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RBCS Vol. 26 n° 77 Outubro /2011
Artigo recebido em 17/01/2011
Aprovado em 25/07/2011
Os conceitos de assimilação e aculturação mar-
caram alguns dos principais estudos sobre a imi-
gração no Brasil realizados no âmbito das ciências
sociais até o início da década de 1970. Os pesquisa-
dores estavam interessados nas mudanças sociocul-
turais e comportamentais envolvidas na inserção dos
imigrantes na sociedade brasileira. No entanto, as
análises realizadas apresentaram evidências da plu­
ralidade cultural e da formação de novas identidades
fundadas na diferença cultural, assuntos de pouco
interesse quando o foco é o processo de absorção ou
integração dos imigrantes na sociedade nacional. Por
outro lado, as teorias mais recentes sobre processos
migratórios deram maior atenção às questões eco-
nômicas e políticas envolvendo a migração em larga
escala, em consonância com a globalização.1
O fenômeno migratório também produz etni-
cidade, palavra-chave nas análises de sistemas in-
terétnicos amplamente usada nas últimas décadas
com implicações nas políticas de reconhecimento
(inclusive aquelas associadas ao multiculturalismo
e aos direitos de minorias). A delimitação teórica
agrega a identidade (e seus aspectos subjetivos) e a
noção de fronteira (social) que delimita o perten-
cimento a um grupo ou comunidade. Na prática,
são enfatizados discernimentos sobre a simbólica da
diferença cultural e os valores que orientam com-
portamentos. Contudo, alguns autores observaram
que etnicidade, identidade e cultura são coisas dis-
tintas, não havendo necessariamente uma relação
de causa-efeito entre elas. Mas, paradoxalmente,
são fenômenos entrelaçados, observáveis também
nos contextos migratórios.2
As teorias da migração nem sempre contem-
plam a cultura, assunto tão relevante quanto as re-
presentações da identidade construídas por indiví-
A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO
Giralda Seyferth
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48  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77
duos e grupos a partir dela, formando enunciados
simbólicos que apontam a ideologia como sistema
cultural, uma proposição teórica de Geertz (1964)
apropriada por Aronson (1976) para refletir sobre
a etnicidade como um tipo particular de ideolo-
gia. Aliás, a noção de diferença cultural, no caso da
imigração, remete às ideologias de pertencimento e
seus usos, inclusive políticos, diante das situações
de desigualdade no âmbito do Estado-nação. Cul-
tura e etnicidade, portanto, estão relacionadas e sua
propriedade pode ser observada na proposição con-
ceitual de Abner Cohen que considerou etnicidade
“uma forma de interação entre grupos culturais ope-
rando em contextos sociais comuns” (1974, p. XI).
Este trabalho tem por objetivo analisar a di-
mensão cultural da imigração, em consonância
com etnicidade, a partir de um “estudo de caso”
relativo à colonização estrangeira no contexto dos
deslocamentos mais significativos de europeus para
o Brasil. Trata-se de analisar um segmento abona-
do de “colonos alemães” estabelecidos no Vale do
Itajaí, em espaços urbanos que, sob a denominação
de Stadtplatz, surgiram em lugares específicos para
sediar a administração de cada núcleo colonial. Nes-
se caso, destaca-se, principalmente, a colônia Blu-
menau, por sua notoriedade como paradigma do
“enquistamento étnico” produzido pela imigração,
conforme o entendimento do nacionalismo brasilei-
ro, sua importância na política estadual a partir da
República, destacando-se lideranças assumidamen-
te teuto-brasileiras em conformidade com Deuts-
chtum (germanidade) em sua afirmação empírica e
simbólica. Além disso, no Vale do Itajaí em geral,
e na colônia fundada por Hermann Blumenau3
em
particular (em parte por causa dos laços com im-
portantes figuras do meio acadêmico germânico),
circularam viajantes, geógrafos e outros cientistas,
migrantes de todos os matizes e, com eles, muitas
ideias relacionadas com o nacionalismo alemão.
O período histórico, portanto, é o da “grande
imigração” e da instauração da República de 1889,
que põe em evidência a formação do Estado nacio-
nal permeada por um sistema mundial produzido,
entre outras coisas, pela expansão do colonialismo
e do capitalismo, e pela emigração em massa de eu-
ropeus. Caracterizou-se por uma exacerbação nacio-
nalista alimentada por um discurso assimilacionista
radical em relação aos parâmetros luso-brasileiros
de formação da nação, que exigia o “caldeamento”
dos alienígenas (isto é, todos os imigrantes e descen-
dentes não abrasileirados, estabelecidos no território
nacional). Por meio deste estudo, que aborda a pro-
blemática da imigração alemã, é possível mostrar a
circulação de ideias, saberes e valores e algumas das
bases empíricas de um (sub)sistema cultural produ-
zido pela colonização – considerado perigoso pelo
nacionalismo – que permitiram o surgimento da
etnicidade teuto-brasileira, destacando a perenidade
desse fenômeno reportado ao transnacionalismo.
Cultura e a simbologia da etnicidade
Os primeiros estrangeiros que se fixaram no
Vale do Itajaí, em 1836, eram alemães egressos da
colônia de São Pedro de Alcântara (fundada em
1829, pouco antes do corte de despesas que inviabi-
lizou a colonização com imigrantes). Essa migração
interna, porém, não produziu um núcleo colonial
ali: eram poucas famílias e, de fato, os descontentes
com a situação precária em São Pedro de Alcân-
tara preferiram se estabelecer na capital da provín-
cia, Desterro (Florianópolis), ou na vila portuária
de Itajaí – duas localidades propícias às atividades
comerciais. A colonização do vale só começou com
a fundação de Blumenau, em 1850, já no contexto
de abertura às iniciativas particulares. As empresas
de colonização, formadas para essa finalidade, po-
diam receber por compra (ou concessão) áreas de
terras devolutas de até seis léguas quadradas, para
demarcá-las em lotes para venda a colonos-imigran-
tes (arcando também com as despesas de propagan-
da na Europa). Dessa forma, Hermann Blumenau,
associado a um comerciante alemão estabelecido
em Desterro, requereu terras devolutas e adquiriu
pequenas áreas de particulares no médio vale do rio
Itajaí-açu, para formar ali uma nova Heimat (pá-
tria) com imigrantes de origem germânica. A co-
lônia ficou conhecida dentro e fora do Brasil por
causa do enunciado étnico do empreendimento,
provavelmente inspirado no nacionalismo român-
tico anterior à unificação da Alemanha, e das publi-
cações que suscitou, especialmente os livros escritos
pelo fundador com o intuito de atrair imigrantes
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A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  49
e outras obras que destacaram suas características
“alemãs”, produzidas por visitantes ocasionais, pas-
tores e outros migrantes temporários e viajantes
ocasionais de grande notoriedade como J. J. von
Tschudi; tema presente também na literatura fic-
cional de autores teuto-brasileiros que publicaram
contos, romances e poesias em língua alemã antes
da intervenção nacionalizadora do Estado Novo
iniciada em 1937.
Hermann Blumenau não tinha motivações eco-
nômicas para emigrar e tampouco possuía recursos
que permitissem a realização de um projeto de co-
lonização em larga escala. Seu interesse pela coloni-
zação alemã no sul do Brasil surgiu a partir de um
encontro com o cônsul do Brasil na Prússia, J. J.
Sturz, em 1844, durante uma viagem à Inglaterra.
O cônsul julgava possível realizar um grande proje-
to de colonização (no Brasil, ou no Uruguai), mas
não chegou a fazer uma proposta formal ao governo
brasileiro por considerar incompatível a coexistência
da imigração com o regime escravista.4
Dois anos de-
pois do encontro, Blumenau obteve o grau de dou-
tor na Universidade de Erlangen, após concluir o
curso de química, talvez pensando numa carreira
acadêmica como naturalista, conforme observação
de Fouquet (1999, p. 20). Por meio da inserção aca-
dêmica e do próprio Sturz, conheceu pessoas notá-
veis como Humboldt e Martius, que deram apoio
à sua proposta de colonização, recomendando-o às
autoridades brasileiras. Antes de decidir realizá-la
em Santa Catarina, percorreu o sul como represen-
tante da Sociedade de Proteção aos Imigrantes Ale-
mães no sul do Brasil. Chegou à essa organização
por intermédio de Alexandre von Humboldt, com
a incumbência de avaliar as condições para uma co-
lonização em grande escala, mobilizando parte dos
emigrantes que tinha como destino os Estados Uni-
dos da América. Entre os imigrantistas brasileiros,
tinha apoio do marquês de Abrantes, que em 1846
era ministro plenipotenciário em Berlim, incumbi-
do, entre outras coisas, de obter consentimento do
governo prussiano para a atuação dos agenciadores
de emigrantes para o Brasil.
A missão diplomática de Abrantes não foi bem-
-sucedida pois, em 1859, a Prússia promulgou de-
creto que dificultava a emigração para o Brasil. Isso
foi motivado pelas denúncias acerca das condições
precárias das colônias no sul, da servidão associada
aos contratos de parceria nas fazendas paulistas e do
discurso das autoridades brasileiras sobre a substi-
tuição do escravo pelo trabalhador livre imigrante,
objeto da crítica de Sturz.
Os planos de colonização dessa sociedade não
se concretizaram. Era necessário grande aporte fi-
nanceiro (que precisava ser captado na Europa) e
uma propaganda eficiente que pudesse “desviar”
a corrente emigratória que tinha como destino
a América do Norte, particularmente os Estados
Unidos,5
num período em que os próprios gover-
nos alemães, sobretudo o da Prússia, colocavam
entraves ao agenciamento de emigrantes para o
Brasil. Além disso, o custo da viagem para a Amé-
rica do Sul era muito maior, e os riscos da longa
travessia marítima na primeira metade do sécu-
lo XIX eram grandes, registrando-se altos índices
de mortalidade, principalmente entre aqueles que
viajavam de forma mais precária.6
Mesmo assim,
Blumenau propôs ao governo brasileiro um projeto
menos ambicioso, inclusive porque a “grande esca-
la” pretendida não estava de acordo com o modelo
sancionado para a iniciativa particular. Apesar do
interesse no povoamento/colonização vinculados à
imigração europeia, que aponta à questão da for-
mação do Estado e da consolidação do território
nacional, havia certo cuidado, inclusive no Minis-
tério do Império, em relação a projetos de grande
monta, sendo autorizadas, de acordo com a legisla-
ção, as propostas contidas no limite máximo de seis
léguas em quadra. O Vale do Itajaí não foi a primei-
ra opção, mas aquela que, de fato, deu certo, após
um período de quatro anos percorrendo gabinetes,
conversando com ministros e parlamentares na
Corte e na Assembleia Provincial de Santa Catarina.
A pertinácia de Hermann Blumenau é no-
tável, em parte explicada pelo sentido de missão,
defendendo uma “causa” (a formação de “colônias
alemãs” cultural e nacionalmente configuradas), de
certo modo inculcada por Sturz, mas também por
Martius, Wappäus e outros que escreveram sobre o
Brasil, assim como Humboldt – todos indivíduos
com grande prestígio acadêmico também preocu-
pados com a emigração dos seus compatriotas e os
movimentos sociais que culminaram com a revo-
lução de 1848. Tratava-se de dar oportunidade aos
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50  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77
emigrantes (motivados por razões econômicas e/ou
políticas) de formar uma nova pátria (obviamente
germânica) num outro país – um tipo de territoria-
lização considerado viável no formato da coloniza-
ção tendo em vista a sinonímia com povoamento
(o que foi o caso da colônia fundada no Itajaí-açu).
Não pretendo analisar essa colonização, que
seguiu as normas da legislação brasileira;7
deve-se
destacar, porém, que Blumenau e seus auxiliares
mais próximos viajaram muitas vezes para a Ale-
manha para recrutar emigrantes que pudessem
viajar sem subsídios e, em alguns casos, para ca-
sar, mantendo contatos com pessoas notáveis. Por
outro lado, o empreendimento foi visitado por um
grande número de compatriotas, muitos dos quais
ali permaneceram por vários anos. O casal Gus-
tav (um pastor protestante) e Therese Stutzer é um
bom exemplo: eles viveram em Blumenau durante
quase uma década e, voltando para a Alemanha,
publicaram vários livros sobre a região e também
obras de ficção, acentuando o “caráter” germânico
da colônia, que consideravam uma pequena Ale-
manha no Brasil.8
Os Stutzer, porém, são apenas
um exemplo da vasta produção em língua alemã
sobre o Vale do Itajaí (tão importante quanto os
trabalhos publicados em língua portuguesa) –
como pode ser observado nas resenhas realizadas
por Fouquet (1950) e Seyferth (1988).
Assim, a circulação de pessoas entre Blumenau
e a Alemanha foi bastante significativa, mostrando
fortes laços com a Urheimat (velha pátria) mesmo
na situação de isolamento enfrentada na primeira
década da colonização. Apesar disso, o empreen-
dimento enfrentou dificuldades, pois, sendo parti-
cular, dependia de um fluxo relativamente intenso
de imigrantes para cobrir os gastos da demarcação,
abertura de caminhos, construção de prédios públi-
cos (inclusive escolas) e outros encargos assumidos
pela empresa, através da venda dos lotes aos colo-
nos. Blumenau não conseguiu atrair um número
necessário de compatriotas, apesar do grande mo-
vimento emigratório alemão. A iniciativa não fra-
cassou porque o governo imperial assumiu a colo-
nização em 1860, ano em que foi fundada outra
“colônia alemã”, oficial, no Itajaímirim – Brusque.
Não existia mais o empresário colonizador, mas
Blumenau foi mantido na direção da colônia até
sua emancipação política, como município, no iní-
cio da década de 1880, ocasião em que retornou
definitivamente para a Alemanha.
Transformado em região de colonização ofi-
cial, o médio Vale do Itajaí passou a ser o destino
de imigrantes alemães atraídos pelos subsídios, via
agenciadores a serviço do governo imperial. Isso
mudou o perfil do colono, pois, a partir de 1875,
começaram a chegar imigrantes de outras origens
nacionais, notadamente italianos e poloneses. O
que antes era um projeto de nova Heimat para ale-
mães protestantes, criticado com veemência pela
igreja católica, agora recebia não só alemães cató-
licos, mas também gente de outras nacionalidades.
Manteve-se, porém, o epíteto de “colônias alemãs”
para os principais núcleos coloniais, até porque a
maioria da população, na virada do século XX, era
de origem germânica e o subsistema cultural ali
formado deu respaldo ideológico a essa qualifica-
ção. A notoriedade do Vale do Itajaí como lugar
de “colonização alemã” deve-se, em grande parte,
à atuação de Hermann Blumenau e aos viajantes
e outros personagens – aí incluídos os imigrantes
“temporários” que retornaram, caso dos Stutzer –
que ajudaram a criar a imagem de um lugar baliza-
do pelos valores da germanidade (Deutschtum).
Ao tratar do status ontológico do termo etni-
cidade, Fenton observou que ele diz respeito à des-
cendência e à cultura. Considera isso um ponto
de partida e não simplesmente uma definição, e o
ponto seguinte é pensar que etnicidade “se refere
à construção social da descendência e da cultura,
à mobilização social da descendência e da cultura,
e ao significado e implicações dos sistemas classifi-
catórios construídos em torno dela” (2008, p. 3).
Povos não possuem apenas culturas ou ancestrali-
dade compartilhada, eles elaboram as duas coisas
para compor uma ideia de ancestralidade que cerca
as definições de grupos ou comunidades, procura
mostrar que os rótulos étnicos (ou outras categorias)
não estão no vazio, tem uma base real a sustentá-
-los. De outro modo, Max Weber (1991, p. 270)
também apela a princípios semelhantes ao tratar das
coletividades (ou comunidades) étnicas e de nação,
destacando a crença na afinidade de origem (obje-
tivamente fundada ou não) e os habitus, costumes
etc., fazendo referências, inclusive, à imigração.
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A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  51
Cultura e etnicidade estão entrelaçados, o
que põe em evidência a diferença (em relação aos
“outros”) e o embasamento da identidade. Então,
no que consiste, empiricamente, a cultura teuto-
-brasileira na virada para o século XX, marcada
pela configuração da colônia Blumenau nos seus
primórdios (com extensão para outras “colônias
alemãs” da região)? Cabe, fazer referência à política
de colonização voltada para a localização de imi-
grantes em terras devolutas, um procedimento que
não ameaçava os interesses da grande propriedade
monocultora. Esse regime de povoamento de áreas
de florestas e sem vias de comunicação terrestre –
caso das colônias de Blumenau e Brusque – foi
idealizado no âmbito do aparelho de Estado sem
incluir potenciais colonos brasileiros. Nas primeiras
décadas, a maior parte dos imigrantes, e mesmo a
segunda geração, teve pouco ou nenhum convívio
com a sociedade nacional, e isso teve reflexos na
formação comunitária étnica, tanto quanto a ideia
mais geral de, naquele lugar, territorializar a nova
Heimat (na sua associação com o lar). É claro que o
próprio regime de colonização, baseado na peque-
na propriedade familiar, era bem diverso do meio
rural brasileiro, ajudando a compor a diferença so-
ciocultural, assim como a “aculturação ergológica”
assinalada por Willems (1946) para referir-se aos
novos padrões de alimentação, moradia, vestuário,
tecnologia etc. – mudanças relacionadas com a cul-
tura material e a adaptação ao novo meio ambiente.
