
objeto
imigração
é
tema
recorrente nos trabalhos de historiadores,
a n t r o p ó l o g o s e sociólogos, que ampliam
o e s p a ç o geográfico enfocado — o qual
centrou-se, por muito tempo, em S ã o
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Qrande do Sul
—, e incorporam novas abordagens como
O artigo da geógrafa Maria Antonieta de
Toledo Ribeiro Bastos traça um perfil dos
trabalhadores imigrantes em Itu, entre
1876 e 1930, em particular os italianos
que dedicaram-se, em grande parte, ao
trabalho agrícola.
as n o ç õ e s de etnicidade e pluralismo
Elena
cultural.
regulamentação
Pájaro
Peres
do
analisa
a
movimento
7. imigratório no Brasil, a partir da Revista
eliminar
de Imigração
'derrotistas'.
e Colonização
que circulou
entre 1940 e 1955 e visava e s b o ç a r as
características do imigrante desejável.
y
f i s i c a m e n t e os
chamados
A literatura de imigração, especialmente
aquela produzida por imigrantes judeus
T r ê s a r t i g o s e n f o c a m os i m i g r a n t e s
que se refugiaram do nazismo no Brasil,
portugueses no Brasil: o de Qladys Sabina
nas d é c a d a s de 1930 e 1940, é o tema da
Ribeiro analisa a vigilância e o controle
professora Maria Luiza Tucci Carneiro que
que sofreram durante o Primeiro Reinado;
analisa o conteúdo dessas obras e o perfil
o texto de Fernando Teixeira da Silva
dos seus autores.
aponta as possibilidades de pesquisa
sobre a relação entre movimento operário
e
imigração
portuguesa,
nas
três
O processo de imigração alemã para o Rio
Qrande do Sul durante o século XIX é o
p r i m e i r a s d é c a d a s do s é c u l o XX, em
tema de tlelga Iracema Landgraf Piccolo,
Santos; e, finalmente, o artigo de Maria
onde se destaca o pequeno proprietário
Manuela R. de Sousa e Silva aborda as
imigrante como fiel da balança, na relação
t e n s õ e s existentes na r e l a ç ã o entre
entre o governo imperial e os grandes
brasileiros e portugueses a partir de
senhores de terra, muitos deles escravistas.
enfrentamentos cotidianos ocorridos no
Os e s p a n h ó i s n ã o foram esquecidos pela
Rio de Janeiro, no final do século XIX.
Acervo e e s t ã o presentes no artigo de
Walter Piazza trabalha a história da vinda
Lúcia Maria Paschoal G u i m a r ã e s que,
de imigrantes a ç o r i a n o s e madeirenses
tendo como e s p a ç o o Rio de Janeiro na
para o sul do Brasil no século XVIII, suas
virada do século XIX, pretende demonstrar
bases sociais e políticas, e os resultados
que a emigração urbana se constituiu num
desse movimento migratório.
fator
Os imigrantes japoneses durante o Estado
Movo s ã o o objeto do texto de Adriano Luiz
concorrente
da
mão-de-obra
nacional, especialmente aquela que fora
liberada pela abolição.
Duarte. Esses imigrantes, com o fim da
Fecha este n ú m e r o o texto de Paula
Segunda Guerra, dividiram-se em dois
Ribeiro
que parte
dos r e l a t o s
dos
grupos: aqueles que não acreditavam na
imigrantes sírios e libaneses c r i s t ã o s ,
derrota japonesa e os que, conformados
judeus sefaradim
com a situação, desejavam esquecê-la. É
para traçar um perfil desses homens que,
interessante destacar os dados que o
desde fins do século XIX, t ê m - s e dedicado
autor apresenta sobre a
ao comércio de armarinhos e de g ê n e r o s
Shindô-Remmei,
o r g a n i z a ç ã o que t i n h a por o b j e t i v o
e seus descendentes,
alimentícios.
Maria do Carmo T. Rainho
Editora
8. Lená Medeiros de Menezes
Professora Adjunta
do Departamento de História da UERJ. Doutora em História Social.
. . B a s t i d o r e s
U m
outro oUiar sotre a imigração no
R i o cie J a n e i r o
A
pós residir 38 anos na
bre a defesa da ordem e da segu-
cidade do Rio de Janeiro, Manuel Real, portu-
rança nacional, a prática da expulV
g u ê s , analfabeto, solteiro, padeiro
s ã o representou uma das faces da
excludência implantada pelo regi-
por profissão, mas sem residência fixa, foi
me republicano: aquela que atingia os es-
expulso do Brasil como mendigo incorri-
trangeiros pobres, transformados em al-
gível, regressando à terra natal, com 64
vos das políticas de higiene social e n t ã o
anos, apenas com a roupa do corpo. Mui-
desenvolvidas, numa cidade que conhe-
to mais brasileiro que português, foi obri-
cia um tempo de m u d a n ç a s visíveis no ser,
gado a voltar à Europa, de onde saíra com
no fazer, no sentir e no estar. Tempo mar-
a idade de 26 anos, para enterrar, em
cado por luzes e sombras, fugas e bus-
outro solo que n ã o o brasileiro, a falên-
cas, por distanciamentos profundos en-
cia de seus sonhos, expectativas e espe-
tre o discurso legal, que contemplava pos-
ranças.
1
tulados liberais, e as práticas políticas au-
História de vida como a de Manuel Real
não foi um caso isolado na capital brasileira, ao longo de seu t ã o aclamado processo civilizatório. Além do discurso so-
toritárias do cotidiano, enraizadas n u m a
mentalidade escravista e latifundiária.
lio processo de imigração em massa que
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997
- pág.3
9. marcou a virada do século, a proclama-
tado, em muito, da r e p r e s e n t a ç ã o ideali-
ção e a consolidação da república brasi-
zada de m ã o - d e - o b r a superior, promoto-
leira corresponderam à terceira^ onda dos
ra do progresso, que compunha os dis-
movimentos m i g r a t ó r i o s que do Velho
cursos imigrantistas na é p o c a imperial.
Mundo atingiram a América. Esta onda,
Com pouco conhecimento dos códigos ur-
diferente das anteriores, caracterizou-se
banos, precária qualificação profissional
pelo êxodo em massa das á r e a s agrícolas
e ausência de laços familiares na nova ter-
da Europa mediterrânea, que e n t ã o co-
ra, muitos desses estrangeiros compuse-
nhecia a acelerada d e s e s t r u t u r a ç ã o da
ram um proletariado miserável, fornecen-
comunidade camponesa tradicional, fia
do grandes contingentes ao lumpesinato
cidade do Rio de Janeiro, ela represen-
existente na cidade.
tou o afluxo predominante de indivíduos
pobres provenientes dos campos do norte e noroeste de Portugal, com destaque
para o Minho, Douro e Trás-os-Montes, seguindo-se as á r e a s rurais da Espanha,
principalmente da Qaliza, e as províncias
m e r i d i o n a i s de C o z e n z a , S a l e r n o e
Potenza, na Itália.
2
Sobras do arranjo social
nos países de
origem, grande parte deles permaneceu
à margem dos benefícios trazidos pelo
progresso, numa cidade que conhecia a
carestia, o déficit habitacional e um mercado de trabalho m a g m á t i c o , marcado
pela superexploração, baixos salários, longas jornadas e desemprego recorrente. Essa
De acordo com os registros existentes, o
conjugação perversa tornou-os objetos pri-
imigrante pobre que chegou ao Rio de Ja-
vilegiados da ação disciplinar conduzida
neiro, pobre tendeu a permanecer, afas-
pelas elites; alvos destacados da vigilância
Manuel Real em 1928.
p á g . A, j u l / d e z
1997
Fotografias Integrantes d o seu processo de expulsão. Arquivo Nacional.
10. o
V
Benaneti tinha 62 anos quando foi expul-
policial e das leis de expulsão.
Como em outras cidades do mundo influenciadas pela Europa, a história do Rio
de Janeiro, début de siècle,
foi marcada
pela importação de produtos e bens, homens e mulheres, usos e costumes, fazeres e lazeres, crimes e c o n t r a v e n ç õ e s ,
so em 1929 como vadio. Era solteiro,
analfabeto, carroceiro e havia entrado no
país em 1922, j á com idade a v a n ç a d a .
Segundo o depoimento por ele prestado,
chegara ao Rio de Janeiro vindo de Santos, onde um acidente, ocorrido em 1925,
o impossibilitara de continuar trabalhan-
valores e visões de mundo.
do, razão pela qual, sozinho e sem alterCivilizar a cidade, neste contexto de mudança, foi um processo que caminhou em
dois sentidos principais. Em primeiro lugar, no da criação de um e s p a ç o moderno, racional e funcional, em que os negócios encontraram um lugar especializado e privilegiado para florescer, distanciado dos becos e ruelas tradicionais. Em
segundo
lugar,
no
sentido
dó
desencadeamento de uma proposta de
a d a p t a ç ã o da p o p u l a ç ã o urbana aos
c â n o n e s de um novo viver, através de sua
s u b m i s s ã o a um código legal que, contraposto ao popular, criminalizou comportamentos tradicionais, atingindo fortemente os estrangeiros, num modelo- de
república
que
passou
a utilizar a
alteridade como instrumento de construção artificial da identidade nacional, principalmente nos anos que precederam e
se seguiram à Primeira Querra Mundial.
nativas de trabalho, lançou-se à mendicância.
3
natural de uma pequena freguesia do distrito de Braga, A. Cardoso tinha 25 anos
quando foi obrigado a voltar para Portugal, 12 anos depois de chegar ao Brasil,
aos 13 anos de idade, junto com os pais.
R e c é m - c h e g a d o , empregou-se em uma
fábrica de louças no bairro de São Cristóvão, onde trabalhou por algum tempo,
sendo colocado na rua logo depois da família ter retornado a Portugal. Só e desamparado, viu-se numa "situação financeira deplorável", segundo as declarações
que prestou, no ano de 1922, com 17
anos, preso e processado, acusado de ferir um companheiro em a r r u a ç a s de rua,
foi recolhido à Casa de Detenção. Influenciado pelos nouos amigos que lá conheceu, não mais procurou emprego ao
deixar a prisão, passando a viver exclusi-
Várias histórias de vida contadas nos pro-
vamente do produto dos furtos que prati-
cessos de expulsão exemplificam bem as
cava. Processado várias outras vezes, foi
dificuldades encontradas por centenas de
c o n d e n a d o a d o i s anos em c o l ô n i a
imigrantes pobres no Rio de Janeiro, ao
correcional situada no interior do estado.
tempo da Belle Époque,
como as que
Preso novamente, ao passar o conto-do-
c o m p õ e m os processos de H. Benanan,
uigário em um patrício, de quem furtou
A. Cardoso, A. Santos e J . M. Melo:
setecentos mil réis em moeda brasileira
F r a n c ê s de T ú n i s , H. Benanan ou A.
e oitocentos escudos portugueses, aca-
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . j u l / d e z 1997
- pág.5
11. C
A
bou expulso como vadio incorrigível no
ano de 1930.
4
são. Foi expulso com a idade de 27 anos,
acusado de ser um dos responsáveis pela
onda de e x p l o s õ e s ocorrida no ano de
nascido na aldeia de Travanca, conselho
de Vinhães, na província de Trás-os-Montes, seu c o n t e r r â n e o A. Santos contava 26
anos quando vislumbrou, pela última vez,
os contornos majestosos dos morros que
a b r a ç a m a cidade do Rio de Janeiro. Era
solteiro, alfabetizado, e havia chegado ao
país com 12 anos. Segundo suas declaraç õ e s , t ã o logo desembarcou na capital
brasileira, foi residir com um tio, com
quem permaneceu por cerca de dois anos.
Em 1917, com 14 anos, s ó na vida, "deuse à vadiagem". Preso por ter furtado vinte
mil réis de um alfaiate estabelecido no
centro da cidade e recolhido, pela polícia, a um patronato, ali ficou a t é princípi-
1920. Segundo o depoimento por ele
prestado, tão logo chegou ao Brasil empregou-se numa fábrica de tecidos, e,
depois, em padarias, tendo-se filiado à
Sociedade dos Padeiros. Acusado de ter
colocado uma bomba numa padaria situada na rua V o l u n t á r i o s da Pátria, em
Botafogo, foi preso em maio de 1920,
passando a integrar a lista negra dos agitadores que circulava entre os empregadores, n ã o conseguindo mais nenhum
tipo de emprego. Desesperado com a s i tuação, "pois não ganhava para comer",
«1 não querendo mais "ter fama sem proveito", resolveu vingar-se dos p a t r õ e s ,
os de 1920, sendo desligado a p ó s ter con-
passando a fabricar bombas e a colocá-
cluído o curso de arado e de agricultura
las em lugares considerados estratégicos.
o f e r e c i d o pela i n s t i t u i ç ã o .
