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Baixar para ler offline
Leitura na escola e na comunidade
Introdução
De livros, leituras e leitores
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 1 29/01/2010 17:27:56
Agradecemos à Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro por ter gentilmente cedido o direito de uso
de imagens do seu acervo neste módulo. E também
a todos os educadores que nos cederam suas
“histórias de leitura”.
Fundação Volkswagen
Via Anchieta, km 23,5 – CPI 1394 – Bairro Demarchi
09823-901 – São Bernardo do Campo – SP
http://www.vw.com.br/fundacaovw
Presidente do Conselho de Curadores
Holger Rust
Diretor Superintendente
Eduardo de A. Barros
Diretora de Administração e Relações Institucionais
Conceição Mirandola
e-mail: fundacao@volkswagen.com.br
CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária
Rua Minas Gerais, 228 – Consolação
01244-010 – São Paulo – SP
http://www.cenpec.org.br
Presidente do Conselho de Administração
Maria Alice Setubal
Superintendente
Anna Helena Altenfelder
Coordenadora Técnica
Maria Amábile Mansutti
Gerente de Projetos Locais
Claudia Petri
Líder do Projeto
Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin
Autoria do Módulo
América dos Anjos Costa Marinho
Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin
Revisão
Sandra Miguel
Projeto gráfico
Rabiscos & Grafismos
Editoração eletrônica
Alba Amaral Gurgel Cerdeira Rodrigues
Fotografias
Acervo da Biblioteca Nacional
www.dominiopublico.gov.br
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 2 29/01/2010 17:27:57
São Paulo, fevereiro de 2011
Tiragem: 500
Sumário
O PROJETO ENTRE NA RODA E O PROGRAMA TERRITÓRIO ESCOLA 4
DE LIVROS, LEITURAS E LEITORES 7
O Livro e a leitura no Brasil 15
LEITURA, UMA PRÁTICA SOCIAL 27
Concepção de leitura 27
A formação do leitor 33
O texto literário como isca de leitura 35
HISTÓRIAS DE LEITORES 41
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA 49
CRÉDITOS DAS FIGURAS 51
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 3 29/01/2010 17:27:57
O Projeto Entre na Roda e o
Programa Território Escola
(. . .) Ingressar, estar, permanecer, por um tempo, nas escolas - em qualquer
tipo de instituição escolar - é uma experiência tão natural e cotidiana
que nem sequer tomamos consciência da razão de ser de sua existência,
da sua contingência, de sua possível provisoriedade no tempo, das
funções que cumpriu, cumpre ou poderia cumprir, dos significados que
tem nas vidas das pessoas, nas sociedades e nas culturas(...)É como o ar,
de cuja importância e presença só nos damos conta quando ele nos falta
para respirar.
GIMENO SACRISTÁN.
4 Entre na roda - Introdução
E
sta coleção é um material
de apoio do Projeto Entre na
Roda, destinado à formação
de leitores. Entre na Roda faz parte do
Programa Território Escola, fruto da par-
ceria entre a Fundação Volkswagen e o
Cenpec.
Em 2002, a Fundação Volkswagen e
o Cenpec iniciaram um trabalho conjunto
para oferecer apoio pedagógico às esco-
las públicas de municípios que sediam
unidades fabris e de serviços da marca
Volkswagen, implementando, em um pri-
meiro momento, os projetos Estudar pra
Valer! Língua Portuguesa e Entre na Roda,
que têm o letramento como ponto comum
do trabalho de formação de educadores.
Posteriormente, outros projetos fo-
ram implementados: Brincar, Estudar
pra Valer! Matemática e Leitura e Escrita:
desafio de todos, este último destinado
às séries finais do ensino fundamental.
Além disso, introduziu-se o projeto Ações
em Rede visando alargar e potencializar
os espaços de aprendizagem na comu-
nidade para crianças e adolescentes. Em
2005 esses projetos foram reunidos no
Programa Território Escola.
O Programa Território Escola é mais
que um conjunto de projetos; é uma con-
cepção de educação, de escola e de pro-
cesso de ensino e de aprendizagem. Parte
do princípio de que todos são capazes de
aprender e considera que o acesso aos
bens culturais é mediação necessária para
a apropriação do conhecimento universal.
A denominação Território Escola foi
intencionalmente escolhida por sugerir
uma reflexão sobre as concepções que
consideram escola e comunidade como
um território onde pulsam relações hu-
manas e onde podem-se estabelecer vín-
culos de pertinência entre instituições e
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 4 29/01/2010 17:27:57
Os projetos que integram o Programa
seguem os mesmos princípios e têm a
mesma intenção educacional, articulando
teoria e prática no processo de formação
dos educadores. Todos preveem forma-
ção continuada com momentos presen-
ciais e a distância, bem como acompa-
nhamento e avaliação, ambos pautados
por um processo de gestão compartilha-
da entre os envolvidos. Ao mesmo tempo,
destinam-se a públicos específicos e uti-
lizam estratégias diferenciadas que lhes
conferem um caráter próprio, único.
Valoriza-se, em cada um deles, o regis-
tro das ações desenvolvidas como instru-
mento de produção de conhecimentos e de
divulgação de resultados, dando-lhes visibi-
lidade e contribuindo para sua irradiação.
Território Escola é a concepção de esco-
la que defendemos: uma escola viva, enrai-
zada e crítica que se relaciona com o mun-
do e na qual o conhecimento faz sentido.
serviços públicos de atendimento a crian-
ças e adolescentes.
Assim, é muito importante o prota-
gonismo dos agentes da escola e da co-
munidade, pois a escola só potencializa
o seu fazer articulando-se e complemen-
tando-se com outros recursos, espaços e
sujeitos presentes no território.
O Programa Território Escola tem três
propostas-chave:
● articular a atuação da escola às
práticas culturais do território em que
está inserida, buscando dar sentido
às aprendizagens dos alunos;
● ampliar o letramento como
ferramenta de base para o acesso ao
conhecimento e à cidadania.
●somar esforços com outros espaços
educativos da comunidade na
perspectiva da educação e da
proteção integral de crianças e de
adolescentes.
5Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 5 29/01/2010 17:27:58
BÍBLIA. Latim. Mogúncia. 1462.
Trata-se da primeira obra
impressa na qual aparecem
data, lugar e nomes dos
impressores, Fust e Schoeffer
(ex-sócios de Gutenberg),
no colofão. É o incunábulo
mais antigo da Biblioteca
Nacional.
Impressa sobre pergaminho,
sendo as iniciais dos
capítulos feitas à mão com
tinta azul e vermelha.
Figura 1 - Encadernação da
Bíblia da Mogúncia
Figura 2 - Bíblia da Mogúncia
- página em pergaminho com
a marca do impressor
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 6 29/01/2010 17:27:58
7Entre na roda - Introdução
Até o século XVIII, o livro era feito
artesanalmente – por isso cada
exemplar tinha características próprias,
que manifestavam a criatividade e o es-
mero do artista que o produzia, sendo
apreciado não só pelo conteúdo, mas
também por seus aspectos estéticos.
Enquanto obra de arte, seu preço era ele-
vado e sua circulação, restrita.
Nas sociedades modernas, a função da
escrita se modificou devido ao progresso
tecnológico, ao acúmulo de conhecimen-
tos e à necessidade de circulação de in-
formações. O livro então passou de objeto
de arte a produto de consumo e deixou de
ser o principal suporte da escrita, pois esta
passou a se valer de cartazes, jornais, fo-
lhetins, revistas, meio eletrônico e outros.
Da mesma forma, o leitor deixou de ser
aquele que usufruía esteticamente do texto
e do aspecto gráfico de uma obra, lendo-
-a integralmente da primeira à última linha,
para tornar-se um leitor mais rápido e flexí-
vel, em face da diversidade de situações de
leitura ao mesmo tempo impostas e propor-
cionadas a ele pela vida moderna.
Dada a transformação profunda ocor-
rida ao longo dos séculos, é quase impos-
De livros, leituras e leitores
sível imaginar como seria a leitura – e o
leitor – nas épocas precedentes, embora
estudos feitos a partir de suportes, regis-
tros e obras que sobreviveram ao tempo
nos permitam visualizar um pouco a tra-
jetória dessa relação sempre algo impre-
visível entre o homem e o texto escrito.
Ainda que os sumérios, há 4 mil anos
a.C., já utilizassem a escrita e, nas anti-
gas Grécia e Roma, parte da população
tivesse acesso a ela, todo o conhecimento
acumulado até a Idade Média era basica-
mente transmitido de forma oral. Apesar
de pensadores como Sócrates, Platão e
Pitágoras valorizarem mais o pensamento
vivo e o diálogo com os pares e com os
discípulos como forma de transmissão e
de construção do saber, parte desse co-
nhecimento só chegou até nós porque foi
registrado por escrito.
Pode-se dizer que, na Antiguidade, o
leitor, antes de tudo, era um ouvinte, já que
a prática habitual eram as leituras públicas
– realizadas ou pelo próprio autor, ou por
um profissional da leitura. Essa era a forma
pela qual leitores e não leitores entravam
em contato com as diferentes obras produ-
zidas, em função das dificuldades e da pre-
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 7 29/01/2010 17:27:59
8 Entre na roda - Introdução
cariedade das técnicas de registro manual.
O escrito era visto como mero substituto do
oral e, por isso, pouco valorizado.
No entanto, descontadas as dificulda-
des de registro, a reprodução de obras co-
piadas dos originais fez aumentar o número
de bibliotecas, fossem elas particulares ou
públicas. O exemplo mais significativo des-
se processo foi a criação da Biblioteca de
Alexandria, no século III a.C., com um acer-
vo de 500 mil obras da Antiguidade e a ins-
crição na entrada: “Lugar de cura da alma”.
Inicialmente as obras eram registradas
sobre papiro (folha feita com fibras de uma
planta originária do Egito) nos volumina
– rolos sobre os quais o texto era escrito em
estreitas colunas, sem espaço em branco
entre as palavras. A leitura era dificultada
pelo fato de que o leitor deveria segurar o vo-
lumen com as duas mãos, desenrolando-o
com uma delas e enrolando-o com a outra.
Esse processo não permitia que ele anteci-
passe o que vinha pela frente ou retornasse
a trechos anteriores do texto como é possível
fazer hoje. A leitura completa de uma obra
era traduzida pela expressão latina “ad um-
bilicum adducere”, que significa “ir de fora
até o ‘umbigo’ (eixo/centro)” do volumen.
Posteriormente, passou-se a utilizar
o pergaminho (pele de animal, macera-
da em cal, raspada e polida com pedra-
-pomes), material mais flexível, menos raro
e, portanto, mais barato. Além disso, per-
mitia a escrita nos dois lados das folhas,
que depois podiam ser dobradas e unidas
em cadernos, constituindo um códice, o
primeiro livro portátil.
As invasões bárbaras, nos séculos V e
VI d.C., acabaram por destruir o Império
Romano e, com ele, os grandes centros de
formação e concentração da cultura antiga.
O mundo ocidental mergulhou num período
em que a cultura letrada praticamente desa-
pareceu, restringindo-se aos monastérios.
A censura exercida pela Igreja Católica
ao longo da Idade Média, aliada ao mono-
pólio que detinha sobre a escrita, fez com
que o livro se sacralizasse.
Também a instrução passou para a tu-
tela da Igreja. Dessa forma, o aprendizado
da leitura, em latim, acabou se restringin-
do aos jovens destinados à vida religiosa.
Aos sete anos, esses meninos iam para a
escola e recebiam ensinamentos, sobretu-
do orais. Cabia à criança ouvir o mestre e
memorizar o que a ela era ensinado, pois
saber era “saber de cor”.
Nos mosteiros, as obras aprovadas pela
Igreja para reprodução eram manuscritas,
num trabalho longo e paciente, por monges
instalados no scriptorium, sala ampla e ilu-
minada, com mesas sobre as quais ficavam
todos os instrumentos necessários para có-
pia e ilustração (iluminuras) dos textos.
Nesse ambiente, pairava o murmúrio
constante dos monges que necessitavam
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 8 29/01/2010 17:28:00
9
Figura 3 - Livro de Horas em
latim, 1588.
Em pergaminho, um valioso
livro medieval iluminado.
Cena bíblica
Figura 4 - Bíblia em latim,
Veneza, 1480 - Capitular
iluminada a ouro
9Entre na roda - Introdução
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10 Entre na roda - Introdução
ler em voz alta os textos que copiavam, já
que neles a escrita dirigia-se mais aos ou-
vidos que aos olhos: não havia separação
entre as palavras, e a pontuação e a or-
tografia ainda não estavam normatizadas.
Portanto, só pela oralização o leitor podia
chegar ao significado do texto.
Era raro encontrar um leitor silencioso e,
em função disso, nos mosteiros havia ainda
um aposento especial, destinado à leitura,
para que o texto lido em voz alta não prejudi-
casse a paz e o recolhimento dos religiosos.
Somente no século X, a leitura silen-
ciosa passou a ser usual no Ocidente.
Santo Agostinho relata, espantado,
a maneira extraordinária como San-
to Ambrósio lia: “Quando ele lia, seus
olhos perscrutavam a página e seu co-
ração buscava o sentido, mas sua voz
ficava em silêncio e sua língua quieta”
(MANGUEL, 1997).
Todavia, aos poucos, alterações técni-
cas na diagramação do texto manuscrito
foram sendo conquistadas. A adoção de
um novo tipo de letra (carolina), mais le-
gível que a gótica, a separação entre as
palavras, a pontuação e a normatização
da ortografia latina permitiram a criação
de estratégias de leitura mais eficazes.
A leitura visual, silenciosa, primeiro difun-
dida nos mosteiros, foi ganhando as universi-
dades e finalmente alcançou a aristocracia.
Essairradiaçãodeumanovaformadeler
demorou séculos para se efetivar e resultou
de um grande processo de transformações
econômicas e sociais, que conduziram a
Europa de um sistema feudal para outro,
mercantilista. A Igreja foi perdendo sua su-
premacia espiritual e temporal; a educação
ganhou um caráter laico; o ensino deixou
de ser exclusivamente oral para contar com
o apoio do livro como instrumento didático;
e os intelectuais tornaram-se mais críticos e
contestadores, à medida que foram tendo
acesso a autores gregos e árabes.
Cresceu a demanda por livros e, pa-
ralelamente, aumentou a produção edi-
torial, os livros ficaram mais acessíveis,
passaram a ter uma nova configuração,
apresentando paginação, sumário e lista-
gem de abreviaturas, que facilitavam seu
manuseio e compreensão.
Esse cenário favoreceu o surgimento da
imprensa na Europa. Na década de 1440,
Gutenberg inventou uma técnica de impres-
são com tipos móveis, utilizando-se de outras
recentes conquistas – a fundição do chum-
bo, a criação de tintas mais aderentes, a xilo-
gravura, a impressão em tecido e o papel de
origem chinesa.
Na verdade, Gutenberg não foi o pri-
meiro a utilizar o tipo móvel para im-
pressão. Esse processo já era conhecido
na Ásia bem antes de sua descoberta
no Ocidente. Desde o século XI, a China
utilizava o tipo móvel em terracota. A
partir do século XIII, passou a utilizar
caracteres de madeira, enquanto na
Coreia os textos eram impressos com
caracteres de metal.
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11Entre na roda - Introdução
A partir da Bíblia de Gutenberg, a
Igreja perdeu a função de intermediá-
ria da palavra sagrada, já que se tornou
possível ter acesso diretamente à palavra
de Deus por meio da página impressa.
Lutero e a Reforma Protestante surgiram
no bojo dessa situação e apontaram para
a necessidade de escolarização, que per-
mitisse a todos ler a Bíblia.
Mesmo depois da invenção de Guten-
berg, as cópias manuscritas continua-
ram tendo importância na circulação
de vários gêneros, como panfletos po-
líticos e informativos, trabalhos proibi-
dos, composições poéticas e trabalhos
eruditos, cujo acesso deveria ficar res-
trito a um número limitado de leitores.
Figura 5 - Mesa de trabalho
do gravador – Oficina da
Casa Literária do Arco do
Cego, depois denominada
Tipografia Calcográfica e
Literária do Arco do Cego,
criada em 1799 por D.
Rodrigo Souza Coutinho
com o objetivo de difundir
as Luzes da Ciência e da
Ilustração portuguesas.
A tipografia publicou 83
títulos. A Oficina aglutinava
várias funções ligadas a
artes gráficas, tipografia,
calcografia, com corpo
próprio de gravadores.
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12 Entre na roda - Introdução
Cresceu então o entusiasmo pela
aprendizagem da leitura e, em alguns
países, para superar a falta de escolas,
aqueles que sabiam ler ensinavam aos
que não sabiam.
A partir do século XVII, a relação
do leitor com o livro, antes centrada na
Bíblia e em outras obras sacras, alterou-
-se profundamente com a publicação de
grande quantidade de obras profanas.
Almanaques, calendários e contos popu-
lares e amorosos faziam grande sucesso
entre os mais pobres.
Segundo José Juvêncio Barbosa (1990),
nessa sociedade em mudança coexistiam
dois tipos de leitores, que representavam
duas concepções de leitura. Havia o leitor
ainda preso à tradição oral, para quem o li-
vro e a leitura eram instrumentos para man-
ter unida a família em torno de mensagens
religiosas e moralizantes. A essa leitura oral
e coletiva contrapunha-se a do leitor solitário
e silencioso, que lia todo e qualquer texto, e
tratava a escrita como uma linguagem para
os olhos, apreendendo de forma mais efi-
ciente porções maiores de texto.