Essa especificidade não tem grande impor-
tância quando o assunto são os aspectos pragmá-
ticos da etnicidade, relativos mais diretamente à
dimensão cultural valorizada, e aí emerge, em pri-
meiro lugar, o caráter distintivo da língua falada
no cotidiano das colônias. Na prática, a ideia de
Heimat, e seu qualificador, a germanidade, supõe
o uso comum da língua alemã, uma característica
enfatizada em vários textos e depoimentos, seja de
viajantes ocasionais, seja de colonos comuns. Veja-
-se, por exemplo, as impressões de viagem de Wi-
lhelm Lacmann, que esteve no Vale do Itajaí (e em
outras áreas de colonização de Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul) em 1903. No livro publicado
em 1906, compara Blumenau a uma “pequena ci-
dade alemã das montanhas”, um lugar onde a lín-
gua alemã se preservou, apesar da incorporação de
expressões idiomáticas relativas ao meio ambiente;
e acrescenta (numa observação mais geral): “As co-
lônias, sob o meu ponto de vista, podem ser con-
sideradas deutsches Gebiet”, uma região de caráter
alemão. Nestas colônias foram conservadas a lín-
gua, os hábitos e os costumes germânicos. Também
não desapareceu o sentimento de afinidade com o
povo alemão”.9
De modo mais enfático, Gustav Stutzer tam-
bém faz questão de destacar o uso cotidiano da
língua alemã em Blumenau, enquanto seus com-
patriotas que emigraram para a América do Nor-
te trocaram sua bela língua materna “pelo horrível
som da língua yankee”.10
Tais publicações podiam ter eficácia limitada
como propaganda, mas muitas vezes influenciaram
a decisão de emigrar. Por outro lado, entre os “do-
cumentos originais” publicados pela revista Blume-
nau em Cadernos nos contextos comemorativos do
sesquicentenário de Blumenau e do centenário da
morte de Hermann Blumenau, encontram-se me-
mórias, vivências e escritos variados de imigrantes,
em que são delineados, além da questão da língua,
outros aspectos da especificidade cultural. Um bom
exemplo é o texto intitulado “Erlebnis von Klara
Hermann”11
(Experiência de Klara Hermann) – um
relato sobre a vida na colônia no início do sécu-
lo XX, precedido pela motivação para emigrar. A
percepção da germanidade local aparece no texto
quando descreve sua passagem por Joinville (uma
“colônia alemã”) a caminho do Vale do Itajaí:
Em São Francisco me senti como se estivesse
em um país estrangeiro, mas Joinville tirou
essa impressão, aqui só se ouvia falar alemão
e a cidade tinha o aspecto de uma cidadezinha
alemã. O que nos transmitiu esta impressão
certamente eram os jardins ao redor das casas
com suas flores exuberantes. Também havia
belas rosas. Cada qual procurava reproduzir
um pouco a pátria mãe. Apenas a bela Alame-
da das Palmeiras lembrava o Brasil.
Aí está a impressão inicial de uma imigrante
recém-chegada, que desembarcou em São Fran-
cisco (do Sul), localidade portuária surgida no
Brasil-Colônia, e logo em seguida adentra a região
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52  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77
colonizada pela Sociedade Colonizadora de 1849
em Hamburgo, e cujo polo urbano era a cidade de
Joinville. Além da alusão linguística, é interessante
observar que o outro aspecto distintivo destacado
no texto diz respeito à Wohnkultur ou, de modo
mais objetivo, ao lar, à casa e seu entorno (o jardim)
– referência básica da ideia de Heimat, termo deri-
vado de Heim (lar), o que explica a ênfase geral da
construção de uma nova pátria no Brasil. A imagem
(elaborada) da chegada ao destino (o lote colonial
recebido pelo marido na colônia Hansa-Humboldt,
situado além de Blumenau) também é significativa:
Chegamos a um vale verde cortado por inúme-
ros rios, rodeado de morros, o qual nos trazia
à memória a paisagem da floresta da Turíngia,
havendo alemães tanto aqui como lá. No Stadt-
platz (centro da colônia) já havia algumas casas
de aparência simpática, três vendas e um hotel,
mas nós continuamos nosso caminho através da
mata virgem e, finalmente, chegamos ao nosso
destino. As crianças vizinhas me aguardavam
à beira da estrada com flores. Crianças louras
de olhos azuis, nascidas aqui, vieram dar-me as
boas vindas. Nossa casa ficava em meio a um
pasto rodeado de um pequeno jardim.
As duas transcrições falam por si mesmas. O
estranhamento em relação à cidade brasileira de-
saparece diante da familiaridade da nova Heimat e
sua paisagem (cultural), do encontro com compa-
triotas, pois havia alemães naquele lugar do Brasil
que mantinham a língua e as tradições. A imigra-
ção, afinal, podia se concretizar sem um rompi-
mento radical com as origens.
A menção à casa já existente nas terras com-
pradas pelo marido-colono pode parecer estranha,
numa situação de colônia nova, ainda cercada pela
floresta. A explicação está no motivo da emigração:
o casamento. O marido de Klara Hermann estava es­
ta­belecido ali há 4 anos, a propriedade já estava
“desbravada”, tinha casa e jardim. Ele viajou para a
Alemanha com o intuito de visitar a irmã e encon-
trar uma esposa. Lá (na Alemanha) era identificado
como “brasileiro” – um imigrante. Buscar esposa
na Alemanha certamente não era coisa corriqueira,
mas ocorria nos segmentos mais abonados, inclusive
entre os colonos. Num período marcado pelo cresci-
mento econômico da região como um todo, as via-
gens para a Alemanha tornaram-se comuns. Além
disso, o fluxo imigratório, embora pequeno, persis-
tiu por causa da continuidade da colonização e do
início da industrialização em Blumenau e Brusque,
demandando mão de obra qualificada recrutada na
Alemanha pelos empresários locais. O trânsito de
pessoas na dupla rota da imigração contribuiu para
reforçar o ideal de Deutschtum, presente no texto de
Klara Hermann de forma aparentemente prosaica
através do Heim (lar). No entanto, casas e jardins
também aparecem como algo diferente, peculiar e
valorizado, em alguns escritos sobre o Vale do Itajaí
produzidos por brasileiros, viajantes ou lá radicados,
em tempos mais recentes. A representação de Klara
Hermann sobre a casa está presente num texto his-
toriográfico de Max Tavares d’Amaral, publicado
no ano de comemoração do centenário da funda-
ção de Blumenau. Segundo o autor:
O alemão, a primeira cousa que faz quando se
estabiliza economicamente, quando começa a
produzir, é substituir sua casinha tosca, primi-
tiva, por outra melhor, até chegar a residência
confortável de tijolos com suas cortinas na ja-
nela, seu jardim e seu pomar que são o seu or-
gulho e constituem o ornamento por excelên-
cia da paisagem colonial. Parece poder dizer-se
que a casa é o traço característico do colono
alemão, o traço que o distingue dos demais.
Ele pode perder todas as características da raça
– a língua, as tradições, mas não perde nunca
o hábito de morar em boa casa, quando suas
condições econômicas o permitam (D’Amaral,
1950, p. 63).
Atribui às condições de habitação um valor his-
tórico social, afirmando que a ideia do Heim como
“o mundo do colono”, trazida do país de origem,
relaciona-se com a “Wohnkultur, isto é, o hábito
de morar bem”, diferenciando-se do homem rural
brasileiro e até mesmo de outros colonos europeus.
A discussão sobre a moradia indica sua apropria-
ção como elemento distintivo da “cultura teuto-
-brasileira” por causa da sua visibilidade. Willems
procurou mostrar que as casas não têm as mesmas
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A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  53
características na Alemanha, sobretudo as constru-
ções de madeira, comuns em todo o sul do Brasil.
No entanto, afirma que as diferenças (em relação
aos brasileiros) surgem num dado momento, quan-
do colonos prósperos utilizam nas construções “as
experiências de sua cultura anterior”. O referencial
é principalmente a casa no “estilo enxaimel”, cons-
truída de tijolos com madeira à mostra. Aparen-
temente irritado com o discurso generalizado em
torno da moradia, diz:
Quando todos os observadores que mui super-
ficialmente descreveram a casa dos teuto-brasi-
leiros, como se houvesse sido importada já feita
da Alemanha, em geral ignoram o fato de que
não existe uma “casa alemã” como não existe
uma “cozinha alemã” (Willems, 1946, p. 231).
Na lógica da teoria da aculturação, que embasa
a análise de Willems, essa observação faz sentido
porque remete à mudança cultural, porém encobre
o fato da apropriação (simbólica, inclusive) de um
traço cultural relevante na construção da diferença
étnica com repercussão na identidade teuto-brasi-
leira. O caráter distintivo da moradia, ou do lar,
está presente na literatura sobre o Vale do Itajaí,
sobretudo nos trabalhos orientados pela noção de
Deustchtum, mas também nos discursos de sen-
so comum. A distinção fica ainda mais marcante
na sobreposição entre a casa e a língua alemã. Em
suma, além da Wohnkultur, num Heim alemão deve
predominar o uso do idioma alemão. A simbiose
lar(casa)-língua chamou a atenção dos observado-
res, inclusive os brasileiros, ao longo de boa parte
do século XX. E a casa do discurso folclorista atual
é aquela que a maioria dos observadores chamam
de “típica” –construída no modelo enxaimel.12
Num caso extremo de xenofobia em relação ao
perfil “germânico” de Blumenau, a diferença incô-
moda estava na língua, nas casas, nos cemitérios, nas
ruas batizadas com nomes estranhos, na circulação
de um número excessivo de bicicletas, nas igrejas,
no comportamento público das mulheres casadas,
em toda parte. Para Rui Alencar Nogueira, um mi-
litar participante da nacionalização imposta pelo
Estado Novo, o Vale do Itajaí era um território do-
minado por estrangeiros, onde se justificava o “abra-
sileiramento” forçado. Daí expressar seu sentimento
de aversão, pois naquele lugar não existia o Brasil
(cf. Nogueira, 1947). A exigência de abrasileiramen-
to, ou assimilação completa nos cânones da forma-
ção luso-brasileira, vinha do final do século XIX, na
voz de Silvio Romero e outros críticos da diversida-
de étnica produzida pela imigração. A preocupação
com a integridade territorial e cultural do Estado-
-nação ficou mais evidente a partir da República de
1889, momento histórico em que Blumenau (e a
colonização alemã em geral) se tornou exemplo de
“enquistamento étnico”. A comparação dos textos
de Nogueira e Klara Hermann, porém, mostra o
mesmo princípio de estranhamento (e inconfor-
mismo) diante do desconhecido e ao mesmo tempo
novo: no primeiro caso, manifesta-se no relato da
chegada do batalhão do exército a Blumenau, que
deixou todos “contrafeitos” de estar numa cidade
que não era brasileira; no segundo caso, entra em
cena o desembarque em São Francisco do Sul, uma
cidade brasileira, estrangeira, que traz à memória o
rompimento da imigrante com a pátria, mas logo
depois reencontrada na região de colonização alemã.
O lar e a língua são associados de modo dire-
to a uma concepção cultural de nação, no sentido
particularista do nacionalismo romântico postula-
do por Herder, autor eventualmente citado na im-
prensa em língua alemã que se consolidou no Vale
do Itajaí antes da Primeira Guerra Mundial. Isto
não diminuiu a importância da pertença étnica de
conteúdo primordial, confundida com ascendência
e subsumida pelo termo “origem”, às vezes referido
à raça. No outro extremo da lógica particularista, o
modo de vida, os hábitos alimentares, as atividades
econômicas e outros aspectos do complexo colonial
compartilhados com colonos de outras procedên-
cias nacionais também são apropriados como mar-
cadores étnicos no confronto com o “outro” mais
distanciado – o brasileiro.
No campo subjetivo, a roça do colono alemão
tem sua especificidade associada a um ethos do tra-
balho próprio da etnia e não à forma de cultivo; e
a individualidade dos hábitos alimentares permite
vincular o consumo da polenta aos italianos, e o
pão, aos alemães, mas na colônia ambos são fei-
tos de milho e estão na cozinha dos dois grupos.
Por outro lado, no cotidiano não havia muita es-
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colha, conforme mais um depoimento de Klara
Hermann: em vez de batata come-se muito aipim,
batata doce e feijão, e o Mus (doce de frutas) se faz
de banana, laranja ou abóbora. No entanto, os cos-
tumes condicionam as formas de adaptação, pois
todos têm bananas e laranjas, mas o Mus é alemão!
As práticas cotidianas, habitus, modo de vida, or-
ganização social e outros aspectos da realidade cul-
tural tem importância na contextualização da etni-
cidade. Nesse sentido, atribuem-se características
étnicas ao modo de comemorar festas religiosas,
como natal e páscoa, que são comum a todos os
cristãos. Nos relatos de imigrantes sobre os tempos
pioneiros na colônia Blumenau, a festa de natal,
por causa do costume de armar a árvore e entoar
canções apropriadas em língua alemã, evoca a pá-
tria deixada para trás e ao mesmo tempo presente
nesse outro lugar.13
As alusões à vida cotidiana, aos hábitos e cos-
tumes (na definição dos atores sociais) permitem
vislumbrar algumas minúcias da cultura teuto-bra-
sileira (para usar um conceito de Willems) passíveis
de apropriação na contextualização da etnicidade,
inclusive na atualidade. Mas devem ser destacadas
também as instituições comunitárias formadas
praticamente desde o início da colonização. Elas
tiveram maior notoriedade como elementos de di-
ferenciação cultural antes da campanha de nacio-
nalização, iniciada em 1937; algumas conseguiram
sobreviver – caso das sociedades de atiradores –,
mantendo a adjetivação étnica. Atribuiu-se maior
importância à “escola alemã”, considerada indis-
pensável para perpetuar o ensino da língua mater-
na, num contexto político (a Primeira República)
onde eram discutidas a assimilação e o abrasileira-
mento. Na Deutsche Schule o ensino era dado em
alemão e, na percepção dos atores sociais, a escola
funcionava como uma extensão do lar na forma-
ção da teuto-brasilidade. Resumindo, o aprendiza-
do da língua deve começar com a mãe, no lar, e
tem prosseguimento na escola, e essa imagem foi
bastante enfatizada na poesia e nos escritos pro-
duzidos por autores teuto-brasileiros sobre Deuts-
chtum. A possibilidade da proibição do ensino
em língua estrangeira, exigida pelo nacionalismo
desde o início do regime republicano, provocou
um contradiscurso baseado no direito à diferença,
e esta dependia da existência de um lar e um sis-
tema escolar empenhados na perpetuação do uso
do idioma alemão. Esses elementos (lar, língua),
junto com ascendência (origem), formam a base
da própria definição da categoria étnica – Deuts-
chbrasilianer – tal como aparece nas matérias de
jornais e almanaques que circularam pelo Vale do
Itajaí até 1939. A categoria supõe a manutenção
da germanidade em solo brasileiro, daí tanta ênfase
na ideia de Heimat. A versão mais poética presume
um bom brasileiro com alma alemã.
As ideias sobre a germanidade circularam pela
imprensa, anúncios e pela literatura ficcional volta-
da para temáticas relativas à colonização. Dois im-
portantes jornais foram editados em Blumenau en-
tre a década de 1880 e o Estado Novo – Blumenauer
Zeitung e Der Urwaldsbote – controlados por facções
políticas rivais, mas com uma coisa em comum – a
germanidade. Ali também circularam publicações
periódicas vindas de outras regiões coloniais.14
Na
prática, essa circulação repercutiu nas representações
da etnicidade voltada para a dimensão cultural con-
tida na ideia de Heimat, presente também na cor-
respondência de Hermann Blumenau, onde o Vale
do Itajaí é apresentado como “verdadeira pátria”,
conservando-se a nacionalidade alemã.15
A nação
alemã, nesse caso, tem uma representação cultural,
não política, permitindo equacionar a germanidade
com a territorialização no Brasil.
Por fim, é preciso mencionar as associações
recreativas e culturais destacadas pela maioria dos
estudiosos da imigração alemã por causa da sua sig-
nificância numérica e sua vinculação com o nacio-
nalismo alemão. Espaços de convivência, lugares da
sociabilidade, eram imaginados como expressão do
“espírito (associativo) germânico”. De fato, poucos
anos depois da fundação, Blumenau e Brusque já
possuíam sua Schutzenverein, uma associação his-
toricamente vinculada ao nacionalismo alemão
do início do século XIX. Depois das associações
de atiradores vieram outras, igualmente situadas
no contexto cultural teuto-brasileiro – , caso das
sociedades de canto (Gesangvereine) e de ginástica
(Turnvereine). Sua importância como expressão de
etnicidade pode ser medida pela intervenção vio-
lenta do exército brasileiro nesses espaços durante a
campanha de nacionalização: todas foram fechadas
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à força e algumas sedes sociais serviram para acan-
tonar as tropas.