Fora do
A primeira bomba, fabricada com massa
patronato, empregou-se por cerca de qua-
de vidro, dinamite e pregos, n ã o explo-
tro meses. Posto em liberdade, mergulhou
diu por defeito de fabricação. Com a se-
no jogo por "considerar-se fraco para o
gunda, conseguiu seu intento, causando
trabalho braçal" e ter verdadeira fascina-
vários prejuízos numa padaria do bairro
ção pelo jogo, "pelos lucros fáceis que
de Vila Isabel. A terceira, finalmente, de-
este proporcionava, lucros que lhe per-
positada na residência do gerente da fá-
mitiam luxos e prazeres" interditados à s
brica de tecidos Minerva, na Tijuca, va-
classes trabalhadoras, iniciando-se outra
leu-lhe a expulsão, efetuada no ano de
série de d e t e n ç õ e s e uma nova estada na
1920. Megando ser anarquista, J . M. Melo
colônia Dois Rios Em 1926, foi remetido
definiu-se como um sindicalista revolta-
para Clevelândia, situada em zona de
do com as condições de vida dos traba-
fronteira. Voltando à cidade, e preso no-
lhadores.
vamente, foi Finalmente expulso. Corria o
Parte significativa das sobras de um ar-
ano de 1929.
5
6
ranjo social tecido por pactos de elites,
homens como Benanan, Cardoso, Santos
Português de Figueira, J . M. Melo era sol-
e Melo compunham o grupo dos indese-
teiro, alfabetizado e padeiro por profis-
jáveis, ou seja, dos estrangeiros que, de
p á g . e . Jul/dez
1997
12. O
V
R
alguma forma, contestavam a ordem
onde outros estrangeiros, com destaque
estabelecida. Muma vertente deste pro-
para os italianos e e s p a n h ó i s , colocaram-
cesso, a da contestação política, alinha-
se à frente do processo de organização
vam-se trabalhadores envolvidos com a
operária.
constituição do operariado enquanto clas-
Comparadas várias histórias de vida nar-
se, com destaque aos anarquistas que, de
radas nos processos de expulsão, algu-
posse de um discurso e uma prática re-
mas recorrências sobressaem significati-
volucionárias, constituíram-se em perigo
vamente no conjunto, proporcionando um
permanente para o regime.
exercício prosopográfico que, através de
Ma outra dimensão, a do crime e da con-
casos exemplares, mergulhados em som-
travenção, somavam-se vadios, mendigos,
bras e trevas, permite a reconstrução dos
ladrões, gatunos, vigaristas, b ê b a d o s , j o -
bastidores da imigração.
gadores e cáftens. Com exceção dos últi-
Em primeiro lugar, a pobreza mostrava-
mos, agentes do crime internacional or-
se companheira inseparável em suas v i -
ganizado, os indesejáveis, regra geral,
das. Os processados, geralmente, nada
eram indivíduos pobres que, perdidos
mais eram que homens pobres que che-
seus sonhos de uma vida melhor ou de
gados ao país
retorno vitorioso à terra natal, voltavam-
se ao longo da vida, posicionados como
se, de várias formas, contra as condições
m ã o - d e - o b r a barata em serviços antes
de vida que lhes eram oferecidas, afas-
realizados por escravos. Todos haviam
tando-se, com sua atitude de desafio à or-
emigrado buscando o paraíso do outro
dem, do protótipo de imigrante deseja-
lado do Atlântico. Muito raramente eram
do: paciente, obediente, ordeiro e resignado.
criminosos ou anarquistas radicais. Casos
lios delitos que guardavam vínculos mais
como o de J . Monteiro, que entrou no Bra-
estreitos com a pobreza vivida na cidade,
sil em 1911, fugido de Portugal por seu
os portugueses destacaram-se do conjun-
ativismo político, ou de L. Arena, que no
to dos indesejáveis, reproduzindo as ten-
ato da expulsão j á registrava prisões por
dências gerais da imigração para a cidade.
7
na pobreza mantiveram-
furto em Buenos Aires, s ã o absoluta exceção no conjunto dos indesejáveis que
Os anarquistas constituíram-se a principal base da militância de origem estran-
deixaram o registro de sua passagem pela
capital federal."
geira, principalmente no ramo das padarias e da construção civil, em que mais
Quanto à procedência, a maior parte dos
fortemente enraizou-se o sindicalismo re-
processados havia nascido nos campos
volucionário. A p r e s e n ç a marcante dos
europeus. Mesta perspectiva, os proces-
portugueses nos sindicatos, que encami-
sos de expulsão refletem, com exatidão,
nhavam o discurso revolucionário, distan-
as t e n d ê n c i a s globais da imigração para
ciou a capital de outras cidades do país.
a cidade, no final do século XIX e nas pri-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . J u l / d e i
1997
- pág.7
13. meiras d é c a d a s do século XX, onde os
num espírito de total aventura. Sem as
portugueses, seguidos por italianos e es-
s a n ç õ e s familiares ou qualquer p a d r ã o
p a n h ó i s provenientes das á r e a s rurais,
referencial da vida urbana, eles tornaram-
constituíam a maioria dos que se desti-
se uma importante d i m e n s ã o da imigra-
navam ao Rio de Janeiro. A conjugação
ção urbana. Verdadeiros agregados urba-
de condicionantes estruturais relativas à
nos, dormiam e faziam suas refeições nos
posse e d i v i s ã o da terra com fatores
locais de trabalho, cumprindo longas e
conjunturais e com o exemplo dado pe-
duras jornadas, que chegavam a se es-
los 'brasileiros' de torna-viagem, envol-
tender por 16 horas no comércio a vare-
vidos no manto dos sucessos obtidos no
jo. Mão raras vezes, optavam por fugir
a l é m - m a r , principalmente em Portugal,
devido à s duras condições de vida, ou en-
pressionaram ou incentivaram a popula-
tão eram despedidos e, privados de teto
ção rural a emigrar.
e comida, passavam a vagar pelas ruas,
alternando períodos de reclusão em estabelecimentos penais com intervalos de
liberdade, num circuito contínuo de reincidência.
Distribuição dos Estrangeiros por
Nacionalidade
A grande presença de jovens desocupados nas ruas, a maioria constituída por
estrangeiros, marcou a história da Belle
Époque
carioca. Personagens constantes
nas crônicas sobre a capital, os jovens
Fonte Brasil Ministério da Agricultura. Indústria e Comerão Diretoria
Geral de Estatística Recenseamento de 1920
abandonados à própria sorte tornaram-se
alvo das p r e o c u p a ç õ e s policiais, devido à
facilidade com que tendiam a ingressar
Com relação à idade dos imigrantes, grande parte dos processados havia entrado
no mundo do crime ou a aquecer os motins e os quebra-quebras recorrentes.
9
no país durante a adolescência ou a infância. Este dado significativo, registrado
Tomado o universo profissional como ob-
no conjunto da d o c u m e n t a ç ã o , é encon-
jeto central de análise, finalmente, mere-
trado, t a m b é m , nos recenseamentos rea-
ce destaque a pequena qualificação para
lizados entre 1872 e 1920, que registram
o trabalho registrada nas fontes, ao que
um enorme contingente de jovens na fai-
se acrescenta a alta incidência de analfa-
xa dos 12 aos 18 anos no grupo dos es-
betos, m a i s de 2 0 % d o t o t a l . Este
trangeiros. Eram os caixeirinhos portu-
despreparo para o mercado de trabalho
gueses ou galegos desta faixa etária que
tinha como conseqüência imediata a ab-
chegavam ao Brasil, ao chamado de al-
sorção dos estrangeiros pobres nas ativi-
gum parente ou conhecido, ou mesmo
dades desvalorizadas, com t e n d ê n c i a à
p á g . 8 . Jul/dez
1 997
14. O
V
R
superexploração e à pouca fixação no em-
ços os salários eram baixos, os aciden-
prego, em atendimento a demandas cir-
tes de trabalho muito comuns e o de-
cunstanciais do mercado de trabalho. É
semprego uma possibilidade sempre
bastante f r e q ü e n t e na d o c u m e n t a ç ã o
presente, tornando enormes as possi-
pesquisada, por exemplo, o registro de pro-
bilidades do ingresso do imigrante no
fissões sem quaisquer relações intrínsecas,
mundo marginal do não-trabalho, como
desenvolvidas por um mesmo indivíduo ao
registra A noite no ano de 1914:
longo da vida. J . S. Querra foi jardineiro e
gerente de hotel;
10
outros foram sapatei-
ros e pintores, ou condutores de bondes e
trabalhadores em pedreiras, alternando,
freqüentemente, empregos ocasionais com
períodos de desemprego.
Trata-se de um dos mais s é r i o s problemas do nosso proletariado. V ã o de
m a n h ã cedo aos logradouros p ú b l i cos, correm o Passeio, a p r a ç a XV de
liovembro, os diversos cais, o mercado velho e novo, a praia de Santa Lu-
A pouca ou nenhuma qualificação profissio-
zia, e depois dizem que dolorosa im-
nal de grande parte dos imigrantes encon-
p r e s s ã o trouxeram de lá. Mós vimos e
tra-se apontada, t a m b é m , nos recensea-
contamos cem o p e r á r i o s que dormi-
mentos realizados no período. O de 1906
am ao relento. C o n v e r s a m o s
totaliza 39.707 indivíduos sem qualificação,
muitos deles. Todos contam a mesma
e o de 1920 aponta a cifra de 13.619 com
h i s t ó r i a : a fábrica, o trabalho, espe-
profissão mal definida, 10.951 sem profis-
r a n ç a de arranjar s e r v i ç o para o futu-
s ã o declarada e 57.030 sem profissão,
ro [...] Mão se trata, [sic] absolutamen-
totalizando
te, de vagabundos, trata-se [sic]
81.600
estrangeiros
desqualificados para as ocupações urbanas,
o que representa cerca de 35% do universo dos imigrantes residentes na cidade.
com
de
operários."
A descrição da lamentável situação feita pelo periódico encontra correspon-
O desemprego recorrente e as p é s s i m a s
dência direta em várias histórias de vida
c o n d i ç õ e s de t r a b a l h o n u m m e r c a d o
narradas nos processos analisados,
magmático, no qual a oferta suplantava a
como no de A. Sarmento, espanhol de
demanda, tenderam a aquecer os movi-
40 anos, residente há 13 anos no país
mentos contestatórios na cidade e a em-
no momento de sua expulsão, que de-
purrar muitos indivíduos para as atividades
clarou, em seu depoimento, que fora
ilícitas e a mendicância.
sempre um trabalhador, n ã o lhe caben-
O comércio, a construção civil, as docas,
as pedreiras e os transportes foram os se-
do culpa por estar desempregado no
momento de sua p r i s ã o .
12
tores formais do mercado de trabalho que
Consideradas as q u e s t õ e s destacadas,
registraram a maior a b s o r ç ã o da m ã o - d e -
impõe-se como conclusão que qualquer
obra estrangeira. Justamente nestes espa-
estudo sobre a imigração estará incom-
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez
1997 - pag.9
15. pleto se contemplar apenas a história vis-
arcar com os custos dos aluguéis, como
ta de cima, ou seja, a história dos suces-
narra com grande sensibilidade o Correio
sos escritos sob as luzes da modernidade.
da Manhã:
Além das vitórias cantadas em prosa e
verso pelos que voltaram ricos à terra
natal, ou pelos que fixaram-se na nova
terra como p r o p r i e t á r i o s , é n e c e s s á r i o
que, virado o processo pelo avesso, seja
contemplada uma história vista de baixo,
capaz de dar visibilidade à pobreza dos
bastidores, mergulhados nas sombras do
silêncio e do esquecimento.