O século XVIII representou um salto na di-
reção da formação de um público leitor. A re-
volução econômica, política e cultural da épo-
ca, promovida pelo avanço tecnológico e pelo
pensamento crítico e racional de filósofos do
Iluminismo, resultou numa crescente amplia-
ção das oportunidades de acesso ao saber. A
partir da invenção da imprensa, as técnicas
de reprodução gráfica se desenvolveram ra-
pidamente, tornando possível publicar obras
dos mais diferentes gêneros, escritas por au-
tores de todos os segmentos sociais. Houve,
também, uma disseminação da habilidade
de ler, graças à ampliação da escolaridade
para uma faixa maior da população.
Até a metade do século XVIII, as publi-
cações de caráter romanesco, que mais
circulavam socialmente, não costumavam
trazer o nome dos autores estampado na
página de rosto. Isso se devia em parte
à má fama dos romances – vistos como
uma forma inferior de literatura e como
capazes de corromper moralmente, so-
bretudo as leitoras –, em parte ao caráter
passageiro da maioria dessas obras.
Os escritores viviam sob a proteção de
um aristocrata ou acabavam se envolven-
do em atividades ilegais, como o contra-
bando de livros. Não existia, portanto, a
“profissão” de escritor. Esses costumavam
vender seus originais a um editor, que
muitas vezes lhes pagava parte em dinhei-
ro, parte em livros, que os autores podiam
comercializar por conta própria. Não havia
“direitos autorais” – os lucros ficavam com
o editor. Só mais tarde, em 21 de julho de
1793, a França revolucionária promulgaria
uma lei que reconhecia a noção de pro-
priedade literária, conferindo certidão de
batismo ao autor moderno.
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 12 29/01/2010 17:28:05
13Entre na roda - Introdução
Outro tipo de obra que também fez su-
cesso nesse período foi a literatura peda-
gógica e infantil, voltada para a formação
moral e a educação das crianças. Essas
obras, carregadas das ideias de Rousseau
– de que o homem é naturalmente bom e
a sociedade é que o corrompe –, preocu-
pavam-se em orientar os pais para educar
a mente e o coração dos pequenos, tendo
em vista torná-los cidadãos úteis e felizes.
Ainda no século XVIII, consolidou-se em
alguns países da Europa uma nova forma de
circulação de textos, que atendia a duas ne-
cessidades básicas: oferecer conteúdos mais
leves, menoseruditos, epropiciarinformações
sobreosacontecimentoscotidianos.Osjornais
ganharam espaço enquanto suporte de dife-
rentes gêneros discursivos: notícias, anúncios
publicitários, curiosidades, fofocas etc.
O primeiro “jornal” de que se tem no-
tícia – a Acta diurna – surgiu em Roma,
em 59 a.C., por inspiração de Júlio Cé-
sar. Desejando tornar públicos os mais
importantes eventos e acontecimen-
tos sociais e políticos, César ordenou
que esses fatos fossem divulgados nas
principais cidades por meio das Acta.
Escritas sobre placas brancas coloca-
das em lugares públicos, como as ter-
mas, as Acta informavam os cidadãos
sobre campanhas militares, escândalos
no governo, julgamentos e execuções,
casamentos, óbitos e nascimentos. As
informações que constavam das Acta
eram colhidas por “repórteres” nomea-
dos pelo Estado, chamados de “actuarii”.
Em 1761, Rousseau lançava Julie ou
La nouvelle Héloïse, o grande best-seller
do século. Pelo sucesso alcançado pelo
romance, pode-se atribuir a seu autor o
surgimento do culto ao escritor.
Esse romance, que já antecipava o
Romantismo, foi responsável por uma
enxurrada de lágrimas, desmaios e sui-
cídios entre os(as) leitores(as) da época.
Nele, Rousseau retoma a situação vi-
vida por Abelardo e Heloísa, um casal
de amantes da Idade Média que teve
seu amor violentamente combatido
pelo tio da moça e pelos preconceitos
da época, para construir personagens
porta-vozes de suas ideias.
Escrito na forma de cartas – 163 ao
todo –, o romance conta a história de
uma jovem nobre, Julie d’Étanges, que
se enamora de seu preceptor, o jovem
e pobre Saint-Preux. A diferença social
é o grande obstáculo ao amor dos dois,
mas, mesmo separados, o sentimento
entre eles se mantém.
O sucesso de La nouvelle Héloïse foi
tão grande que a quantidade de livros
impressos não foi suficiente para aten-
der à demanda de tantos leitores inte-
ressados. Isso fez com que os livreiros
passassem a alugar os livros por dia e
até por hora.
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 13 29/01/2010 17:28:10
Figura 6 - Tradução guarani,
feita no século XVIII, da
1ª catequese dos índios
selvagens pelos padres da
Companhia de Jesus, 1733
14 Entre na roda - Introdução
Do século XVIII, palco de tantas trans-
formações, até nossos dias, a função da
escrita na sociedade se alterou profunda-
mente e, em consequência disso, o ato
de ler assumiu novas dimensões. O novo
leitor lê apenas pequenas porções de tex-
tos que lhe são ofertados. Como aponta
BARBOSA (1990, p. 109), “grande parte
da leitura diária das pessoas é constituída
de atos exploratórios onde o leitor desta-
ca os segmentos relevantes para obter a
informação que deseja”. Trata-se, nesse
caso, de uma leitura seletiva.
A palavra escrita se popularizou cada
vez mais e acabou se tornando um meio co-
mum de comunicação a distância entre as
pessoas. O modo como se lia também mu-
dou. Se até a metade do século XVIII a lei-
tura era mais intensiva – poucos textos lidos
repetidas vezes, com profundidade, e parti-
lhados em família e em reuniões sociais –, a
partir de 1750 ela se tornou mais extensiva,
resultando no ato de ler voltado para grande
quantidade de matéria impressa – fato que
elegeu os romances e jornais como mate-
riais privilegiados e mais consumidos. Dessa
forma, os textos passaram a ser lidos uma
única vez, com o objetivo
de obter entretenimento e
informação.
O Romantismo, movi-
mento literário do século
XIX, ao afirmar o texto li-
terário como algo original,
resultado da criatividade
e da expressão íntima de
um indivíduo, difundiu
definitivamente a ideia de
autoria. Assim, rompeu-
-se com a visão da tradi-
ção medieval e clássica,
que via os atos de escrita
– literários ou não – como
reescrita pela retomada
ou imitação de textos já
consagrados.
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15Entre na roda - Introdução
O Livro e a leitura
no Brasil
A descoberta do Brasil pelos portu-
gueses e sua consequente colonização
transportaram para nosso país a língua e a
cultura de um povo que, bem ou mal, já se
inseria em todo um processo que impul-
sionava a Europa na direção de uma nova
ordem social e econômica.
Dada a extensão da nova terra, a coloni-
zação se fez de forma lenta, restringindo-se,
sobretudo, a pontos do litoral, onde se forma-
ram, durante o século XVI, algumas poucas
vilas destinadas a receber os governantes
que Portugal enviava para garantir a posse
da terra. Com eles, aqui aportaram os que
vinham povoar a colônia; cuidar da conver-
são do gentio; cumprir pena de desterro, por
crimes cometidos na metrópole; ou simples-
mente se aventurar em busca de riquezas.
As condições que cercaram os primeiros
séculos de nossa vida colonial foram respon-
sáveis pela fragilidade na constituição de prá-
ticas culturais que levassem à formação de
leitores. Os poucos escritos que circularam
aqui–vindosdePortugal–vinculavam-se,so-
bretudo, a questões práticas: a administração
da nova terra e a catequização dos nativos. E
o que aqui foi produzido não teve impacto na
formação de uma cultura letrada, pois ficou
restrito a pequenos grupos e só alguns desses
textos foram publicados na Europa. Esse é o
caso dos relatos de viajantes, dos poemas de
elogio à terra recém-descoberta e das crôni-
cas de acontecimentos memoráveis e de de-
fesa da terra contra as invasões estrangeiras.
Como marco dessa época, pode-se citar
José de Anchieta, um dos poucos a criar uma
obra de real valor literário, como só acontece-
ria mais tarde, já no século XVII, com autores
como o padre Antônio Vieira e Gregório de
Matos. Este último, apesar da qualidade de
sua obra poética, só teve seus poemas im-
pressos em meados do século XIX. Até então,
eles circularam em manuscritos feitos pelo
autor ou em cópias transcritas por terceiros.
Gregório de Matos, poeta baiano nas-
cido em 1636, viveu muitos anos em
Portugal, onde se formou em Leis. Vol-
tando à Bahia, levou uma vida irregu-
lar, pontuada por escândalos, prisão e
até exílio na África. Escreveu poemas
líricos, religiosos e satíricos, mas nun-
ca conseguiu imprimi-los; tornou-os
públicos declamando-os ou oferecendo
seus manuscritos a amigos e admirado-
res. Os ataques impiedosos à sociedade
baiana, ao clero e às altas autoridades
da época – tratados com ironia e debo-
che em seus versos satíricos – rende-
ram-lhe o apelido de “Boca do Inferno”.
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 15 29/01/2010 17:28:10
Figura 7 - Carimbo da
Biblioteca Nacional
16 Entre na roda - Introdução
No século XVIII, a descoberta de ouro
e diamantes, principalmente na região de
Minas Gerais, provocou o deslocamento
do eixo político-econômico para o sul. A
capital do Brasil foi transferida para o Rio
de Janeiro e o governador-geral tornou-se
vice-rei.
Com isso, tanto a vida urbana teve
grande impulso, como se criaram condi-
ções para que florescessem, sobretudo
na capitania de Minas Gerais, importan-
tes manifestações culturais na arquite-
tura, pintura, escultura, música e litera-
tura. Foi nesse contexto que um grupo
de intelectuais ligados ao movimento da
Conjuração Mineira veio a produzir um
conjunto de obras reveladoras de uma
maturidade que caminhava para a afir-
mação de nossa autonomia literária e
para a crescente conquista de um público
leitor ainda bastante incipiente. Basílio da
Gama, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto,
Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio
Gonzaga são alguns dos poetas que mar-
caram esse momento.
Tomás Antônio Gonzaga, autor de li-
ras dedicadas a sua amada Marília, foi
o primeiro a representar em seus poe-
mas a relação entre a mulher e o livro,
entre a leitora e a literatura.
LIRA III
(...)
Enquanto revolver os meus consultos,
Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fatos da sábia mestra História
E os cantos da poesia.
Lerás em alta voz a imagem bela,
Eu, vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.
(...)
A Lira III (trecho acima) insere-se na
terceira parte da obra Marília de Dirceu,
escrita quando Gonzaga já se achava
preso e aguardava a sentença pela par-
ticipação na Conjuração Mineira. Nela,
o poeta inclui a leitura no cotidiano do-
méstico, numa cena – nunca realizada
– em que projeta a futura vida ao lado
da amada.
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Figura 8 - Ex-libris da
Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro
17Entre na roda - Introdução
Em 1747, contrariando as autoridades
portuguesas, Isidoro da Fonseca, um dos
principais tipógrafos de Lisboa,veio para
o Brasil, a convite do governador do Rio
de Janeiro e de Minas Gerais – Gomes
Freire de Andrade –, para instalar uma
oficina de impressão no Rio. A experi-
ência durou pouco. Assim que as auto-
ridades portuguesas souberam do fato,
Fonseca foi obrigado a fechá-la.
Rompendo com essa tradição, o ano
de 1808 teve fundamental importância
para a história da leitura no Brasil. Com
a chegada da família real portuguesa, a
então colônia começou a conquistar gra-
dativamente condições para sua inserção
no mundo das letras.
Logo que chegou ao Rio de Janeiro, o
príncipe regente D. João VI tomou uma sé-
rie de medidas visando aparelhar a cidade
para torná-la compatível com a nova função
de sede da corte portuguesa.
Entre essas medidas, aquelas que mais
diretamente afetaram o processo de for-
mação de leitores no Brasil foram: a cria-
ção de escolas superiores, a fundação da
Biblioteca Real e a autorização para o fun-
cionamento da imprensa no Brasil.
Antes da chegada de D. João VI, os
jovens das famílias ricas, após os estudos
iniciais aqui realizados, costumavam ir a
Portugal para frequentar a universidade
e, de lá, retornavam formados principal-
É certo que, nos três primeiros sécu-
los de colonização, a imprensa inexistiu no
Brasil, fato que acabou dificultando bastante
a difusão de práticas de leitura mais intensas
e consistentes entre nós. Qualquer escrito
produzido na colônia deveria obter autoriza-
ção real para ser publicado na metrópole ou
permanecer sob a forma de manuscrito.
A restrição à impressão de obras na co-
lônia deveu-se ao conservadorismo adminis-
trativo, que julgava perigosa a circulação de
textosquepudessemdespertarideiascontrá-
rias aos interesses da metrópole. Condicionar
a publicação de uma obra à aprovação da
censura eclesiástica e régia era uma forma
de conter qualquer ímpeto libertário.
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18 Entre na roda - Introdução
blioteca foi aberta ao público em 1814, com
50 mil livros impressos em línguas antigas
e modernas, preciosos manuscritos, cópias
de estampas, mapas e curiosidades biblio-
gráficas. Todavia, cronistas estrangeiros da
época relatam que o acervo, composto por
obras predominantemente clássicas, era de-
satualizado e, embora o atendimento fosse
primoroso, o público frequentador era ainda
muito reduzido. Com o passar do tempo, o
acervo foi se atualizando e ampliando, mas
nunca chegou a contar com uma frequência
expressiva, o que denotava pouca intimida-
de dos brasileiros com os livros.
A terceira medida tomada por D. João
VI talvez tenha sido a mais importante para
a nossa história de leitura: a carta régia que
autorizava a impressão no Brasil e a con-
sequente criação da Imprensa Real rom-
peram com três séculos de proibição e de
controle autoritário sobre a publicação dos
escritos aqui produzidos.
O primeiro prelo foi trazido ao Brasil
por acaso. Tudo se deveu à fuga precipi-
tada da corte portuguesa para o Rio de
Janeiro, em função do avanço das tropas
de Napoleão. Pouco antes, Portugal en-
comendara à Inglaterra uma tipografia
completa,queseriainstaladanaSecreta-
ria de Estado dos Negócios Estrangeiros e
da Guerra. Esta se achava ainda encaixo-
tada na Alfândega de Lisboa. Quando se
deu o embarque da família real, o prelo
foi colocado nos porões da fragata Medu-
sa, um dos navios da esquadra régia.
mente em Leis ou em Medicina. Com as
invasões napoleônicas e a fuga da família
real, essa possibilidade estava descartada.
Havia, portanto, necessidade de es-
colas aqui que pudessem formar esses
jovens. Assim, D. João VI criou duas es-
colas de Medicina (uma no Rio e outra
na Bahia); a Real Academia Militar para o
ensino de Ciências Matemáticas, Militares
e Naturais; e transferiu para a corte a
Real Academia Naval, onde se estudavam
Ciências Matemáticas e Físico-Matemáticas,
Artilharia, Navegação e Desenho. Dessa
forma, D. João VI procurava evitar o êxodo
de futuros intelectuais, médicos e cientistas
e garantir também quadros que pudessem
compor o exército e a armada, forças que
deveriam manter a segurança do território
brasileiro e da família real.
Além dessa medida, o príncipe regente
tratou de oferecer à cidade uma biblioteca
comparável às europeias. Nas 55 embarca-
ções da esquadra portuguesa que trouxe a
família real ao Brasil, acomodaram-se, sem
nenhum conforto, as figuras mais ilustres
da corte portuguesa com seus respectivos
bens. Entre os pertences da família real vie-
ram livros do vasto e raro acervo de D. João
VI, que aqui foram instalados no Hospital da
Ordem Terceira do Carmo, onde passou a
funcionar a Biblioteca Real.
Organizada por dois intelectuais da épo-
ca, Joaquim Damaso e José Viegas, a bi-
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19Entre na roda - Introdução
Mesmo assim, a imprensa continuou a
ser monopólio da coroa; somente a Bahia
teve licença para instalar outro prelo; os de-
mais, surgidos no Rio de Janeiro, foram con-
siderados ilegais e apreendidos pela polícia.
Além da publicação de atos e procla-
mações do Estado, a Imprensa Régia pa-
trocinou jornais como a Gazeta do Rio de
Janeiro, criada em 1808, espécie de diário
oficial da época, e O patriota, jornal literário
que contou com a colaboração dos intelec-
tuais mais ilustres de então. Publicou tam-
bém sermões, folhetos contra a França, que
invadira Portugal, e obras literárias.
Com a criação da Real Academia Militar
e a fundação das escolas de Medicina, além
datransferênciaparaoRiodeJaneirodaReal
Academia Naval, surgiu a demanda por livros
didáticos, que, quantitativamente, passaram
a constituir a parte mais importante do catálo-
go de publicações da Imprensa Régia.
Apesar do número crescente de pu-
blicações, a Imprensa Régia vivia em di-
ficuldades financeiras. Para superá-las,
D. João VI autorizou que a ela se ane-
xasse, em 1811, uma fábrica de bara-
lhos e procurou criar mecanismos para
impedir a concorrência de material es-
trangeiro contrabandeado.
Como a cidade crescia, graças à pre-
sença da corte e à intensificação de negó-
cios com outros países, especialmente a
Inglaterra, aumentou a procura por livros.