Havia associações em toda parte, nos centros
urbanos e nas principais linhas coloniais (portanto,
no meio rural). Não tinham apenas o perfil de agre-
miações esportivas ou recreativas, pois neles eram
realizadas representações teatrais, sessões de músi-
ca e outras atividades relacionadas com a noção de
Kultur numa contextualização germânica que valo-
rizava a “consciência” linguística e o Deutschtum.
Várias sociedades de atiradores e de ginástica so-
breviveram à nacionalização, mas as de canto, mais
associadas à Kultur, desapareceram.
A imagem de uma comunidade étnica alicerçada
nos valores da germanidade de certo modo foi repro-
duzida no volume comemorativo do centenário da
imigração alemã em Santa Catarina (Entres, 1929),
que condensa o período anterior à nacionalização. Ali
aparece a poesia que honra a nova pátria, a pertença
étnica; é destacada a vida do colono pioneiro, a es-
cola alemã, as associações, a paisagem cultural criada
pelos imigrantes na Palmenland (a terra das palmei-
ras – o Brasil); por fim, faz apologia do desenvolvi-
mento econômico em textos historiográficos, e numa
visão progressista distingue os empreendedores que
tiveram papel importante na economia, na política e
na mediação étnica. A publicação teve apoio de uma
editora alemã, significativamente denominada Aus-
land und Heimat Verlag – Haus des Deutschtums,
coisa que evidencia o transnacionalismo.
Os empreendedores e a “teuto-brasilidade”
A ideia da formação de uma nova Heimat,
ponto de partida do projeto colonizador de Her-
mann Blumenau, tem como principal fundamen-
to a existência de uma cultura e um modo de vida
diferenciados naquele contexto colonial. Mas a
circulação da ideologia de pertencimento (a uma
etnia alemã), articulada à reivindicação da legitimi-
dade da diferença cultural diante das exigências as-
similacionistas do nacionalismo brasileiro, põe em
evidência os “mediadores” integrantes dos grupos
urbanos em ascensão social, empreendedores dis-
tinguidos por uma identidade teuto-brasileira, e o
uso instrumental da etnicidade.
Os aspectos econômicos e políticos das etnici-
dades têm sido destacados por vários pesquisadores,
desde o surgimento desse neologismo na língua in-
glesa na década de 1950. Glazer e Moynihan (1963)
discutiram o assunto num estudo clássico sobre al-
guns grupos etnicamente identificados da cidade de
Nova York. Fizeram uma crítica à velha concepção
de melting-pot, evitando as teorias de assimilação e
aculturação ainda em evidência nos estudos da imi-
gração e das relações interétnicas, procurando res-
ponder a uma pergunta básica: o que significa para
Nova York o fato de a maior parte da sua população
estar composta de pessoas que se pensam através de
um pertencimento étnico, e mesmo assim se consi-
deram norte-americanos? Concluem que existe uma
tendência central no ethos nacional que estrutura as
pessoas em grupos de diferentes status e caracterís-
ticas, um padrão étnico configurado por forte dife-
renciação (real ou imaginada) entre norte-america-
nos irlandeses, judeus, italianos e assim por diante,
apontando a falência da noção de melting-pot. De
fato, interessa reter da argumentação desses auto-
res o destaque dado à vinculação entre etnicidades
e interesses ou, dito de outra forma, olhar para os
usos de identidades indicadoras de duplo perten-
cimento a partir da noção de “grupo de interesse”,
tendo em vista a dinâmica da recriação contínua
do pertencimento grupal por intermédio de no-
vas experiências, mesmo quando os descendentes
de imigrantes, por exemplo, já perderam a maior
parte dos vínculos culturais que os distinguiam dos
outros norte-americanos. A identidade (étnica) per-
mite associar o indivíduo, ou o grupo, a um passa-
do, uma raça, uma cultura compartilhada, suscita
sentimentos de pertença, mas o interesse comum
também une, permitindo laços concretos de comu-
nidade. Glazer e Moynihan analisaram o jogo polí-
tico e, nele, o voto étnico. Outros autores, porém,
apontaram para interesses políticos conformados
por organizações corporativas de base econômica,
como é o caso do estudo de Abner Cohen (1969)
sobre as redes de comércio dominadas pelos Hausa,
na África Ocidental, e que atravessam as fronteiras
dos estados pós-coloniais. Ali, os Hausa usam e ma-
nipulam costumes, valores, mitos e símbolos da sua
tradição cultural para articular uma organização in-
formal, de natureza política e econômica – grupos
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definidos por uma etnicidade baseada na noção de
cultura compartilhada e que agem como “grupos
de interesse” numa circunstância de pluralismo ét-
nico. O idioma do costume, nesse caso, é o mar-
cador usado para delimitar grupos informais cujo
poder deriva também (mas não exclusivamente) da
hegemonia de uma atividade econômica.
A etnicidade é um fenômeno empiricamente
muito variado, mas as abordagens mais instrumen-
tais a apresentam como um recurso social, político
e cultural para diferentes grupos étnicos e de status.
Algumas versões focalizam a competição por recur-
sos (econômicos, políticos), outras examinam as es-
tratégias para maximizar preferências em termos de
escolhas racionais. A crítica sobre essa abordagem
aponta para certos excessos que definem “interes-
ses” em termos exclusivamente materiais e políti-
cos. Mas poucos autores adotam apenas esse ponto
de vista. Afinal, não existe etnicidade apenas por
interesse, e nem é possível minimizar sua importân-
cia no mundo moderno.
A relação entre etnicidade, raça e nacionalismo,
e sua natureza política e econômica envolvendo
classe e status, já estava esboçada no texto de Weber
(1991) sobre comunidades étnicas. Mas, descui-
dando da questão mais geral (ou cultural) da iden-
tidade, foi dada maior atenção aos processos políti-
cos e/ou econômicos, nos quais a etnicidade é uma
variável importante de organização coletiva – o per-
tencimento a uma etnia, nação etc. como estratégia
para a ação corporativa, um instrumento de poder
(cf. Cohen, 1969). Daí a ênfase de certos autores
aos denominados ethnic entrepreneurs, categoria to-
mada na sua versão mais geral de “empreendedor”
que, no sentido econômico, organiza, possui e ad-
ministra um negócio assumindo seus riscos; mui-
tas vezes possui o papel de mediador. Nos termos
de Aronson (1976), a categoria empreendedor (ou
empresário) étnico designa aqueles que formulam e
administram ideologias e observam como as situa-
ções são definidas ou reforçadas para sua vantagem.
A colonização alemã no Vale do Itajaí é bastan-
te significativa para tratar dessa categoria. O obje-
tivo aqui certamente não é focalizar negócios étni-
cos (ethnic business) na sua dimensão econômica e
individual. Pretende-se olhar para empreendedores
com interesses econômicos e políticos conectados
à etnicidade teuto-brasileira. Existem estudos sobre
empresas étnicas, sobretudo nos Estados Unidos,
onde são bastante comuns, que enfatizam a estru-
tura de oportunidades confrontando imigrantes
nas sociedades capitalistas ocidentais, assim como a
distribuição de recursos e as formas pelas quais são
acessíveis às minorias (imigrantes ou não). Em ge-
ral, o enfoque recai no pequeno empresário que se
volta para um mercado específico e onde os atores
sociais são comerciantes, trabalhadores e consumi-
dores étnicos e/ou imigrantes. Os estudiosos pro-
curam olhar para o funcionamento desse mercado
analisando os laços entre indivíduos e grupos com
identidade comum, as redes sociais que mostram
a mobilização dos empresários, as estratégias etc.,
dando especial atenção aos contextos imigratórios.16
Os primeiros empresários que se estabeleceram
no Brasil após a abertura dos portos em 1808 eram
comerciantes dedicados à exportação de café e à
importação de artigos diversos da Europa. Forma-
vam um grupo coeso no Rio de Janeiro, onde foi
fundada a primeira associação étnica alemã do Bra-
sil – Gesellschaft Germania – em 1821. Ao longo
do século XIX, outros alemães se fixaram em cida-
des brasileiras na mesma atividade e também como
empresários do transporte marítimo. Isso aconte-
ceu na capital de Santa Catarina e no porto de Ita-
jaí. Estes grupos ascenderam socialmente e também
fundaram suas sociedades “Germania”, talvez com
um sentido mais elitista do que suas congêneres das
áreas coloniais. O crescimento desse comércio pode
ser vinculado ao interesse alemão no mercado sul-
-americano, expandido no período histórico aqui
considerado. Isso produziu a circulação de bens e
capitais, abrindo no país de acolhida espaço para
mercadorias do país de origem. Esse tema teve am-
plo espaço na literatura sobre a colonização alemã,
sendo defendida uma intensificação da imigração
para tornar tais atividades de natureza econômica
mais expressivas. Autores alemães e teuto-brasilei-
ros que defenderam o aumento da imigração tam-
bém falavam da germanidade. Na medida em que a
Alemanha unificada entrou na disputa imperialista,
em fins do século XIX, a sobreposição de interesses
econômicos e etnicidade ajudou a dar respaldo ao
discurso nacionalista antigermânico, alimentado
também pela doutrina Monroe, em parte critica-
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da, mas igualmente aceita como defesa contra os
interesses europeus na América do Sul. Falava-se
em “perigo alemão” que alardeava o risco de per-
der o sul do país, cheio de colonos seduzidos pelo
pangermanismo. O interesse econômico existia de
ambos os lados; o mercado, porém, foi “etnizado”
nas principais publicações sobre as colônias que cir-
cularam naquele período.
Não foi diferente no Vale do Itajaí, onde as
atividades comerciais eram dominadas por uma
elite teuto-brasileira (imigrantes naturalizados). Os
primeiros relatórios sobre a colônia Brusque, por
exemplo, parecem indicar a tendência de predomí-
nio de brasileiros nessa atividade, mas isso não se
confirmou, predominando os empresários teuto-
-brasileiros. Os projetos coloniais não atraíram
investimentos de brasileiros nessa área, talvez por
causa da situação de frente pioneira, com vias de
comunicação precárias. As primeiras casas comer-
ciais surgiram em lugares destinados ao povoado
sede de cada núcleo colonial. Funcionavam como
ponto de abastecimento de alimentos para imigran-
tes que aguardavam a concessão de terra e lugar de
trocas com os colonos já estabelecidos (compra dos
excedentes da produção colonial e venda de equipa-
mentos e outros bens). A relação comercial com os
colonos estabeleceu uma polaridade rural-urbana
característica de contextos camponeses. Aos pou-
cos, apareceram pequenos comerciantes nos en-
troncamentos das linhas coloniais, que iniciaram
suas atividades como proprietários de lote colonial
(mantendo, em alguns casos, as duas atividades).
Enfim, desenvolveu-se, com sucesso, uma explora-
ção agrícola camponesa baseada na pequena pro-
priedade familiar sem empregados (e também no
artesanato), refletida nos relatórios das autoridades
coloniais repletos de estatísticas da produtividade
policultora. Nessa situação, fica evidente a sujeição
dos colonos ao monopólio de preços e transporte
imposto por seus compatriotas “vendeiros”.
Quem eram esses comerciantes? A política de
colonização privilegiou a vinda de agricultores e
artesãos como imigrantes preferenciais. Na prática,
entraram profissionais diversos e, na imigração es-
pontânea, indivíduos que dispunham de pequenos
recursos que permitiram iniciar um negócio. Nas
linhas, alguns imigrantes amealharam dinheiro na
atividade madeireira ou operando moinhos que
atendiam a demanda de outros colonos. Por ou-
tro lado, a colônia de Blumenau (e, por extensão,
o Vale do Itajaí), por seu perfil identificado com a
germanidade, acentuado por publicações na Alema-
nha, atraiu imigrantes com perfil de empresários.
Juntamente com a expansão da área ocupada, e
a criação de novas colônias que adentrou o século XX,
formou-se uma rede de comerciantes de origem
alemã que incluía os estabelecidos nas linhas, con-
centrando as firmas maiores em Blumenau e Brus-
que. Houve ampla diversificação com o surgimento
de pequenas indústrias e oficinas de artesãos, mas
prevaleceu o estabelecimento dos comerciantes
mais abastados, nas cidades, que iniciaram a indus-
trialização em fins do século XIX. A relação com
os colonos baseou-se na confiança mútua, marcada
pelo pertencimento étnico. A classe dos comercian-
tes foi a única que enriqueceu no contexto colonial,
mas ela também teve um papel importante na con-
formação de uma identidade teuto-brasileira.
O crescimento urbano e a diferenciação so-
cial ocorreram ao mesmo tempo num contexto de
desenvolvimento econômico; e a formação de seg-
mentos médios revela também a heterogeneidade
dos imigrantes no que diz respeito à profissão e à
escolaridade. Artesãos de todos os tipos preferiram
deixar o lote colonial para abrir oficinas familiares
ou simplesmente atender as demandas por serviços
especializados nas cidades. Por outro lado, a trans-
formação dos produtos coloniais foi fundamental
para a diferenciação interna do campesinato, envol-
vendo a posse de moinhos e serrarias. Mas poucos
comerciantes de maior expressão tiveram origem
rural ou artesanal. Outros estavam longe do perfil
do imigrante comum porque possuíam recursos e/
ou alta escolaridade. A burguesia industrial teve sua
origem na atividade comercial envolvendo importa-
ção e exportação, e possuía uma forte ligação com
a Alemanha, e o ponto de partida para o enriqueci-
mento foi a relação com os colonos. Na prática, os
comerciantes (rurais e urbanos) formaram redes em
que, numa ponta, estava o pequeno “vendeiro” lo-
cal, muitas vezes um colono, e em outra, aqueles que
possuíam o monopólio dos preços e dos transportes,
cuja origem raramente se reportava à linha colonial.
O crescimento desse comércio, e depois da in-
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dústria, reforçou os laços com o país de origem,
apontando para os debates e a literatura sobre os
interesses germânicos no sul do Brasil. Abriu-se o
mercado local para produtos alemães, e o mercado
alemão, inclusive o financeiro, para os comercian-
tes. A industrialização, por sua vez, abriu o merca-
do de trabalho especializado para novos imigrantes
mais qualificados. Toda essa movimentação ocorreu
após a emancipação das colônias, com a instalação
dos municípios, que trouxe para a região os “ou-
tros” – brasileiros não identificados com a coloni-
zação, ocupantes de cargos públicos e profissionais
liberais com interesses políticos na nova ordem mu-
nicipal instituída no final do Império.
O advento da República favoreceu a emergên-
cia de lideranças políticas teuto-brasileiras por dois
motivos: a naturalização geral, sem burocracia e
sem exigências nacionalistas, assegurada pelo De-
creto 58ª de 14/12/1889, e a permissão de alista-
mento eleitoral para os naturalizados alfabetizados
que não conheciam a língua portuguesa, via a De-
cisão 38, de 14/3/1890. Não analisarei as dispu-
tas locais e os interesses políticos das elites teuto-
-brasileiras urbanas numa região que se tornou o
principal colégio eleitoral do Estado, e de onde saiu
a maioria dos governadores e senadores de Santa
Catarina durante a Primeira República. Mas deve
ser observado que tal situação de poder levou o
princípio de germanidade para o campo político17
num momento de exacerbação dos nacionalismos
(alemão e brasileiro) e da influência do pangerma-
nismo com sua perspectiva transnacional.
Sem dúvida os empresários étnicos formaram
grupos de interesse político e tiveram papel predo-
minante na formatação do Deutschbrasilianertum
e da identidade teuto-brasileira, em consonância
com seus congêneres de outras regiões. Cada gru-
po com relevância política e econômica tinha um
jornal, e as casas comerciais na rede rural-urbana
eram pontos de venda de jornais e outras publica-
ções periódicas em língua alemã, além de funcio-
nar como locais da sociabilidade. Dessa forma, o
discurso escrito do pertencimento étnico chegou
até o colono comum por intermédio da imprensa e
da convivência nas lojas e nas associações por onde
circulava uma ideia de Deutschtum com duplo sig-
nificado: econômico, referido ao progresso das co-
lônias como produto do “trabalho alemão”, e prin-
cipal contribuição de cidadãos exemplares ao país
de acolhida; e étnico, com ênfase na origem alemã
e no “direito” de ser cidadão legítimo com língua e
cultura distintas, num país que devia assumir sua
pluralidade cultural.18
A perspectiva da assimilação
está ausente do enunciado étnico, e o duplo perten-
cimento contido na categoria de identidade (teuto-
-brasileira) combina etnicidade (com seu referente
de ascendência e cultura) e cidadania (e seu corolá-
rio de fidelidade ao Estado).
Enfim, o uso da etnicidade na política, num
momento de consolidação da (então) pequena
burguesia local, evidencia-se na mobilização em
torno do cadastramento eleitoral dos colonos, na
medida em que isso foi permitido aos que desco-
nheciam a língua vernácula, numa rede de relações
pessoais dominada por comerciantes e industriais
devidamente naturalizados. No início do século
XX, um dos grupos políticos de Blumenau tentou
criar um partido étnico com a rubrica de Volks-
verein (ou, em português, União Popular), mas a
pressão nacionalista impediu sua concretização.