Grande parte dessa gente, trabalhadores e o p e r á r i o s , sem casa, sem nenhum
abrigo, sem p ã o e sem e s p e r a n ç a s , dorme ao relento sob a relva da avenida
do Mangue ou fazendo cama com as ervas que crescem livremente nos terrenos devolutos, ou pernoita nos portais
das casas desabitadas, se n ã o se lhes
depara mais c o n f o r t á v e l retiro nas ruí-
Muitos foram os condutores de bondes,
nas de qualquer casa que o fogo ou o
padeiros, calceteiros, pedreiros, caixeiros
tempo d e s t r u í r a m .
1 3
e trabalhadores afeitos ao trabalho bra-
Porém, muitos imigrantes, apesar das
çal que amargaram difíceis condições de
condições adversas, continuaram traba-
existência, em sua luta permanente con-
lhando duro, tecendo c o n d i ç õ e s de vida
tra a carestia, trágica em algumas con-
mais amenas para seus descendentes.
junturas, morando na periferia pobre ou
Outros buscaram, pela via revolucionária,
dormindo ao relento, quando, desempre-
alterar de imediato as condições adver-
gados ou sub-empregados, não podiam
sas, influenciados pelo ideário anarquis-
S.
0
i
'
•
Embarque de emigrantes italianos para o Brasil. Reprodução de A Ilustração brasileira, 15 de fevereiro d e 1910.
p á g . 10. J u l / d e z
1997
16. R
O
V
ta que apontava a revolução como única
marginalidade por motivos alheios a sua
possibilidade de r e d e n ç ã o . A violência
vontade, como R. V. Castro: casado, alfa-
adotada por muitos expressava, de algu-
betizado e sem residência, o p o r t u g u ê s
ma forma, as frustrações acumuladas ao
R. V. Castro tinha 26 anos quando foi pre-
longo da vida, e o desejo de alcançar o
so e expulso. Segundo suas declarações,
paraíso na terra, ainda que fosse pela di-
chegara ao Brasil com um tio, aos oito
namite.
anos de idade, tendo trabalhado no comércio a t é a idade adulta, quando, e n t ã o ,
Os vínculos existentes entre condições de
vida e radicalização ideológica encontram-se presentes em alguns processos
desempregado, caiu na marginalidade,
terminando por ser expulso por vadiagem
e furto.
15
de expulsão, principalmente naqueles movidos contra os padeiros, sujeitos a lon-
Se em alguns casos a expulsão tinha jus-
gas jornadas noturnas e a duras condi-
tificativas, em outros ela definia-se como
ç õ e s de trabalho, seguindo-se operários
um ato e x t r e m a m e n t e
não qualificados da construção civil. En-
inconstitucional.
tre os padeiros, é significativa a m e n ç ã o
trangeiros que acabaram sendo expulsos,
a u m a s o c i e d a d e s e c r e t a de nome
muitos sofreram perseguição sem tréguas
Carbonária Padeiral, que aparece no pro-
por sua miséria ou luta contra as injustas
cesso contra A. R. Santos, acusado de ser
condições de trabalho e de vida, ou, ain-
um dos dinamitadores por o c a s i ã o da
da, por enganos ou perseguições circuns-
onda de e x p l o s õ e s em padarias, cujos
tanciais, embora estas últimas represen-
panfletos
s ã o de extrema r e v o l t a ,
tassem uma afronta violenta aos postula-
explicitando muito do vale-tudo desespe-
dos do direito internacional. Veja-se o
rado assumido por imigrantes no jogo da
relato de J . Madeira, encaminhado ao
1
m u d a n ç a revolucionária. *
16
arbitrário e
Mo conjunto dos es-
deputado Maurício de Lacerda que depois
o enviou à Mesa da Câmara de Deputados:
Considerada a outra vertente da desordem urbana, a das atividades, ilícitas, do
Envolvido na onda m i g r a t ó r i a que em
crime e da vadiagem, o comportamento
1912
desviante podia apresentar-se como de-
Brasil, embarquei a 17 de fevereiro des-
c o r r ê n c i a de uma primeira prisão, por
se mesmo ano no porto de Lisboa e de-
a r r u a ç a s de rua, com a c o n s e q ü e n t e pas-
sembarquei no Rio a 2 de m a r ç o , inici-
sagem pela verdadeira 'escola' que se
ando uma vida de trabalho e economia
constituía a Casa de Detenção, quanto por
(...). Depois de pouco mais de dois
motivos involuntários ou circunstanciais
anos, a crise de trabalho que se deu
como desemprego, acidentes de trabalho,
nessa cidade e em toda a parte veio
d o e n ç a s , velhice e embriaguez. Muitos fo-
roubar-me as i l u s õ e s antes sonhadas
ram os que romperam a fronteira da
(...). Compareci a alguns c o m í c i o s p ú -
se efetuava de Portugal para o
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. p p . 0 3 - 1 6 , Jul/dez
1997 - p á g . 1 1
17. C
A
blicos e, no dia 11 de maio, estando
ros em território nacional. Estas traziam
para assistir a um comício em Vila Isa-
enumeradas como motivos explícitos para
bel, vi prender três operários que sou-
a expulsão, além daqueles concernentes
be serem os oradores que iam falar
ao que se pudesse constituir em a m e a ç a
nesse comício: chegada a hora do iní-
para o regime, a c o n d e n a ç ã o por tribu-
cio do mesmo, dispus-me a explicar aos
nais brasileiros de crimes ou delitos de
operários o motivo por que não se rea-
natureza comum, como a vagabundagem,
lizava o comício (...)•
a mendicidade e o lenocínio competentemente verificados, sendo relevante res-
Desta data em diante passei a ser um
saltar o fato do homicídio n ã o se consti-
dos chamados 'oradores operários' (...)"
tuir em motivo de expulsão, por ser um
Transformado em "orador improvisado', J .
crime de alcance individual que n ã o ame-
Madeira tornou-se alvo da vigilância per-
açava a ordem urbana.
18
manente das autoridades policiais, terminando por ser expulso no ano de 1920.
Anarquistas, militantes operários, vadios,
Anarquista "por força das circunstâncias",
ladrões, gatunos, vigaristas, jogadores,
se considerarmos verdadeiro o teor de sua
ébrios, mendigos e cáftens eram vistos
carta, ou anarquista por convicção, J .
pelo discurso oficial, com o respaldo do
Madeira, independente de sua opção ideo-
discurso científico da época, como hós-
lógica, era um trabalhador humilde dis-
pedes perigosos,
posto a lutar por um lugar ao sol. Muitos
tecido social, principais responsáveis pela
como ele, a partir da s u s p e i ç ã o e de uma
desordem urbana. Dentre todos, os anar-
primeira prisão, não raras vezes aciden-
quistas mereceram uma a t e n ç ã o especial
tal, tornaram-se personagens cativos das
por parte das autoridades constituídas de-
diligências policiais, transformados em
vido à sua e x t r e m a
anarquistas profissionais por força do dis-
advinda do fato de serem definidos como
curso repressivo.
corruptores de n a ç õ e s inteiras, reprodu-
vírus contaminados
do
perlculosidade,
zindo, no cotidiano da prática política, as
A c o m p r e e n s ã o ampla do que se configurava como (des)ordem permitiu que, no
teorizações feitas por Lombroso acerca do
crime político.
19
mesmo grupo dos indesejáveis, ao lado
dos militantes operários, fossem englo-
Considerado o conjunto dos imigrantes
bados
e
que foram alvo das leis de expulsão, al-
contraventores variados. Todos eles so-
guns podiam ser de fato nocivos e peri-
freram uma repressão ininterrupta no pro-
gosos, tomados os valores em processo
cesso de estabelecimento de disciplina
de s e d i m e n t a ç ã o como referenciais. Ou-
sobre o mundo do trabalho e as ruas, con-
tros foram objeto dos desmandos produ-
templados nas leis que regulamentavam
zidos por um regime que priorizava a or-
a entrada e a permanência dos estrangei-
dem em vez da lei. A maior parte, p o r é m .
criminosos
p i g . 12. J u l / d e z
1997
comuns
18. O
V
K
era fruto direto das condições adversas
cipalmente em relação ao caftismo, que
no Rio de Janeiro.
transformara a cidade em um dos pontos
Messe contexto, a expulsão definiu-se,
a l é m de um p r o c e s s o de s e l e ç ã o
posteriori,
a
como uma estratégia privile-
giada de limpeza urbana'. Conjugada à
deportação,
20
ela possibilitou um melhor
controle social, através do processo de
eliminação de todo aquele que, conside-
de chegada das rotas internacionais do
tráfico de brancas.
22
Também era verda-
deira a versão de que as idéias revolucionárias que seduziam a classe operária em
formação eram importadas, com destaque
para
o
comunismo-anárquico
de
Kropotkin.
rado sobra do arranjo social, pudesse ser
Mão correspondia à realidade, entretan-
definido como elemento perigoso à or-
to, a explicação oficial de que a desordem
dem política, social ou moral. O ideal de
reinante no Rio de Janeiro devia-se à sim-
c o n s t r u ç ã o de uma cidade disciplinar
ples importação de indivíduos viciosos e
norteou práticas autoritárias, destinadas
anarquistas profissionais; aues de arriba-
ao esvaziamento político da capital, que
ção chegadas na vasa da i m i g r a ç ã o , ver-
atingiram tanto o mundo do trabalho
s ã o que mascarava as contradições inter-
quanto o do não-trabalho, separados por
nas existentes que apanhavam os estran-
fronteiras fluidas e móveis que tendiam a
geiros pobres em suas malhas.
desaparecer nos momentos de contestação ampla, marcados por quebra-quebras
generalizados, nos quais os excluídos
demonstravam toda a sua revolta e descontentamento.
A a n á l i s e dos processos de e x p u l s ã o ,
excetuados aqueles movidos aos cáftens,
não corrobora a consagrada tese da contaminação por agentes exógenos.
A mai-
oria dos cidadãos processados, principal-
O medo de um levante global dos excluí-
mente os portugueses, tinha uma longa
e alimentado
residência no país. Sua opção ideológica
pelo i d e á r i o a n a r q u i s t a , que via no
ou ingresso na marginalidade eram, em
lumpesinato uma força revolucionária,
última instância, uma decorrência das d i -
tornou-se um fantasma permanente a
ficuldades e embates travados na própria
povoar a mente das elites. Esvaziar a ca-
cidade; a expulsão, uma intervenção
pital, portanto, livrando-a dos 'elementos'
rúrgica capaz de eliminar parasitas e er-
desordeiros, dentre os quais sobressaí-
vas daninhas.
dos, ensaiado em 1904
21
ram-se os estrangeiros, era uma necessidade a um s ó tempo r e p r e s s i v a e
profilática, que visava transformar o Rio
de Janeiro no cartão de visitas do Brasil.
ci-
Messe contexto de excludência, o período
que vai de 1907 a 1930 marca, no plano
das relações intersocietais, um capítulo
de violência da nossa história. Aos ho-
É certo que o Rio de Janeiro sofria a atu-
mens que, expulsos, voltavam à Europa,
a ç ã o de criminosos internacionais, prin-
depois de anos vividos no Brasil, restava
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , j u l / d e z 1997
- p á g . 13
19. C
A
a pobreza, a fadiga e o desalento. Pobre-
rios matizes permitiram sua r o t u l a ç ã o
za que com eles cruzava, mais uma vez,
como nocivos e/ou perigosos, colocados
o oceano. Fadiga e desalento por muitos
barra a fora como indesejáveis, mesmo
anos de frustrações e derrotas, j á que, em
que a maior parte de suas vidas tivesse
sua grande maioria, os estrangeiros que
sido passada no Brasil, na maioria dos
retornavam como indesejáveis não havi-
casos, haviam cruzado os mares embala-
am cruzado a estreita entrada da baía da
dos pelo sonho de uma vida melhor, su-
Guanabara como desordeiros ou crimino-
portando, com resignação, as dificulda-
sos. Mo momento de sua chegada, eram
des da travessia oceânica. Muito diferen-
tão somente camponeses pobres que, na
te era a viagem de volta, sem utopias ou
conjuntura de encurtamento das distân-
sonhos para o futuro, embarcados para
cias possibilitada pelo avanço técnico,
p a í s e s que j á n ã o podiam considerar
transformaram os portos num ponto de
como pátrias, sem a certeza sequer de
passagem no processo de busca de suas
que poderiam desembarcar do outro lado
utopias no além-mar. Dificuldades de vá-
do Atlântico."