Como a Imprensa Régia, sozinha, não dava
conta de produzi-los, houve necessidade de
se recorrer à importação, o que fez surgirem
novas livrarias, que, de duas (1808), passa-
ram a doze (1816).
O Brasil e mais especificamente o Rio
de Janeiro, sede da monarquia, lentamen-
te começavam a apresentar as condições
mínimas necessárias para a formação e o
fortalecimento de uma sociedade leitora.
De 1808 a 1840, em que pese a todas
as dificuldades, percebiam-se avanços:
já se contava com tipografias, livrarias e
bibliotecas, ainda que poucas; a escola-
rização, embora precária, expandia-se; a
cafeicultura começava a despontar como
uma fonte segura de riqueza econômica;
e o Brasil, estimulado pelos investimentos
britânicos, inseria-se lentamente no pro-
cesso capitalista.
Paralelamente a esse desenvolvimen-
to, ocorria a afirmação progressiva da
literatura brasileira, por meio de movi-
mentos como o Romantismo, o Realismo,
o Naturalismo, o Parnasianismo e o
Simbolismo, que reuniram um conjunto
expressivo de poetas e escritores. Porém,
o surgimento de condições estruturais
para que as obras desses autores fossem
editadas de forma a atingir um público
significativo foi um processo longo e len-
to. Poucos eram os editores e, muitas ve-
zes, a edição de uma obra dependia das
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20 Entre na roda - Introdução
benesses do Estado e de apadrinhamen-
tos. Além disso, o número de leitores era
muito pequeno – o censo de 1890 apon-
tava mais de 70% de analfabetos. Parte
dos que sabiam ler preferia romances de
caráter folhetinesco traduzidos principal-
mente do francês e que circulavam em
jornais e revistas ou em edições baratas.
Na falta de livrarias onde pudessem
expor suas obras para a venda, muitos
autores as anunciavam pelos jornais,
ou as colocavam para vender em lojas
e boticas.
Segundo depoimentos, Joaquim Ma-
nuel de Macedo e José de Alencar man-
davam vender suas obras, de porta em
porta,por um escravo que as transporta-
va num balaio, como se fossem frutas.
Para garantir a sobrevivência, restava aos
escritores da época empregarem-se como
funcionários públicos, jornalistas, tradutores
ou professores. Publicar suas obras em jor-
nais era outra forma de se tornar conhecido e
de atingir um número maior de leitores. Aliás,
muitos autores de renome, como Manuel
Antônio de Almeida, Machado de Assis e
Lima Barreto, antes de verem suas obras edi-
tadas em livros, tiveram de publicar muitas
delas, capítulo a capítulo, em folhetins.
Não raro os escritores apelavam também
para a produção de livros didáticos, que, ten-
do destino certo, eram economicamente mui-
to mais rentáveis, já que, entre os problemas
estruturais que exigiam solução urgente, esta-
va a escolarização de crianças e jovens.
Apesar da preocupação de D. João VI em
criar escolas de ensino superior, o sistema
educacional no Brasil estava desmantelado
desde 1759, quando, por ordem do mar-
quês de Pombal, os jesuítas foram expulsos
do Brasil, ficando a educação ao deus-dará.
As aulas eram frequentemente parti-
culares e avulsas, abordando, sobretudo,
Latim e Português; o ensino era esparso
e sem direção. Em 1821, um decreto real
permitiu a qualquer cidadão, mesmo sem
se licenciar, ministrar ensino e abrir escolas
primárias. Tal medida, se por um lado pos-
sibilitou o aumento do número de escolas,
por outro trouxe para a educação uma sé-
rie de pessoas despreparadas, alheias aos
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21Entre na roda - Introdução
A realidade da escola brasileira da
época é descrita com tintas carregadas
por muitos escritores nacionais, como
Manuel Antônio de Almeida, em Me-
mórias de um sargento de milícias:
“Foi o barbeiro recebido na sala que era
mobiliada por quatro ou cinco longos
bancos de pinho sujos já pelo uso,
uma mesa pequena que pertencia ao
mestre, e outra maior onde escreviam
os discípulos, toda cheia de pequenos
buracos para os tinteiros; nas paredes e
no teto havia penduradas uma porção
enorme de gaiolas de todos os tamanhos
e feitios, dentro das quais pulavam
e cantavam passarinhos de diversas
qualidades: era a paixão predileta do
pedagogo.
Era este um homem todo em proporções
infinitesimais, baixinho, magrinho, de
carinha estreita e chupada, excessivamente
calvo; usava de óculos, tinha pretensões de
latinista, e dava bolos nos discípulos por dá
cá aquela palha. Por isso era um dos mais
acreditados da cidade.
(...) chegaram os dois exatamente na hora
da tabuada cantada. Era uma espécie de
ladainha de números que se usava então
nos colégios, cantada todos os sábados
em uma espécie de cantochão monótono
e insuportável, mas de que os meninos
gostavam muito. (...) o mestre, acostumado
àquilo, escutava impassível, com uma
enorme palmatória na mão, e o menor erro
que algum dos discípulos cometia não lhe
escapava no meio de todo o barulho; fazia
parar o canto, chamava o infeliz, emendava
cantando o erro cometido, e cascava-lhe pelo
menos seis puxados bolos.
”
avanços pedagógicos e novos métodos, já
utilizados com sucesso em outros países,
e sem recursos materiais que lhes permi-
tissem adquirir livros, em função de sua
raridade e preço elevado.
Como consequência disso, o projeto bur-
guês de tornar a leitura universal foi, mais
uma vez, adiado entre nós. Isso foi tão mais
grave quando se pensa que a escola, nesse
projeto, era o espaço de iniciação à leitura e
de seu desenvolvimento.
Embora a Constituição de 1824, outor-
gada por D. Pedro I, anunciasse instrução
primária gratuita a todos os cidadãos, na
prática pouco se realizou no sentido de al-
cançar esse objetivo. O próprio imperador,
pouco depois, passou às províncias a res-
ponsabilidade pelo ensino primário e se-
cundário, ficando a coroa responsável pelo
ensino superior em todo o território e pelo
ensino inicial e secundário na capital. Como
as províncias não dispunham de orçamento
que garantisse o cumprimento da lei, a edu-
cação acabou atravessando o império na
mesma situação de precariedade que havia
na época colonial.
Poucos foram os avanços no sentido de
garantir educação básica às camadas popu-
lares. E durante muito tempo a escola conti-
nuaria a ser um lugar desagradável, em que
a aprendizagem, fundamentada na memori-
zação e permeada por castigos, era uma ver-
dadeira tortura.
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22 Entre na roda - Introdução
Na segunda metade do século XIX, para
fazer frente ao despreparo dos que se dis-
punham a dar aulas e à falta de material
didático que os subsidiasse nessa tarefa,
a educação de crianças e jovens teve de
se valer de livros e métodos importados
de Portugal, como os dos poetas Antônio
Feliciano de Castilho e João de Deus. Em
ambos, a proposta pedagógica procurava
valorizar o envolvimento do educando, a
afetividade e a empatia como estratégias
para alfabetizar, de forma lúdica e eficien-
te. Tanto um como outro fizeram grande
sucesso, em parte graças ao próprio valor
pedagógico da obra – por ser inovadora e
atender às necessidades de um mercado
carente –, em parte devido à utilização de
influências políticas que lhes renderam
grande publicidade.
Castilho preconizava que o mestre
tivesse uma postura gentil e toleran-
te, permitindo aos educandos partici-
parem das aulas de forma prazerosa,
rindo, comentando e até mesmo gra-
cejando (sem excessos), pois isso lhes
garantiria tomar gosto pelo estudo e os
predisporia a produzir mais.
Já João de Deus, com sua Cartilha ma-
ternal, defendia o ensino de palavras
contextualizadas – em oposição ao en-
sino do abecedário –, alertando os mes-
tres e as famílias, sobretudo as mães,
de que o ensino tradicional constituía
uma violência contra os cérebros infan-
tis, podendo prejudicá-los para o resto
da vida.
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Figura 9 - Província do
Brasil - mapa manuscrito e
aquarelado por João Teixeira
Albernaz, 1666 (finalidade
estratégica das cartas
geográficas)
23Entre na roda - Introdução
ses por outros, de autores nacionais, como
modelos de boa escrita. Mas, sem dúvida,
a grande revolução no mercado editorial foi
provocada por Monteiro Lobato, já no início
do século XX, ao perceber precocemente de
que maneira se daria a profissionalização do
escritor no mundo moderno.
Monteiro Lobato, em 1918, imprimiu
na gráfica do Estado seu primeiro volume
de contos – Urupês –, que foi um sucesso
comercial, vendendo mil exemplares em
um mês e atingindo, até 1923, 30 mil vo-
lumes vendidos. Essa obra se contrapunha
à literatura parnasiana, em voga na época,
apresentando a vida interiorana de forma
crítica e sem idealismos, chamando o País
a despertar para a própria realidade.
Urupês representou para Lobato a desco-
berta da publicidade como valor que impul-
sionava o mercado editorial. Seu Jeca Tatu,
citado por Rui Barbosa em um discurso na
campanha presidencial, tornou-se nacional-
mente conhecido. Mais tarde, reconhecendo
que a preguiça de Jeca se devia aos parasitas
que o infestavam, lançou, em parceria com a
empresa Fontoura & Serpe, um livrinho que
orientava sobre a prevenção de doenças pa-
rasitológicas. A tiragem desse livreto, distribu-
ído gratuitamente pelo laboratório, alcançou
mais de 6 milhões de exemplares, um núme-
ro astronômico para a época.
Além de criar editoras e valorizar novos
autores, Lobato tinha percepção de mer-
O êxito de Castilho e de João de Deus
acendeu ainda mais o ânimo dos nossos
escritores que reivindicavam havia muito
tempo livros didáticos nacionais, compos-
tos com textos de autores brasileiros. Por
um lado, essa defesa era justa, se vista
pelo prisma de uma nação que, acaban-
do de se tornar independente, desejava
afirmar seus valores e criticava nos livros
escolares importados a distância entre
seu conteúdo e a realidade vivida pelas
crianças e jovens brasileiros que os uti-
lizavam. Por outro lado, o mercado edi-
torial voltado para a escola era um filão
importante e poderia garantir a muitos de
nossos autores, além da sobrevivência, a
fama e o reconhecimento.
Nesse sentido, Abílio César Borges, o
barão de Macaúbas, inaugurou, já no final
do século XIX, a presença do autor brasilei-
ro no mercado do livro didático, ao compor
obras destinadas a todas as séries do ensi-
no primário e secundário. Grandes escrito-
res brasileiros estudaram nesses compên-
dios e lembram-se deles de forma negativa,
como Graciliano Ramos. Outros tomaram
o autor como referência obrigatória em ter-
mos de educação: Raul Pompeia inspirou-
se no pedagogo Macaúbas para criar o per-
sonagem Aristarco, diretor do Ateneu.
A partir de então, o livro didático brasilei-
ro foi gradativamente substituindo, em anto-
logias e seletas, os textos clássicos portugue-
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24 Entre na roda - Introdução
Emília comunista!
Em plena ditadura do Estado Novo,
e aos 59 anos, Lobato foi preso. Não só
pela campanha em defesa do petró-
leo, como também por ter despertado
a simpatia das crianças por uma per-
sonagem irreverente e “subversiva”: a
boneca Emília.
O padre Sales Brasil lançou alguns
anos depois um livro chamado A litera-
tura infantil de Monteiro Lobato ou co-
munismo para crianças. Segundo o au-
tor, Lobato negava a hierarquia social, a
independência da pátria, o respeito aos
pais e o direito à propriedade, além de
contestar a existência e as leis de Deus,
por meio dos personagens do Sítio do
Picapau Amarelo. Mas o maior de todos
os pecados era Emília ser apresentada
às crianças como uma “divorciada”, e
isso de forma muito natural!
Apesar de toda a repercussão das
obras de Monteiro Lobato e da relativa
disseminação da leitura enquanto práti-
ca social, a escola não acompanhou esse
movimento, já que se perdeu na cons-
tante discussão de métodos de ensino e
planos nacionais de educação que, des-
de sempre, estiveram voltados mais para
o ensino da elite, ignorando a educação
das classes populares. Basta lembrar
que, chegando ao Brasil, D. João VI in-
vestiu em cursos superiores quando a
educação básica estava totalmente des-
mantelada e assim permaneceu ao longo
de todo o império e de boa parte do pe-
ríodo republicano. Apesar de os grandes
debates em torno da democratização da
cado e inovou superando o problema da
distribuição – em 1918, havia apenas 30
livrarias concentradas nas capitais –, ao
colocar seus livros em consignação em
bancas de jornal, papelarias, farmácias e
armazéns em todo o País, conseguindo
assim estabelecer 2 mil pontos de venda.
Segundo ele, editar era fazer “psico-
logia comercial”. Por isso, preocupava-se
com a aparência do livro (a diagramação,
a cor da capa, ilustrações de boa qualida-
de, tipos de letra mais legíveis etc.), com
títulos mais instigantes e com a divulga-
ção, chegando a publicar anúncios de
página inteira em jornais da época.
Em 1920, Lobato conquistou outra vi-
tória, quando se lançou na literatura infan-
til com A menina do narizinho arrebitado,
numa tiragem de mais de 50 mil exem-
plares. Distribuiu 500 exemplares pelas
escolas públicas de São Paulo e o livro fez
tanto sucesso entre as crianças que logo
o presidente do estado, Washington Luís,
encomendou mais 30 mil exemplares.
Com Monteiro Lobato, a literatura infan-
til ganhou a marca da brasilidade e passou
a ser considerada no País. Abriu caminho
para se firmar enquanto gênero comercial-
mente viável, capaz de seduzir e encantar
um público até então relegado a segundo
plano: em fins de 1925, já circulavam 250
mil exemplares da obra infantil de Lobato.
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25Entre na roda - Introdução
escola resultarem em projetos e leis, na
prática eles não se efetivaram.
Na sociedade burguesa, a escola é
um dos pilares de sustentação para a
universalização da leitura. No caso do
Brasil, a democratização do acesso à
escola é bastante recente. A partir da
década de 1980, as discussões e ações
no sentido de estender a escolarização
a todos ganham maior impulso. Mas se
por um lado a escola se abre como pos-
sibilidade de elevação sociocultural para
muitos, por outro ela continua ainda a ex-
cluir parcelas significativas de seus usu-
ários, seja pela evasão, seja pela reten-
ção. Qualitativamente, a escola até hoje
não conseguiu se organizar para oferecer
uma educação cidadã, atendendo a toda
a população em igualdade de condições.
Do ponto de vista do acesso à leitura
e da formação de leitores, é inegável que
houve progressos nesses cinco séculos de
Brasil. Contudo, o espessamento das prá-
ticas de leitura tem ocorrido num processo
sinuoso de avanços e recuos constantes, o
que nos coloca sempre em defasagem em
relação a países que, desde o século XVIII,
assumiram a escolarização como condição
de progresso material, social e humano.
Falta-nos a formulação de políticas
educacionais que efetivamente promo-
vam o ensino da leitura e da escrita, o
que passa pela existência e expansão de
uma rede escolar eficiente, pela criação e
apoio a instituições que democratizem o
acesso aos livros, bem como pela funda-
ção e fortalecimento de organismos que
disseminem e defendam essa política.
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26 Entre na roda - Introdução
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N
Figura 10 - Sobre alfabetos e
a escrita - Pierre Vander Aa,
1659-1733
27Entre na roda - Introdução
as sociedades letradas, qual-
quer que seja o campo de atua-
ção do indivíduo, a necessidade
da leitura e da escrita é cada vez maior.
Essa exigência é ainda mais contundente
no que diz respeito à leitura, já que estamos
imersos num universo de mensagens escri-
tas: os letreiros de ônibus, as placas de rua,
os folhetos de propaganda, os cartazes, os
impostos e demais contas – com que nos
defrontamos a todo o momento –, os jor-
nais, os manuais de instrução, a internet,
os textos dos livros didáticos etc. Saber ler,
portanto, é indispensável para a efetiva in-
serção do indivíduo na sociedade.
Mas não se trata de qualquer leitura,
nem de qualquer leitor. De que leitura es-
tamos falando?
Concepção de
leitura
Consideramos que ler não se refere ao
simples ato de decifrar o código escrito,
nem de apenas saber localizar e repetir
conteúdos específicos de um texto, numa
leitura linear e literal. É importante desta-
car essa ideia, pois durante muito tempo
se acreditou que bastava estar alfabetiza-
do ou ser capaz de repetir o que estava
escrito para se compreender qualquer
texto. Hoje sabemos que um bom leitor
é aquele que sabe utilizar procedimentos
de leitura, de modo a reconstruir os senti-
dos do texto, dialogar com ele, concordar,
discordar etc.
Um texto é sempre o resultado das
experiências do autor à época de sua
Leitura, uma prática social
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produção, isto é, de sua maneira de ver
o mundo, de suas expectativas, crenças,
valores, dos conhecimentos de que dis-
punha naquele momento, das influências
que recebeu.
A leitura desse texto também é fruto das
experiências e conhecimentos de que dispõe
o leitor e do momento histórico em que ocor-
re a leitura. Portanto, nem sempre ao sentido
pretendido pelo autor correspondem os senti-
dos atribuídos por seus possíveis leitores, ain-
da que autor e leitores dominem uma mesma
língua e vivam num mesmo tempo.