O Deustschtum entrou na política na voz de teu-
to-brasileiros filiados aos partidos convencionais.
Seus dois significados podem ser percebidos no vo-
lume comemorativo (o Gedenkbuch) anteriormente
mencionado. Seu editor, Gottfried Entres, era um
desses empresários étnicos, proprietário da Livraria
Central, em Florianópolis, com conexões na Ale-
manha, e que teve sua empresa depredada numa
das manifestações antigermânicas que se seguiram
à declaração da Guerra ao II Reich em 1917. O
formato da publicação cumpre o que está apenso
ao título – um olhar sobre o passado e o presente
de Santa Catarina a partir do Deutschtum. O pro-
gresso das regiões coloniais (e seu ponto de partida
“pioneiro”) sobressai no livro, reforçando o signi-
ficado prático/econômico associado à germanida-
de (na sua versão do “trabalho alemão”); a política
entra em cena por intermédio das lideranças mais
em evidência na época, os irmãos Adolfo e Victor
Konder, políticos vinculados ao Vale do Itajaí, res-
pectivamente governador do Estado e ministro dos
Transportes (do governo do presidente Washington
Luis Pereira de Souza). Na formatação da ideologia
étnica, porém, tem maior relevo a reivindicação da
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A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  59
diferença cultural, observada nos diversos poemas
distribuídos ao longo do livro, nas referências en-
fáticas ao valor das “escolas alemãs”, à literatura em
língua alemã, às associações etc. E um breve artigo
do editor fecha a publicação defendendo o Brasil-
deutschtum, invertendo a prioridade (a outra cate-
goria é Deutschbrasilianertum, uma referência iden-
titária), mas usando o argumento da fidelidade do
alemão à sua nação de origem (termo tomado no
seu sentido cultural e étnico, sem conotação de per-
tença política). A ideia de uma nova Heimat cons-
truída, nesse caso em Santa Catarina, perpassa o
Gedenkbuch, em que membros da elite econômica
e política teuto-brasileira distinguem-se na ampla
“paisagem cultural” (civilizada) da colonização.
Considerações finais
O transnacionalismo tem sido bastante discu-
tido nos estudos das migrações contemporâneas,
tendo em vista a intensidade dos fluxos e seus re-
flexos nas políticas da identidade envolvendo a
transposição de fronteiras internacionais. É consi-
derado um fenômeno distinto da globalização que,
nos termos de Kearney (1995, p. 548), refere-se a
processos sociais, econômicos, culturais e demográ-
ficos que tem lugar no interior das nações mas as
transcendem. Para Kearney, o transnacionalismo se
sobrepõe à globalização mas tem um alcance mais
limitado. Hannerz (1996, p. 6) também considera
o transnacionalismo mais “modesto” do que globa-
lização, e mais adequado para fenômenos que são
muito variados, mesmo quando eles compartilham
a característica de não estar contido num único Es-
tado. Lembra também que muitas das ligações em
questão não são “internacionais” no sentido de en-
volver nações, ou Estados, como atores corporati-
vos; e os atores a considerar são indivíduos, grupos,
movimentos, enfim, a diversidade de organizações.
E acrescenta que existe uma certa ironia no fato do
termo transnacional dar atenção ao que ele nega,
isto é, a contínua significação do nacional.
A questão das identidades (nacionais) é crucial
na definição do atual Estado-nação transnacional,
como se observa no texto de Schiller e Fouron
(2000), mas este é apenas um dos temas abarcados
pelo transnacionalismo. Aqui, a noção de Estado-
-nação transnacional não está sendo usada, mas os
dados apontam para uma dinâmica transnacional
envolvendo atores sociais que, de alguma forma,
“transitam” entre dois Estados nacionais, desem-
penhando papel importante na definição da etni-
cidade teuto-brasileira. O trânsito pode ser tomado
num sentido mais literal do deslocamento no espa-
ço, ou numa forma metafórica abrangendo a circu-
lação de ideias. Considero importante destacar essa
forma de transnacionalismo (dada a germanidade
do termo) operando no contexto histórico da imi-
gração alemã, bastante diverso dos fenômenos mi-
gratórios atuais porque estava ligada à colonização e
ao povoamento de terras devolutas no sul do Brasil.
No conjunto de dados sobre a colonização do
Vale do Itajaí e nele, particularmente Blumenau, so-
bressai o fato de que a imigração, mesmo no século
XIX, não representava necessariamente um rom-
pimento definitivo com o país de origem. Aliás, o
transnacionalismo já estava presente antes mesmo da
fundação da colônia, dadas as conexões de Hermann
Blumenau envolvendo o cônsul Sturz, o marquês de
Abrantes e outras autoridades brasileiras, e figuras
notáveis dos meios acadêmicos alemães preocupados
com o futuro de seus compatriotas emigrantes.
As idas e vindas de Hermann Blumenau entre
Alemanha e Brasil, antes e depois da fundação da
colônia (em 1850), tinham o propósito de atrair
emigrantes e, num dado momento, o casamento
com uma compatriota, objetivo também de co-
lonos comuns, conforme o relato de Klara Her-
mann. Se para muitos “colonos” tornar-se imigran-
te significava o não retorno à pátria, para outros,
certamente os mais abonados, havia sempre a pos-
sibilidade de manutenção dos laços com parentes
e amigos da Alemanha. Além disso, a notoriedade
do Vale do Itajaí (como região de “colonização ale-
mã”) está associada à figura pública do seu fun-
dador, ressaltada nos escritos produzidos sobre seu
empreendimento, em geral publicados na Alema-
nha. A imagem da territorialização de uma nova
Heimat no Brasil, por sua vez, transformou a re-
gião num lugar exemplar, modelo ideal da germa-
nidade no estrangeiro, assinalado nas publicações
de viajantes, cientistas, pastores (como Gustav
Stutzer) etc., e nos poemas e contos produzidos
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60  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77
por literatos alemães e teuto-brasileiros. Aliás, ou-
tro personagem da colônia, tão notável quanto o
fundador, foi o naturalista Fritz Müller, qualifica-
do como “colono alemão” ligado ao Museu Nacio-
nal do Rio de Janeiro. Sua correspondência com
Charles Darwin e o reconhecimento de sua obra
científica também tiveram o efeito de tornar a co-
lônia conhecida no exterior.
A persistência do fluxo imigratório e a existên-
cia de entidades alemãs voltadas para os imigrantes,
como a sociedade de Proteção que enviou Hermann
Blumenau ao Brasil, e a Haus des Deutschtums,
que coeditou o Gedenkbuch organizado por Entres
(1929), contribuíram para a circulação dos ideais
da germanidade, assim como jornais, anuários e
outras publicações teuto-brasileiras vendidas nas
casas comerciais, urbanas e rurais. Isso evidencia
outros mediadores étnicos – os comerciantes (e
industriais) – que possuíam fortes ligações com a
Alemanha, econômicas ou não, contribuindo para
a consolidação de uma identidade teuto-brasileira.
Seu postulado tinha caráter instrumental, político
e econômico, igualmente alimentado pelo mesmo
princípio de pertencimento étnico que deu relevo
à crença numa neue Heimat assentada no binômio
lar-língua materna e na percepção da diferença cul-
tural em relação à sociedade nacional receptora. A
dimensão cultural que caracteriza a etnicidade pas-
sa pela onipresença da noção de uma nova pátria
territorializada no Vale do Itajaí. E, diante da fre-
quência com que os literatos teuto-brasileiros usam
elementos da paisagem como metáfora da diferen-
ça (cf. Seyferth, 2004), pode-se dizer que na neue
Heimat o teuto-brasileiro é um alemão na sombra
da palmeira. Afinal, para Klara Hermann o único
elemento destoante na Joinville colonial (a primeira
“cidadezinha alemã” por onde passou ao chegar ao
Brasil) era a Alameda das Palmeiras.
Notas
1	 Ver, por exemplo, as coletâneas organizadas por Co-
hen (1996); Cohen e Layton-Henry (1997).
2	 Os volumes organizados por Barth (1969), Cohen
(1974), Glazer e Moynihan (1975), Hutchinson e
Smith (1996), Guiberneau e Rex (1997), e os trabalhos
de Cardoso de Oliveira (1976), Eriksen (1993), Banks
(1996) e Fenton (2008) proporcionam uma visão am-
pla das abordagens, às vezes conflitantes, a esse respeito.
3	 As biografias ressaltam o título acadêmico (na área da
química) e a posição de classe média (seu pai era en-
genheiro florestal), bem como a benemerência do seu
projeto de colonização. Ver, Fouquet (1999).
4	 Alguns anos depois, Sturz foi demitido do cargo por
causa das suas críticas contundentes à escravidão, ape-
sar da referida incompatibilidade ser compartilhada
por algumas autoridades imigrantistas brasileiras.
5	 A emigração de alemães para a América começou
ainda no século XVIII, antes da independência dos
Estados Unidos, atendendo à propaganda inglesa que
procurou atrair indivíduos e famílias das denomina-
ções protestantes não luteranas. Havia, portanto, uma
tradição de longa duração, continuada ao longo do
século XIX. O verbo “desviar”, por sua vez, era conju-
gado por imigrantistas brasileiros como o marquês de
Abrantes, supondo alguma eficácia da propaganda de
agenciadores e proprietários de empresas de navega-
ção interessados no transporte dos “colonos”.
6	 A maioria dos imigrantes tinha poucos recursos, via-
jando com a família (portanto, havia crianças e idosos,
os mais atingidos pelas doenças decorrentes da alimen-
tação deficiente). Por outro lado, mesmo ao longo do
século XX, a imigração estava associada à pobreza e,
num dado momento (década de 1920), o imigrante foi
(des)qualificado pelo governo brasileiro como aquele
indivíduo que viaja na 3ª classe dos navios.
7	 Sobre os princípios que nortearam a colonização basea-
da na pequena propriedade familiar, implementado em
terras devolutas, ver Roche (1969) e Seyferth (2009).
8	 Os Stutzer são um caso exemplar, entre muitos ou-
tros: seus livros tiveram edições sucessivas entre 1886
e 1924. Num deles (Stutzer, 1886) aponta Blumenau
como destino ideal para os emigrantes alemães.
9	 A parte do texto de Lacmann relativa ao Vale do Itajaí
foi traduzida e publicada na revista local Blumenau em
Cadernos [XXXVIII (11), 1997], de onde foi extraído
o trecho citado. A expressão deutsche Gebiet – território
alemão – foi mantida no original pela tradutora. A publi­
cação original – “Ritte und Rasttage in Südbrasilien” –
foi editada em Berlim por Dietrich Reimer, em 1906.
10	 Ver Blumenau em Cadernos [L (6), 2009, p. 17], onde
está publicado o trabalho de Stutzer intitulado “Na
Alemanha e no Brasil – Retratos da colônia Blume-
nau” (editado originalmente na Alemanha, na forma
de opúsculo).
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A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  61
11	 As duas efemérides ocorreram, respectivamente, em
2000 e 1999. O trabalho de Klara Hermann saiu em
Blumenau em Cadernos, XLIII (11/12), 2002; XLIV
(1/2), 2003.
12	 Algumas casas remanescentes, consideradas mais “au-
tênticas” nos padrões atuais, foram tombadas pelo
patrimônio histórico em diversos municípios; e no
contexto arquitetônico de alguns museus, como em
Joinville, por exemplo, casas inteiras foram trazidas
das áreas rurais, remontadas e mobiliadas para mos-
trar o que era o lar do “colono pioneiro” remediado.
13	 Um bom exemplo desse tipo de relato é a história de
vida escrita por Karl Kleine, intitulada “Blumenau de
ontem: experiências e recordações de um imigrante”,
parcialmente publicada na revista Blumenau em Ca-
dernos, XLI (11/12) e XLII (1/10).
14	 Sobre a importância das publicações periódicas e suas
repercussões nas ideias da germanidade no Vale do Ita-
jaí, ver Seyferth (1982); a literatura, especialmente a po-
esia, foi analisada por Huber (1993) e Seyferth (2004).
15	 A percepção do “lindo Itajaí” como pátria está assina-
lada num texto de Cristina Blumenau, escrito na dé-
cada de 1930 e publicado em Blumenau em Cadernos,
I (5), 1958.
16	 Sobre os modelos de análise relativos aos “empresários
étnicos”, ver a coletânea organizada por Waldinger,
Aldrich e Ward (1990).
17	 Sobre essa questão, ver Seyferth (1994).
18	 Nos jornais mais diretamente influenciados pelo pan-
germanismo – caso do Der Urwaldsbote – a reivindica-
ção do direito à diferença assumiu contornos racistas,
defendendo a pureza étnica.
BIBLIOGRAFIA
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242  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77
A DIMENSÃO CULTURAL DA
IMIGRAÇÃO
Giralda Seyferth
Palavras-chave: Imigração; Cultura; Etni-
cidade teuto-brasileira; Transnacionalismo.
Este trabalho tem por objetivo analisar
aspectos da dimensão cultural da imigra-
ção, em consonância com etnicidade, fo-
calizando um caso exemplar no contexto
da colonização europeia em Santa Catari-
na – a “colônia Blumenau” – num perío-
do histórico marcado pela instauração da
República (em 1889) e pelo aumento ex-
pressivo das entradas de estrangeiros no
Brasil, permeado por um sistema mun-
dial produzido, entre outras coisas, pela
expansão imperialista. A partir desse caso
é possível perceber como certas formas
de circulação de bens culturais, inclusive
ideias, valores e ideologias étnicas, contri-
buíram para a construção da etnicidade
teuto-brasileira, apontando para a longa
duração do transnacionalismo. O surgi-
mento de subsistemas culturais naquela
situação histórica de formação do Estado
nacional republicano põe em evidência a
difícil conciliação entre a nação e a diver-
sidade cultural produzida pela imigração.
THE CULTURAL DIMENSION OF
IMMIGRATION
Giralda Seyferth
Keywords: Immigration; Culture; Ger-
man-Brazilian ethnicity;Transnationalism.
The aim of this work is to analyze aspects
of the cultural dimension of immigra-
tion in conformity with ethnicity. It fo-
cuses an exemplary case in the context
of European colonization in the Brazil-
ian State of Santa Catarina – “colônia
Blumenau” – during a historical period
distinguished by the institution of the
Republic (1889), and by the significant
expansion of the entry of foreigners in
Brazil, amidst a world system resulting,
among other things, from imperialist ex-
pansion. This case shows how forms of
circulation of cultural goods, including
ideas, values, and ethnic ideologies, have
contributed to the construction of some
German-Brazilian ethnicity, indicating
the long duration of transnationalism.
The constitution of cultural subsystems
in the historical situation where the Na-
tional Republican State was being estab-
lished shows the difficulties in conciliat-
ing nation and cultural diversity resulting
from immigration.
LA DIMENSION CULTURELLE DE
L’IMMIGRATION
Giralda Seyferth
Mots-clés: Immigration; Culture; Ap-
partenance ethnique teuto-brésilienne;
Transnationalisme.
Ce travail aborde, selon l’origine eth-
nique, les aspects de la dimension cultu-
relle de l’immigration. Il se concentre sur
un cas exemplaire dans le contexte de la
colonisation européenne dans l’état bré-
silien de Santa Catarina – la « colonie
de Blumenau » – au cours d’une période
historique marquée par l’instauration de
la République (en 1889) et par l’augmen-
tation significative de l’entrée des étran-
gers au Brésil, imprégnée par un système
mondial découlant, d’entre autres, de
l’expansion impérialiste. À partir de ce
cas, il est possible de percevoir comment
certaines formes de circulation de biens
culturels – y compris les idées, les valeurs
et les idéologies ethniques – ont contribué
à la construction de l’ethnie teuto-bré-
silienne, indiquant vers la longue durée
du transnationalisme. L’émergence de
sous-systèmes culturels dans le cadre de la
situation historique de formation de l’État
national républicain met en évidence la dif-
ficile conciliation entre la nation et la diver-
sité culturelle produite par l’immigration.