N
O
T
A
s
7
1. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 169.
2.
Este conceito era utilizado pelos chefes de polícia, na época estudada, para caracterizar os
que se posicionavam à margem da sociedade organizada, cujos limites colocavam-se na fron-
p á g . 14, J u l / d e z
1997
20. O
V
R
teira entre o trabalho e o n ã o - t r a b a l h o . Meste mesmo aspecto, é c a r a c t e r í s t i c a a p r e o c u p a ç ã o
constante das elites p o l í t i c a s e de parte significativa da elite intelectual em apartar os anarquistas, qualificados como agitadores profissionais infiltrados no conjunto da classe trabalhadora.
3.
Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ
7
156.
Idem. Pacotilha IJJ
7
132.
Idem. Pacotilha IJJ
7
136.
6.
Idem. Pacotilha IJJ
7
163.
7.
Esta q u a n t i f i c a ç ã o e s t á baseada em s e l e ç ã o feita na d o c u m e n t a ç ã o que c o m p õ e o m ó d u l o 101
do Arquivo nacional relativa a estrangeiros processados e residentes na capital, que totaliza
531 i n d i v í d u o s . Esta amostra foi a base principal de tese de doutoramento defendida na USP
acerca dos i n d e s e j á v e i s , d i s t r i b u í d o s em vadios, mendigos, vigaristas, l a d r õ e s e gatunos, por
n ó s englobados na categoria freqüentadores
assíduos
dos cárceres
(248), c á f t e n s (194) e anarquistas e/ou comunistas (79), demonstrando que a e x p u l s ã o na capital brasileira posicionouse como instrumento global de limpeza social e n ã o simplesmente como p o l í t i c a direcionada
para a p e r s e g u i ç ã o p o l í t i c o - i d e o l ó g i c a como tradicionalmente se supunha, neste conjunto, os
portugueses representam 45,9% do primeiro grupo; 11,3% do segundo e 59% do terceiro. Ver
L e n á Medeiros de Menezes, Indesejáveis
desclassificados da modernidade: protesto, crime e
e x p u l s ã o na capital federal (1890-1930), Rio de Janeiro, ESDUERJ, 1997.
8.
Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ
9.
Lima Barreto, Recordações
4.
5.
do escrivão
7
163.
/saias Caminha. S á o Paulo, Brasiliense, 1976, p. 166.
7
10. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 163.
11. A noite, 2 de maio de 1914.
12. Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ
13. Correio da Manhã.
7
129.
18 de fevereiro de 1917.
14. Cf. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ
15. Idem. Pacotilha IJJ
7
7
168.
151.
16. A C o n s t i t u i ç ã o Federal, em seu artigo 72, garantia igualdade de direitos a nacionais e estrangeiros residentes.
17. Brasil, Anais da C â m a r a dos Deputados de 1920, s e s s ã o de 12 de agosto. Rio de Janeiro,
Imprensa nacional, 1921, p. 504.
18. Decreto n ° 1.641, de 7 de janeiro de 1907. Brasil. C o l e ç ã o das Leis da R e p ú b l i c a , Rio de Janeiro, Imprensa nacional, 1908.
19. Sobre o tema, ver Cesare Lombroso e R. Laschi. Crime politique
Librairie Félix Alcan, 1892.
et les revoluttons.
Paris,
20. Havia uma d i f e r e n c i a ç ã o entre e x p u l s ã o e d e p o r t a ç ã o . A primeira atingia os estrangeiros; a
segunda, os nacionais enviados para c o l ô n i a s penais situadas em zonas de fronteira. Ambas
conjugaram-se, p o r é m , como e s t r a t é g i a s c i r ú r g i c a s complementares no processo de limpeza
urbana que acompanhou as reformas urbanas a partir da virada republicana e, mais especificamente, depois da a d m i n i s t r a ç ã o de Pereira Passos (1902-1906).
21. A r e f e r ê n c i a é a revolta popular contra o decreto de v a c i n a ç ã o o b r i g a t ó r i a ocorrida naquele
ano. Sobre o tema, ver, entre outras obras, nicolau Sevcenko, A revolta da vacina: mentes
insanas em corpos rebeldes, S á o Paulo, Brasiliense, 1984. [Tudo é História, 89].
22. Sobre o tráfico de brancas no Rio de Janeiro, ver Lená M. de Menezes, Os estrangeiros e o
comércio
do prazer nas ruas do Rio. Rio de Janeiro, Arquivo nacional, 1992, P r ê m i o Arquivo
nacional de Pesquisa, 2.
23. C o m r e l a ç ã o aos relatos acerca de todo o processual da e x p u l s ã o , ver Everardo Dias, " M e m ó rias de um exilado". E p i s ó d i o s da d e p o r t a ç ã o de Everardo Dias contados por ele mesmo à Voz
do Povo, 20-24 de fevereiro de 1920.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - p á g . 1 5
21. Carla Brandalise
Professora do Departamento de História
da Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
Camisas~er<cles
O iníegralisnio no S u l cio B r a s i l
""^ idéia corrente ter sido o Ri
constante ação repressiva desencadeada
J"^
Qrande do Sul uma região
pelo poder público estadual. Vamos,
1 Si
tp desenvolvimento, por
assim, analisar os fatores que propi-
-
excelência, da Ação Integralista Brasilei-
ciaram este quadro peculiar.
ra (AIB) — uma organização política de
A organização oficial da AIB no Rio Qran-
âmbito nacional da década de 1930, que
de do Sul ocorreu de modo relativamen-
Esta
te tardio em relação a outras regiões do
idéia enfrentou, antes, a forte competi-
país. Somente em meados de 1934- é
ção de um sistema partidário consolida-
constituído
do. A h i s t ó r i c a p r e s e n ç a de partidos
"Triunvirato Provincial', base da adminis-
oligárquicos baseados na lealdade e na
tração integralista nos diversos estados.
fidelidade à s lideranças autocráticas do
Em sua reduzida composição urbana ini-
estado limitou, consideravelmente, a di-
cial j á se definia o público que preferen-
fusão do integralismo. lio entanto, é in-
cialmente optaria pelo integralismo. De
discutível que naquelas á r e a s ocupadas
modo geral, predominavam profissionais
pelo processo ulterior de colonização ale-
liberais, estudantes, bancários, emprega-
mã e italiana, o apelo doutrinário da AIB
dos do c o m é r c i o e alguns o p e r á r i o s .
obteve ampla receptividade, apesar da
Como ponto comum, estes segmentos
apresentava um c a r á t e r fascista.
1
em
Porto
Alegre
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997
um
- pág.17
22. A
C
E
sociais médios partilhavam um sentimen-
primórdios pelos litígios fronteiriços en-
to de frustração política ensejada ora pela
tre Espanha e Portugal. Tais lutas cons-
percepção da marginalização político-par-
tantes
tidária, ora pela visão do fracasso e de-
militarizada e autocrática, medida pela
cadência dos partidos oligárquicos. Em
hierarquia da força. Ao mesmo tempo, foi
termos discursivos, a AIB pretendia orga-
possível a esta p o p u l a ç ã o aproveitar eco-
nizar-se no estado como uma alternativa
n o m i c a m e n t e o gado s e l v a g e m
político-ideológica ao tentar objetar as
disseminara-se em larga escala na á r e a .
formas partidárias vigentes em favor de
Desta c o m b i n a ç ã o caracterizou-se
um modo de participação radicalmente
Campanha a figura do 'militar-estanciei-
novo. A a t u a ç ã o dos indivíduos n ã o seria
ro', que d o m i n a v a as a t i v i d a d e s e c o -
mais mediada por políticos profissionais
n ô m i c a s g a ú c h a s sob o regime
e influências oligárquicas. Pelo contrário,
grande p r o p r i e d a d e .
geraram
uma
sociedade
que
na
da
iria constituir-se através do compromis-
interesse do povo, e o voto ocasional e
A
secreto
centro do país. A partir do início do s é c u -
so e dedicação total ao movimento, porque
a
prática
política
tradicional
obstaculizava a e x p r e s s ã o do verdadeiro
implicava
no
reduzido
envolvimento com o destino da nação.
segunda formação social, de
origem mais tardia, estabe-
.leceu-se sem a aprovação dos
estancieiros locais e por deliberação do
lo XIX, foram introduzidos no estado os
imigrantes a l e m ã e s e italianos. Eles cons-
A partir de Porto Alegre, a AIB expandese pelo interior do estado. Porém, o movimento assume um caráter estacionário,
salvo nas zonas de imigração italiana e
alemã.
A inserção
do
movimento
integralista no Rio Qrande do Sul, com
grande a c e i t a ç ã o em algumas á r e a s e
quase nenhuma em outras, encontra suas
origens no processo interno de formação
sociopolítico. A o c u p a ç ã o territorial do
estado fez surgir dois tipos básicos de
sociedade, os quais, por muito tempo,
conviveram lado a lado sem
maiores
interações e c o n ô m i c a s e culturais.
2
tituíram uma sociedade baseada nas pequenas e médias propriedades, na produção agropastoril diversificada e no trabalho familiar. A c o l o n i z a ç ã o
ítalo-
germânica expandiu-se nas serras do Sudeste e na Depressão Central. Entre as
duas formações sociais houve, desde o
início, um certo antagonismo. Os estancieiros n ã o apenas constrangiam a fixação dos colonos europeus em terras impróprias à prática da pecuária extensiva,
como também procuravam desacelerar ou
mesmo impedir o movimento migratório.
Os imigrantes, por sua vez, manifestavam
A primeira formação social desenvolveu-
uma tendência ao isolamento, à circuns-
se na região Sul, na denominada 'zona da
crição a sua própria cultura, preservando
Campanha', sendo condicionada em seus
os valores da pátria de origem.
p á g . 1 8. J u l / d e z 1 997
23. A
C
E
mobilização constante, sua retórica anti-
pios europeus ou por meio do domínio
oligárquica e c o n d e n a t ó r i a do sistema
direto da Alemanha ou Itália sobre o Bra-
partidário republicano, encontra nesses
sil, mas pela valorização a u t ô n o m a das
indivíduos campo fértil a sua expansão.
potencialidades e características nacio-
Apesar das c o n d i ç õ e s s o c i o e c o n ô m i c a s
favoráveis, o interesse pela AIB nas zonas coloniais n ã o pode ser explicado sem
a variável étnico-cultural, sob o risco de
descaracterizar a complexidade do problema. Se o contexto conjuntural da região propiciou certos requisitos básicos
ao fomento do integralismo, a q u e s t ã o
étnica sobredeterminou a sua aceitação.