Ler não é um processo linear; e um
mesmo texto possibilita diferentes leituras,
ainda que lido por pessoas que comparti-
lhem um mesmo momento histórico. Por
mais modeladas que sejam as várias for-
mas de discurso, a história de leitura de
cada um está presente na sua manifesta-
ção individual, fazendo parte da história de
leitura do mundo.
Quando um sujeito interage verbal-
mente com outro, o discurso se organiza
a partir das finalidades e intenções desse
locutor, das apreciações que faz de seu
interlocutor e de seu tema, por exemplo,
dos conhecimentos ou crenças/valo-
res que acredita que o interlocutor pos-
sua, do que supõe serem suas opiniões
e convicções, simpatias e antipatias, da
relação de afinidade e do grau de familia-
ridade que ambos têm, da posição social
e hierárquica que ocupam. Vale assinalar
aqui que o discurso, quando produzido,
manifesta-se lingüisticamente por meio
de gêneros orais ou escritos, motivados
justamente por esses condicionantes.
Segundo BAKHTIN
1
(1929/1990), os
textos que produzimos, orais ou escritos,
são formas de dizer que se originam das
necessidades criadas em diferentes esfe-
ras da comunicação humana. Essas for-
mas de dizer (oralmente ou por escrito)
não são inventadas a cada vez que nos
comunicamos, mas estão à nossa dis-
posição, circulam nos diferentes meios
sociais, tenhamos ou não consciência
delas. Quando nos comunicamos, nas
mais diversas situações, utilizamos essas
formas, que possuem características pró-
prias e relativamente estáveis. Essas ca-
racterísticas configuram diferentes gêne-
ros discursivos que podem ser definidos
por três aspectos básicos coexistentes:
seus temas (o que é dizível ou pode se
tornar dizível, por meio do gênero), sua
construção composicional (forma parti-
cular dos textos pertencentes ao gênero)
e seu estilo (seleção feita pelo autor de
recursos da língua – de vocabulário e gra-
maticais –, tendo em vista o gênero). 1
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin
(1895-1975), teórico russo, desen-
volveu, entre outras, pesquisas na
área de Língua. Construiu uma
nova concepção de linguagem,
rompendo com as correntes que
tratavam a língua como um
fenômeno separado do universo
social e histórico. Considerava
que a linguagem resulta de um
esforço histórico coletivo de
caráter dialógico e interacional.
28 Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 28 29/01/2010 17:28:32
Gêneros são formas de enunciados
produzidos historicamente, que se
encontram disponíveis na cultura. Fa-
zemos uso de gêneros discursivos que
nos foram transmitidos histórica e so-
cialmente, o que não quer dizer que
não seja possível transformar esses gê-
neros, ou que outros não sejam criados,
de acordo com as novas necessidades
culturais de interação verbal que sur-
gem historicamente.
O estudo dos diversos gêneros discur-
sivos que circulam socialmente entre
nós não somente amplia as capacida-
des linguísticas e discursivas dos leito-
res, mas também aponta-lhes inúme-
ras formas de participação social que
eles podem ter como cidadãos, usando
a linguagem.
O gênero discursivo é um instrumen-
to com o qual é possível exercer uma
ação linguística sobre a realidade, am-
pliando as capacidades do usuário e o
próprio conhecimento sobre o gênero –
carta de reclamação, carta familiar, ar-
tigo de opinião, conto da tradição oral,
notícia etc.
Figura 11 - Folhinha do Povo - capa
29Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 29 29/01/2010 17:28:33
e começa a ler. Trata-se de um instigante
romance policial, sua leitura favorita. Ela
envolve-se de tal forma na leitura que qua-
se perde a estação onde deveria descer.
Na sala de aula, várias crianças, reu-
nidas em pequenos grupos, conversam
sobre um conto de fadas que a professo-
ra acabou de ler. Em suas mãos, outras
versões da mesma história que elas vão
comparar com o original.
Um empresário chega ao escritório,
senta-se ao computador e lê o relatório
preparado por seus auxiliares. Faz algu-
mas correções e dirige-se à sala de reuni-
ões, onde o lê em voz alta para o grupo de
acionistas; depois discute as planilhas de
custo apresentadas pelo setor financeiro.
Numa feira, no Nordeste, uma senhora
ouve atentamente os versos cantados por um
cordelista; a história a emociona e ela adquire
um folheto de cordel, para retomar a história
que tanto a encantou.
Uma mãe recorre ao livro de receitas,
pois quer preparar um prato saboroso e
rápido para o almoço dos filhos que logo
vão chegar da escola.
Um grupo de amigos dirige-se a um
restaurante; lá consultam o cardápio para
decidir que pratos serão pedidos. De vol-
ta ao trabalho, um deles passa pelo ban-
co para retirar um extrato – constata que
o saldo está baixíssimo e isso o deixa mal-
-humorado.
Assim, a leitura como prática social é pro-
fundamente marcada pelo ambiente em que
circula o texto, pela época em que foi produ-
zido, pelos objetivos do autor, pela finalidade
da leitura. Veja os exemplos a seguir:
Ao acordar, um indivíduo folheia o jor-
nal, atendo-se inicialmente à primeira pá-
gina, para ter uma visão geral dos acon-
tecimentos do dia. Se algo lhe chama a
atenção, localiza a notícia no interior de
um caderno e obtém maiores informa-
ções sobre o fato que lhe interessa. Lê a
previsão do tempo e descobre que deve-
rá levar consigo um agasalho, pois uma
frente fria se aproxima.
À mesa do café, uma garota saboreia
uma bebida láctea, cuja embalagem indi-
ca tratar-se de um produto “light”: ime-
diatamente, ela confere o número de ca-
lorias, pois não quer engordar.
No supermercado, uma dona de casa
observa atenta as embalagens dos pro-
dutos que deseja comprar, verificando os
prazos de validade.
Um homem sai para o trabalho e, ao
observar o letreiro e a placa com o itinerá-
rio do ônibus que se aproxima, apressa o
passo para tomá-lo. Durante o percurso,
observa placas com os nomes das lojas,
faixas com ofertas do dia, outdoors e pla-
cas de rua.
No metrô, como vários outros passa-
geiros, uma jovem pega um livro de bolso
30 Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 30 29/01/2010 17:28:34
Numa igreja, os fiéis participam do
culto religioso, acompanhando num fo-
lheto os vários momentos em que respon-
derão às palavras do padre.
Em sua sala, uma advogada consulta a
agenda para verificar os compromissos da
tarde e descobre que, infelizmente, terá de
desmarcar um encontro com amigos, pois
deverá atender um cliente às 19 horas.
Ao chegar em casa, um menino lê o
bilhete deixado pela mãe:
“Filho, tem comida na geladeira. É só
esquentar! À noite a gente se vê. Chego
mais tarde, porque vou passar as roupas
da Dona Celita.
Beijos”.
O carteiro deixa a correspondência numa
casa. A dona da casa abre a correspondência
e separa as contas a pagar.
Com o apoio de um manual de instru-
ções, um senhor tenta instalar o aparelho
telefônico que acabou de comprar.
Um casal de namorados consulta um
guia de entretenimento encartado no jornal
para descobrir um filme interessante a que
possam assistir após o jantar.
Ao longo do dia, essas pessoas entraram
em contato com vários gêneros discursivos
e sua leitura obedeceu a diferentes finalida-
des. Leram: silenciosamente, para informar-
-se, orientar-se, distrair-se, entreter-se e, em
voz alta, para partilhar informações com ou-
tros ou participar de um ritual.
Todos esses atos de leitura constituem
práticas sociais porque estão presentes no
cotidiano de boa parte das pessoas que vi-
vem atualmente em sociedades letradas.
Certamente, 50 ou 100 anos atrás havia
outras práticas de leitura vinculadas ao
modo de vida e de organização das socie-
dades de então.
A literatura brasileira é pródiga em
exemplos que ilustram como se davam
entre nós as práticas de leitura nos sécu-
los anteriores.
Em Quincas Borba, Machado de Assis
retrata uma situação em que a leitura de
uma revista da moda é vista como status,
capaz de aproximar a personagem Sofia do
círculo social ao qual quer pertencer.
“Afinal, deixou a vista da chuva e do
nevoeiro; estava cansada, e para
repousar, foi abrir as folhas do último
número da Revista dos Dois Mundos.
Um dia, no melhor dos trabalhos da
comissão das Alagoas, perguntara-lhe
uma das elegantes do tempo, casada com
um senador:
– Está lendo o romance de Feuillet, na
Revista dos Dois Mundos?
– Estou, acudiu Sofia; é muito interessante.
Não estava lendo, nem conhecia a Revista;
mas, no dia seguinte, pediu ao marido
que a assinasse; leu o romance, leu os
que saíram depois e falava de todos os
que lera ou ia lendo.
”(ASSIS, Machado de. Obras completas de Machado
de Assis – Quincas Borba. Rio de Janeiro: W.M.
Jackson Inc., 1970.)
31Entre na roda - Introdução
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Nesse instante assomava
à porta um parente nosso, o
Reverendo Padre Carlos Peixoto de
Alencar, já assustado com o choro que
ouvira ao entrar.
(...)
– Que aconteceu? Alguma desgraça?
Perguntou arrebatadamente.
(...)
– Foi o pai de Amanda que morreu! Disse,
mostrando-lhe o livro aberto.
”(ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista.
Campinas: Pontes, 1990.)
José de Alencar, por sua vez, relata uma
situação em que a leitura de um romance
envolve toda a família, uma prática social co-
mum, não só no Brasil, mas em vários países,
quando a leitura começou a se popularizar:
“Era eu quem lia para minha boa mãe não
somente as cartas e os jornais, como
os volumes de uma diminuta livraria
romântica formada ao gosto do tempo.
(...)
Não havendo visitas de cerimônia, sentava-
-se minha boa mãe e sua irmã d. Florinda
com os amigos que apareciam, ao redor
de uma mesa redonda de jacarandá, no
centro da qual havia um candeeiro.
Minha mãe e minha tia ocupavam-se com
trabalhos de costura, e as amigas para
não ficarem ociosas as ajudavam. Dados
os primeiros momentos à conversação,
passava-se à leitura e eu era chamado
ao lugar de honra.
(...)
Lia-se até a hora do chá, e tópicos
havia tão interessantes que eu era
obrigado à repetição. Compensavam
esse excesso as pausas para dar lugar às
expansões do auditório, o qual desfazia-
-se em recriminações contra algum mau
personagem, ou acompanhava de seus
votos e simpatias o herói perseguido.
Uma noite, daquelas em que eu estava mais
possuído do livro, lia com expressão
uma das páginas mais comoventes da
nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça
baixa, levavam o lenço ao rosto, e poucos
momentos depois não puderam conter os
soluços que rompiam-lhes o seio.
(...)
32 Entre na roda - Introdução
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A formação
do leitor
O processo de formação do leitor é longo,
ocorrendo pela mediação de leitores mais ex-
perientes e pela interação com diferentes su-
portes e gêneros discursivos. Hoje sabemos
que, muito antes de ser capaz de compreen-
der o funcionamento do sistema alfabético, o
sujeito imerso numa sociedade letrada busca
entender o que significam os escritos presen-
tes no mundo em que vive e pode entrar no
mundo da escrita pela mão, pelo olhar e pela
voz de outras pessoas, evidentemente valori-
zando e elegendo a sua. Todas as tentativas
que ele faz para atribuir sentido a um texto
são leituras. Nesse sentido, mesmo os não al-
fabetizados são capazes de ler, apoiados em
ilustrações e em outras marcas do texto, bem
como em sua memória.
Para alguns, essa experiência começa
muito antes de entrar na escola, quando
presenciam atos de leitura praticados pe-
las pessoas que os rodeiam ou participam
deles. Entretanto, muitos dependem exclu-
sivamente da escola para se tornar leitores.
Assim, na escola e na comunidade, é pre-
ciso criar momentos ou situações para que
os leitores iniciantes construam e ampliem
experiências de leitura, oferecendo-lhes
diferentes suportes e gêneros discursivos,
lendo para eles com frequência, colocan-
do-os no papel de leitores.
O contato com diferentes suportes e tex-
tos e com leitores mais experientes é funda-
mental para desenvolver o gosto pela leitura
e formar leitores competentes. Essa compe-
tência – que se forma com o manuseio e a
leitura de muitos suportes e textos – inclui
saberes diversos.
No que se refere ao livro, por exem-
plo, saber segurá-lo e manuseá-lo corre-
tamente; saber que a capa apresenta em
geral o nome do autor, o título do livro e
a editora; perceber que livros com muitas
histórias ou poemas comumente trazem
um índice; descobrir que no verso da fo-
lha de rosto há uma ficha catalográfica
com informações sobre a edição da obra;
e, principalmente, reconhecer obras de
boa qualidade, apontar autores e ilustra-
dores que admira e comentar um texto
lido, justificando suas opiniões, sem con-
tar os modos de “sentir” a realidade física
do material escrito, que vão do olhar ao
toque, do olfato ao próprio poder gustati-
vo imaginário ou não, tornando o livro um
particular fetiche.
Se o suporte de leitura for um jornal,
saber como se organiza a primeira página,
como se localizam as notícias dentro do jor-
nal, qual é a diferença entre um editorial, um
artigo de opinião assinado e uma reporta-
gem; descobrir a função das manchetes; ser
capaz de comparar diferentes jornais etc.
Figura 12 - Almanak Laemmert
- Folha de rosto
33Entre na roda - Introdução
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Já a leitura de uma propaganda re-
quer outras capacidades, como relacio-
nar a mensagem escrita com a imagem,
compreender a linguagem figurada etc.
Embora o foco do Projeto Entre na
Roda seja a fruição e o prazer da leitura,
acreditamos que para o leitor desfrutar
desse prazer é necessário que desenvol-
va algumas competências leitoras, tais
como:
● Definir as finalidades da leitura:
saber com que objetivo se vai
ler – por prazer, para conhecer
determinado assunto, para atualizar-
-se, para comunicar algo, para
executar uma ação, para viver ou
reviver uma experiência pouco ou
bem conhecida etc.
● Recuperar o contexto de produção:
quem é o autor, que posição social
ocupa(ou), em que época vive(eu),
em que situação escreveu, com que
finalidade, onde seu texto circula,
a quem se destina, de onde foi
retirado etc.
● Relacionar temas e conteúdos
abordados em diferentes textos,
mesmo porque cada texto sempre
dialoga com um outro de um
modo sutil ou consideravelmente
aproximado. (Intertextualidade)
● Relacionar diferentes versões
de um mesmo tema ou assunto.
(Interdiscursividade)
● Fazer apreciações estética, afetiva
e ética: gostar ou não, concordar,
discordar, criticar, levando em conta
que a leitura atenta, prazerosa ou
não, é sempre motivação e ponto de
partida de um outro texto.
● Localizar informações importantes
para a compreensão do texto ou para
fins de estudo ou trabalho.
● Antecipar ou predizer conteúdos a
partir do título, do tema abordado,
dos conhecimentos prévios sobre o
tema ou sobre o autor.
● Inferir, isto é, tirar conclusões que
não estão explicitadas, com base em
outras leituras, experiências de vida,
crenças, valores.
● Extrapolar: projetar o sentido do
texto para outras vivências e outras
realidades; ir além do texto.
● Perceber outras linguagens:
relacionar texto escrito com imagens,
imagens em movimento, diagramas,
gráficos, mapas, sons, números etc.
34 Entre na roda - Introdução
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Ao longo das oficinas, propomos ativida-
des em que são explorados diferentes su-
portes e gêneros discursivos – na Oficina 2,
histórias da tradição oral (“causos”, contos
de encantamento, fábulas), apólogo e crôni-
cas; na 3 e na 4, contos,
romance, novela e texto
teatral; na 5, poemas; na
6, textos jornalísticos; e
na 7, textos de divulga-
ção científica.
Em cada uma de-
las, analisamos e dis-
cutimos aspectos dis-
cursivos (condições de
produção) e formais (es-
trutura textual, recursos
linguísticos e expressi-
vos), bem como procu-
ramos orientar para que
se identifiquem dificul-
dades de leitura que o
texto possa acarretar, se-
jam relativas ao contex-
to de produção, sejam
referentes a conteúdos
semânticos e sintáticos.
O texto literário
como isca de
leitura
A literatura é matéria privilegiada para
motivar e formar leitores, por ser lingua-
gem que se oferece a múltiplas inter-
pretações. Ela funde harmoniosamente
realidade e fantasia – sendo um material
inestimável na formação do indivíduo em
sociedade –, toca primeiro a emoção e
depois leva à reflexão, à análise, à inter-
pretação e até mesmo à produção de ou-
tros textos. Por essa especificidade da lin-
guagem literária, as oficinas deste projeto
dão especial destaque aos gêneros da
literatura na formação do leitor, tentando
aproximar conhecimento e prazer, casa-
mento esse que nem sempre faz parte do
cotidiano das escolas e de outros espaços
de aprendizagem. Comumente a leitura-
-prazer é proposta como uma atividade
menor, para ocupar o tempo – depois que
os alunos acabaram de fazer atividades
“sérias”, podem pegar livros para ler, até
que todos terminem as tarefas.
O texto literário é matéria criativa e
“reveladora”, capaz de inquietar prazero-
samente os educadores para o gosto da
leitura, experiência essa que naturalmen-
te eles podem promover junto aos alunos
e à comunidade, acentuando que a lei-
tura de textos literários permeia todas as
formas de conhecimento: a literatura está
Figura 13 - Homem escrevendo
a bico de pena, cercado de
livros e outros instrumentos,
c. 1550
35Entre na roda - Introdução
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sempre voltada para a condição humana
e a serviço da vida.