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A dimensão cultural da imigração giralda seyferth

  • 1. RBCS Vol. 26 n° 77 Outubro /2011 Artigo recebido em 17/01/2011 Aprovado em 25/07/2011 Os conceitos de assimilação e aculturação mar- caram alguns dos principais estudos sobre a imi- gração no Brasil realizados no âmbito das ciências sociais até o início da década de 1970. Os pesquisa- dores estavam interessados nas mudanças sociocul- turais e comportamentais envolvidas na inserção dos imigrantes na sociedade brasileira. No entanto, as análises realizadas apresentaram evidências da plu­ ralidade cultural e da formação de novas identidades fundadas na diferença cultural, assuntos de pouco interesse quando o foco é o processo de absorção ou integração dos imigrantes na sociedade nacional. Por outro lado, as teorias mais recentes sobre processos migratórios deram maior atenção às questões eco- nômicas e políticas envolvendo a migração em larga escala, em consonância com a globalização.1 O fenômeno migratório também produz etni- cidade, palavra-chave nas análises de sistemas in- terétnicos amplamente usada nas últimas décadas com implicações nas políticas de reconhecimento (inclusive aquelas associadas ao multiculturalismo e aos direitos de minorias). A delimitação teórica agrega a identidade (e seus aspectos subjetivos) e a noção de fronteira (social) que delimita o perten- cimento a um grupo ou comunidade. Na prática, são enfatizados discernimentos sobre a simbólica da diferença cultural e os valores que orientam com- portamentos. Contudo, alguns autores observaram que etnicidade, identidade e cultura são coisas dis- tintas, não havendo necessariamente uma relação de causa-efeito entre elas. Mas, paradoxalmente, são fenômenos entrelaçados, observáveis também nos contextos migratórios.2 As teorias da migração nem sempre contem- plam a cultura, assunto tão relevante quanto as re- presentações da identidade construídas por indiví- A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO Giralda Seyferth 11091-rBCS77_AF3a.indd 47 10/10/11 12:37
  • 2. 48  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 duos e grupos a partir dela, formando enunciados simbólicos que apontam a ideologia como sistema cultural, uma proposição teórica de Geertz (1964) apropriada por Aronson (1976) para refletir sobre a etnicidade como um tipo particular de ideolo- gia. Aliás, a noção de diferença cultural, no caso da imigração, remete às ideologias de pertencimento e seus usos, inclusive políticos, diante das situações de desigualdade no âmbito do Estado-nação. Cul- tura e etnicidade, portanto, estão relacionadas e sua propriedade pode ser observada na proposição con- ceitual de Abner Cohen que considerou etnicidade “uma forma de interação entre grupos culturais ope- rando em contextos sociais comuns” (1974, p. XI). Este trabalho tem por objetivo analisar a di- mensão cultural da imigração, em consonância com etnicidade, a partir de um “estudo de caso” relativo à colonização estrangeira no contexto dos deslocamentos mais significativos de europeus para o Brasil. Trata-se de analisar um segmento abona- do de “colonos alemães” estabelecidos no Vale do Itajaí, em espaços urbanos que, sob a denominação de Stadtplatz, surgiram em lugares específicos para sediar a administração de cada núcleo colonial. Nes- se caso, destaca-se, principalmente, a colônia Blu- menau, por sua notoriedade como paradigma do “enquistamento étnico” produzido pela imigração, conforme o entendimento do nacionalismo brasilei- ro, sua importância na política estadual a partir da República, destacando-se lideranças assumidamen- te teuto-brasileiras em conformidade com Deuts- chtum (germanidade) em sua afirmação empírica e simbólica. Além disso, no Vale do Itajaí em geral, e na colônia fundada por Hermann Blumenau3 em particular (em parte por causa dos laços com im- portantes figuras do meio acadêmico germânico), circularam viajantes, geógrafos e outros cientistas, migrantes de todos os matizes e, com eles, muitas ideias relacionadas com o nacionalismo alemão. O período histórico, portanto, é o da “grande imigração” e da instauração da República de 1889, que põe em evidência a formação do Estado nacio- nal permeada por um sistema mundial produzido, entre outras coisas, pela expansão do colonialismo e do capitalismo, e pela emigração em massa de eu- ropeus. Caracterizou-se por uma exacerbação nacio- nalista alimentada por um discurso assimilacionista radical em relação aos parâmetros luso-brasileiros de formação da nação, que exigia o “caldeamento” dos alienígenas (isto é, todos os imigrantes e descen- dentes não abrasileirados, estabelecidos no território nacional). Por meio deste estudo, que aborda a pro- blemática da imigração alemã, é possível mostrar a circulação de ideias, saberes e valores e algumas das bases empíricas de um (sub)sistema cultural produ- zido pela colonização – considerado perigoso pelo nacionalismo – que permitiram o surgimento da etnicidade teuto-brasileira, destacando a perenidade desse fenômeno reportado ao transnacionalismo. Cultura e a simbologia da etnicidade Os primeiros estrangeiros que se fixaram no Vale do Itajaí, em 1836, eram alemães egressos da colônia de São Pedro de Alcântara (fundada em 1829, pouco antes do corte de despesas que inviabi- lizou a colonização com imigrantes). Essa migração interna, porém, não produziu um núcleo colonial ali: eram poucas famílias e, de fato, os descontentes com a situação precária em São Pedro de Alcân- tara preferiram se estabelecer na capital da provín- cia, Desterro (Florianópolis), ou na vila portuária de Itajaí – duas localidades propícias às atividades comerciais. A colonização do vale só começou com a fundação de Blumenau, em 1850, já no contexto de abertura às iniciativas particulares. As empresas de colonização, formadas para essa finalidade, po- diam receber por compra (ou concessão) áreas de terras devolutas de até seis léguas quadradas, para demarcá-las em lotes para venda a colonos-imigran- tes (arcando também com as despesas de propagan- da na Europa). Dessa forma, Hermann Blumenau, associado a um comerciante alemão estabelecido em Desterro, requereu terras devolutas e adquiriu pequenas áreas de particulares no médio vale do rio Itajaí-açu, para formar ali uma nova Heimat (pá- tria) com imigrantes de origem germânica. A co- lônia ficou conhecida dentro e fora do Brasil por causa do enunciado étnico do empreendimento, provavelmente inspirado no nacionalismo român- tico anterior à unificação da Alemanha, e das publi- cações que suscitou, especialmente os livros escritos pelo fundador com o intuito de atrair imigrantes 11091-rBCS77_AF3a.indd 48 10/10/11 12:37
  • 3. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  49 e outras obras que destacaram suas características “alemãs”, produzidas por visitantes ocasionais, pas- tores e outros migrantes temporários e viajantes ocasionais de grande notoriedade como J. J. von Tschudi; tema presente também na literatura fic- cional de autores teuto-brasileiros que publicaram contos, romances e poesias em língua alemã antes da intervenção nacionalizadora do Estado Novo iniciada em 1937. Hermann Blumenau não tinha motivações eco- nômicas para emigrar e tampouco possuía recursos que permitissem a realização de um projeto de co- lonização em larga escala. Seu interesse pela coloni- zação alemã no sul do Brasil surgiu a partir de um encontro com o cônsul do Brasil na Prússia, J. J. Sturz, em 1844, durante uma viagem à Inglaterra. O cônsul julgava possível realizar um grande proje- to de colonização (no Brasil, ou no Uruguai), mas não chegou a fazer uma proposta formal ao governo brasileiro por considerar incompatível a coexistência da imigração com o regime escravista.4 Dois anos de- pois do encontro, Blumenau obteve o grau de dou- tor na Universidade de Erlangen, após concluir o curso de química, talvez pensando numa carreira acadêmica como naturalista, conforme observação de Fouquet (1999, p. 20). Por meio da inserção aca- dêmica e do próprio Sturz, conheceu pessoas notá- veis como Humboldt e Martius, que deram apoio à sua proposta de colonização, recomendando-o às autoridades brasileiras. Antes de decidir realizá-la em Santa Catarina, percorreu o sul como represen- tante da Sociedade de Proteção aos Imigrantes Ale- mães no sul do Brasil. Chegou à essa organização por intermédio de Alexandre von Humboldt, com a incumbência de avaliar as condições para uma co- lonização em grande escala, mobilizando parte dos emigrantes que tinha como destino os Estados Uni- dos da América. Entre os imigrantistas brasileiros, tinha apoio do marquês de Abrantes, que em 1846 era ministro plenipotenciário em Berlim, incumbi- do, entre outras coisas, de obter consentimento do governo prussiano para a atuação dos agenciadores de emigrantes para o Brasil. A missão diplomática de Abrantes não foi bem- -sucedida pois, em 1859, a Prússia promulgou de- creto que dificultava a emigração para o Brasil. Isso foi motivado pelas denúncias acerca das condições precárias das colônias no sul, da servidão associada aos contratos de parceria nas fazendas paulistas e do discurso das autoridades brasileiras sobre a substi- tuição do escravo pelo trabalhador livre imigrante, objeto da crítica de Sturz. Os planos de colonização dessa sociedade não se concretizaram. Era necessário grande aporte fi- nanceiro (que precisava ser captado na Europa) e uma propaganda eficiente que pudesse “desviar” a corrente emigratória que tinha como destino a América do Norte, particularmente os Estados Unidos,5 num período em que os próprios gover- nos alemães, sobretudo o da Prússia, colocavam entraves ao agenciamento de emigrantes para o Brasil. Além disso, o custo da viagem para a Amé- rica do Sul era muito maior, e os riscos da longa travessia marítima na primeira metade do sécu- lo XIX eram grandes, registrando-se altos índices de mortalidade, principalmente entre aqueles que viajavam de forma mais precária.6 Mesmo assim, Blumenau propôs ao governo brasileiro um projeto menos ambicioso, inclusive porque a “grande esca- la” pretendida não estava de acordo com o modelo sancionado para a iniciativa particular. Apesar do interesse no povoamento/colonização vinculados à imigração europeia, que aponta à questão da for- mação do Estado e da consolidação do território nacional, havia certo cuidado, inclusive no Minis- tério do Império, em relação a projetos de grande monta, sendo autorizadas, de acordo com a legisla- ção, as propostas contidas no limite máximo de seis léguas em quadra. O Vale do Itajaí não foi a primei- ra opção, mas aquela que, de fato, deu certo, após um período de quatro anos percorrendo gabinetes, conversando com ministros e parlamentares na Corte e na Assembleia Provincial de Santa Catarina. A pertinácia de Hermann Blumenau é no- tável, em parte explicada pelo sentido de missão, defendendo uma “causa” (a formação de “colônias alemãs” cultural e nacionalmente configuradas), de certo modo inculcada por Sturz, mas também por Martius, Wappäus e outros que escreveram sobre o Brasil, assim como Humboldt – todos indivíduos com grande prestígio acadêmico também preocu- pados com a emigração dos seus compatriotas e os movimentos sociais que culminaram com a revo- lução de 1848. Tratava-se de dar oportunidade aos 11091-rBCS77_AF3a.indd 49 10/10/11 12:37
  • 4. 50  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 emigrantes (motivados por razões econômicas e/ou políticas) de formar uma nova pátria (obviamente germânica) num outro país – um tipo de territoria- lização considerado viável no formato da coloniza- ção tendo em vista a sinonímia com povoamento (o que foi o caso da colônia fundada no Itajaí-açu). Não pretendo analisar essa colonização, que seguiu as normas da legislação brasileira;7 deve-se destacar, porém, que Blumenau e seus auxiliares mais próximos viajaram muitas vezes para a Ale- manha para recrutar emigrantes que pudessem viajar sem subsídios e, em alguns casos, para ca- sar, mantendo contatos com pessoas notáveis. Por outro lado, o empreendimento foi visitado por um grande número de compatriotas, muitos dos quais ali permaneceram por vários anos. O casal Gus- tav (um pastor protestante) e Therese Stutzer é um bom exemplo: eles viveram em Blumenau durante quase uma década e, voltando para a Alemanha, publicaram vários livros sobre a região e também obras de ficção, acentuando o “caráter” germânico da colônia, que consideravam uma pequena Ale- manha no Brasil.8 Os Stutzer, porém, são apenas um exemplo da vasta produção em língua alemã sobre o Vale do Itajaí (tão importante quanto os trabalhos publicados em língua portuguesa) – como pode ser observado nas resenhas realizadas por Fouquet (1950) e Seyferth (1988). Assim, a circulação de pessoas entre Blumenau e a Alemanha foi bastante significativa, mostrando fortes laços com a Urheimat (velha pátria) mesmo na situação de isolamento enfrentada na primeira década da colonização. Apesar disso, o empreen- dimento enfrentou dificuldades, pois, sendo parti- cular, dependia de um fluxo relativamente intenso de imigrantes para cobrir os gastos da demarcação, abertura de caminhos, construção de prédios públi- cos (inclusive escolas) e outros encargos assumidos pela empresa, através da venda dos lotes aos colo- nos. Blumenau não conseguiu atrair um número necessário de compatriotas, apesar do grande mo- vimento emigratório alemão. A iniciativa não fra- cassou porque o governo imperial assumiu a colo- nização em 1860, ano em que foi fundada outra “colônia alemã”, oficial, no Itajaímirim – Brusque. Não existia mais o empresário colonizador, mas Blumenau foi mantido na direção da colônia até sua emancipação política, como município, no iní- cio da década de 1880, ocasião em que retornou definitivamente para a Alemanha. Transformado em região de colonização ofi- cial, o médio Vale do Itajaí passou a ser o destino de imigrantes alemães atraídos pelos subsídios, via agenciadores a serviço do governo imperial. Isso mudou o perfil do colono, pois, a partir de 1875, começaram a chegar imigrantes de outras origens nacionais, notadamente italianos e poloneses. O que antes era um projeto de nova Heimat para ale- mães protestantes, criticado com veemência pela igreja católica, agora recebia não só alemães cató- licos, mas também gente de outras nacionalidades. Manteve-se, porém, o epíteto de “colônias alemãs” para os principais núcleos coloniais, até porque a maioria da população, na virada do século XX, era de origem germânica e o subsistema cultural ali formado deu respaldo ideológico a essa qualifica- ção. A notoriedade do Vale do Itajaí como lugar de “colonização alemã” deve-se, em grande parte, à atuação de Hermann Blumenau e aos viajantes e outros personagens – aí incluídos os imigrantes “temporários” que retornaram, caso dos Stutzer – que ajudaram a criar a imagem de um lugar baliza- do pelos valores da germanidade (Deutschtum). Ao tratar do status ontológico do termo etni- cidade, Fenton observou que ele diz respeito à des- cendência e à cultura. Considera isso um ponto de partida e não simplesmente uma definição, e o ponto seguinte é pensar que etnicidade “se refere à construção social da descendência e da cultura, à mobilização social da descendência e da cultura, e ao significado e implicações dos sistemas classifi- catórios construídos em torno dela” (2008, p. 3). Povos não possuem apenas culturas ou ancestrali- dade compartilhada, eles elaboram as duas coisas para compor uma ideia de ancestralidade que cerca as definições de grupos ou comunidades, procura mostrar que os rótulos étnicos (ou outras categorias) não estão no vazio, tem uma base real a sustentá- -los. De outro modo, Max Weber (1991, p. 270) também apela a princípios semelhantes ao tratar das coletividades (ou comunidades) étnicas e de nação, destacando a crença na afinidade de origem (obje- tivamente fundada ou não) e os habitus, costumes etc., fazendo referências, inclusive, à imigração. 11091-rBCS77_AF3a.indd 50 10/10/11 12:37