Tal especificidade deve ser analisada a
partir da m o í í u a ç ã o que levou estes setores intermediários a aderir à AIB.
nais. Os integralistas de descendência alemã ou italiana admiravam os movimentos considerados como correlatos em
seus países de origem, p o r é m a n a ç ã o
brasileira deveria engendrar a sua 'regen e r a ç ã o ' e 'transformação' de modo independente, com a exaltação das tradições e costumes do país. Mão havia, assim, a princípio, contradição entre o discurso nacionalista da AIB e a d e s c e n d ê n cia étnica desses adeptos. Messe sentido,
as lideranças do integralismo no Rio Qrande do Sul prezavam de forma pública e
Quanto aos simpatizantes de origem ita-
aberta os movimentos europeus, contra-
liana e a l e m ã , o movimento n ã o lhes
riando a cúpula nacional que procurava
atraía enquanto uma forma de resistên-
geralmente
cia à integração em sua nova pátria. Pelo
c i a ç ã o direta.
n ã o incorrer numa
asso-
contrário, o integralismo aparecia como
a forma mais viável de se tornarem 'brasileiros de fato' através da participação na
vida política do país. A q u e s t ã o por eles
reconhecida de que a AIB apresentava
s e m e l h a n ç a s visíveis com os movimentos
fascistas da 'pátria-mãe' reforçava sobremaneira o interesse por esta força política que se introduzia no estado. Ma sua
concepção, as realizações tidas como benéficas do fascismo italiano e do nazismo
a l e m ã o , amplamente divulgadas por periódicos especializados, evidenciavam a
viabilidade da construção de uma nova ordem mundial. O integralismo deveria concretizar no país esta ordem, n ã o através
O conjunto desses fatores revela-se nos
depoimentos prestados pelos adeptos do
integralismo. Para o caso da zona a l e m ã '
s ã o representativas as reflexões do chefe
municipal da AIB da cidade de Qramado,
Alcides Arendt, para quem:
O integralismo teve r e c e p ç ã o fácil na
zona de c o l o n i z a ç ã o a l e m ã porque a
Alemanha naquela é p o c a tinha o nazismo. Durante o integralismo eu via com
simpatia o Hitler em muitas coisas, n ã o
que q u e r í a m o s imitar, o nosso movimento surgiu como um movimento ind í g e n a , o objetivo de P l í n i o Salgado
nunca foi imitar. A luta do integralismo
da r e p r o d u ç ã o pura e simples dos princíera de formar, educar a juventude. O
p á g . 20 . J u l / d e z
1 997
24. o
V
Hitler fez coisas boas, levantou a Ale-
intra-oligárquica. Um dos momentos cul-
manha organizando o trabalho.*
minantes da prática coercitiva ocorreu em
O
projeto, de acordo com Arendt,
era introduzir os pontos altos
do
nazismo,
como
o
corporativismo, a valorização da autoridade e do trabalho, o combate ao liberalismo e ao comunismo, sem a interferência da Alemanha. Outros militantes creditavam confiabilidade à AIB pela identificação direta que faziam entre o movimento e o nazismo, reconhecendo a autonomia do integralismo. Este é o caso
do professor Maximiliano Hahan, da cida-
fevereiro de 1935 por ocasião de um grande encontro estadual de integralistas na
cidade de São Sebastião do Cai, região
de imigração alemã. Durante uma passeata, que contou com mais de trezentas
pessoas, houve um tumulto, com troca de
tiros entre a polícia e os militantes. O saldo foi a morte de dois policiais e de um
ativista. O prefeito do Cai, Morais Forte
(PRL), denunciou os integralistas por tumultuar a cidade e provocar o incidente,
pois teriam comparecido ao desfile fortemente armados. Argumentava tratar-se de
de de Canela, que revela:
agitadores dirigidos por elementos es... falando a verdade, eu entrei na AIB
trangeiros, representando uma a m e a ç a na
por causa do nazismo. O integralismo
medida em que atacavam o governo, o
era da mesma ordem, a disciplina, as
Exército e as instituições republicanas, rio
m i l í c i a s , o corporativismo. E Hitler sal-
seu relato a Flores da Cunha, o prefeito
vou a Alemanha do caos. Hitler era ver-
revela que prendera mais de cinqüenta
dadeiramente um grande homem, mas
pessoas, porque "... a concentração aqui
eu preferia o Plínio. O Hitler era muito
realizada tinha por fim menosprezar as
violento. As i d é i a s do Plínio eram mui-
autoridades locais devido a uma repres-
to
O
são feita no interior do município num
integralismo queria justamente o patri-
núcleo integralista que estava atentando
superiores
otismo.
ao
nazismo.
6
contra a ordem". O chefe municipal da
5
Ao mesmo tempo, o visível crescimento
da AIB nas á r e a s coloniais chama a atenção das autoridades públicas que logo
desencadeiam uma onda de repressão ao
m o v i m e n t o . Flores da C u n h a , e n t ã o
interventor do estado e líder do partido
governista, o Partido Republicano Liberal
(PRL), n ã o p r e t e n d i a
renunciar
ao
AIB, o médico Metzler, confirma em parte
o objetivo da passeata. Ha sua versão,
pretendia-se prestar solidariedade pacífica aos integralistas da vila de liova
Petrópolis, pois estes teriam sofrido violência injustificada por parte das autoridades:
Devido ao incremento tomado pelas
enquadramento e ao rígido controle das
nossas i d é i a s , o prefeito do m u n i c í p i o
suas bases eleitorais nesta zona, cada vez
começou
mais indispensáveis na disputa política
integralistas de Mova P e t r ó p o l i s . Em vis-
a
perseguir
todos
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. j u l / d e z 1997
os
- pág.21
25. ta disso, a chefia provincial resolveu
lia perspectiva da acirrada c o m p e t i ç ã o
fazer um grande desfile no Cai para dar
pelo e s p a ç o político na zona colonial que
uma demonstração de apoio moral aos
se estabeleceu entre a AIB e o PRL, o caso
perseguidos.
7
de Nova Petrópolis revela-se interessan-
Apesar dos esforços do chefe nacional,
te. O subdistrito da cidade do Cai, uma
Plínio Salgado, para que fosse mantida no
pequena comunidade de imigração ale-
Rio Qrande do Sul a liberdade de expres-
mã voltada basicamente para a p r o d u ç ã o
são, o interventor Flores da Cunha decla-
rural, apresentava um elevado índice de
ra ser a AIB perniciosa à s e g u r a n ç a inter-
a d e s ã o ao integralismo. Dados oficiais do
na do estado. Proíbe, desta maneira, o uso
movimento contabilizavam 320 inscritos
da camisa-verde' (símbolo do movimen-
no subnúcleo local, resultado este obtido
to), as passeatas, os comícios e as mani-
pelos esforços do professor
festações em lugares públicos. Pela reso-
que propagava o integralismo enquanto
Straatman,
lução, as reuniões ficavam limitadas à s
ensinava p o r t u g u ê s aos agricultores.
sedes integralistas. Isto restringia a pro-
Como elemento a incentivar o interesse
paganda da AIB, que utilizava teatros e
pelo novo partido, estava o fato de os co-
cinemas para congregar o maior n ú m e r o
lonos visualizarem a possibilidade de
de pessoas. Sem a evolução das milícias
romper com a exigência das autoridades
organizadas, com seus tambores e hinos,
estaduais quanto ao voto compulsório no
tirava-se do integralismo o apelo visual,
partido situacionista, no caso, o PRL. Em
tão importante na divulgação da doutrina.
época de eleição garantia-se o voto do pe-
Plínlo S a l g a d o | c e n t r o | e Integralistas. P e t r ó p o l i s (RJ), m a r ç o d e 1935. Correio d a M a n h ã , A r q u i v o
Nacional.
p á g . 22 . J u l / d e z
1997
26. o
V
queno agricultor com práticas compensa-
com relato de Elisabeth K. Evers:
tórias ou repressivas. Após a votação, era
Quando alguém náo queria mais
oferecido o 'churrasco eleitoral', como des-
acompanhar, sua ficha e sua camisa-
creve Felipe Stahl, "quando a gente chega-
verde eram queimadas sob maldição.
va ao local de votação, recebia-se as cha-
Os que saíam eram evitados pelos
pas... Elas j á estavam prontas. Havia fis-
outros. Os integralistas não pagavam
cais mas tudo j á estava combinado. A gen-
imposto algum, nem contribuição
te votava e daí podia comer o churrasco".
8
para comunidade, nem taxas escola-
Caso fosse descoberta uma ação contrária,
res. Mas festas mais simples ou nos
as autoridades policiais n ã o tardavam a
cultos dominicais apareciam os cha-
desencadear a r e p r e s s ã o , como atesta o
mados camisas-verdes, fechados, em
depoimento de Irmgard Schuch:
uniformes, eles marchavam para den-
A urna ficava num canto fechado com um
tro e ficavam lá (...) notava-se clara-
pano, a pessoa ia lá (...) em cima do só-
mente como o partido aumentava em
táo fizeram um furo e o cara deitado ali
número aqui em nosso município e
com o olho no furo, ele olhava que chapa
estavam conscientes de sua força.
o cara botava no envelope, se botava a
chapa certa, ele saía, se o cara botava a
chapa errada, deixava cair um pouco de
farinha no chapéu ou na camisa, e aí
quando o cara chegava na rua e tinha farinha de trigo, ele entrava no laço.'
10
Para efeito de c o m p a r a ç ã o , observa-se
que este quadro conjuntural se manifesta em outra importante zona de imigração alemã, no estado de Santa Catarina.
Em relatórios enviados a Roma,
11
o en-
t ã o e m b a i x a d o r i t a l i a n o no B r a s i l ,
Tal estado de coisas, vigente na República
Roberto Cantalupo, descreve o "parti-
Velha, permaneceu como regra na década
cular desenvolvimento" do integralismo
de 1930. Com a chegada da AIB, ensaiou-
naquele estado, onde nas eleições de
se uma resistência, onde as 'chapas pron-
1935 o movimento teria vencido em oito
tas' eram discretamente trocadas pela cha-
municípios sobre 11, contando em suas
pa dos i n t e g r a l i s t a s . A e x i s t ê n c i a do
fileiras com maioria absoluta de descen-
integralismo, no entanto, estava longe de
dentes de a l e m ã e s . Segundo Cantalupo,
ser um consenso entre esta mesma popu-
vários eram os fatores que explicavam
lação seja pelo assim considerado caráter
esta rápida expansão, entre eles o de-
de f a n a t i s m o , seja p e l a a s s o c i a ç ã o
sejo desses militantes em implantar um
c o m o m o v i m e n t o nazista. Straatman
sistema social baseado na ordem, justi-
e r a a c u s a d o de o r g a n i z a r a m i l í c i a
ça e honestidade; o medo do comunis-
integralista nos moldes da força de cho-
mo que p o d e r i a fazer sua v i o l e n t a
que do nazismo a l e m ã o e de cultuar a
irrupção no país e a q u e s t ã o racial, onde
i m a g e m de Hitler. E, ainda, de acordo
"não seria uma q u e s t ã o de raça, mas an-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997
- pág.23
27. ,
A
C
E
tes uma q u e s t ã o de mentalidade com uma
movimentos e u r o p e u s . lio
natural simpatia pelos regimes fascista e
parecia uma s a l v a ç ã o . Hitler tinha pres-
nacional-socialista". Segundo sua análi-
t í g i o no mundo inteiro, n ó s aqui s e n t í -
se, os integrantes da AIB poderiam sem-
amos esta i n f l u ê n c i a . A c h á v a m o s
princípio
que
pre contar com o clero "que faz constan-
um regime que era bom para um p a í s
te e m e t ó d i c a obra de propaganda em
que j á contava com mil anos de exis-
favor do integralismo, protegendo os va-
t ê n c i a , t a m b é m seria bom aqui. Mas
lores da religião". For todas essas razões,
n ã o se pode falar em simbiose entre
a s e s s ã o catarinense da AIB representa-
integralismo e nazismo. Havia certas
ria "uma reserva moral" na influência dos
afinidades.
outros estados.
A ênfase étnica e a identificação com o
nazi-fascismo dada pelo embaixador confirma-se no depoimento dos militantes de
Santa Catarina. Segundo o secretário de
imprensa da AIB, Enrico Muller:
C
13
omo c a r a c t e r í s t i c a s c o m u n s
Ferreira da Silva aponta a tendência
anti-semita,
o
corporativismo, a representação classista,
a estrutura organizativa, o antiliberalismo,
a indumentária, a estrutura paramilitar e,
Havia em Blumenau certa t e n d ê n c i a de
principalmente, afirma que "o nazismo e
aceitar o integralismo pela semelhan-
o integralismo eram espiritualistas".
ç a com o nazismo. Quando um c i d a d ã o
descende de uma outra r a ç a , de um
outro pais, ele, se é uma pessoa de
acordo, de exata c o n s c i ê n c i a , tem simpatia (...) a maioria tinha simpatia pela
Alemanha, pelo Hitler, era natural."
um movimento singular e a u t ô n o m o j á
que a doutrina integralista seria "... puramente brasileira, com origens na nossa história, adaptada ao povo brasileiro,
lião era um movimento estrangeiro, n ó s
p r e g á v a m o s justamente a integração, ens i n á v a m o s aos o p e r á r i o s e aos colonos o
hino nacional". As mesmas c o n c e p ç õ e s
aparecem no depoimento de J o s é Ferreira
da Silva, e n t ã o secretário de Educação e
Cultura da AIB em Blumenau:
p á g . 2 4 . Jul/dez
1997
foco de análise para as zonas de colonização italiana do Rio Qrande do Sul, é
possível, mais uma vez, constatar uma coincidência de valores quanto à s motivações de a d e s ã o à AIB. Em relação ao ca-
Todavia, t a m b é m para Muller, a AIB era
O clima aqui era de simpatia com
Deixando Santa Catarina e dirigindo o
ráter de participação política alternativa
oferecido pelo integralismo, um artigo do
militante Luís Compagnoni, publicado em
fevereiro de 1935 no jornal do movimento, O Bandeirante, em Caxias do Sul, revela o desagrado com a onipotência dos
partidos tradicionais. Estes s ó se interessariam em quantificar votos em é p o c a s
eleitorais, menosprezando os problemas
da comunidade a p ó s a vitória nas urnas.