Por isso, o primeiro passo para desen-
volver o gosto dos leitores iniciantes é co-
locá-los em contato com muitos textos de
boa qualidade. Isso significa oferecer-lhes
um acervo contendo diversidade de gêne-
ros, temas, autores, ilustradores, estilos,
tratamento gráfico, para atender às expec-
tativas mais variadas, revelando a eles a
maravilhosa e inestimável aventura de ler.
Identificar uma obra como sendo de
boa qualidade significa também levar
em conta: os valores estéticos da obra
(linguagem criativa, sugestiva, fluente,
temas interessantes ou intrigantes, inven-
tividade no jogo das palavras, potencial
lúdico e outros), o respaldo da crítica e,
sobretudo, a receptividade dos leitores a
quem a obra se destina.
Livros bons são aqueles de que os leito-
res gostam e que têm prazer de ler – e não
aqueles considerados capazes de ensinar
lições de moral ou de alfabetizar (como
os de cunho cartilhesco) ou ainda aque-
les em que a voz do narrador macaqueia
uma fala infantil ou débil, desqualificando
a capacidade de compreensão do leitor.
Bons livros atravessam gerações, manten-
do-se sempre novos. Tornam-se inesque-
cíveis, porque a cada releitura têm sempre
algo a nos dizer. Permitem a quem os lê
viver simbolicamente outras vidas, com
experiências diferentes do seu cotidiano.
Despertam nele o gosto pela exploração
da diversidade e pelo conhecimento do
outro; possibilitam ao leitor reconhecer-se
nos personagens e, pelo distanciamento
da ficção, compreender melhor as pró-
prias experiências.
Como afirma Ana Maria Machado
(MACHADO, 2002): “O que interessa
mesmo a esses jovens leitores que se
aproximam da grande tradição literária é
ficar conhecendo as histórias empolgan-
tes de que somos feitos”.
Quando o(a) orientador(a) oferece
bons livros aos participantes das rodas,
seu papel de formador(a) de leitores já
está parcialmente cumprido, porque as
múltiplas experiências de leitura, sobre-
tudo aquelas que são críticas e prazero-
sas, depuram o gosto. Além disso, um(a)
leitor(a) mais experiente pode ajudar os
demais a apreciar melhor as obras, au-
xiliando-os a desenvolver suas capacida-
des leitoras.
Cabe ao(à) orientador(a) das rodas
de leitura estar atento(a) a aspectos rele-
vantes que garantam o envolvimento dos
participantes e a plena compreensão do
texto. Por isso, sugerimos que:
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Antes da leitura
● Escolha textos de boa qualidade.
● Prepare-se para esse momento,
estudando o texto antes.
● Procure criar um clima de magia
e envolvimento. Se possível, peça
aos participantes que se sentem em
círculo, próximos de você.
● Diga o nome do(a) autor(a) e
pergunte se já o(a) conhecem, se já
leram algum livro ou texto dele(a).
● Fale sobre a época e o lugar em que
o texto foi escrito, caso tenha essa
informação.
● Mostre-lhes a capa e pergunte sobre
o que seria o texto.
●Aponte o nome do(a) autor(a), o título
do livro, leia a orelha e o texto da quarta
capa ou contracapa (se houver). Se o
livro contiver muitos textos, mostre a eles
como localizar o que vão ler pelo índice,
ou simplesmente deixe o livro sobre a
mesa para aguçar a curiosidade.
Durante a leitura
● Se os ouvintes se dispersarem,
utilize alguns recursos para resgatar
a atenção, fazendo algum tipo de
suspense e perguntando, por exemplo:
O que será que vai acontecer agora?
Será que os heróis da história vão
conseguir superar o problema? E o par
amoroso, vai conseguir ficar junto?
Como o personagem X vai se livrar da
enrascada em que se meteu?
●Faça algumas interrupções também se
notar que a compreensão está difícil,
dando algumas pistas para ajudar, mas
sem se alongar em explicações, evitando
fragmentar a narrativa e propiciando a
expressão individual ou do grupo.
●Se os participantes interromperem com
perguntas, responda o estritamente
necessário e retome o texto rapidamente,
para não perder o encanto.
37Entre na roda - Introdução
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Após a leitura
● Caso perceba que não
compreenderam o texto apresentado,
ajude-os dando pistas, fazendo
perguntas e respondendo às deles.
● Oralmente, recupere com eles belas
passagens ou aquelas que causaram
entraves à compreensão.
● Proponha eventualmente que
representem o que leram por meio
de dramatizações ou desenhos, já
que essas estratégias permitem um
mergulho no texto e, portanto, uma
compreensão maior.
● Inverta alguns papéis ou dê algumas
sugestões e motive a recriação do texto.
● Estimule comentários e discussões a
respeito de usos e costumes de outras
épocas e povos, bem como sobre as
características dos personagens.
● Desafie-os a ir além do texto,
relacionando-o com as próprias
experiências.
● Incentive os participantes a exercitar
a imaginação, o raciocínio lógico e a
coerência, questionando sobre o que
aconteceria se determinado fato fosse
alterado:
●E se Fulano tivesse agido assim?
●O que mudaria na história se Beltrano
tivesse respondido...?
●O que havia por trás da atitude do
personagem Y?
● Chame a atenção para: o estilo do(a)
autor(a), os recursos que ele(a) utiliza
para prender a atenção do leitor, a
riqueza de expressões, as frases bem
construídas, as expressões regionais,
gírias, linguagem figurada etc.
● Abra espaço para que manifestem
seus sentimentos e opiniões e
ajude-os a ir além do “é legal” ou do
“gostei”, pedindo que justifiquem
suas opiniões sobre: a história, as
ilustrações, o estilo do(a) autor(a) – o
jeito de contar/escrever – etc.
● Crie também situações em que os
próprios participantes escolham livros
para ler, sejam alfabetizados ou não.
Organize uma rotina para que a leitura
livre se torne uma prática no grupo.
● Todos podem e devem ler, ainda que
não o façam convencionalmente.
Portanto, organize estratégias para
que leitores mais experientes possam
auxiliar os menos experientes.
● Estimule a reflexão, a partir do(s)
ponto(s) de vista do(a) autor(a) do
texto, abrindo perspectivas para a
busca de soluções para problemas
individuais ou coletivos.
38 Entre na roda - Introdução
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jornalísticos, nos quais o leitor pode encontrar,
sobretudo, informação e reflexão sobre os
acontecimentos que interferem diretamente
em sua vida. Da mesma forma, propomos o
trabalho com textos de divulgação científica,
que aproximam o leitor do conhecimento pro-
duzido em várias áreas do saber.
Contudo, qualquer que seja o gênero en-
focado nas oficinas, tivemos sempre o cui-
dado de oferecer atividades que têm como
principal finalidade a fruição e a reflexão.
Apesar de o projeto dar maior destaque
aos textos literários, acreditamos que a fami-
liaridade com outros gêneros discursivos que
circulam numa sociedade letrada também é
fundamental para a formação do leitor, tendo
em vista que a todo o momento ele é solicita-
do a ler com diferentes finalidades, para fazer
frente a todos os desafios que a vida moderna
lhe impõe. Isso nos levou a propor oficinas em
que sugerimos que o(a) orientador(a) das ro-
das de leitura aborde, por exemplo, os textosFigura 14 - Encadernações
preciosas - artesanais
39Entre na roda - Introdução 39Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 39 29/01/2010 17:28:39
Figura 15 - Gramática João de
Barros
Figura 16 - Conhecendo a
língua pátria. Luiz Figueira.
Arte da Gramática da Língua
do Brasil, 1795
40 Entre na roda - Introdução
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Rodeado de tantos livros, dos mais variados
gêneros, lendo e incentivando a ler, como
profissão, hoje estou num lugar escolhido. Não
sei se por mim ou para mim.
Não me imaginava nessa situação quando
tudo me parecia maior, com cheiro de terra
molhada, galinhas empoleiradas nos galhos
da mangueira e, no final da tarde, realmente
o Boitatá corria pelo fundo do quintal, à beira
do taquaral.
Não imaginava que aprendia a ler.
Subia pelas árvores, goiabeiras, abacateiros,
ameixeiras, e a preferida amoreira, com
braços acolhedores, dos quais muitas
vezes saíamos manchados de sumo
avermelhado.
Fugia do Brasinha, o irritado cachorro de
minha avó, driblando os arbustos de
buchinha.
Fazia bois de chuchu e naves espaciais de
caroço de abacate e brincava com o que,
parece hoje, era meu único brinquedo
formal: o cavalinho de plástico. O meu era
o preto.
Passava horas acompanhando carreiras de
formigas saúvas. A paciência já era uma
característica. Talvez fruto da relativa
liberdade e quase anonimato em meio a
tantos irmãos, numa casa que não era
nossa.
Às vezes ajudava minha mãe a rachar lenha,
tirar água do poço ou capinar o canteiro
de batata-doce. A roça na periferia, tão
perto da cidade. O cheiro de pão assando,
envolto em folha de bananeira, no forno
de barro, ainda traz saudade. Até mesmo
o coqueiro que tanto dava coquinhos
amarelos como lagartas. O canudinho
das bolinhas de sabão eram folhas de
cebolinha. A lata cheia de bolinhas
de gude tinha os mais variados tipos.
Algumas revelavam universos inteiros
quando olhadas à luz do Sol. E a coleção
de tampinhas de garrafa me fazia olhar
para o chão sempre que saía de casa.
Demorei a aprender a rodar pião direito e
aprendi a andar de bicicleta numa enorme
Peugeot cinza, de adulto. A tampa de
manteiga pregada num cabo era mais
fácil de manobrar.
Os quadrados cortados com faca de cozinha
nem sempre saíam bem, mas nem por
isso deixava de tentar fazê-los. Às vezes
me rendia às capuchetas de papel de pão
que, apesar da barriga na linha, sempre
eram mais fáceis de empinar em dia de
vento forte.
Toda semana a família se reunia e quase
sempre resultava em brincadeiras de
roda, com adultos e crianças. O grande
butiá era presença constante. Uma
palmeira de tronco bastante largo para
meu tamanho, que dava para se esconder
atrás, correr em volta, contar pique de
lberto Manguel, em seu livro Uma história da leitura, diz que “uma história
da leitura é a história de leitura de cada um dos leitores”. O Projeto Entre na
Roda compartilha dessa ideia; por isso, apresenta agora histórias de leitura
de alguns de seus participantes.
Histórias de leitores
A
41Entre na roda - Introdução
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esconde-esconde – “bater cara” como se
dizia – e imaginar a possibilidade de
escavar uma casa.
E eu que pensava que só estava aprendendo
a ler quando ia ao grupo escolar,
caminhando uma longa distância, às
vezes atirando folhas de certo capim
para o ar, como se fossem foguetes.
Já havia muitos livros de autores
consagrados em casa, em edições
populares, que minhas irmãs liam
para a escola. Uma riqueza em meio à
nossa pobreza material. O folclore de
que minha mãe havia enterrado livros
“perigosos” de meu pai, naqueles tempos
difíceis da política, não sei se é verdade.
Se bem que só encontrei, mais tarde, um
único livro remanescente, de filosofia,
que estudei na faculdade.
De qualquer forma, não os lia. A leitura mais
misteriosa que me atraía estava num livro
didático, em formato pequeno, que falava
algo sobre “subir a bainha”. A ilustração
da menina na ladeira não deixava dúvidas
de que era ela quem tinha que subir a
bainha. Ficava imaginando como seria
essa bainha.Talvez uma encosta ou uma
ladeira estreita por entre árvores. Era
fascinante. Perdeu-se no tempo o conteúdo
do texto. Não tinha ainda habilidade
suficiente para decifrá-lo.
Quando me encontrei com o desenho
animado e os quadrinhos, estava selado
meu futuro. Meu “carma” a pagar
seria entre livros. Conheci Tintin e
Asterix na adolescência, em exemplares
encadernados da biblioteca, já na
“civilização”, num bairro mais central de
São Paulo.
Compartilhava com meu irmão mais novo o
hábito de trocar gibis numa banca, dois por
um. Fiz pilhas de desenhos e criei inúmeros
personagens de quadrinhos, que ficaram
restritos ao conhecimento da família.
Nunca fui um grande leitor, sempre muito
lento, precisando forçar a concentração.
Mas me emocionei quando voltei à escola
em que iniciei minha vida escolar, para
contar histórias de livros que ilustrei às
crianças atentas e curiosas das turmas
superlotadas.
Engraçado como tudo pareceu bem menor.
Fiz questão de descer pelas escadas por
onde andava naquele tempo e imaginar
os fantasmas de minhas lembranças
correndo ao redor.
Por isso sinto pena que a atividade que
exerço esteja subordinada ao bel-prazer
das políticas governamentais.
Marcelino Tristan Vargas
●
A primeira parte de minha infância foi numa
fazenda, rodeada de árvores frutíferas e
bichos. Livros não havia por lá. Passava os
dias em cima de mangueiras e goiabeiras
ou desenhando na terra do porão de casa
com palitos de fósforo usados. Histórias,
só os causos de caipira ou de assombração
contados pelo meu pai ou as lembranças
de minha mãe sobre a Itália. Uma vez por
ano vinha um tio de São Paulo e trazia a
revista “O Cruzeiro”. Eu me deleitava com as
fotos, principalmente com as das “misses”, e
tentava copiá-las com todos os detalhes, até
um aviãozinho (eu acho) que havia no maiô.
Certa vez chegou um tio com uns livros
estranhos. Um deles tinha o seguinte título:
“Eles possuirão a terra”. Não tinha figuras,
só escrita. E eu ficava imaginando o que
podia estar escrito ali. Mais tarde soube que
o tal tio andava metido em política e que até
já fora preso.
Do primeiro ano da escola, lembro-me
42 Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 42 29/01/2010 17:28:47
apenas dos belos desenhos, copiados
da cartilha, que a professora fazia
na lousa com giz colorido. Não me
lembro do momento em que aprendi a
ler. Mas me lembro de que aguardava
ansiosamente o dia do exame de leitura.
O diretor do grupo escolar chamava
um de cada vez à sua sala para ler,
primeiro silenciosamente e depois em
voz alta. Nem o medo do exame tirava
de mim o prazer de ter nas mãos um
livro diferente da cartilha! Aos dez anos
minha família mudou-se para a cidade
de São Paulo. No Instituto de Educação
onde fui fazer o ginásio havia uma
grande biblioteca com livros variados.
Os meus preferidos eram os de Monteiro
Lobato. Passei, então, a devorar livros e
torcia para que os professores faltassem,
pois quando isso acontecia eu corria para
a biblioteca. Às vezes até “cabulava”
aula e dizia para a bibliotecária que o
professor havia faltado. Alguns livros
eram proibidos, o que aguçava ainda
mais o meu desejo de lê-los. Nessa
época, para minha alegria, minha mãe
comprou, de um vendedor de livros, a
prestação, uma coleção do Malba Tahan,
toda encadernada de vermelho. Mas a
influência de um professor de Português
foi decisiva para fortalecer em mim o
gosto pela leitura. Suas aulas consistiam
tão somente em recitar poemas de
Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida e
outros e em comentar livros que havia
lido. Até hoje sua voz ecoa nos meus
ouvidos: “Iracema, a virgem dos lábios
de mel”; “Rosinha, minha canoa”... Por
sua influência, convenci minha mãe a
ficar sócia do Clube do Livro. Pagávamos
uma pequena mensalidade e recebíamos
um livro mensalmente. O jornal entrou
mais tarde, também por influência de
professores, então do magistério. Nessa
época eu já trabalhava, mas como o
dinheiro era curto, fiz um acordo com o
dono de uma banca de jornal para pagar
por mês e assim mesmo só o jornal
de domingo. A parte preferida era o
suplemento literário, que li, reli e guardei
durante vários anos, como um tesouro.
Zoraide Inês Faustinoni da Silva
●
Minha família sempre leu muito, meu pai
sempre trazia livros para casa e minha
mãe sempre gostou de ler para nós.
Comecei a ler aos cinco anos em casa e
sozinha e minha mãe foi a primeira a
perceber que estava lendo e ficou muito
emocionada. A partir daquela data
comecei a ganhar livros de presente e a
ler em voz alta para todas as visitas.
Regina Helena Botteon de Souza
●
De uma família muito grande – dez irmãos
– fui a caçula e desde muito cedo convivi
com livros e gibis de meus irmãos mais
velhos.
Inicialmente via as figuras, mas as letras
me encantavam, parecia que existia
um outro mundo e a vontade, junto
com a curiosidade, me incentivaram
a fazer perguntas aos meus irmãos e,
com isso, aos 5 anos e meio já conseguia
decifrar algumas palavras dos gibis
que folheava. A leitura para mim era
essencial. Sempre que podia já estava
com gibis na mão. Mas minha grande
alegria foi quando li meu primeiro livro,
43Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 43 29/01/2010 17:28:48
que foi “Meu Pé de Laranja Lima”. Acho
que fiquei tão feliz que reli diversas
vezes. Depois deste foi “Pollyana”, “O
Menino do Dedo Verde” e outros.
Carmita de Freitas Dino
●
Nasci em uma família pobre. Meu pai e
minha mãe eram analfabetos. Quando
falo de meu pai, me emociono ao lembrar
que tinha discernimento para resolver
tudo e ajudar todos que o procuravam.
Não tínhamos livros, nem mesmo televisão.