  • 5. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  51 Cultura e etnicidade estão entrelaçados, o que põe em evidência a diferença (em relação aos “outros”) e o embasamento da identidade. Então, no que consiste, empiricamente, a cultura teuto- -brasileira na virada para o século XX, marcada pela configuração da colônia Blumenau nos seus primórdios (com extensão para outras “colônias alemãs” da região)? Cabe, fazer referência à política de colonização voltada para a localização de imi- grantes em terras devolutas, um procedimento que não ameaçava os interesses da grande propriedade monocultora. Esse regime de povoamento de áreas de florestas e sem vias de comunicação terrestre – caso das colônias de Blumenau e Brusque – foi idealizado no âmbito do aparelho de Estado sem incluir potenciais colonos brasileiros. Nas primeiras décadas, a maior parte dos imigrantes, e mesmo a segunda geração, teve pouco ou nenhum convívio com a sociedade nacional, e isso teve reflexos na formação comunitária étnica, tanto quanto a ideia mais geral de, naquele lugar, territorializar a nova Heimat (na sua associação com o lar). É claro que o próprio regime de colonização, baseado na peque- na propriedade familiar, era bem diverso do meio rural brasileiro, ajudando a compor a diferença so- ciocultural, assim como a “aculturação ergológica” assinalada por Willems (1946) para referir-se aos novos padrões de alimentação, moradia, vestuário, tecnologia etc. – mudanças relacionadas com a cul- tura material e a adaptação ao novo meio ambiente. Essa especificidade não tem grande impor- tância quando o assunto são os aspectos pragmá- ticos da etnicidade, relativos mais diretamente à dimensão cultural valorizada, e aí emerge, em pri- meiro lugar, o caráter distintivo da língua falada no cotidiano das colônias. Na prática, a ideia de Heimat, e seu qualificador, a germanidade, supõe o uso comum da língua alemã, uma característica enfatizada em vários textos e depoimentos, seja de viajantes ocasionais, seja de colonos comuns. Veja- -se, por exemplo, as impressões de viagem de Wi- lhelm Lacmann, que esteve no Vale do Itajaí (e em outras áreas de colonização de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul) em 1903. No livro publicado em 1906, compara Blumenau a uma “pequena ci- dade alemã das montanhas”, um lugar onde a lín- gua alemã se preservou, apesar da incorporação de expressões idiomáticas relativas ao meio ambiente; e acrescenta (numa observação mais geral): “As co- lônias, sob o meu ponto de vista, podem ser con- sideradas deutsches Gebiet”, uma região de caráter alemão. Nestas colônias foram conservadas a lín- gua, os hábitos e os costumes germânicos. Também não desapareceu o sentimento de afinidade com o povo alemão”.9 De modo mais enfático, Gustav Stutzer tam- bém faz questão de destacar o uso cotidiano da língua alemã em Blumenau, enquanto seus com- patriotas que emigraram para a América do Nor- te trocaram sua bela língua materna “pelo horrível som da língua yankee”.10 Tais publicações podiam ter eficácia limitada como propaganda, mas muitas vezes influenciaram a decisão de emigrar. Por outro lado, entre os “do- cumentos originais” publicados pela revista Blume- nau em Cadernos nos contextos comemorativos do sesquicentenário de Blumenau e do centenário da morte de Hermann Blumenau, encontram-se me- mórias, vivências e escritos variados de imigrantes, em que são delineados, além da questão da língua, outros aspectos da especificidade cultural. Um bom exemplo é o texto intitulado “Erlebnis von Klara Hermann”11 (Experiência de Klara Hermann) – um relato sobre a vida na colônia no início do sécu- lo XX, precedido pela motivação para emigrar. A percepção da germanidade local aparece no texto quando descreve sua passagem por Joinville (uma “colônia alemã”) a caminho do Vale do Itajaí: Em São Francisco me senti como se estivesse em um país estrangeiro, mas Joinville tirou essa impressão, aqui só se ouvia falar alemão e a cidade tinha o aspecto de uma cidadezinha alemã. O que nos transmitiu esta impressão certamente eram os jardins ao redor das casas com suas flores exuberantes. Também havia belas rosas. Cada qual procurava reproduzir um pouco a pátria mãe. Apenas a bela Alame- da das Palmeiras lembrava o Brasil. Aí está a impressão inicial de uma imigrante recém-chegada, que desembarcou em São Fran- cisco (do Sul), localidade portuária surgida no Brasil-Colônia, e logo em seguida adentra a região 11091-rBCS77_AF3a.indd 51 10/10/11 12:37
  • 6. 52  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 colonizada pela Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo, e cujo polo urbano era a cidade de Joinville. Além da alusão linguística, é interessante observar que o outro aspecto distintivo destacado no texto diz respeito à Wohnkultur ou, de modo mais objetivo, ao lar, à casa e seu entorno (o jardim) – referência básica da ideia de Heimat, termo deri- vado de Heim (lar), o que explica a ênfase geral da construção de uma nova pátria no Brasil. A imagem (elaborada) da chegada ao destino (o lote colonial recebido pelo marido na colônia Hansa-Humboldt, situado além de Blumenau) também é significativa: Chegamos a um vale verde cortado por inúme- ros rios, rodeado de morros, o qual nos trazia à memória a paisagem da floresta da Turíngia, havendo alemães tanto aqui como lá. No Stadt- platz (centro da colônia) já havia algumas casas de aparência simpática, três vendas e um hotel, mas nós continuamos nosso caminho através da mata virgem e, finalmente, chegamos ao nosso destino. As crianças vizinhas me aguardavam à beira da estrada com flores. Crianças louras de olhos azuis, nascidas aqui, vieram dar-me as boas vindas. Nossa casa ficava em meio a um pasto rodeado de um pequeno jardim. As duas transcrições falam por si mesmas. O estranhamento em relação à cidade brasileira de- saparece diante da familiaridade da nova Heimat e sua paisagem (cultural), do encontro com compa- triotas, pois havia alemães naquele lugar do Brasil que mantinham a língua e as tradições. A imigra- ção, afinal, podia se concretizar sem um rompi- mento radical com as origens. A menção à casa já existente nas terras com- pradas pelo marido-colono pode parecer estranha, numa situação de colônia nova, ainda cercada pela floresta. A explicação está no motivo da emigração: o casamento. O marido de Klara Hermann estava es­ ta­belecido ali há 4 anos, a propriedade já estava “desbravada”, tinha casa e jardim. Ele viajou para a Alemanha com o intuito de visitar a irmã e encon- trar uma esposa. Lá (na Alemanha) era identificado como “brasileiro” – um imigrante. Buscar esposa na Alemanha certamente não era coisa corriqueira, mas ocorria nos segmentos mais abonados, inclusive entre os colonos. Num período marcado pelo cresci- mento econômico da região como um todo, as via- gens para a Alemanha tornaram-se comuns. Além disso, o fluxo imigratório, embora pequeno, persis- tiu por causa da continuidade da colonização e do início da industrialização em Blumenau e Brusque, demandando mão de obra qualificada recrutada na Alemanha pelos empresários locais. O trânsito de pessoas na dupla rota da imigração contribuiu para reforçar o ideal de Deutschtum, presente no texto de Klara Hermann de forma aparentemente prosaica através do Heim (lar). No entanto, casas e jardins também aparecem como algo diferente, peculiar e valorizado, em alguns escritos sobre o Vale do Itajaí produzidos por brasileiros, viajantes ou lá radicados, em tempos mais recentes. A representação de Klara Hermann sobre a casa está presente num texto his- toriográfico de Max Tavares d’Amaral, publicado no ano de comemoração do centenário da funda- ção de Blumenau. Segundo o autor: O alemão, a primeira cousa que faz quando se estabiliza economicamente, quando começa a produzir, é substituir sua casinha tosca, primi- tiva, por outra melhor, até chegar a residência confortável de tijolos com suas cortinas na ja- nela, seu jardim e seu pomar que são o seu or- gulho e constituem o ornamento por excelên- cia da paisagem colonial. Parece poder dizer-se que a casa é o traço característico do colono alemão, o traço que o distingue dos demais. Ele pode perder todas as características da raça – a língua, as tradições, mas não perde nunca o hábito de morar em boa casa, quando suas condições econômicas o permitam (D’Amaral, 1950, p. 63). Atribui às condições de habitação um valor his- tórico social, afirmando que a ideia do Heim como “o mundo do colono”, trazida do país de origem, relaciona-se com a “Wohnkultur, isto é, o hábito de morar bem”, diferenciando-se do homem rural brasileiro e até mesmo de outros colonos europeus. A discussão sobre a moradia indica sua apropria- ção como elemento distintivo da “cultura teuto- -brasileira” por causa da sua visibilidade. Willems procurou mostrar que as casas não têm as mesmas 11091-rBCS77_AF3a.indd 52 10/10/11 12:37
  • 7. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  53 características na Alemanha, sobretudo as constru- ções de madeira, comuns em todo o sul do Brasil. No entanto, afirma que as diferenças (em relação aos brasileiros) surgem num dado momento, quan- do colonos prósperos utilizam nas construções “as experiências de sua cultura anterior”. O referencial é principalmente a casa no “estilo enxaimel”, cons- truída de tijolos com madeira à mostra. Aparen- temente irritado com o discurso generalizado em torno da moradia, diz: Quando todos os observadores que mui super- ficialmente descreveram a casa dos teuto-brasi- leiros, como se houvesse sido importada já feita da Alemanha, em geral ignoram o fato de que não existe uma “casa alemã” como não existe uma “cozinha alemã” (Willems, 1946, p. 231). Na lógica da teoria da aculturação, que embasa a análise de Willems, essa observação faz sentido porque remete à mudança cultural, porém encobre o fato da apropriação (simbólica, inclusive) de um traço cultural relevante na construção da diferença étnica com repercussão na identidade teuto-brasi- leira. O caráter distintivo da moradia, ou do lar, está presente na literatura sobre o Vale do Itajaí, sobretudo nos trabalhos orientados pela noção de Deustchtum, mas também nos discursos de sen- so comum. A distinção fica ainda mais marcante na sobreposição entre a casa e a língua alemã. Em suma, além da Wohnkultur, num Heim alemão deve predominar o uso do idioma alemão. A simbiose lar(casa)-língua chamou a atenção dos observado- res, inclusive os brasileiros, ao longo de boa parte do século XX. E a casa do discurso folclorista atual é aquela que a maioria dos observadores chamam de “típica” –construída no modelo enxaimel.12 Num caso extremo de xenofobia em relação ao perfil “germânico” de Blumenau, a diferença incô- moda estava na língua, nas casas, nos cemitérios, nas ruas batizadas com nomes estranhos, na circulação de um número excessivo de bicicletas, nas igrejas, no comportamento público das mulheres casadas, em toda parte. Para Rui Alencar Nogueira, um mi- litar participante da nacionalização imposta pelo Estado Novo, o Vale do Itajaí era um território do- minado por estrangeiros, onde se justificava o “abra- sileiramento” forçado. Daí expressar seu sentimento de aversão, pois naquele lugar não existia o Brasil (cf. Nogueira, 1947). A exigência de abrasileiramen- to, ou assimilação completa nos cânones da forma- ção luso-brasileira, vinha do final do século XIX, na voz de Silvio Romero e outros críticos da diversida- de étnica produzida pela imigração. A preocupação com a integridade territorial e cultural do Estado- -nação ficou mais evidente a partir da República de 1889, momento histórico em que Blumenau (e a colonização alemã em geral) se tornou exemplo de “enquistamento étnico”. A comparação dos textos de Nogueira e Klara Hermann, porém, mostra o mesmo princípio de estranhamento (e inconfor- mismo) diante do desconhecido e ao mesmo tempo novo: no primeiro caso, manifesta-se no relato da chegada do batalhão do exército a Blumenau, que deixou todos “contrafeitos” de estar numa cidade que não era brasileira; no segundo caso, entra em cena o desembarque em São Francisco do Sul, uma cidade brasileira, estrangeira, que traz à memória o rompimento da imigrante com a pátria, mas logo depois reencontrada na região de colonização alemã. O lar e a língua são associados de modo dire- to a uma concepção cultural de nação, no sentido particularista do nacionalismo romântico postula- do por Herder, autor eventualmente citado na im- prensa em língua alemã que se consolidou no Vale do Itajaí antes da Primeira Guerra Mundial. Isto não diminuiu a importância da pertença étnica de conteúdo primordial, confundida com ascendência e subsumida pelo termo “origem”, às vezes referido à raça. No outro extremo da lógica particularista, o modo de vida, os hábitos alimentares, as atividades econômicas e outros aspectos do complexo colonial compartilhados com colonos de outras procedên- cias nacionais também são apropriados como mar- cadores étnicos no confronto com o “outro” mais distanciado – o brasileiro. No campo subjetivo, a roça do colono alemão tem sua especificidade associada a um ethos do tra- balho próprio da etnia e não à forma de cultivo; e a individualidade dos hábitos alimentares permite vincular o consumo da polenta aos italianos, e o pão, aos alemães, mas na colônia ambos são fei- tos de milho e estão na cozinha dos dois grupos. Por outro lado, no cotidiano não havia muita es- 11091-rBCS77_AF3a.indd 53 10/10/11 12:37
  • 8. 54  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 colha, conforme mais um depoimento de Klara Hermann: em vez de batata come-se muito aipim, batata doce e feijão, e o Mus (doce de frutas) se faz de banana, laranja ou abóbora. No entanto, os cos- tumes condicionam as formas de adaptação, pois todos têm bananas e laranjas, mas o Mus é alemão! As práticas cotidianas, habitus, modo de vida, or- ganização social e outros aspectos da realidade cul- tural tem importância na contextualização da etni- cidade. Nesse sentido, atribuem-se características étnicas ao modo de comemorar festas religiosas, como natal e páscoa, que são comum a todos os cristãos. Nos relatos de imigrantes sobre os tempos pioneiros na colônia Blumenau, a festa de natal, por causa do costume de armar a árvore e entoar canções apropriadas em língua alemã, evoca a pá- tria deixada para trás e ao mesmo tempo presente nesse outro lugar.13 As alusões à vida cotidiana, aos hábitos e cos- tumes (na definição dos atores sociais) permitem vislumbrar algumas minúcias da cultura teuto-bra- sileira (para usar um conceito de Willems) passíveis de apropriação na contextualização da etnicidade, inclusive na atualidade. Mas devem ser destacadas também as instituições comunitárias formadas praticamente desde o início da colonização. Elas tiveram maior notoriedade como elementos de di- ferenciação cultural antes da campanha de nacio- nalização, iniciada em 1937; algumas conseguiram sobreviver – caso das sociedades de atiradores –, mantendo a adjetivação étnica. Atribuiu-se maior importância à “escola alemã”, considerada indis- pensável para perpetuar o ensino da língua mater- na, num contexto político (a Primeira República) onde eram discutidas a assimilação e o abrasileira- mento. Na Deutsche Schule o ensino era dado em alemão e, na percepção dos atores sociais, a escola funcionava como uma extensão do lar na forma- ção da teuto-brasilidade. Resumindo, o aprendiza- do da língua deve começar com a mãe, no lar, e tem prosseguimento na escola, e essa imagem foi bastante enfatizada na poesia e nos escritos pro- duzidos por autores teuto-brasileiros sobre Deuts- chtum. A possibilidade da proibição do ensino em língua estrangeira, exigida pelo nacionalismo desde o início do regime republicano, provocou um contradiscurso baseado no direito à diferença, e esta dependia da existência de um lar e um sis- tema escolar empenhados na perpetuação do uso do idioma alemão. Esses elementos (lar, língua), junto com ascendência (origem), formam a base da própria definição da categoria étnica – Deuts- chbrasilianer – tal como aparece nas matérias de jornais e almanaques que circularam pelo Vale do Itajaí até 1939. A categoria supõe a manutenção da germanidade em solo brasileiro, daí tanta ênfase na ideia de Heimat. A versão mais poética presume um bom brasileiro com alma alemã. As ideias sobre a germanidade circularam pela imprensa, anúncios e pela literatura ficcional volta- da para temáticas relativas à colonização. Dois im- portantes jornais foram editados em Blumenau en- tre a década de 1880 e o Estado Novo – Blumenauer Zeitung e Der Urwaldsbote – controlados por facções políticas rivais, mas com uma coisa em comum – a germanidade. Ali também circularam publicações periódicas vindas de outras regiões coloniais.14 Na prática, essa circulação repercutiu nas representações da etnicidade voltada para a dimensão cultural con- tida na ideia de Heimat, presente também na cor- respondência de Hermann Blumenau, onde o Vale do Itajaí é apresentado como “verdadeira pátria”, conservando-se a nacionalidade alemã.15 A nação alemã, nesse caso, tem uma representação cultural, não política, permitindo equacionar a germanidade com a territorialização no Brasil. Por fim, é preciso mencionar as associações recreativas e culturais destacadas pela maioria dos estudiosos da imigração alemã por causa da sua sig- nificância numérica e sua vinculação com o nacio- nalismo alemão. Espaços de convivência, lugares da sociabilidade, eram imaginados como expressão do “espírito (associativo) germânico”. De fato, poucos anos depois da fundação, Blumenau e Brusque já possuíam sua Schutzenverein, uma associação his- toricamente vinculada ao nacionalismo alemão do início do século XIX. Depois das associações de atiradores vieram outras, igualmente situadas no contexto cultural teuto-brasileiro – , caso das sociedades de canto (Gesangvereine) e de ginástica (Turnvereine). Sua importância como expressão de etnicidade pode ser medida pela intervenção vio- lenta do exército brasileiro nesses espaços durante a campanha de nacionalização: todas foram fechadas 11091-rBCS77_AF3a.indd 54 10/10/11 12:37