A AIB, inversamente, permitiria a representação direta das demandas locais. Isto
os
porque a organização interna e os assun-
28. V
o
tos prioritários para o movimento depen-
dos. O integralismo poderia ter feito o
deriam, antes, do consenso e da partici-
mesmo pelo Brasil, tirar o povo da mi-
pação de todos os seus membros e n ã o
s é r i a , dar trabalho para todo mundo,
apenas de a l g u n s poucos l í d e r e s . O
naquela é p o c a o fascismo e o nazismo
integralismo, por fim, representaria a
estavam em grande ê x i t o no mundo, por
t r a n s c e n d ê n c i a da simples politicagem
isso n ã o havia argumento contra n ó s .
regional:
nossos a d v e r s á r i o s eram obrigados a
ver isto.
n ó s representamos
15
muito mais que a
i m p l a n t a ç ã o de um regime p o l í t i c o . Um
O processo de organização oficial da Ação
camisa-verde que passa é uma consci-
Integralista na área de imigração italiana
ê n c i a reta e pura que serve de conde-
efetuou-se a partir da principal cidade da
n a ç ã o à imoralidade, à c o r r u p ç ã o . O
região — Caxias do Sul, propagando-se
povo v ê em n ó s o restabelecimento do
rapidamente pela zona rural. Essa área
e q u i l í b r i o e da harmonia na vida mo-
concentrou o maior n ú m e r o de adeptos
ral, e c o n ô m i c a e cultural. O povo sabe
no estado e foi a base do movimento po-
que n ã o estamos neste movimento para
lítico de oposição por excelência devido,
obter vantagem material (...) no atual
entre outras coisas, à ausência de outro
regime n i n g u é m deposita c o n f i a n ç a _e
partido o p o s i c i o n i s t a c o m r e p r e s e n -
dos homens que dele fazem parte pou-
tatividade. A grande e x p a n s ã o
cos se salvam. É a n ó s , exclusivamente
integralismo entre os pequenos produto-
do
a n ó s , que cabe a tarefa de expurgar,
res rurais dependeu n ã o somente de uma
de varrer, de demolir, de construir, de
atitude centrípeta maior em relação à cul-
aprovar e de desaprovar."
tura originária italiana, mas t a m b é m da
Da mesma forma, a aproximação entre
integralismo e fascismo justifica-se pelas
conquistas j á empreendidas pelos movi-
influência decisiva do clero católico, em
particular
da
Congregação
dos
Capuchinhos.
mentos europeus. Segundo o depoimen-
O assentamento dos colonos italianos no
to de um ativo militante local, Oswaldino
Sul
Ártico:
direcionado à encosta superior do nordes-
do p a í s ,
iniciado
em
1875 e
O integralismo é parecido com o fas-
te, área de difícil acesso e coberta de in-
cismo. Aqui todo mundo achava, as idéi-
tensa vegetação, bem como o descaso das
as, o uniforme, a o r g a n i z a ç ã o do movi-
autoridades governamentais concorreram
mento. Mussolini fez muita coisa pela
para confinar os imigrantes a um quase
Itália, tornou o p a í s moderno, tirou da
total isolamento, condição esta reforçada
m i s é r i a o povo italiano, antes eles ti-
pela heterogeneidade do grupo. Vindos de
nham que sair do p a í s , ir embora; de-
diferentes regiões da Itália, com costu-
pois tinha trabalho e riqueza para to-
mes e dialetos próprios, os colonos nem
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, Jul/dez 1997 - p á g . 2 5
29. A
C
E
mesmo associavam-se entre si com faci-
leitores era muito maior. Os que sabi-
lidade. Assim, foi a religião comum, o
am ler, liam para os que n ã o sabiam
catolicismo, que acabou desempenhando
ou contavam as n o t í c i a s . O jornal era
o elo preponderante na interação socio-
d i s t r i b u í d o a t é por o c a s i ã o da missa do-
cultural. Tal papel, obviamente, conferiu
minical, era levado a t é a igreja.
à Igreja um poder ainda maior de persua s ã o sobre seus fiéis. O desenvolvimento
da região colonial, com a abertura de estradas e o crescimento da indústria e do
comércio, fez com que esta influência d i m i n u í s s e consideravelmente o fluxo de
novos contatos culturais nos centros urbanos, lia área rural, no entanto, a instituição m a n t é m a sua importância originária, sendo os freis capuchinhos os mais
atuantes. Além de manter núcleos de inst r u ç ã o religiosa, voltados basicamente
18
Influenciados pela a d e s ã o manifesta do
clero da Itália ao regime de Mussolini, os
capuchinhos não s ó acolheram este sistema político, como associaram-no ao
integralismo, o qual representava, para os
freis da Ordem, o fascismo brasileiro. A
AIB pretenderia defender os mesmos princípios, ou seja, lutar pela grandeza da
pátria e da família, e estruturar-se de
acordo com as leis de Deus. Em janeiro
de 1934, o Stafetta apresenta o novo movimento:
para os filhos dos pequenos agricultores,
a Ordem possuía um destacado ó r g ã o de
A A ç ã o Integralista Brasileira tem suas
imprensa,
primeiras
o
Riograndense,
periódico
Stafetta
publicado em italiano. O
j o r n a l , s e g u n d o d e p o i m e n t o de frei
m a n i f e s t a ç õ e s no estado,
com a r e a l i z a ç ã o de um primeiro encontro
em
Porto
Alegre
(...)
o
integralismo é fascismo, mas um fas-
Alberto,
cismo com c a r á t e r nacional. O progra(...)
era
o p o r t a - v o z da c o l ô n i a . O
jornal va-
lia mais do que um co-
mício.
liavia naquela é p o c a
entre
ma do partido n á o apenas d á um lugar
de honra à r e l i g i ã o , mas é nela que se
inspira.
17
15 mil a 20 mil assinaturas, mas o n ú mero
de
Pelo testemunho de Carlos Fabris, podese observar que os pequenos produtores
rurais endossaram.
-jil-jil
Porto A l e g r e em a g o s t o d e 1 9 3 5 . Correio d a M a n h a , A r q u i v o N a c i o n a l .
p á g . 2 6 . Jul/dez
1997
30. V
R
andava de camisa
gação daquela ideologia. Ma visão da Igre-
preta, pregava no meu povoado em
ja, o comunismo avançava sem t r é g u a s e
Conceição.
o
para destruí-lo não bastava reprimir as
integralismo e n ó s p e n s á v a m o s que era
suas manifestações. Era preciso eliminar
a
o
quaquer foco que pudesse favorecê-lo,
integralismo, nosso, brasileiro e n t ã o ,
como a injustiça social e econômica. As
Eu era fascista (...)
mesma
Mas,
coisa
então
e
com o Plínio Salgado.
veio
fomos
para
disposições gerais do integralismo eram
18
Ou ainda, a associação entre os dois movimentos é evidenciada no relato de frei
Veronese:
apontadas como a grande e s p e r a n ç a de
transformação nacional. Tratava-se de um
movimento que obedeceria o ideal da verdade, da liberdade, da disciplina e do
A AIB foi muito aceita na zona italiana,
nacionalismo. Num mundo subordinado
com
facilidade o c o l o n o recebeu o
aos problemas de ordem material, onde
integralismo, pois havia o exemplo do
as correntes políticas agiam à luz de pro-
fascismo italiano. Mussolini, enquanto
blemas imediatistas e os princípios mo-
n ã o desbordou de seu sentido, tinha
rais eram relegados a segundo plano, os
belas i d é i a s , fez muito pela Itália, de-
postulados cristãos integralistas poderi-
senvolveu a agricultura, o trigo. Depois
am reconduzir a humanidade a seus al-
desbordou... Havia muita simpatia por
tos destinos, afastando-a, portanto, do
Mussolini na zona italiana.
19
O apoio dado ao integralismo pela Ordem
dos Capuchinhos e, de resto, por membros de todo o clero brasileiro deveu-se
não s ó à simpatia com o fascismo italiano, mas t a m b é m a uma convergência de
idéias. A análise da realidade brasileira e
das possíveis s o l u ç õ e s aos problemas
nacionais eram semelhantes. Da mesma
forma que a AIB, a Igreja católica considerava serem responsáveis pela situação
crítica do país o enfraquecimento do princípio de autoridade, a carência de leis
constitucionais, a fraqueza da hierarquia
ateísmo comunista. Combater as mazelas sociais, nessa perspectiva, significava
t a m b é m incentivar a população a exercer
seu poder de voto:
O lugar dos c a t ó l i c o s e de todos os brasileiros que ainda amam a integridade
da pátria é na batalha das urnas em
defesa da nossa t r a d i ç ã o . . . A r e l i g i ã o
n ã o impede nem i m p õ e a a d e s ã o
dos
c a t ó l i c o s ao integralismo (...) mas pode
ser de grande alcance ao futuro do Brasil que ingressem no movimento
os
c a t ó l i c o s leigos que tenham v o c a ç ã o
política.
20
e da ordem e a infiltração comunista. Sobretudo esse último fator, o suposto pe-
Aos que acusassem os r e l i g i o s o s de
rigo iminente do comunismo, alterava a
extrapolar suas funções ao imiscuir-se em
classe sacerdotal. Medidas urgentes de-
atividades políticas, os freis capuchinhos
veriam ser tomadas para evitar a propa-
alegavam que o estágio a que chegara o
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 17-36, j u l / d e z 1997
- pág.27
31. C
A
E
fascismo italiano fora alcançado principal-
capuchinhos na zona rural. Quando os
mente com a ajuda do clero. Este traba-
integralistas da sede chegavam para alar-
lhara junto ao povo, incentivando-o a
dear a nova causa, encontravam invaria-
melhorar seu sistema de cultura, instru-
velmente grupos de pessoas predispos-
indo-o e dando o exemplo direto. O go-
tas à conversão imediata. Tratava-se, en-
verno nacional deveria, portanto, seguir
tão, de oficializar o trabalho de divulga-
o exemplo e aproveitar a válida coopera-
ção feito pelo clero. Referindo-se a essa
ção dos padres. Por fim, o integralismo
fase, o integralista cidadino Oswaldino
encampava uma defesa cara à Igreja ca-
Ártico comenta:
tólica, a defesa do sistema corporativo, o
N ó s p a s s á v a m o s os domingos envolvi-
qual era considerado o modo ideal de
dos com isto. í a m o s todos depois da
organização política. As corporações esmissa falar e distribuir folhetos. D e i x á -
tabeleceriam a paz e a justiça, diminuinvamos l i d e r a n ç a s locais encarregadas
do os conflitos entre p a t r õ e s e empregade organizar o movimento. í a m o s
em
dos; objetivando a composição orgânica
dois ou t r ê s c a m i n h õ e s cheios de 'ca-
da sociedade, eliminariam as lutas de
misas-verdes'. Era um movimento ca-
classe. Frente a tal c o m u n h ã o de interest ó l i c o e aqui é r a m o s todos c a t ó l i c o s . A
ses, a AIB aparecia como uma alternativa
Igreja nos recebia muito bem,
éramos
viável na resolução dos impasses nacioum b a t a l h ã o de frente da Igreja. As i d é i -
nais, como demonstra o depoimento de
as nos empolgavam, a linguagem era
frei Alberto:
diferente, falava-se em modernidade,
Quando surgiu o integralismo houve
civismo... Em Garibaldi, o movimento
grande receptividade... no clero secu-
não
lar
ao
Compagnoni fomos lá fazer propagan-
integralismo, devido ao lema 'Deus,
da, depois da missa d i s t r i b u í m o s folhe-
Pátria e F a m í l i a ' . A t r a v é s do
tos.
a
maioria
era
simpática
Stafetta
e n d o s s á v a m o s com grande e s p e r a n ç a
estava
organizado,
eu
e
o
Mas j á estavam todos esperando
por n ó s , pelo movimento.