Nosso jantar geralmente era por volta das
18h. Logo estávamos todos deitados e meu
pai contava-nos histórias maravilhosas. Era
um momento mágico; eu e meus irmãos
ouvíamos a história “Fogo no céu” onde ele
imitava as vozes dos animais.A rotina era
variada, pois quando meu pai não queria
contar histórias de animais, ele nos contava
causos ocorridos no Nordeste, envolvendo
caçadores e pescarias. Mas o que eu mais
gostava era da história “Fogo no céu” e
sempre solicitava que a recontasse.
Eram momentos que me permitiam viajar
no mundo da fantasia, deparando-me
com desafios constantes. Hoje avalio que
não tive livros como suporte, mas esses
momentos contribuíram muito para
minha formação de leitora, levando-me a
descobrir o fantástico mundo dos livros.
Por volta dos 6 anos, mudou-se para perto
de minha casa um casal que morava
em São Paulo e só vinha aos finais de
semana. Eu auxiliava a mulher nas
tarefas da casa. E qual não foi minha
surpresa no dia em que ela me presenteou
com um livro de histórias intitulado “Os
filhotes”. Recordo como se fosse hoje a
história dos seis cachorrinhos brancos e
um preto que faziam arruaças pela casa.
Aquele livro para mim era uma relíquia,
da qual eu cuidava com muito carinho.
Reli várias vezes e guardei como um
tesouro raríssimo. Mantive bons laços
de amizade com essa família. Quando
eles chegavam no final de semana, já
passavam buzinando, me alertando que
tinham chegado.
Durante minha vida na escola primária
não consigo me lembrar de momentos
prazerosos de leitura. Recordo de um texto
que citava cometas no universo, mas não
conseguia fazer analogias, pois o único
cometa que conhecia era o ônibus que
passava naVia Anhanguera.
O único momento que me recordo da leitura
com prazer na escola foi quando a
professora contou uma história do coelho
da Páscoa, utilizando fantoches.
(...)
Hoje, meu momento de contato com os livros
é quando me deito e aos finais de semana.
Vou lendo os capítulos, sempre ficando com
o gostinho de quero mais. Reflito muito
sobre meu contato com a leitura e, após
10 anos sem meu pai, sinto saudades do
meu tempo de criança. Na realidade ele
era um ótimo contador de histórias. Em
minhas memórias, verifico o quanto ele
contribuiu para minha formação de leitora.
Até hoje me recordo com muita saudade
da entonação de sua voz narrando as
histórias, que jamais esquecerei.
Maria de Lourdes de Moura Santos
●
44 Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 44 29/01/2010 17:28:49
Com seis anos de idade costumava ficar
no bar de meu pai em Caçapava. No
bar havia revistinhas e eu adorava
ver os gibis do Tio Patinhas e do Pato
Donald, principalmente as histórias
que envolviam as peripécias dos três
sobrinhos de Donald: Huguinho, Zezinho
e Luizinho. Devido a suas travessuras,
ficava doida para saber o que estava
escrito nos balõezinhos, sendo este o
motivo pelo qual me interessei em ler
com autonomia. Lembro-me também
de um dos primeiros livros que li: “Os
sobrinhos do capitão”, que eram danados
e só aprontavam confusão.
Mercedes Pons Garcia
●
(...) quem me fez ter o gosto pela leitura,
pelos livros, foi minha primeira
professora. No final do meu 1º ano
de escola, quando comecei a ler, essa
professora presenteou-me com dois
livros: “Chapeuzinho Vermelho” e “Ali
Babá e os Quarenta Ladrões”. Lembro-
-me de que passei as férias lendo e
relendo esses dois livros. Depois vieram
“Soldadinho de Chumbo” e muitos gibis.
Helena A.Y. Yamane
●
O primeiro livro que li foi “Caminho Suave”,
após ter passado por experiências
constrangedoras com a professora da
primeira série porque não soube ler a lição
da jarra. O castigo? Ah!... esse castigo era
45Entre na roda - IntroduçãoEntre na roda -
Desde muito pequenina lembro-me de meu avô
ouvindo em sua vitrola Chopin,Vivaldi,
Strauss comigo em seu colo.Adorava ouvir
suas histórias de palácio, de viagens e
principalmente histórias de nossa árvore
genealógica. Uma das lembranças que
trago (nasce meu interesse por ler) é a
leitura de poesias e cartas escritas pelo
vovô, que reunia todos os familiares: vovó,
filhos, netos e primos em volta da mesa do
almoço para lê-las e recitá-las. Às vezes,
aliás quase sempre, tio Meco, seu filho, se
emocionava e deixava ver que chorava.
Caso raro entre homens. Passar os fins de
semana na casa de meus avós era como
entrar nos livros de contos onde tudo era
possível e as tristezas deixadas de lado.
Antes de dormir, era a vez de vovó Alba,
que me deixava deitar a seu lado para ouvir
histórias de princesas, príncipes e plebeus.
Eu também amava ouvir suas histórias
com as irmãs, quando tiveram que morar
na fazenda e perderam todas as riquezas
por causa da crise de 29. Eram histórias
tristes, mas percebia em vovó o orgulho
de contá-las, pois com sua perseverança
conseguiu vencer, casar, ter filhos e naquele
momento ter seus netinhos para curtir e
contar histórias de sua tradição.
Meus pais também foram muito influentes
na minha formação cultural. Motivaram
a mim e meus irmãos a participarmos de
eventos organizados na escola. Faziam
parte ativamente da Associação de Pais
e Mestres. Além disso, também nos
levavam ao teatro e cinema quando
podiam. Quanto à leitura, papai nunca
teve costume, sempre preferiu os
esportes. De mamãe lembro dela lendo
em sua cama e sofá. Ela participava
do Clube do Livro com as amigas que
compravam livros para trocar entre elas.
Stella Campos Mendes
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 45 29/01/2010 17:28:51
vergonhoso! Pelo menos para mim que
era muito tímida e não conversava com
meninos porque “menina não conversa
com menino”. Então, como não soube ler,
fiquei sem recreio. Eu e o Jeremias, o filho do
sapateiro, o menino mais danado da turma.
A partir daí, outras experiências de leitura
soaram como negativas e positivas.A do
primeiro livro foi inesquecível.Acariciava-o
como algo muito precioso, me deleitava em
ver o Fábio, tão bonito e limpo, estudioso...
Enfim um “primor”, que nada tinha a ver
com o danado do Jeremias. Dona Cecília, a
mãe de Fábio, então... Era uma maravilha
vê-la dando sinal para o táxi...Achava-a
linda, e até hoje conservo na memória sua
saia branca evasê, sua blusa azul-claro,
uns sapatos de salto lindíssimos (Penso que
o meu interesse compulsivo por sapatos
tenha partido dessa figura, talvez...!).
Cheirava o primeiro livro, só meu, de
preferência sozinha, quando todos iam
dormir, para conservar e respeitar a nossa
intimidade.Até hoje, gosto de ler num
ambiente tranquilo e sozinha, de preferência
à noite, quando todos estão dormindo, onde
só ouço o barulho da própria noite e dos
personagens do livro.
Só que rapidamente me desinteressei por ele.
Então ficava mais feliz por ouvir histórias
da minha mãe, e vê-la lendo jornais que
embrulhavam as carnes do açougue. Isso
foi o porto seguro para que eu não fugisse
da importância de ler.
Então, apareceu em casa, por indicação da
professora da quinta série do meu irmão
mais velho, o maravilhoso e inesquecível “A
ilha perdida”. Esperei, ansiosamente, que
meu irmão o lesse para fazer prova, para
que posteriormente eu o lesse por prazer.
Ah! Como fui mais feliz que ele! Ainda
conservo na memória cenas do livro, como
por exemplo Simão com a Jaguatirica, a
cobra... Imagino, ainda, Maria José Dupré, a
autora, com a mesma feição que a conheci
quando li, pela primeira vez, uma obra sua,
embora nunca tenha visto uma foto dela
sequer. O Ilha Perdida foi a minha porta
para o mundo fantástico da Leitura.
Infelizmente não me recordo de ter ouvido sequer
um conto de fadas – não pelo menos na
época certa! Descobri, embora soubesse de
sua existência, ao ser convidada a fazer um
curso de histórias relacionadas aos Contos
de Fadas, quando fui professora de Educação
Infantil. Me apaixonei pelas histórias de
Mamãe Ganso, senti a pobreza do Andersen,
viajei com os Grimm, sofri na neve com a
Pequena vendedora de fósforos, mas a minha
grande paixão, ainda, é “A bela e a fera”.
Essa história mexe profundamente com o
meu lado emocional, me fazendo encontrar,
apaixonadamente, algo que acredito nunca
ter perdido, embora não tenha lido esses
contos quando criança.Ao contrário, descobri
sua existência e importância.Assim, os
encontrei e desavergonhadamente leio e os
saboreio, dando-lhes um delicioso gostinho
de chocolate!!
Osana B. A. P. Oliveira
●
Mesmo estudando na capital nas primeiras
séries do antigo primário e parte do
ginásio, passei a ter contato com a
leitura de forma significativa apenas
na 6a
série, quando uma professora
de Língua Portuguesa leu pra toda a
sala uma história. Não me recordo do
título, porém sou capaz de lembrar
com bastante clareza que o texto fazia
parte da coleção Para Gostar de Ler.
46 Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 46 29/01/2010 17:28:53
Identifiquei mais tarde que se tratava de
uma crônica e aquela história, da forma
como a professora leu, não poderia ter
provocado nada menos que um grande
início na minha jornada no mundo dos
livros. Procurei primeiramente histórias
dentro da mesma coleção...
Com certeza o prazer de ler veio anos mais
tarde devido à profissão de professor,
que exige muita leitura da nossa parte.
O bom é que a leitura não veio na forma
de obrigação, mas sim por prazer e hoje
afirmo com todas as letras que sou um
fanático pela leitura.
José Paulo da Silva
●
Lembro dos meus primeiros contatos com
os livros, quando ainda era pequena e
não sabia ler. Em minha casa havia um
armário com muitos livros da Coleção
Saraiva, que me fascinava. Achava o
máximo o fato de meu pai ter lido muitos
daqueles livros. Para mim parecia algo
inatingível, sagrado até.
Quando ainda não sabia ler, ganhei de meu
pai uma revista em quadrinhos da
Branca de Neve. Cada vez que a folheava,
inventava a história de um jeito diferente.
Amava as gravuras e a própria história
(que meu pai havia contado), ficava
imaginando o que ao certo aquelas letras
queriam dizer. Quando aprendi a ler, foi
minha primeira leitura.
Depois disso, uma série de outros textos
permitiu-me viajar pelo mundo da
imaginação, rir, chorar, aprender... Houve
um período de férias em que li muitos
livros, entre eles “Éramos Seis” – acabei por
me apaixonar pelo filho mais velho. Após o
almoço, sentava-me no quintal e ia lendo,
não querendo que as páginas acabassem
(sensação que ainda sinto quando estou
lendo um livro que me encanta). Foi
com esse texto que descobri a magia
maravilhosa que a leitura nos proporciona,
o transporte a um mundo de sonhos; o
prazer que tenho de entrar nesse mundo e
de não querer sair mais, de protelar o final
para que a mágica não acabe.
Selene Coletti
●
Minha lembrança mais antiga de leitura
remonta à coleção de Monteiro Lobato,
que minha mãe ganhou quando ainda era
menina.
Eu sou uma daquelas pessoas que seguem
o dito popular, que diz que o exemplo é o
melhor meio de se ensinar algo.
Meus pais estavam sempre com um livro ou
dois na cabeceira da cama e eu achava
isso o máximo, muito adulto e, portanto,
eu deveria ser igual (afinal eu era muito
amadurecida, há!, há!, há!).
De qualquer forma, gostei muito de ler as
histórias do Sítio do Picapau Amarelo, e
segui lendo tudo o que me caía nas mãos, o
que nem sempre significou alta literatura.
Márcia Cintra Camargo Rodrigues
●
Nasci no interior de Minas Gerais, em uma
fazenda dessas bem distantes da cidade, e
fiquei por lá até meus seis anos de idade.
Lembro-me como se fosse hoje: papai
chegava da lida e à noitinha reunia a
47Entre na roda - Introdução
Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 47 29/01/2010 17:28:53
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  • 1. Leitura na escola e na comunidade Introdução De livros, leituras e leitores Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 1 29/01/2010 17:27:56
  • 2. Agradecemos à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro por ter gentilmente cedido o direito de uso de imagens do seu acervo neste módulo. E também a todos os educadores que nos cederam suas “histórias de leitura”. Fundação Volkswagen Via Anchieta, km 23,5 – CPI 1394 – Bairro Demarchi 09823-901 – São Bernardo do Campo – SP http://www.vw.com.br/fundacaovw Presidente do Conselho de Curadores Holger Rust Diretor Superintendente Eduardo de A. Barros Diretora de Administração e Relações Institucionais Conceição Mirandola e-mail: fundacao@volkswagen.com.br CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária Rua Minas Gerais, 228 – Consolação 01244-010 – São Paulo – SP http://www.cenpec.org.br Presidente do Conselho de Administração Maria Alice Setubal Superintendente Anna Helena Altenfelder Coordenadora Técnica Maria Amábile Mansutti Gerente de Projetos Locais Claudia Petri Líder do Projeto Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin Autoria do Módulo América dos Anjos Costa Marinho Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin Revisão Sandra Miguel Projeto gráfico Rabiscos & Grafismos Editoração eletrônica Alba Amaral Gurgel Cerdeira Rodrigues Fotografias Acervo da Biblioteca Nacional www.dominiopublico.gov.br Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 2 29/01/2010 17:27:57 São Paulo, fevereiro de 2011 Tiragem: 500
  • 3. Sumário O PROJETO ENTRE NA RODA E O PROGRAMA TERRITÓRIO ESCOLA 4 DE LIVROS, LEITURAS E LEITORES 7 O Livro e a leitura no Brasil 15 LEITURA, UMA PRÁTICA SOCIAL 27 Concepção de leitura 27 A formação do leitor 33 O texto literário como isca de leitura 35 HISTÓRIAS DE LEITORES 41 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA 49 CRÉDITOS DAS FIGURAS 51 Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 3 29/01/2010 17:27:57
  • 4. O Projeto Entre na Roda e o Programa Território Escola (. . .) Ingressar, estar, permanecer, por um tempo, nas escolas - em qualquer tipo de instituição escolar - é uma experiência tão natural e cotidiana que nem sequer tomamos consciência da razão de ser de sua existência, da sua contingência, de sua possível provisoriedade no tempo, das funções que cumpriu, cumpre ou poderia cumprir, dos significados que tem nas vidas das pessoas, nas sociedades e nas culturas(...)É como o ar, de cuja importância e presença só nos damos conta quando ele nos falta para respirar. GIMENO SACRISTÁN. 4 Entre na roda - Introdução E sta coleção é um material de apoio do Projeto Entre na Roda, destinado à formação de leitores. Entre na Roda faz parte do Programa Território Escola, fruto da par- ceria entre a Fundação Volkswagen e o Cenpec. Em 2002, a Fundação Volkswagen e o Cenpec iniciaram um trabalho conjunto para oferecer apoio pedagógico às esco- las públicas de municípios que sediam unidades fabris e de serviços da marca Volkswagen, implementando, em um pri- meiro momento, os projetos Estudar pra Valer! Língua Portuguesa e Entre na Roda, que têm o letramento como ponto comum do trabalho de formação de educadores. Posteriormente, outros projetos fo- ram implementados: Brincar, Estudar pra Valer! Matemática e Leitura e Escrita: desafio de todos, este último destinado às séries finais do ensino fundamental. Além disso, introduziu-se o projeto Ações em Rede visando alargar e potencializar os espaços de aprendizagem na comu- nidade para crianças e adolescentes. Em 2005 esses projetos foram reunidos no Programa Território Escola. O Programa Território Escola é mais que um conjunto de projetos; é uma con- cepção de educação, de escola e de pro- cesso de ensino e de aprendizagem. Parte do princípio de que todos são capazes de aprender e considera que o acesso aos bens culturais é mediação necessária para a apropriação do conhecimento universal. A denominação Território Escola foi intencionalmente escolhida por sugerir uma reflexão sobre as concepções que consideram escola e comunidade como um território onde pulsam relações hu- manas e onde podem-se estabelecer vín- culos de pertinência entre instituições e Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 4 29/01/2010 17:27:57
  • 5. Os projetos que integram o Programa seguem os mesmos princípios e têm a mesma intenção educacional, articulando teoria e prática no processo de formação dos educadores. Todos preveem forma- ção continuada com momentos presen- ciais e a distância, bem como acompa- nhamento e avaliação, ambos pautados por um processo de gestão compartilha- da entre os envolvidos. Ao mesmo tempo, destinam-se a públicos específicos e uti- lizam estratégias diferenciadas que lhes conferem um caráter próprio, único. Valoriza-se, em cada um deles, o regis- tro das ações desenvolvidas como instru- mento de produção de conhecimentos e de divulgação de resultados, dando-lhes visibi- lidade e contribuindo para sua irradiação. Território Escola é a concepção de esco- la que defendemos: uma escola viva, enrai- zada e crítica que se relaciona com o mun- do e na qual o conhecimento faz sentido. serviços públicos de atendimento a crian- ças e adolescentes. Assim, é muito importante o prota- gonismo dos agentes da escola e da co- munidade, pois a escola só potencializa o seu fazer articulando-se e complemen- tando-se com outros recursos, espaços e sujeitos presentes no território. O Programa Território Escola tem três propostas-chave: ● articular a atuação da escola às práticas culturais do território em que está inserida, buscando dar sentido às aprendizagens dos alunos; ● ampliar o letramento como ferramenta de base para o acesso ao conhecimento e à cidadania. ●somar esforços com outros espaços educativos da comunidade na perspectiva da educação e da proteção integral de crianças e de adolescentes. 5Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 5 29/01/2010 17:27:58