  • 9. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  55 à força e algumas sedes sociais serviram para acan- tonar as tropas. Havia associações em toda parte, nos centros urbanos e nas principais linhas coloniais (portanto, no meio rural). Não tinham apenas o perfil de agre- miações esportivas ou recreativas, pois neles eram realizadas representações teatrais, sessões de músi- ca e outras atividades relacionadas com a noção de Kultur numa contextualização germânica que valo- rizava a “consciência” linguística e o Deutschtum. Várias sociedades de atiradores e de ginástica so- breviveram à nacionalização, mas as de canto, mais associadas à Kultur, desapareceram. A imagem de uma comunidade étnica alicerçada nos valores da germanidade de certo modo foi repro- duzida no volume comemorativo do centenário da imigração alemã em Santa Catarina (Entres, 1929), que condensa o período anterior à nacionalização. Ali aparece a poesia que honra a nova pátria, a pertença étnica; é destacada a vida do colono pioneiro, a es- cola alemã, as associações, a paisagem cultural criada pelos imigrantes na Palmenland (a terra das palmei- ras – o Brasil); por fim, faz apologia do desenvolvi- mento econômico em textos historiográficos, e numa visão progressista distingue os empreendedores que tiveram papel importante na economia, na política e na mediação étnica. A publicação teve apoio de uma editora alemã, significativamente denominada Aus- land und Heimat Verlag – Haus des Deutschtums, coisa que evidencia o transnacionalismo. Os empreendedores e a “teuto-brasilidade” A ideia da formação de uma nova Heimat, ponto de partida do projeto colonizador de Her- mann Blumenau, tem como principal fundamen- to a existência de uma cultura e um modo de vida diferenciados naquele contexto colonial. Mas a circulação da ideologia de pertencimento (a uma etnia alemã), articulada à reivindicação da legitimi- dade da diferença cultural diante das exigências as- similacionistas do nacionalismo brasileiro, põe em evidência os “mediadores” integrantes dos grupos urbanos em ascensão social, empreendedores dis- tinguidos por uma identidade teuto-brasileira, e o uso instrumental da etnicidade. Os aspectos econômicos e políticos das etnici- dades têm sido destacados por vários pesquisadores, desde o surgimento desse neologismo na língua in- glesa na década de 1950. Glazer e Moynihan (1963) discutiram o assunto num estudo clássico sobre al- guns grupos etnicamente identificados da cidade de Nova York. Fizeram uma crítica à velha concepção de melting-pot, evitando as teorias de assimilação e aculturação ainda em evidência nos estudos da imi- gração e das relações interétnicas, procurando res- ponder a uma pergunta básica: o que significa para Nova York o fato de a maior parte da sua população estar composta de pessoas que se pensam através de um pertencimento étnico, e mesmo assim se consi- deram norte-americanos? Concluem que existe uma tendência central no ethos nacional que estrutura as pessoas em grupos de diferentes status e caracterís- ticas, um padrão étnico configurado por forte dife- renciação (real ou imaginada) entre norte-america- nos irlandeses, judeus, italianos e assim por diante, apontando a falência da noção de melting-pot. De fato, interessa reter da argumentação desses auto- res o destaque dado à vinculação entre etnicidades e interesses ou, dito de outra forma, olhar para os usos de identidades indicadoras de duplo perten- cimento a partir da noção de “grupo de interesse”, tendo em vista a dinâmica da recriação contínua do pertencimento grupal por intermédio de no- vas experiências, mesmo quando os descendentes de imigrantes, por exemplo, já perderam a maior parte dos vínculos culturais que os distinguiam dos outros norte-americanos. A identidade (étnica) per- mite associar o indivíduo, ou o grupo, a um passa- do, uma raça, uma cultura compartilhada, suscita sentimentos de pertença, mas o interesse comum também une, permitindo laços concretos de comu- nidade. Glazer e Moynihan analisaram o jogo polí- tico e, nele, o voto étnico. Outros autores, porém, apontaram para interesses políticos conformados por organizações corporativas de base econômica, como é o caso do estudo de Abner Cohen (1969) sobre as redes de comércio dominadas pelos Hausa, na África Ocidental, e que atravessam as fronteiras dos estados pós-coloniais. Ali, os Hausa usam e ma- nipulam costumes, valores, mitos e símbolos da sua tradição cultural para articular uma organização in- formal, de natureza política e econômica – grupos 11091-RBCS77_AF3b.indd 55 13/10/11 9:59 AM
  • 10. 56  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 definidos por uma etnicidade baseada na noção de cultura compartilhada e que agem como “grupos de interesse” numa circunstância de pluralismo ét- nico. O idioma do costume, nesse caso, é o mar- cador usado para delimitar grupos informais cujo poder deriva também (mas não exclusivamente) da hegemonia de uma atividade econômica. A etnicidade é um fenômeno empiricamente muito variado, mas as abordagens mais instrumen- tais a apresentam como um recurso social, político e cultural para diferentes grupos étnicos e de status. Algumas versões focalizam a competição por recur- sos (econômicos, políticos), outras examinam as es- tratégias para maximizar preferências em termos de escolhas racionais. A crítica sobre essa abordagem aponta para certos excessos que definem “interes- ses” em termos exclusivamente materiais e políti- cos. Mas poucos autores adotam apenas esse ponto de vista. Afinal, não existe etnicidade apenas por interesse, e nem é possível minimizar sua importân- cia no mundo moderno. A relação entre etnicidade, raça e nacionalismo, e sua natureza política e econômica envolvendo classe e status, já estava esboçada no texto de Weber (1991) sobre comunidades étnicas. Mas, descui- dando da questão mais geral (ou cultural) da iden- tidade, foi dada maior atenção aos processos políti- cos e/ou econômicos, nos quais a etnicidade é uma variável importante de organização coletiva – o per- tencimento a uma etnia, nação etc. como estratégia para a ação corporativa, um instrumento de poder (cf. Cohen, 1969). Daí a ênfase de certos autores aos denominados ethnic entrepreneurs, categoria to- mada na sua versão mais geral de “empreendedor” que, no sentido econômico, organiza, possui e ad- ministra um negócio assumindo seus riscos; mui- tas vezes possui o papel de mediador. Nos termos de Aronson (1976), a categoria empreendedor (ou empresário) étnico designa aqueles que formulam e administram ideologias e observam como as situa- ções são definidas ou reforçadas para sua vantagem. A colonização alemã no Vale do Itajaí é bastan- te significativa para tratar dessa categoria. O obje- tivo aqui certamente não é focalizar negócios étni- cos (ethnic business) na sua dimensão econômica e individual. Pretende-se olhar para empreendedores com interesses econômicos e políticos conectados à etnicidade teuto-brasileira. Existem estudos sobre empresas étnicas, sobretudo nos Estados Unidos, onde são bastante comuns, que enfatizam a estru- tura de oportunidades confrontando imigrantes nas sociedades capitalistas ocidentais, assim como a distribuição de recursos e as formas pelas quais são acessíveis às minorias (imigrantes ou não). Em ge- ral, o enfoque recai no pequeno empresário que se volta para um mercado específico e onde os atores sociais são comerciantes, trabalhadores e consumi- dores étnicos e/ou imigrantes. Os estudiosos pro- curam olhar para o funcionamento desse mercado analisando os laços entre indivíduos e grupos com identidade comum, as redes sociais que mostram a mobilização dos empresários, as estratégias etc., dando especial atenção aos contextos imigratórios.16 Os primeiros empresários que se estabeleceram no Brasil após a abertura dos portos em 1808 eram comerciantes dedicados à exportação de café e à importação de artigos diversos da Europa. Forma- vam um grupo coeso no Rio de Janeiro, onde foi fundada a primeira associação étnica alemã do Bra- sil – Gesellschaft Germania – em 1821. Ao longo do século XIX, outros alemães se fixaram em cida- des brasileiras na mesma atividade e também como empresários do transporte marítimo. Isso aconte- ceu na capital de Santa Catarina e no porto de Ita- jaí. Estes grupos ascenderam socialmente e também fundaram suas sociedades “Germania”, talvez com um sentido mais elitista do que suas congêneres das áreas coloniais. O crescimento desse comércio pode ser vinculado ao interesse alemão no mercado sul- -americano, expandido no período histórico aqui considerado. Isso produziu a circulação de bens e capitais, abrindo no país de acolhida espaço para mercadorias do país de origem. Esse tema teve am- plo espaço na literatura sobre a colonização alemã, sendo defendida uma intensificação da imigração para tornar tais atividades de natureza econômica mais expressivas. Autores alemães e teuto-brasilei- ros que defenderam o aumento da imigração tam- bém falavam da germanidade. Na medida em que a Alemanha unificada entrou na disputa imperialista, em fins do século XIX, a sobreposição de interesses econômicos e etnicidade ajudou a dar respaldo ao discurso nacionalista antigermânico, alimentado também pela doutrina Monroe, em parte critica- 11091-rBCS77_AF3a.indd 56 10/10/11 12:37
  • 11. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  57 da, mas igualmente aceita como defesa contra os interesses europeus na América do Sul. Falava-se em “perigo alemão” que alardeava o risco de per- der o sul do país, cheio de colonos seduzidos pelo pangermanismo. O interesse econômico existia de ambos os lados; o mercado, porém, foi “etnizado” nas principais publicações sobre as colônias que cir- cularam naquele período. Não foi diferente no Vale do Itajaí, onde as atividades comerciais eram dominadas por uma elite teuto-brasileira (imigrantes naturalizados). Os primeiros relatórios sobre a colônia Brusque, por exemplo, parecem indicar a tendência de predomí- nio de brasileiros nessa atividade, mas isso não se confirmou, predominando os empresários teuto- -brasileiros. Os projetos coloniais não atraíram investimentos de brasileiros nessa área, talvez por causa da situação de frente pioneira, com vias de comunicação precárias. As primeiras casas comer- ciais surgiram em lugares destinados ao povoado sede de cada núcleo colonial. Funcionavam como ponto de abastecimento de alimentos para imigran- tes que aguardavam a concessão de terra e lugar de trocas com os colonos já estabelecidos (compra dos excedentes da produção colonial e venda de equipa- mentos e outros bens). A relação comercial com os colonos estabeleceu uma polaridade rural-urbana característica de contextos camponeses. Aos pou- cos, apareceram pequenos comerciantes nos en- troncamentos das linhas coloniais, que iniciaram suas atividades como proprietários de lote colonial (mantendo, em alguns casos, as duas atividades). Enfim, desenvolveu-se, com sucesso, uma explora- ção agrícola camponesa baseada na pequena pro- priedade familiar sem empregados (e também no artesanato), refletida nos relatórios das autoridades coloniais repletos de estatísticas da produtividade policultora. Nessa situação, fica evidente a sujeição dos colonos ao monopólio de preços e transporte imposto por seus compatriotas “vendeiros”. Quem eram esses comerciantes? A política de colonização privilegiou a vinda de agricultores e artesãos como imigrantes preferenciais. Na prática, entraram profissionais diversos e, na imigração es- pontânea, indivíduos que dispunham de pequenos recursos que permitiram iniciar um negócio. Nas linhas, alguns imigrantes amealharam dinheiro na atividade madeireira ou operando moinhos que atendiam a demanda de outros colonos. Por ou- tro lado, a colônia de Blumenau (e, por extensão, o Vale do Itajaí), por seu perfil identificado com a germanidade, acentuado por publicações na Alema- nha, atraiu imigrantes com perfil de empresários. Juntamente com a expansão da área ocupada, e a criação de novas colônias que adentrou o século XX, formou-se uma rede de comerciantes de origem alemã que incluía os estabelecidos nas linhas, con- centrando as firmas maiores em Blumenau e Brus- que. Houve ampla diversificação com o surgimento de pequenas indústrias e oficinas de artesãos, mas prevaleceu o estabelecimento dos comerciantes mais abastados, nas cidades, que iniciaram a indus- trialização em fins do século XIX. A relação com os colonos baseou-se na confiança mútua, marcada pelo pertencimento étnico. A classe dos comercian- tes foi a única que enriqueceu no contexto colonial, mas ela também teve um papel importante na con- formação de uma identidade teuto-brasileira. O crescimento urbano e a diferenciação so- cial ocorreram ao mesmo tempo num contexto de desenvolvimento econômico; e a formação de seg- mentos médios revela também a heterogeneidade dos imigrantes no que diz respeito à profissão e à escolaridade. Artesãos de todos os tipos preferiram deixar o lote colonial para abrir oficinas familiares ou simplesmente atender as demandas por serviços especializados nas cidades. Por outro lado, a trans- formação dos produtos coloniais foi fundamental para a diferenciação interna do campesinato, envol- vendo a posse de moinhos e serrarias. Mas poucos comerciantes de maior expressão tiveram origem rural ou artesanal. Outros estavam longe do perfil do imigrante comum porque possuíam recursos e/ ou alta escolaridade. A burguesia industrial teve sua origem na atividade comercial envolvendo importa- ção e exportação, e possuía uma forte ligação com a Alemanha, e o ponto de partida para o enriqueci- mento foi a relação com os colonos. Na prática, os comerciantes (rurais e urbanos) formaram redes em que, numa ponta, estava o pequeno “vendeiro” lo- cal, muitas vezes um colono, e em outra, aqueles que possuíam o monopólio dos preços e dos transportes, cuja origem raramente se reportava à linha colonial. O crescimento desse comércio, e depois da in- 11091-rBCS77_AF3a.indd 57 10/10/11 12:37
  • 12. 58  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 dústria, reforçou os laços com o país de origem, apontando para os debates e a literatura sobre os interesses germânicos no sul do Brasil. Abriu-se o mercado local para produtos alemães, e o mercado alemão, inclusive o financeiro, para os comercian- tes. A industrialização, por sua vez, abriu o merca- do de trabalho especializado para novos imigrantes mais qualificados. Toda essa movimentação ocorreu após a emancipação das colônias, com a instalação dos municípios, que trouxe para a região os “ou- tros” – brasileiros não identificados com a coloni- zação, ocupantes de cargos públicos e profissionais liberais com interesses políticos na nova ordem mu- nicipal instituída no final do Império. O advento da República favoreceu a emergên- cia de lideranças políticas teuto-brasileiras por dois motivos: a naturalização geral, sem burocracia e sem exigências nacionalistas, assegurada pelo De- creto 58ª de 14/12/1889, e a permissão de alista- mento eleitoral para os naturalizados alfabetizados que não conheciam a língua portuguesa, via a De- cisão 38, de 14/3/1890. Não analisarei as dispu- tas locais e os interesses políticos das elites teuto- -brasileiras urbanas numa região que se tornou o principal colégio eleitoral do Estado, e de onde saiu a maioria dos governadores e senadores de Santa Catarina durante a Primeira República. Mas deve ser observado que tal situação de poder levou o princípio de germanidade para o campo político17 num momento de exacerbação dos nacionalismos (alemão e brasileiro) e da influência do pangerma- nismo com sua perspectiva transnacional. Sem dúvida os empresários étnicos formaram grupos de interesse político e tiveram papel predo- minante na formatação do Deutschbrasilianertum e da identidade teuto-brasileira, em consonância com seus congêneres de outras regiões. Cada gru- po com relevância política e econômica tinha um jornal, e as casas comerciais na rede rural-urbana eram pontos de venda de jornais e outras publica- ções periódicas em língua alemã, além de funcio- nar como locais da sociabilidade. Dessa forma, o discurso escrito do pertencimento étnico chegou até o colono comum por intermédio da imprensa e da convivência nas lojas e nas associações por onde circulava uma ideia de Deutschtum com duplo sig- nificado: econômico, referido ao progresso das co- lônias como produto do “trabalho alemão”, e prin- cipal contribuição de cidadãos exemplares ao país de acolhida; e étnico, com ênfase na origem alemã e no “direito” de ser cidadão legítimo com língua e cultura distintas, num país que devia assumir sua pluralidade cultural.18 A perspectiva da assimilação está ausente do enunciado étnico, e o duplo perten- cimento contido na categoria de identidade (teuto- -brasileira) combina etnicidade (com seu referente de ascendência e cultura) e cidadania (e seu corolá- rio de fidelidade ao Estado). Enfim, o uso da etnicidade na política, num momento de consolidação da (então) pequena burguesia local, evidencia-se na mobilização em torno do cadastramento eleitoral dos colonos, na medida em que isso foi permitido aos que desco- nheciam a língua vernácula, numa rede de relações pessoais dominada por comerciantes e industriais devidamente naturalizados. No início do século XX, um dos grupos políticos de Blumenau tentou criar um partido étnico com a rubrica de Volks- verein (ou, em português, União Popular), mas a pressão nacionalista impediu sua concretização. O Deustschtum entrou na política na voz de teu- to-brasileiros filiados aos partidos convencionais. Seus dois significados podem ser percebidos no vo- lume comemorativo (o Gedenkbuch) anteriormente mencionado. Seu editor, Gottfried Entres, era um desses empresários étnicos, proprietário da Livraria Central, em Florianópolis, com conexões na Ale- manha, e que teve sua empresa depredada numa das manifestações antigermânicas que se seguiram à declaração da Guerra ao II Reich em 1917. O formato da publicação cumpre o que está apenso ao título – um olhar sobre o passado e o presente de Santa Catarina a partir do Deutschtum. O pro- gresso das regiões coloniais (e seu ponto de partida “pioneiro”) sobressai no livro, reforçando o signi- ficado prático/econômico associado à germanida- de (na sua versão do “trabalho alemão”); a política entra em cena por intermédio das lideranças mais em evidência na época, os irmãos Adolfo e Victor Konder, políticos vinculados ao Vale do Itajaí, res- pectivamente governador do Estado e ministro dos Transportes (do governo do presidente Washington Luis Pereira de Souza). Na formatação da ideologia étnica, porém, tem maior relevo a reivindicação da 11091-rBCS77_AF3a.indd 58 10/10/11 12:37