22
as i d é i a s do integralismo, pois acredit á v a m o s que seriam capazes de endireitar o Brasil, e n t ã o em crise. Isto n ã o
era s ó exprimido em palavras, havia
t a m b é m um certo ar de ufanismo. Havia a c o n v i c ç ã o , aqui no Rio Grande do
Sul, de que o integralismo iria triunfar.
21
A relação estabelecida entre o fascismo
italiano e o 'fascismo nacional' ajudou o
integralismo na canalização das hostilidades latentes destes colonos a muitas d é cadas de descaso das autoridades municipais e estaduais. A AIB aparecia como o
movimento político que lhes proporcio-
lieste quadro favorável, os 'camisas-ver-
n a r i a m e l h o r e s c o n d i ç õ e s de
des' da cidade empenhavam-se em refor-
ensejando, para tanto, a participação nas
çar
atividades partidárias da região. Os colo-
a
propaganda
p á g . 28 . J u l / d e z
1997
já
feita
pelos
vida,
32. o
V
nos acreditavam ter encontrado na AIB
AIB, a doutrina e o sentido político do
uma forma de manifestação de seus di-
novo movimento eram objeto de anima-
reitos frente aos partidos tradicionais.
do debate. Tais líderes, em geral empre-
Com dificuldades nas técnicas de plantio,
gados especializados do comércio e da in-
problemas de escoamento da produção
dústria, acreditavam que o integralismo
conjugados com os baixos preços dos pro-
prosseguia os ideais da Revolução de
dutos agrícolas, os pequenos agriculto-
1930, dando ao episódio o seu verdadei-
res desconfiavam da assim denominada
ro significado. Decepcionados com os ru-
'política dos brasileiros' que pouco con-
mos da política nacional na conjuntura do
tribuía para a solução de seus problemas.
pós-1930, classificavam uma outra revo-
A d e s a t e n ç á o e a r e p r e s s ã o por parte das
lução, a Constitucionalista de 1932, como
autoridades governamentais diminuíra o
o momento revelador da c a r ê n c i a de
interesse político dos colonos. Sem fide-
substrato ideológico das elites dirigentes
lidades partidárias enraizadas e mesmo
do país. Essas visualizariam na prática
avessos aos partidos regionais, constitu-
partidária apenas a o b t e n ç ã o de vanta-
íam-se num público em disponibilidade
gens e proveitos pessoais. Em meio a
política, lias palavras de frei Dionísio
busca de alguma manifestação política
Veronese:
que lhes atraísse, haviam, inclusive, flertado com o comunismo, julgado pelo gru-
lio interior, na zona rural, n ã o havia
po, em última análise, como por demais
partido. O colono n ã o se ligava a ne-
violento e materialista. J á as c o n c e p ç õ e s
nhum partido. Mão tinha interesse na
e os partidos liberais apareciam como 'an-
p o l í t i c a do p a í s . Sua vida era cuidar da
tigos', 'ultrapassados', destituídos de va-
família, do trabalho. Para eles a políti-
lor com seus 'políticos profissionais'. Sen-
ca era c o n f u s ã o , n ã o queriam se meter
do esses últimos responsáveis por todas
em c o n f u s ã o . O pouco contato que ti-
as mazelas e entraves nacionais, n ã o
nham com a política nacional s ó decep-
mereceriam confiança. Ao invés disso, o
cionava os colonos. O fato era que o
integralismo, conhecido através dos jor-
colono sentia-se muito prejudicado pela
nais, expressaria uma 'mudança de men-
falta de c o n d i ç õ e s , de transportes, de
talidade', um 'partido dotado de unidade
conhecimentos. As melhorias n ã o che-
de idéias' e, acima de tudo, o primeiro
gavam na c o l ô n i a . A política partidária
partido que surgia no mundo fundamen-
em nada adiantava para o colono, fo-
tado numa 'filosofia espiritualista'. Em
ram muito mal tratados. Se tinham que
contraposição ao agnosticismo comunis-
votar, votavam e pronto. Havia muita
ta, defendia a crença em Deus. Da mes-
r e p r e s s ã o , perseguiam e matavam."
ma forma, o grupo era receptivo quanto
Por sua vez, entre o pequeno grupo urbano responsável pela organização local da
à identificação entre a AIB e os movimentos europeus.
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez
1997 - p á g . 2 9
33. C
A
E
Para Arthur Rech, militante do grupo, as
eleições municipais de 1935. Como ban-
ligações entre o integralismo e o fascis-
deira eleitoral, a moralidade e o controle
mo eram evidentes e positivas, pois mos-
dos gastos públicos: combatiam o aumen-
travam a universalidade de uma idéia, de
to de impostos, a criação de novas tribu-
uma doutrina que deveria vingar no mundo:
tações e a proliferação de funcionários;
Mesmo sendo os movimentos da mesma ordem, n ã o q u e r í a m o s uma identif i c a ç ã o direta, nossa m i s s ã o era com o
Brasil. O verde simbolizava a terra brasileira.
Queríamos
ser
pessoas
marcadas na sociedade pelo exemplo:
virtude, religiosidade, disciplina, amor
pelo trabalho, isto o integralismo pregava. Q u e r í a m o s tudo nativo, é r a m o s
brasileiros e n ã o italianos. Os imigrantes passaram a aderir à camisa-verde,
deixaram de usar a camisa-parda. O
nosso movimento era melhor, era mais
democrático."
defendiam a n ã o sobrecarga de impostos
aos colonos agricultores e a política do
equilíbrio orçamentário, com a compress ã o de todos os gastos. Para um partido
que havia se organizado em apenas um
ano na região, os resultados do pleito
eleitoral foram extremamentes favoráveis,
sendo os melhores que o partido obteve
no estado. A AIB elegeu em Caxias do Sul
três vereadores, Arthur Rech (representante comercial), Humberto Bassanesi
(empregado do comércio) e Emílio Pezzi
(comerciante), contra quatro vereadores
do partido situacionista, o PRL, equiparando praticamente o público de eleito-
O ponto focai de interesse do grupo re-
res. Ha votação geral, os vereadores do
pousava antes no que era percebido como
PRL receberam 1.470 votos enquanto os
um apurado sentido nacionalista da AIB,
vereadores da AIB obtiveram 1.218.
preocupada com assuntos de toda a na-
A partir desse resultado e da atuação sem-
ção e concebendo a idéia de partido na-
pre
cional', longe, portanto, das a m b i ç õ e s
integralistas na c â m a r a municipal, a hos-
restritivas e dos imediatismos dos parti-
tilidade do partido governista, a t é e n t ã o
dos regionais. O comunismo, mais uma
relativamente contida em função da pre-
vez, ia de encontro a esses princípios,
sença do clero nas fileiras da AIB, tornou-
mostrando-se 'internacionalista'. Assim,
se ostensiva. As rivalidades latentes tor-
dentro do quadro político da época, a AIB
naram-se explícitas e o movimento
teria se mostrado ao grupo como a op-
integralista passou a ser alvo de ataques
ção mais promissora.
constantes que visavam d e s a c r e d i t á - l o ,
entusiasmados com a numerosa a d e s ã o
pondo em dúvida suas atitudes e seu ca-
ao movimento na zona rural, com o apoio
ráter. O PRL procurava identificar a AIB
de uma parcela do clero e com a sempre
ao comunismo, explicando que, em am-
crescente inserção na própria zona urba-
bos os movimentos, o governo deixava de
na, os integralistas articulam-se para as
ser uma e x p r e s s ã o da vontade da maio-
p á g . 3 0 . jul/dez
1997
contrastante
dos
25
vereadores
34. O
V
R
ria. Passava, antes, a representar apenas
os interesses de uma oligarquia, que impunha o seu poder através da violência e
da força. Da mesma forma, a AIB é acusada de servir aos propósitos do fascismo italiano, preparando as condições à
infiltração
e s t r a n g e i r a no p a í s .
Os
integralistas seriam apenas versões mal
acabadas dos fascistas europeus, conduzidos por um mitomaníaco disfarçado de
salvador: Plínio Salgado, lia verdade, denunciavam, a AIB teria se afirmado com-
da ingenuidade do clero:
A Igreja aconselha a i m p l a n t a ç ã o
integralismo no Brasil. Que
a
palavra
Deus
na
do
significará
prática
integralismo o dia em que ele
do
estiver
no poder? Por ventura, Mussolini j á n á o
ameaçou
a
Igreja?
Os
regimes
m i n o r i t á r i o s jamais p o d e r ã o
tolerar
uma Igreja prestigiosa e popular, lia democracia nada tem a Igreja a temer. A
legenda integralista 'Deus, Pátria e Família' é mais um e n g o d o .
28
batendo os operários, os negros, os j u deus, a democracia, a liberdade e a inte-
Em editorial, O Momento aponta quais
ligência. Era, portanto, um movimento
seriam
perigoso, destituído de respeitabilidade e
integralismo. De acordo com sua visão,
motivado por intenções escusas. Parecia,
muitas pessoas eram atraídas ingenua-
assim, i n c o m p r e e n s í v e l o apoio que a
mente em função da novidade política, da
Igreja oferecia à AIB. O jornal oficial do
oportunidade de aparecer, da falácia dos
PRL colocava nesses termos a considera-
postulados morais. Porém, as lideranças
as
razões
E x p o s i ç ã o anti-Integralista n o Teatro M u n i c i p a l . Rio de Janeiro, o u t u b r o d e 1957.
Arquivo
de
adesão
ao
Correio da M a n h ã ,
Nacional.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10.
n ° 2, pp.
17-36. Jul/dez 1997
- pág.31
35. C
A
E
que difundiram o movimento na região
cidamente I n ú t e i s , nada mais justo e
seriam indivíduos condenados ao ostra-
natural que sua e x t i n ç ã o . *
cismo por evidente falta de qualidade
política e moral. Segundo esse raciocínio,
o jornal sentenciava com veemência os
dirigentes do integralismo local, mas tentava eximir a massa de seus adeptos, os
quais não passariam de "inocentes úteis".
2
nessa lógica, os membros da AIB negavam que sua organização fosse um partido político. Apenas se inscrevera como tal
a fim de propagar legalmente suas idéias. A política ocupava somente uma seção do movimento, agora extinta. A AIB
Em meio as a g r e s s õ e s constantes, os
passava a ser, no novo sistema, uma as-
integralistas tentam relativizar seus an-
sociação de estudos, de e d u c a ç ã o moral
tagonistas, argumentando que perturba-
e esportiva. Por sua vez, o PRL conside-
vam estes velhos políticos por não parti-
rou a dissolução dos partidos políticos
ciparem na "falsa vida política do país e
uma prova cabal do espírito d e m o c r á t i c o
lutarem para reerguer a nação do caos
do governo Vargas. O fim do integralismo
provocado pelo regime liberal":
como partido foi comemorado como uma
O alarme na família liberal é grande.
medida ímpar. Os i n ú m e r o s incidentes
Todos os meios de defesa e s t ã o sendo
entre o governo federal e a AIB a p ó s a
mobilizados. Os jornais da terra atacam
d e c r e t a ç ã o do Estado Movo renovaram as
os ' p e r i g o s í s s i m o s '
a c u s a ç õ e s ao integralismo na região:
camisas-verdes,
nunca pusemos em d ú v i d a estes políticos, apenas negamos a e f i c i ê n c i a
de-
les em meio aos partidos p o l í t i c o s que
dividem e semeiam o ó d i o .
Prossegue por todo o p a í s a campanha
que o governo desenvolveu contra
os
adeptos do 'pano verde'. Precisamos
2 7
olhar com firmeza ao redor,
verificar
Às animosidades generalizadas das forças
bem de perto quem eram os adeptos
políticas dominantes na região agregou-
de ontem e os inimigos de hoje; mais
se o advento do Estado Movo em novem-
cuidado deve ter o governo, debaixo de
bro de 1937. Porém, tanto a AIB quanto o
d e m o n s t r a ç õ e s h i p ó c r i t a s pode estar
PRL locais apoiaram, no início, o novo re-
escondido aquele que mais tarde po-
gime. Para os integralistas, o fim das prá-
deria ser o portador do punhal homici-
ticas político-partidárias no país viera ao
da contra o povo que n ã o quer o regi-
encontro de seus princípios:
me estrangeiro e contra o governo que
Os homens de partido n ã o trepidavam
se inicia e que trabalha.