  • 6. BÍBLIA. Latim. Mogúncia. 1462. Trata-se da primeira obra impressa na qual aparecem data, lugar e nomes dos impressores, Fust e Schoeffer (ex-sócios de Gutenberg), no colofão. É o incunábulo mais antigo da Biblioteca Nacional. Impressa sobre pergaminho, sendo as iniciais dos capítulos feitas à mão com tinta azul e vermelha. Figura 1 - Encadernação da Bíblia da Mogúncia Figura 2 - Bíblia da Mogúncia - página em pergaminho com a marca do impressor Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 6 29/01/2010 17:27:58
  • 7. 7Entre na roda - Introdução Até o século XVIII, o livro era feito artesanalmente – por isso cada exemplar tinha características próprias, que manifestavam a criatividade e o es- mero do artista que o produzia, sendo apreciado não só pelo conteúdo, mas também por seus aspectos estéticos. Enquanto obra de arte, seu preço era ele- vado e sua circulação, restrita. Nas sociedades modernas, a função da escrita se modificou devido ao progresso tecnológico, ao acúmulo de conhecimen- tos e à necessidade de circulação de in- formações. O livro então passou de objeto de arte a produto de consumo e deixou de ser o principal suporte da escrita, pois esta passou a se valer de cartazes, jornais, fo- lhetins, revistas, meio eletrônico e outros. Da mesma forma, o leitor deixou de ser aquele que usufruía esteticamente do texto e do aspecto gráfico de uma obra, lendo- -a integralmente da primeira à última linha, para tornar-se um leitor mais rápido e flexí- vel, em face da diversidade de situações de leitura ao mesmo tempo impostas e propor- cionadas a ele pela vida moderna. Dada a transformação profunda ocor- rida ao longo dos séculos, é quase impos- De livros, leituras e leitores sível imaginar como seria a leitura – e o leitor – nas épocas precedentes, embora estudos feitos a partir de suportes, regis- tros e obras que sobreviveram ao tempo nos permitam visualizar um pouco a tra- jetória dessa relação sempre algo impre- visível entre o homem e o texto escrito. Ainda que os sumérios, há 4 mil anos a.C., já utilizassem a escrita e, nas anti- gas Grécia e Roma, parte da população tivesse acesso a ela, todo o conhecimento acumulado até a Idade Média era basica- mente transmitido de forma oral. Apesar de pensadores como Sócrates, Platão e Pitágoras valorizarem mais o pensamento vivo e o diálogo com os pares e com os discípulos como forma de transmissão e de construção do saber, parte desse co- nhecimento só chegou até nós porque foi registrado por escrito. Pode-se dizer que, na Antiguidade, o leitor, antes de tudo, era um ouvinte, já que a prática habitual eram as leituras públicas – realizadas ou pelo próprio autor, ou por um profissional da leitura. Essa era a forma pela qual leitores e não leitores entravam em contato com as diferentes obras produ- zidas, em função das dificuldades e da pre- Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 7 29/01/2010 17:27:59
  • 8. 8 Entre na roda - Introdução cariedade das técnicas de registro manual. O escrito era visto como mero substituto do oral e, por isso, pouco valorizado. No entanto, descontadas as dificulda- des de registro, a reprodução de obras co- piadas dos originais fez aumentar o número de bibliotecas, fossem elas particulares ou públicas. O exemplo mais significativo des- se processo foi a criação da Biblioteca de Alexandria, no século III a.C., com um acer- vo de 500 mil obras da Antiguidade e a ins- crição na entrada: “Lugar de cura da alma”. Inicialmente as obras eram registradas sobre papiro (folha feita com fibras de uma planta originária do Egito) nos volumina – rolos sobre os quais o texto era escrito em estreitas colunas, sem espaço em branco entre as palavras. A leitura era dificultada pelo fato de que o leitor deveria segurar o vo- lumen com as duas mãos, desenrolando-o com uma delas e enrolando-o com a outra. Esse processo não permitia que ele anteci- passe o que vinha pela frente ou retornasse a trechos anteriores do texto como é possível fazer hoje. A leitura completa de uma obra era traduzida pela expressão latina “ad um- bilicum adducere”, que significa “ir de fora até o ‘umbigo’ (eixo/centro)” do volumen. Posteriormente, passou-se a utilizar o pergaminho (pele de animal, macera- da em cal, raspada e polida com pedra- -pomes), material mais flexível, menos raro e, portanto, mais barato. Além disso, per- mitia a escrita nos dois lados das folhas, que depois podiam ser dobradas e unidas em cadernos, constituindo um códice, o primeiro livro portátil. As invasões bárbaras, nos séculos V e VI d.C., acabaram por destruir o Império Romano e, com ele, os grandes centros de formação e concentração da cultura antiga. O mundo ocidental mergulhou num período em que a cultura letrada praticamente desa- pareceu, restringindo-se aos monastérios. A censura exercida pela Igreja Católica ao longo da Idade Média, aliada ao mono- pólio que detinha sobre a escrita, fez com que o livro se sacralizasse. Também a instrução passou para a tu- tela da Igreja. Dessa forma, o aprendizado da leitura, em latim, acabou se restringin- do aos jovens destinados à vida religiosa. Aos sete anos, esses meninos iam para a escola e recebiam ensinamentos, sobretu- do orais. Cabia à criança ouvir o mestre e memorizar o que a ela era ensinado, pois saber era “saber de cor”. Nos mosteiros, as obras aprovadas pela Igreja para reprodução eram manuscritas, num trabalho longo e paciente, por monges instalados no scriptorium, sala ampla e ilu- minada, com mesas sobre as quais ficavam todos os instrumentos necessários para có- pia e ilustração (iluminuras) dos textos. Nesse ambiente, pairava o murmúrio constante dos monges que necessitavam Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 8 29/01/2010 17:28:00
  • 9. 9 Figura 3 - Livro de Horas em latim, 1588. Em pergaminho, um valioso livro medieval iluminado. Cena bíblica Figura 4 - Bíblia em latim, Veneza, 1480 - Capitular iluminada a ouro 9Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 9 29/01/2010 17:28:02
  • 10. 10 Entre na roda - Introdução ler em voz alta os textos que copiavam, já que neles a escrita dirigia-se mais aos ou- vidos que aos olhos: não havia separação entre as palavras, e a pontuação e a or- tografia ainda não estavam normatizadas. Portanto, só pela oralização o leitor podia chegar ao significado do texto. Era raro encontrar um leitor silencioso e, em função disso, nos mosteiros havia ainda um aposento especial, destinado à leitura, para que o texto lido em voz alta não prejudi- casse a paz e o recolhimento dos religiosos. Somente no século X, a leitura silen- ciosa passou a ser usual no Ocidente. Santo Agostinho relata, espantado, a maneira extraordinária como San- to Ambrósio lia: “Quando ele lia, seus olhos perscrutavam a página e seu co- ração buscava o sentido, mas sua voz ficava em silêncio e sua língua quieta” (MANGUEL, 1997). Todavia, aos poucos, alterações técni- cas na diagramação do texto manuscrito foram sendo conquistadas. A adoção de um novo tipo de letra (carolina), mais le- gível que a gótica, a separação entre as palavras, a pontuação e a normatização da ortografia latina permitiram a criação de estratégias de leitura mais eficazes. A leitura visual, silenciosa, primeiro difun- dida nos mosteiros, foi ganhando as universi- dades e finalmente alcançou a aristocracia. Essairradiaçãodeumanovaformadeler demorou séculos para se efetivar e resultou de um grande processo de transformações econômicas e sociais, que conduziram a Europa de um sistema feudal para outro, mercantilista. A Igreja foi perdendo sua su- premacia espiritual e temporal; a educação ganhou um caráter laico; o ensino deixou de ser exclusivamente oral para contar com o apoio do livro como instrumento didático; e os intelectuais tornaram-se mais críticos e contestadores, à medida que foram tendo acesso a autores gregos e árabes. Cresceu a demanda por livros e, pa- ralelamente, aumentou a produção edi- torial, os livros ficaram mais acessíveis, passaram a ter uma nova configuração, apresentando paginação, sumário e lista- gem de abreviaturas, que facilitavam seu manuseio e compreensão. Esse cenário favoreceu o surgimento da imprensa na Europa. Na década de 1440, Gutenberg inventou uma técnica de impres- são com tipos móveis, utilizando-se de outras recentes conquistas – a fundição do chum- bo, a criação de tintas mais aderentes, a xilo- gravura, a impressão em tecido e o papel de origem chinesa. Na verdade, Gutenberg não foi o pri- meiro a utilizar o tipo móvel para im- pressão. Esse processo já era conhecido na Ásia bem antes de sua descoberta no Ocidente. Desde o século XI, a China utilizava o tipo móvel em terracota. A partir do século XIII, passou a utilizar caracteres de madeira, enquanto na Coreia os textos eram impressos com caracteres de metal. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 10 29/01/2010 17:28:03
  • 11. 11Entre na roda - Introdução A partir da Bíblia de Gutenberg, a Igreja perdeu a função de intermediá- ria da palavra sagrada, já que se tornou possível ter acesso diretamente à palavra de Deus por meio da página impressa. Lutero e a Reforma Protestante surgiram no bojo dessa situação e apontaram para a necessidade de escolarização, que per- mitisse a todos ler a Bíblia. Mesmo depois da invenção de Guten- berg, as cópias manuscritas continua- ram tendo importância na circulação de vários gêneros, como panfletos po- líticos e informativos, trabalhos proibi- dos, composições poéticas e trabalhos eruditos, cujo acesso deveria ficar res- trito a um número limitado de leitores. Figura 5 - Mesa de trabalho do gravador – Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, depois denominada Tipografia Calcográfica e Literária do Arco do Cego, criada em 1799 por D. Rodrigo Souza Coutinho com o objetivo de difundir as Luzes da Ciência e da Ilustração portuguesas. A tipografia publicou 83 títulos. A Oficina aglutinava várias funções ligadas a artes gráficas, tipografia, calcografia, com corpo próprio de gravadores. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 11 29/01/2010 17:28:03
  • 12. 12 Entre na roda - Introdução Cresceu então o entusiasmo pela aprendizagem da leitura e, em alguns países, para superar a falta de escolas, aqueles que sabiam ler ensinavam aos que não sabiam. A partir do século XVII, a relação do leitor com o livro, antes centrada na Bíblia e em outras obras sacras, alterou- -se profundamente com a publicação de grande quantidade de obras profanas. Almanaques, calendários e contos popu- lares e amorosos faziam grande sucesso entre os mais pobres. Segundo José Juvêncio Barbosa (1990), nessa sociedade em mudança coexistiam dois tipos de leitores, que representavam duas concepções de leitura. Havia o leitor ainda preso à tradição oral, para quem o li- vro e a leitura eram instrumentos para man- ter unida a família em torno de mensagens religiosas e moralizantes. A essa leitura oral e coletiva contrapunha-se a do leitor solitário e silencioso, que lia todo e qualquer texto, e tratava a escrita como uma linguagem para os olhos, apreendendo de forma mais efi- ciente porções maiores de texto. O século XVIII representou um salto na di- reção da formação de um público leitor. A re- volução econômica, política e cultural da épo- ca, promovida pelo avanço tecnológico e pelo pensamento crítico e racional de filósofos do Iluminismo, resultou numa crescente amplia- ção das oportunidades de acesso ao saber. A partir da invenção da imprensa, as técnicas de reprodução gráfica se desenvolveram ra- pidamente, tornando possível publicar obras dos mais diferentes gêneros, escritas por au- tores de todos os segmentos sociais. Houve, também, uma disseminação da habilidade de ler, graças à ampliação da escolaridade para uma faixa maior da população. Até a metade do século XVIII, as publi- cações de caráter romanesco, que mais circulavam socialmente, não costumavam trazer o nome dos autores estampado na página de rosto. Isso se devia em parte à má fama dos romances – vistos como uma forma inferior de literatura e como capazes de corromper moralmente, so- bretudo as leitoras –, em parte ao caráter passageiro da maioria dessas obras. Os escritores viviam sob a proteção de um aristocrata ou acabavam se envolven- do em atividades ilegais, como o contra- bando de livros. Não existia, portanto, a “profissão” de escritor. Esses costumavam vender seus originais a um editor, que muitas vezes lhes pagava parte em dinhei- ro, parte em livros, que os autores podiam comercializar por conta própria. Não havia “direitos autorais” – os lucros ficavam com o editor. Só mais tarde, em 21 de julho de 1793, a França revolucionária promulgaria uma lei que reconhecia a noção de pro- priedade literária, conferindo certidão de batismo ao autor moderno. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 12 29/01/2010 17:28:05
  • 13. 13Entre na roda - Introdução Outro tipo de obra que também fez su- cesso nesse período foi a literatura peda- gógica e infantil, voltada para a formação moral e a educação das crianças. Essas obras, carregadas das ideias de Rousseau – de que o homem é naturalmente bom e a sociedade é que o corrompe –, preocu- pavam-se em orientar os pais para educar a mente e o coração dos pequenos, tendo em vista torná-los cidadãos úteis e felizes. Ainda no século XVIII, consolidou-se em alguns países da Europa uma nova forma de circulação de textos, que atendia a duas ne- cessidades básicas: oferecer conteúdos mais leves, menoseruditos, epropiciarinformações sobreosacontecimentoscotidianos.Osjornais ganharam espaço enquanto suporte de dife- rentes gêneros discursivos: notícias, anúncios publicitários, curiosidades, fofocas etc. O primeiro “jornal” de que se tem no- tícia – a Acta diurna – surgiu em Roma, em 59 a.C., por inspiração de Júlio Cé- sar. Desejando tornar públicos os mais importantes eventos e acontecimen- tos sociais e políticos, César ordenou que esses fatos fossem divulgados nas principais cidades por meio das Acta. Escritas sobre placas brancas coloca- das em lugares públicos, como as ter- mas, as Acta informavam os cidadãos sobre campanhas militares, escândalos no governo, julgamentos e execuções, casamentos, óbitos e nascimentos. As informações que constavam das Acta eram colhidas por “repórteres” nomea- dos pelo Estado, chamados de “actuarii”. Em 1761, Rousseau lançava Julie ou La nouvelle Héloïse, o grande best-seller do século. Pelo sucesso alcançado pelo romance, pode-se atribuir a seu autor o surgimento do culto ao escritor. Esse romance, que já antecipava o Romantismo, foi responsável por uma enxurrada de lágrimas, desmaios e sui- cídios entre os(as) leitores(as) da época. Nele, Rousseau retoma a situação vi- vida por Abelardo e Heloísa, um casal de amantes da Idade Média que teve seu amor violentamente combatido pelo tio da moça e pelos preconceitos da época, para construir personagens porta-vozes de suas ideias. Escrito na forma de cartas – 163 ao todo –, o romance conta a história de uma jovem nobre, Julie d’Étanges, que se enamora de seu preceptor, o jovem e pobre Saint-Preux. A diferença social é o grande obstáculo ao amor dos dois, mas, mesmo separados, o sentimento entre eles se mantém. O sucesso de La nouvelle Héloïse foi tão grande que a quantidade de livros impressos não foi suficiente para aten- der à demanda de tantos leitores inte- ressados. Isso fez com que os livreiros passassem a alugar os livros por dia e até por hora. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 13 29/01/2010 17:28:10
  • 14. Figura 6 - Tradução guarani, feita no século XVIII, da 1ª catequese dos índios selvagens pelos padres da Companhia de Jesus, 1733 14 Entre na roda - Introdução Do século XVIII, palco de tantas trans- formações, até nossos dias, a função da escrita na sociedade se alterou profunda- mente e, em consequência disso, o ato de ler assumiu novas dimensões. O novo leitor lê apenas pequenas porções de tex- tos que lhe são ofertados. Como aponta BARBOSA (1990, p. 109), “grande parte da leitura diária das pessoas é constituída de atos exploratórios onde o leitor desta- ca os segmentos relevantes para obter a informação que deseja”. Trata-se, nesse caso, de uma leitura seletiva. A palavra escrita se popularizou cada vez mais e acabou se tornando um meio co- mum de comunicação a distância entre as pessoas. O modo como se lia também mu- dou. Se até a metade do século XVIII a lei- tura era mais intensiva – poucos textos lidos repetidas vezes, com profundidade, e parti- lhados em família e em reuniões sociais –, a partir de 1750 ela se tornou mais extensiva, resultando no ato de ler voltado para grande quantidade de matéria impressa – fato que elegeu os romances e jornais como mate- riais privilegiados e mais consumidos. Dessa forma, os textos passaram a ser lidos uma única vez, com o objetivo de obter entretenimento e informação. O Romantismo, movi- mento literário do século XIX, ao afirmar o texto li- terário como algo original, resultado da criatividade e da expressão íntima de um indivíduo, difundiu definitivamente a ideia de autoria. Assim, rompeu- -se com a visão da tradi- ção medieval e clássica, que via os atos de escrita – literários ou não – como reescrita pela retomada ou imitação de textos já consagrados. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 14 29/01/2010 17:28:10