  • 13. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  59 diferença cultural, observada nos diversos poemas distribuídos ao longo do livro, nas referências en- fáticas ao valor das “escolas alemãs”, à literatura em língua alemã, às associações etc. E um breve artigo do editor fecha a publicação defendendo o Brasil- deutschtum, invertendo a prioridade (a outra cate- goria é Deutschbrasilianertum, uma referência iden- titária), mas usando o argumento da fidelidade do alemão à sua nação de origem (termo tomado no seu sentido cultural e étnico, sem conotação de per- tença política). A ideia de uma nova Heimat cons- truída, nesse caso em Santa Catarina, perpassa o Gedenkbuch, em que membros da elite econômica e política teuto-brasileira distinguem-se na ampla “paisagem cultural” (civilizada) da colonização. Considerações finais O transnacionalismo tem sido bastante discu- tido nos estudos das migrações contemporâneas, tendo em vista a intensidade dos fluxos e seus re- flexos nas políticas da identidade envolvendo a transposição de fronteiras internacionais. É consi- derado um fenômeno distinto da globalização que, nos termos de Kearney (1995, p. 548), refere-se a processos sociais, econômicos, culturais e demográ- ficos que tem lugar no interior das nações mas as transcendem. Para Kearney, o transnacionalismo se sobrepõe à globalização mas tem um alcance mais limitado. Hannerz (1996, p. 6) também considera o transnacionalismo mais “modesto” do que globa- lização, e mais adequado para fenômenos que são muito variados, mesmo quando eles compartilham a característica de não estar contido num único Es- tado. Lembra também que muitas das ligações em questão não são “internacionais” no sentido de en- volver nações, ou Estados, como atores corporati- vos; e os atores a considerar são indivíduos, grupos, movimentos, enfim, a diversidade de organizações. E acrescenta que existe uma certa ironia no fato do termo transnacional dar atenção ao que ele nega, isto é, a contínua significação do nacional. A questão das identidades (nacionais) é crucial na definição do atual Estado-nação transnacional, como se observa no texto de Schiller e Fouron (2000), mas este é apenas um dos temas abarcados pelo transnacionalismo. Aqui, a noção de Estado- -nação transnacional não está sendo usada, mas os dados apontam para uma dinâmica transnacional envolvendo atores sociais que, de alguma forma, “transitam” entre dois Estados nacionais, desem- penhando papel importante na definição da etni- cidade teuto-brasileira. O trânsito pode ser tomado num sentido mais literal do deslocamento no espa- ço, ou numa forma metafórica abrangendo a circu- lação de ideias. Considero importante destacar essa forma de transnacionalismo (dada a germanidade do termo) operando no contexto histórico da imi- gração alemã, bastante diverso dos fenômenos mi- gratórios atuais porque estava ligada à colonização e ao povoamento de terras devolutas no sul do Brasil. No conjunto de dados sobre a colonização do Vale do Itajaí e nele, particularmente Blumenau, so- bressai o fato de que a imigração, mesmo no século XIX, não representava necessariamente um rom- pimento definitivo com o país de origem. Aliás, o transnacionalismo já estava presente antes mesmo da fundação da colônia, dadas as conexões de Hermann Blumenau envolvendo o cônsul Sturz, o marquês de Abrantes e outras autoridades brasileiras, e figuras notáveis dos meios acadêmicos alemães preocupados com o futuro de seus compatriotas emigrantes. As idas e vindas de Hermann Blumenau entre Alemanha e Brasil, antes e depois da fundação da colônia (em 1850), tinham o propósito de atrair emigrantes e, num dado momento, o casamento com uma compatriota, objetivo também de co- lonos comuns, conforme o relato de Klara Her- mann. Se para muitos “colonos” tornar-se imigran- te significava o não retorno à pátria, para outros, certamente os mais abonados, havia sempre a pos- sibilidade de manutenção dos laços com parentes e amigos da Alemanha. Além disso, a notoriedade do Vale do Itajaí (como região de “colonização ale- mã”) está associada à figura pública do seu fun- dador, ressaltada nos escritos produzidos sobre seu empreendimento, em geral publicados na Alema- nha. A imagem da territorialização de uma nova Heimat no Brasil, por sua vez, transformou a re- gião num lugar exemplar, modelo ideal da germa- nidade no estrangeiro, assinalado nas publicações de viajantes, cientistas, pastores (como Gustav Stutzer) etc., e nos poemas e contos produzidos 11091-rBCS77_AF3a.indd 59 10/10/11 12:37
  • 14. 60  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 por literatos alemães e teuto-brasileiros. Aliás, ou- tro personagem da colônia, tão notável quanto o fundador, foi o naturalista Fritz Müller, qualifica- do como “colono alemão” ligado ao Museu Nacio- nal do Rio de Janeiro. Sua correspondência com Charles Darwin e o reconhecimento de sua obra científica também tiveram o efeito de tornar a co- lônia conhecida no exterior. A persistência do fluxo imigratório e a existên- cia de entidades alemãs voltadas para os imigrantes, como a sociedade de Proteção que enviou Hermann Blumenau ao Brasil, e a Haus des Deutschtums, que coeditou o Gedenkbuch organizado por Entres (1929), contribuíram para a circulação dos ideais da germanidade, assim como jornais, anuários e outras publicações teuto-brasileiras vendidas nas casas comerciais, urbanas e rurais. Isso evidencia outros mediadores étnicos – os comerciantes (e industriais) – que possuíam fortes ligações com a Alemanha, econômicas ou não, contribuindo para a consolidação de uma identidade teuto-brasileira. Seu postulado tinha caráter instrumental, político e econômico, igualmente alimentado pelo mesmo princípio de pertencimento étnico que deu relevo à crença numa neue Heimat assentada no binômio lar-língua materna e na percepção da diferença cul- tural em relação à sociedade nacional receptora. A dimensão cultural que caracteriza a etnicidade pas- sa pela onipresença da noção de uma nova pátria territorializada no Vale do Itajaí. E, diante da fre- quência com que os literatos teuto-brasileiros usam elementos da paisagem como metáfora da diferen- ça (cf. Seyferth, 2004), pode-se dizer que na neue Heimat o teuto-brasileiro é um alemão na sombra da palmeira. Afinal, para Klara Hermann o único elemento destoante na Joinville colonial (a primeira “cidadezinha alemã” por onde passou ao chegar ao Brasil) era a Alameda das Palmeiras. Notas 1 Ver, por exemplo, as coletâneas organizadas por Co- hen (1996); Cohen e Layton-Henry (1997). 2 Os volumes organizados por Barth (1969), Cohen (1974), Glazer e Moynihan (1975), Hutchinson e Smith (1996), Guiberneau e Rex (1997), e os trabalhos de Cardoso de Oliveira (1976), Eriksen (1993), Banks (1996) e Fenton (2008) proporcionam uma visão am- pla das abordagens, às vezes conflitantes, a esse respeito. 3 As biografias ressaltam o título acadêmico (na área da química) e a posição de classe média (seu pai era en- genheiro florestal), bem como a benemerência do seu projeto de colonização. Ver, Fouquet (1999). 4 Alguns anos depois, Sturz foi demitido do cargo por causa das suas críticas contundentes à escravidão, ape- sar da referida incompatibilidade ser compartilhada por algumas autoridades imigrantistas brasileiras. 5 A emigração de alemães para a América começou ainda no século XVIII, antes da independência dos Estados Unidos, atendendo à propaganda inglesa que procurou atrair indivíduos e famílias das denomina- ções protestantes não luteranas. Havia, portanto, uma tradição de longa duração, continuada ao longo do século XIX. O verbo “desviar”, por sua vez, era conju- gado por imigrantistas brasileiros como o marquês de Abrantes, supondo alguma eficácia da propaganda de agenciadores e proprietários de empresas de navega- ção interessados no transporte dos “colonos”. 6 A maioria dos imigrantes tinha poucos recursos, via- jando com a família (portanto, havia crianças e idosos, os mais atingidos pelas doenças decorrentes da alimen- tação deficiente). Por outro lado, mesmo ao longo do século XX, a imigração estava associada à pobreza e, num dado momento (década de 1920), o imigrante foi (des)qualificado pelo governo brasileiro como aquele indivíduo que viaja na 3ª classe dos navios. 7 Sobre os princípios que nortearam a colonização basea- da na pequena propriedade familiar, implementado em terras devolutas, ver Roche (1969) e Seyferth (2009). 8 Os Stutzer são um caso exemplar, entre muitos ou- tros: seus livros tiveram edições sucessivas entre 1886 e 1924. Num deles (Stutzer, 1886) aponta Blumenau como destino ideal para os emigrantes alemães. 9 A parte do texto de Lacmann relativa ao Vale do Itajaí foi traduzida e publicada na revista local Blumenau em Cadernos [XXXVIII (11), 1997], de onde foi extraído o trecho citado. A expressão deutsche Gebiet – território alemão – foi mantida no original pela tradutora. A publi­ cação original – “Ritte und Rasttage in Südbrasilien” – foi editada em Berlim por Dietrich Reimer, em 1906. 10 Ver Blumenau em Cadernos [L (6), 2009, p. 17], onde está publicado o trabalho de Stutzer intitulado “Na Alemanha e no Brasil – Retratos da colônia Blume- nau” (editado originalmente na Alemanha, na forma de opúsculo). 11091-rBCS77_AF3a.indd 60 10/10/11 12:37
  • 15. A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO  61 11 As duas efemérides ocorreram, respectivamente, em 2000 e 1999. O trabalho de Klara Hermann saiu em Blumenau em Cadernos, XLIII (11/12), 2002; XLIV (1/2), 2003. 12 Algumas casas remanescentes, consideradas mais “au- tênticas” nos padrões atuais, foram tombadas pelo patrimônio histórico em diversos municípios; e no contexto arquitetônico de alguns museus, como em Joinville, por exemplo, casas inteiras foram trazidas das áreas rurais, remontadas e mobiliadas para mos- trar o que era o lar do “colono pioneiro” remediado. 13 Um bom exemplo desse tipo de relato é a história de vida escrita por Karl Kleine, intitulada “Blumenau de ontem: experiências e recordações de um imigrante”, parcialmente publicada na revista Blumenau em Ca- dernos, XLI (11/12) e XLII (1/10). 14 Sobre a importância das publicações periódicas e suas repercussões nas ideias da germanidade no Vale do Ita- jaí, ver Seyferth (1982); a literatura, especialmente a po- esia, foi analisada por Huber (1993) e Seyferth (2004). 15 A percepção do “lindo Itajaí” como pátria está assina- lada num texto de Cristina Blumenau, escrito na dé- cada de 1930 e publicado em Blumenau em Cadernos, I (5), 1958. 16 Sobre os modelos de análise relativos aos “empresários étnicos”, ver a coletânea organizada por Waldinger, Aldrich e Ward (1990). 17 Sobre essa questão, ver Seyferth (1994). 18 Nos jornais mais diretamente influenciados pelo pan- germanismo – caso do Der Urwaldsbote – a reivindica- ção do direito à diferença assumiu contornos racistas, defendendo a pureza étnica. BIBLIOGRAFIA ARONSON, Dan R. (1976), “Ethnicity as a cul- tural system: an introductory essay”, in Francis Henry (ed.), Ethnicity in the Americas, Paris, Mouton. BANKS, Marcus. (1996), Ethnicity: anthropological constructions. Londres, Routledge. BARTH, Fredrik (ed.). (1969), Ethnic groups and boundaries. Bergen/Londres, Uni­ver­si­tets­for­la­get/ G. Allen A. Unwin. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. (1976), Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo, Pioneira. COHEN, Abner. (1969), Custom and politics in ur- ban Africa. Londres, Routledge. . (1974), Urban ethnicity. Londres, Ta- vistock. COHEN, Robin (ed.). (1996), Theories of migra- tion. Cheltenham, UK, Elgar. COHEN, Robin & LAYTON-HENRY, Zig (eds.). (1997), The politics of migration. Cheltenham, UK, Elgar. D’AMARAL, Max T. (1950), Contribuição à histó- ria da colonização alemã no Vale do Itajaí. São Paulo, Instituto Hans Staden. ENTRES, Gottfried (ed.). (1929), Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier deutscher Einwanderung in Santa Catarina. Florianópolis, Livraria Central. ERIKSEN, Thomas H. (1993), Ethnicity and na- tionalism: anthropological perspectives. Londres, Pluto Press. FENTON, Steve. (2008), Ethnicity. Cambridge, Polity Press. FOUQUET, Karl. (1950), “BIBLIOGRAFIA so- bre o Vale do Itajaí”. Centenário de Blumenau. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauen- se. . (1999), “Vida e obra do Dr. Blume- nau”. Blumenau em Cadernos, XL (10): 6-102. GEERTZ, Clifford. (1964), “Ideology as a cultural system”, in David Apter (ed.), Ideology and dis- content, Nova York, The Free Press. GLAZER, Nathan & MOYNIHAN, Daniel P. (1963), Beyond the melting pot. Cambridge, Mass., Harvard University Press. (eds.). (1975), Ethnicity: theory and experience. Cambridge, Mass., Havard Univer- sity Press. GUIBERNAU, Montserrat & REX, John (eds.). (1997), The ethnicity reader. Cambridge, Polity Press. HANNERZ, Ulf. (1996), Transnational connec- tions. Londres, Routledge. HUBER, Valburga. (1993), Saudade e esperança. Blumenau, Editora da Furb. HUTCHINSON, John & SMITH, Anthony D. (eds.). (1996), Ethnicity. Oxford, Oxford Uni- versity Press. KEARNEY, M. (1995), “The local and the global: 11091-rBCS77_AF3a.indd 61 10/10/11 12:37
  • 16. 62  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 the anthropology of globalization and transna- tionalism”. Annual Review of Anthropology, 24: 547-565. NOGUEIRA, Rui A. (1947), Nacionalização do Vale do Itajaí. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar. ROCHE, Jean. (1969), A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo. SCHILLER, Nina G. & FOURON, Georges. (2000), “Laços de sangue: os fundamentos do Estado-nação transnacional”, in Bela Feldman Bianco e Graça Capinha (orgs.), Identidades, São Paulo, Hucitec. SEYFERTH, Giralda. (1982), Nacionalismo e iden- tidade étnica. Florianópolis, Fundação Catari- nense de Cultura. . (1988), “Imigração e colonização ale- mã no Brasil: uma revisão da bibliografia”. BIB – Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciên- cias Socais, 25: 3-55. . (1994). “Identidade étnica, assimila- ção e cidadania: a imigração alemã e o Estado brasileiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 26: 103-122. . (2004). “A ideia de cultura teuto-bra- sileira: literatura, identidade e os significados da etnicidade”. Horizontes Antropológicos, 22: 249-297. . (2009). “Imigrantes, colonos: ocupa- ção territorial e formação camponesa no sul do Brasil”, in Delma P. Neves (org.), Processos de constituição e reprodução do campesinato no Bra- sil, Brasília/São Paulo, Nead/Editora da Unesp, vol. 2. STUTZER, Gustav. (1886), Blumenau in Südbra- silien als Ziel der deutschen Auswanderung. Gos- lar, L. Koch. WALDINGER, Roger; ALDRICH, Howard WARD, Robin (eds.). (1990), Ethnic entrepre- neurs. Londres, Sage. WEBER, Max. (1991), Economia e sociedade. Brasília, Editora da UnB, vol. 1. WILLEMS, Emílio. (1946), A aculturação dos ale- mães no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional. 11091-rBCS77_AF3a.indd 62 10/10/11 12:37
  • 17. 242  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 77 A DIMENSÃO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO Giralda Seyferth Palavras-chave: Imigração; Cultura; Etni- cidade teuto-brasileira; Transnacionalismo. Este trabalho tem por objetivo analisar aspectos da dimensão cultural da imigra- ção, em consonância com etnicidade, fo- calizando um caso exemplar no contexto da colonização europeia em Santa Catari- na – a “colônia Blumenau” – num perío- do histórico marcado pela instauração da República (em 1889) e pelo aumento ex- pressivo das entradas de estrangeiros no Brasil, permeado por um sistema mun- dial produzido, entre outras coisas, pela expansão imperialista. A partir desse caso é possível perceber como certas formas de circulação de bens culturais, inclusive ideias, valores e ideologias étnicas, contri- buíram para a construção da etnicidade teuto-brasileira, apontando para a longa duração do transnacionalismo. O surgi- mento de subsistemas culturais naquela situação histórica de formação do Estado nacional republicano põe em evidência a difícil conciliação entre a nação e a diver- sidade cultural produzida pela imigração. THE CULTURAL DIMENSION OF IMMIGRATION Giralda Seyferth Keywords: Immigration; Culture; Ger- man-Brazilian ethnicity;Transnationalism. The aim of this work is to analyze aspects of the cultural dimension of immigra- tion in conformity with ethnicity. It fo- cuses an exemplary case in the context of European colonization in the Brazil- ian State of Santa Catarina – “colônia Blumenau” – during a historical period distinguished by the institution of the Republic (1889), and by the significant expansion of the entry of foreigners in Brazil, amidst a world system resulting, among other things, from imperialist ex- pansion. This case shows how forms of circulation of cultural goods, including ideas, values, and ethnic ideologies, have contributed to the construction of some German-Brazilian ethnicity, indicating the long duration of transnationalism. The constitution of cultural subsystems in the historical situation where the Na- tional Republican State was being estab- lished shows the difficulties in conciliat- ing nation and cultural diversity resulting from immigration. LA DIMENSION CULTURELLE DE L’IMMIGRATION Giralda Seyferth Mots-clés: Immigration; Culture; Ap- partenance ethnique teuto-brésilienne; Transnationalisme. Ce travail aborde, selon l’origine eth- nique, les aspects de la dimension cultu- relle de l’immigration. Il se concentre sur un cas exemplaire dans le contexte de la colonisation européenne dans l’état bré- silien de Santa Catarina – la « colonie de Blumenau » – au cours d’une période historique marquée par l’instauration de la République (en 1889) et par l’augmen- tation significative de l’entrée des étran- gers au Brésil, imprégnée par un système mondial découlant, d’entre autres, de l’expansion impérialiste. À partir de ce cas, il est possible de percevoir comment certaines formes de circulation de biens culturels – y compris les idées, les valeurs et les idéologies ethniques – ont contribué à la construction de l’ethnie teuto-bré- silienne, indiquant vers la longue durée du transnationalisme. L’émergence de sous-systèmes culturels dans le cadre de la situation historique de formation de l’État national républicain met en évidence la dif- ficile conciliation entre la nation et la diver- sité culturelle produite par l’immigration. 11091-rBCS77_AF3a.indd 242 10/10/11 12:38