29
em p ô r em e x e c u ç ã o os meios violen-
Concomitante aos acontecimentos do
tos, sacudindo o p a í s , de tempos em
p a í s , a d e s a r t i c u l a ç ã o d e f i n i t i v a do
tempos, com movimentos armados que
integralismo na zona colonial italiana su-
pertubavam o ritmo normal da vida da
cedeu-se com o fracasso do golpe de maio
n a ç ã o (...) se os partidos eram reconhe-
de 1938, ocasião em que as lideranças da
p á g . 32 . J u l / d e z
1997
36. o
V
AIB rebelaram-se contra o governo fede-
determinadas regiões do país onde esta
ral na expectativa de tomar o poder. No
fase de transição mostrou-se mais agu-
planejamento nacional do golpe, alguns
da, a receptividade à AIB foi, em geral,
integralistas desta área de imigração fo-
mais intensa dado o seu caráter de movi-
ram convocados ao Rio de Janeiro a fim
mento político tido como alternativo ao
de receber instruções. Segundo depoi-
status
mento de Oswaldino Ártico:
postas doutrinárias consideradas radical-
quo
vigente. Suas práticas e pro-
Em Caxias, ficamos reunidos esperan-
mente novas forneceram um projeto po-
do o sinal da rádio Mairink Veiga para
lítico a u t ô n o m o para segmentos sociais
c o m e ç a r m o s a r e v o l u ç ã o . Iniciava no
emergentes que se identificaram com este
Rio. O sinal n ã o foi feito. N ó s n ã o t í n h a -
tipo de apelo. Essa realidade, presente ém
mos armas. Nada organizado. Na hora,
maior ou menor grau nas á r e a s onde a
í a m o s pensar no que fazer, mas nada
AIB encontrou aceitação, não pôde impe-
aconteceu. Eicou por isto mesmo e o
dir o reconhecimento das particularida-
movimento integralista terminou para
des locais que diferenciaram e enrique-
sempre.
ceram
30
a
análise
da
natureza
do
O integralismo representou ao longo de
integralismo. Qual seja, no caso das zo-
sua existência legal (1932-1938) a mani-
nas de imigração alemã e italiana, pare-
festação de uma sociedade mais comple-
ce evidente a importância da q u e s t ã o ét-
xa engendrada com as t r a n s f o r m a ç õ e s
nico-cultural sobredeterminando as mo-
sociopolíticas e econômicas ocorridas ao
tivações de a d e s ã o ao novo movimento
longo das d é c a d a s de 1920 e 1930. Em
brasileiro.
N
1.
O
T
A
S
O integralismo tem sido nas ú l t i m a s d é c a d a s objeto de interesse em uma perspectiva nacional
e, mais recentemente, em a n á l i s e s comparativas com os movimentos fascistas europeus. Ver
entre outros: tlelgio Trindade, Integralismo: o fascismo brasileiro na d é c a d a de 30, 2 ed., S ã o
Paulo, Difel, 1977; J o s é Chasin, O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no
capitalismo hipertardio, S á o Paulo, Editora C i ê n c i a s Humanas, 1978; Ricardo Benzaquen de
Araújo, A cor da e s p e r a n ç a : totalitarismo e r e v o l u ç ã o no integralismo de Plínio Salgado, Rio de
Janeiro, CPDOC/PGV, 1984; Elmer Broxson, Plínio Salgado and brazilian integralism (1932-1938).
a
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 17-36, Jul/dez
1997
- pág.33
37. C
E
Washington. The Catholic University of America, 1972; Juan Linz, "O integralismo e o fascismo
internacional". Porto Alegre, Revista IFCtl. J.1976; Walter Laqueur (ed.), Tasc/smo: a reader's
guide, University of Califórnia Press, 1976; Pierre Milza, Les fascisme. Paris, Impremerie
Nationale, 1985; Stanley Payne, El fascimo, Madrid, Alianza Editorial, 1982.
2. Sobre a formação histórica do Rio Qrande do Sul ver: Joseph Love. O regionalismo
gaúcho,
São Paulo, Perspectiva, 1975; Paul Singer, Desenvolvimento econômico
e evolução
urbana, 2
ed., São Paulo, Companhia nacional Editora, 1977; Helga Piccolo, "A política rio-grandense no
Império", em J. Dacanal e S. Gonzaga, Rio Qrande do sul: economia e política. Porto Alegre,
Ed. Mercado Aberto, 1979; Sandra Pesavento, Rio Qrande do Sul: economia e poder nos anos
30, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1980.
a
3. Jean Roche, A colonização
alemã
e o Rio Qrande do Sul,
vol. II, Porto Alegre, Ed. Qlobo, 1969.
4.
Entrevista de Alcides Arendt (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPEROS/COnsUL/Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
5.
Entrevista de Maximiliano Hahan (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
6. Telegrama de Morais Forte a Flores da Cunha, publicado no jornal
gre, (26/2/1935).
7.
Entrevista de Metzler ao jornal
8.
Relato de Felipe Stahl. Contribuição
para
nova Petrópolis. EDUCS. 1985. p. 245.
9.
Correio do Povo.
Porto Ale-
Relato de Irmgard Schuch, ibidem, p. 249.
Correio do Povo,
a história
Porto Alegre, (26/2/1935).
de Mova Petrópolis,
Prefeitura Municipal de
10. Relato de Elizabeth K. Evers, ibidem, p. 256.
11. Telespresso n° 2.085/656 (Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1936) e Telespresso n° 235.417
(Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1936), Arquivo Histórico do Ministério de Relações Exteriores-Roma.
12. Entrevista de Enrico Muller (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, NUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
13. Entrevista de José Ferreira da Silva (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COMSUL/
Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Integralista de Blumenau, o diretor da Biblioteca
Pública, Ferreira da Silva, era luso por descendência paterna e alemão pela linha materna.
14. "Os homens somos nós" de Luís Compagnoni, publicado no jornal O Bandeirante, (10/2/1935).
15. Entrevista de Oswaldino Ártico, concedida em 1991.
16. Entrevista de frei Alberto Stawiski, concedida em 1991. De origem polonesa, formou-se no
curso de Filosofia e Teologia da cidade de Qaribaldi em 1925.
17.
Stafetta Riograndense,
Caxias do Sul, (12/9/1934).
18. Entrevista de Carlos Fabris (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Fabris tornou-se chefe do integralismo no distrito de Conceição, interior de Caxias do Sul.
19. Entrevista de frei Dionísio Veronese, concedida em 1991. Para o frei capuchinho: "Os líderes
do integralismo estavam nas cidades, mas a penetração do integralismo era principalmente
nas colônias, no interior. Eram agricultores, os colonos que entravam para o integralismo".
Oswaldino Ártico, por sua vez, observa: "A gente aqui em Caxias dirigia o integralismo, mas
nas colônias, nestes vilarejos, havia muitos integralistas. Os colonos eram todos integralistas
por causa da Igreja".
20. Jornal Stafetta Riograndense, (21/3/1934). Segundo a reportagem *(...) diversos países europeus sofreram uma profunda revolução política transformando-se em estados corporativos,
como a Itália, a Alemanha. O movimento deveria ampliar-se (...) a AIB que vem surgindo defende o sistema corporativo".
21. Entrevista de frei Alberto Stawiski.
22. Entrevista de Oswaldino Ártico.
23. Entrevista de frei Dionísio Veronese.
24. Entrevista de Arthur Rech (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, MUPERQS/COnSUL/Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
p á g . 3 4 . Jul/dez
1997
38. O
V
R
25. Jornal O Momento, Caxias do Sul. (5/12/1935).
26. Jornal O Momento, Caxias do Sul, (9/8/1936).
27. Jornal O Bandeirante, (31/7/1936), p u b l i c a ç ã o oficial do integralismo na r e g i ã o colonial italiana.
28. Jornal O Bandeirante.
(18/11/1937).
29. Jornal O Momento, (6/12/1937).
30. Entrevista de Oswaldino Ártico.
B
I
B
L
I
O
G
R
A
F
I
A
1. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Bibliografias): Arthur Rech;
Humberto Bassanesi; Emílio Germano Pezzi.
2. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Periódicos e Documentos).
3. Anais da Câmara Municipal de Caxias do Sul: 1935, 1936, 1937.
4. Arquivo AIB/Helgio Trindade. riUPERQS/COHSUL/Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
5. Arquivo Flores da Cunha. MUPERQS/COHSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do
Sul.
6. Arquivo de Pesquisa Histórica do Departamento de História da Universidade de Caxias
do Sul.
7. Jornais regionais integralistas: A Luta (Porto Alegre), A Revolução
(Porto Alegre), O
Integralista (Porto Alegre), O Bandeirante (Caxias do Sul).
8. Jornais regionais: O Momento (Caxias do Sul), // O/orna/e delVAgrlcoltore (Caxias do
Sul), Stafetta Riograndense (Caxias do Sul), Correio do Povo (Porto Alegre), Diário de
notícias
(Porto Alegre).
9. Boletins informativos: Cinqüentenário
delia Colonlzzazlone
dei Sud, Porto Alegre, Qlobo, 1925; Documentário Histórico
do Sul, 1875-1950,
Italiana nel Rio Qrande
do Município
Sáo Leopoldo, Artegráflca, 1950; De Província
de Caxias
de São Pedro a
Estado do Rio Qrande do Sul, censos do Rio Qrande do Sul, 1803-1950.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, J u l / d e i
1897 - p á g . 3 5
39. A
B
^
T
R
A
C
T
The essay describes the setting of the Brazilian Integralist Action (AIB) of Plínio Salgado wlthin the
social and political context of Rio Qrande do Sul in the 1930s. The analysis places the í n t e g r a l l s m
in the same category as the fascists movements. Thus, the subject is focused on the problems
encountered by the movement during its regional expansion process, considering the particularities
of that moment in history.
R
É
S
U
M
É
Lessai entend d é c r i r e la mise en place de 1'Action I n t é g r a l i s t e B r é s i i i e n n e (AIB) de Plínio Salgado,
dans le contexte social et politique de 1'état du Rio Qrande do Sul pendant la d é c a d e de 1930.
Lanalyse situe 1'intégralisme dans la c a t é g o r i e des mouvements fascistes. Par rapport à cette i d é e ,
le sujet est centre dans les vicissitudes qui connait le mouvement au cours de son processus
dexpansion r é g i o n a l e , en fonction des p a r t i c u l a r i t é s de ce moment historique.
40. Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
Geógrafa do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do
làa - S P
(1876/1930)
A
paulista, até e n t ã o essencialmen-
nalisar o universo do
2
trabalho imigrante,
te rural.
na cidade de Itu, de
A expulsão desses imigrantes
uma forma mais ampla, no pe-
de seus p a í s e s de origem,
notadamente da Itália, foi
ríodo de 1876 a 1930, é uma
tarefa extremamente exaustiva, cuja di-
causada pela e x p a n s ã o do capitalismo
m e n s ã o extrapola a abrangência de um
a p ó s 1850 e c o n s e q ü e n t e divisão inter-
artigo. Porém, a pesquisa realizada a par-
nacional do trabalho. O fato de eles n ã o
tir das fontes p r i m á r i a s resgatou dados
se
essenciais para a análise das diferentes
proletarização em sua terra natal esti-
categorias de trabalho, da composição da
mulou a emigração para o Brasil, rece-
1
submeterem
ao
processo
de
3
população imigrante por nacionalidade e
bendo esse movimento pleno apoio go-
de alguns aspectos de sua trajetória ao
vernamental, tanto no país receptor como
c h e g a r ao B r a s i l . O corte t e m p o r a l
no expulsor. Em 1871, sancionava-se
corresponde à fase de transição da m ã o -
uma lei em que o governo brasileiro era
de-obra escrava para a mão-de-obra l i -
autorizado a emitir apólices de a t é seis-
vre, m o m e n t o em que as correntes
centos contos, visando o pagamento de
imigratórias tornaram-se mais expressi-
passagens de imigrantes, dando-se pre-
vas, povoando grande parte do interior
ferência aos do norte europeu. Messe
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. X0. n ° 2. pp. 37-52, J u l / d e i 1997 - p á g . 3 7