  • 15. 15Entre na roda - Introdução O Livro e a leitura no Brasil A descoberta do Brasil pelos portu- gueses e sua consequente colonização transportaram para nosso país a língua e a cultura de um povo que, bem ou mal, já se inseria em todo um processo que impul- sionava a Europa na direção de uma nova ordem social e econômica. Dada a extensão da nova terra, a coloni- zação se fez de forma lenta, restringindo-se, sobretudo, a pontos do litoral, onde se forma- ram, durante o século XVI, algumas poucas vilas destinadas a receber os governantes que Portugal enviava para garantir a posse da terra. Com eles, aqui aportaram os que vinham povoar a colônia; cuidar da conver- são do gentio; cumprir pena de desterro, por crimes cometidos na metrópole; ou simples- mente se aventurar em busca de riquezas. As condições que cercaram os primeiros séculos de nossa vida colonial foram respon- sáveis pela fragilidade na constituição de prá- ticas culturais que levassem à formação de leitores. Os poucos escritos que circularam aqui–vindosdePortugal–vinculavam-se,so- bretudo, a questões práticas: a administração da nova terra e a catequização dos nativos. E o que aqui foi produzido não teve impacto na formação de uma cultura letrada, pois ficou restrito a pequenos grupos e só alguns desses textos foram publicados na Europa. Esse é o caso dos relatos de viajantes, dos poemas de elogio à terra recém-descoberta e das crôni- cas de acontecimentos memoráveis e de de- fesa da terra contra as invasões estrangeiras. Como marco dessa época, pode-se citar José de Anchieta, um dos poucos a criar uma obra de real valor literário, como só acontece- ria mais tarde, já no século XVII, com autores como o padre Antônio Vieira e Gregório de Matos. Este último, apesar da qualidade de sua obra poética, só teve seus poemas im- pressos em meados do século XIX. Até então, eles circularam em manuscritos feitos pelo autor ou em cópias transcritas por terceiros. Gregório de Matos, poeta baiano nas- cido em 1636, viveu muitos anos em Portugal, onde se formou em Leis. Vol- tando à Bahia, levou uma vida irregu- lar, pontuada por escândalos, prisão e até exílio na África. Escreveu poemas líricos, religiosos e satíricos, mas nun- ca conseguiu imprimi-los; tornou-os públicos declamando-os ou oferecendo seus manuscritos a amigos e admirado- res. Os ataques impiedosos à sociedade baiana, ao clero e às altas autoridades da época – tratados com ironia e debo- che em seus versos satíricos – rende- ram-lhe o apelido de “Boca do Inferno”. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 15 29/01/2010 17:28:10
  • 16. Figura 7 - Carimbo da Biblioteca Nacional 16 Entre na roda - Introdução No século XVIII, a descoberta de ouro e diamantes, principalmente na região de Minas Gerais, provocou o deslocamento do eixo político-econômico para o sul. A capital do Brasil foi transferida para o Rio de Janeiro e o governador-geral tornou-se vice-rei. Com isso, tanto a vida urbana teve grande impulso, como se criaram condi- ções para que florescessem, sobretudo na capitania de Minas Gerais, importan- tes manifestações culturais na arquite- tura, pintura, escultura, música e litera- tura. Foi nesse contexto que um grupo de intelectuais ligados ao movimento da Conjuração Mineira veio a produzir um conjunto de obras reveladoras de uma maturidade que caminhava para a afir- mação de nossa autonomia literária e para a crescente conquista de um público leitor ainda bastante incipiente. Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga são alguns dos poetas que mar- caram esse momento. Tomás Antônio Gonzaga, autor de li- ras dedicadas a sua amada Marília, foi o primeiro a representar em seus poe- mas a relação entre a mulher e o livro, entre a leitora e a literatura. LIRA III (...) Enquanto revolver os meus consultos, Tu me farás gostosa companhia, Lendo os fatos da sábia mestra História E os cantos da poesia. Lerás em alta voz a imagem bela, Eu, vendo que lhe dás o justo apreço, Gostoso tornarei a ler de novo O cansado processo. (...) A Lira III (trecho acima) insere-se na terceira parte da obra Marília de Dirceu, escrita quando Gonzaga já se achava preso e aguardava a sentença pela par- ticipação na Conjuração Mineira. Nela, o poeta inclui a leitura no cotidiano do- méstico, numa cena – nunca realizada – em que projeta a futura vida ao lado da amada. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 16 29/01/2010 17:28:11
  • 17. Figura 8 - Ex-libris da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro 17Entre na roda - Introdução Em 1747, contrariando as autoridades portuguesas, Isidoro da Fonseca, um dos principais tipógrafos de Lisboa,veio para o Brasil, a convite do governador do Rio de Janeiro e de Minas Gerais – Gomes Freire de Andrade –, para instalar uma oficina de impressão no Rio. A experi- ência durou pouco. Assim que as auto- ridades portuguesas souberam do fato, Fonseca foi obrigado a fechá-la. Rompendo com essa tradição, o ano de 1808 teve fundamental importância para a história da leitura no Brasil. Com a chegada da família real portuguesa, a então colônia começou a conquistar gra- dativamente condições para sua inserção no mundo das letras. Logo que chegou ao Rio de Janeiro, o príncipe regente D. João VI tomou uma sé- rie de medidas visando aparelhar a cidade para torná-la compatível com a nova função de sede da corte portuguesa. Entre essas medidas, aquelas que mais diretamente afetaram o processo de for- mação de leitores no Brasil foram: a cria- ção de escolas superiores, a fundação da Biblioteca Real e a autorização para o fun- cionamento da imprensa no Brasil. Antes da chegada de D. João VI, os jovens das famílias ricas, após os estudos iniciais aqui realizados, costumavam ir a Portugal para frequentar a universidade e, de lá, retornavam formados principal- É certo que, nos três primeiros sécu- los de colonização, a imprensa inexistiu no Brasil, fato que acabou dificultando bastante a difusão de práticas de leitura mais intensas e consistentes entre nós. Qualquer escrito produzido na colônia deveria obter autoriza- ção real para ser publicado na metrópole ou permanecer sob a forma de manuscrito. A restrição à impressão de obras na co- lônia deveu-se ao conservadorismo adminis- trativo, que julgava perigosa a circulação de textosquepudessemdespertarideiascontrá- rias aos interesses da metrópole. Condicionar a publicação de uma obra à aprovação da censura eclesiástica e régia era uma forma de conter qualquer ímpeto libertário. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 17 29/01/2010 17:28:12
  • 18. 18 Entre na roda - Introdução blioteca foi aberta ao público em 1814, com 50 mil livros impressos em línguas antigas e modernas, preciosos manuscritos, cópias de estampas, mapas e curiosidades biblio- gráficas. Todavia, cronistas estrangeiros da época relatam que o acervo, composto por obras predominantemente clássicas, era de- satualizado e, embora o atendimento fosse primoroso, o público frequentador era ainda muito reduzido. Com o passar do tempo, o acervo foi se atualizando e ampliando, mas nunca chegou a contar com uma frequência expressiva, o que denotava pouca intimida- de dos brasileiros com os livros. A terceira medida tomada por D. João VI talvez tenha sido a mais importante para a nossa história de leitura: a carta régia que autorizava a impressão no Brasil e a con- sequente criação da Imprensa Real rom- peram com três séculos de proibição e de controle autoritário sobre a publicação dos escritos aqui produzidos. O primeiro prelo foi trazido ao Brasil por acaso. Tudo se deveu à fuga precipi- tada da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em função do avanço das tropas de Napoleão. Pouco antes, Portugal en- comendara à Inglaterra uma tipografia completa,queseriainstaladanaSecreta- ria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Esta se achava ainda encaixo- tada na Alfândega de Lisboa. Quando se deu o embarque da família real, o prelo foi colocado nos porões da fragata Medu- sa, um dos navios da esquadra régia. mente em Leis ou em Medicina. Com as invasões napoleônicas e a fuga da família real, essa possibilidade estava descartada. Havia, portanto, necessidade de es- colas aqui que pudessem formar esses jovens. Assim, D. João VI criou duas es- colas de Medicina (uma no Rio e outra na Bahia); a Real Academia Militar para o ensino de Ciências Matemáticas, Militares e Naturais; e transferiu para a corte a Real Academia Naval, onde se estudavam Ciências Matemáticas e Físico-Matemáticas, Artilharia, Navegação e Desenho. Dessa forma, D. João VI procurava evitar o êxodo de futuros intelectuais, médicos e cientistas e garantir também quadros que pudessem compor o exército e a armada, forças que deveriam manter a segurança do território brasileiro e da família real. Além dessa medida, o príncipe regente tratou de oferecer à cidade uma biblioteca comparável às europeias. Nas 55 embarca- ções da esquadra portuguesa que trouxe a família real ao Brasil, acomodaram-se, sem nenhum conforto, as figuras mais ilustres da corte portuguesa com seus respectivos bens. Entre os pertences da família real vie- ram livros do vasto e raro acervo de D. João VI, que aqui foram instalados no Hospital da Ordem Terceira do Carmo, onde passou a funcionar a Biblioteca Real. Organizada por dois intelectuais da épo- ca, Joaquim Damaso e José Viegas, a bi- Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 18 29/01/2010 17:28:15
  • 19. 19Entre na roda - Introdução Mesmo assim, a imprensa continuou a ser monopólio da coroa; somente a Bahia teve licença para instalar outro prelo; os de- mais, surgidos no Rio de Janeiro, foram con- siderados ilegais e apreendidos pela polícia. Além da publicação de atos e procla- mações do Estado, a Imprensa Régia pa- trocinou jornais como a Gazeta do Rio de Janeiro, criada em 1808, espécie de diário oficial da época, e O patriota, jornal literário que contou com a colaboração dos intelec- tuais mais ilustres de então. Publicou tam- bém sermões, folhetos contra a França, que invadira Portugal, e obras literárias. Com a criação da Real Academia Militar e a fundação das escolas de Medicina, além datransferênciaparaoRiodeJaneirodaReal Academia Naval, surgiu a demanda por livros didáticos, que, quantitativamente, passaram a constituir a parte mais importante do catálo- go de publicações da Imprensa Régia. Apesar do número crescente de pu- blicações, a Imprensa Régia vivia em di- ficuldades financeiras. Para superá-las, D. João VI autorizou que a ela se ane- xasse, em 1811, uma fábrica de bara- lhos e procurou criar mecanismos para impedir a concorrência de material es- trangeiro contrabandeado. Como a cidade crescia, graças à pre- sença da corte e à intensificação de negó- cios com outros países, especialmente a Inglaterra, aumentou a procura por livros. Como a Imprensa Régia, sozinha, não dava conta de produzi-los, houve necessidade de se recorrer à importação, o que fez surgirem novas livrarias, que, de duas (1808), passa- ram a doze (1816). O Brasil e mais especificamente o Rio de Janeiro, sede da monarquia, lentamen- te começavam a apresentar as condições mínimas necessárias para a formação e o fortalecimento de uma sociedade leitora. De 1808 a 1840, em que pese a todas as dificuldades, percebiam-se avanços: já se contava com tipografias, livrarias e bibliotecas, ainda que poucas; a escola- rização, embora precária, expandia-se; a cafeicultura começava a despontar como uma fonte segura de riqueza econômica; e o Brasil, estimulado pelos investimentos britânicos, inseria-se lentamente no pro- cesso capitalista. Paralelamente a esse desenvolvimen- to, ocorria a afirmação progressiva da literatura brasileira, por meio de movi- mentos como o Romantismo, o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo, que reuniram um conjunto expressivo de poetas e escritores. Porém, o surgimento de condições estruturais para que as obras desses autores fossem editadas de forma a atingir um público significativo foi um processo longo e len- to. Poucos eram os editores e, muitas ve- zes, a edição de uma obra dependia das Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 19 29/01/2010 17:28:18
  • 20. 20 Entre na roda - Introdução benesses do Estado e de apadrinhamen- tos. Além disso, o número de leitores era muito pequeno – o censo de 1890 apon- tava mais de 70% de analfabetos. Parte dos que sabiam ler preferia romances de caráter folhetinesco traduzidos principal- mente do francês e que circulavam em jornais e revistas ou em edições baratas. Na falta de livrarias onde pudessem expor suas obras para a venda, muitos autores as anunciavam pelos jornais, ou as colocavam para vender em lojas e boticas. Segundo depoimentos, Joaquim Ma- nuel de Macedo e José de Alencar man- davam vender suas obras, de porta em porta,por um escravo que as transporta- va num balaio, como se fossem frutas. Para garantir a sobrevivência, restava aos escritores da época empregarem-se como funcionários públicos, jornalistas, tradutores ou professores. Publicar suas obras em jor- nais era outra forma de se tornar conhecido e de atingir um número maior de leitores. Aliás, muitos autores de renome, como Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto, antes de verem suas obras edi- tadas em livros, tiveram de publicar muitas delas, capítulo a capítulo, em folhetins. Não raro os escritores apelavam também para a produção de livros didáticos, que, ten- do destino certo, eram economicamente mui- to mais rentáveis, já que, entre os problemas estruturais que exigiam solução urgente, esta- va a escolarização de crianças e jovens. Apesar da preocupação de D. João VI em criar escolas de ensino superior, o sistema educacional no Brasil estava desmantelado desde 1759, quando, por ordem do mar- quês de Pombal, os jesuítas foram expulsos do Brasil, ficando a educação ao deus-dará. As aulas eram frequentemente parti- culares e avulsas, abordando, sobretudo, Latim e Português; o ensino era esparso e sem direção. Em 1821, um decreto real permitiu a qualquer cidadão, mesmo sem se licenciar, ministrar ensino e abrir escolas primárias. Tal medida, se por um lado pos- sibilitou o aumento do número de escolas, por outro trouxe para a educação uma sé- rie de pessoas despreparadas, alheias aos Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 20 29/01/2010 17:28:19
  • 21. 21Entre na roda - Introdução A realidade da escola brasileira da época é descrita com tintas carregadas por muitos escritores nacionais, como Manuel Antônio de Almeida, em Me- mórias de um sargento de milícias: “Foi o barbeiro recebido na sala que era mobiliada por quatro ou cinco longos bancos de pinho sujos já pelo uso, uma mesa pequena que pertencia ao mestre, e outra maior onde escreviam os discípulos, toda cheia de pequenos buracos para os tinteiros; nas paredes e no teto havia penduradas uma porção enorme de gaiolas de todos os tamanhos e feitios, dentro das quais pulavam e cantavam passarinhos de diversas qualidades: era a paixão predileta do pedagogo. Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava de óculos, tinha pretensões de latinista, e dava bolos nos discípulos por dá cá aquela palha. Por isso era um dos mais acreditados da cidade. (...) chegaram os dois exatamente na hora da tabuada cantada. Era uma espécie de ladainha de números que se usava então nos colégios, cantada todos os sábados em uma espécie de cantochão monótono e insuportável, mas de que os meninos gostavam muito. (...) o mestre, acostumado àquilo, escutava impassível, com uma enorme palmatória na mão, e o menor erro que algum dos discípulos cometia não lhe escapava no meio de todo o barulho; fazia parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido, e cascava-lhe pelo menos seis puxados bolos. ” avanços pedagógicos e novos métodos, já utilizados com sucesso em outros países, e sem recursos materiais que lhes permi- tissem adquirir livros, em função de sua raridade e preço elevado. Como consequência disso, o projeto bur- guês de tornar a leitura universal foi, mais uma vez, adiado entre nós. Isso foi tão mais grave quando se pensa que a escola, nesse projeto, era o espaço de iniciação à leitura e de seu desenvolvimento. Embora a Constituição de 1824, outor- gada por D. Pedro I, anunciasse instrução primária gratuita a todos os cidadãos, na prática pouco se realizou no sentido de al- cançar esse objetivo. O próprio imperador, pouco depois, passou às províncias a res- ponsabilidade pelo ensino primário e se- cundário, ficando a coroa responsável pelo ensino superior em todo o território e pelo ensino inicial e secundário na capital. Como as províncias não dispunham de orçamento que garantisse o cumprimento da lei, a edu- cação acabou atravessando o império na mesma situação de precariedade que havia na época colonial. Poucos foram os avanços no sentido de garantir educação básica às camadas popu- lares. E durante muito tempo a escola conti- nuaria a ser um lugar desagradável, em que a aprendizagem, fundamentada na memori- zação e permeada por castigos, era uma ver- dadeira tortura. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 21 29/01/2010 17:28:20
  • 22. 22 Entre na roda - Introdução Na segunda metade do século XIX, para fazer frente ao despreparo dos que se dis- punham a dar aulas e à falta de material didático que os subsidiasse nessa tarefa, a educação de crianças e jovens teve de se valer de livros e métodos importados de Portugal, como os dos poetas Antônio Feliciano de Castilho e João de Deus. Em ambos, a proposta pedagógica procurava valorizar o envolvimento do educando, a afetividade e a empatia como estratégias para alfabetizar, de forma lúdica e eficien- te. Tanto um como outro fizeram grande sucesso, em parte graças ao próprio valor pedagógico da obra – por ser inovadora e atender às necessidades de um mercado carente –, em parte devido à utilização de influências políticas que lhes renderam grande publicidade. Castilho preconizava que o mestre tivesse uma postura gentil e toleran- te, permitindo aos educandos partici- parem das aulas de forma prazerosa, rindo, comentando e até mesmo gra- cejando (sem excessos), pois isso lhes garantiria tomar gosto pelo estudo e os predisporia a produzir mais. Já João de Deus, com sua Cartilha ma- ternal, defendia o ensino de palavras contextualizadas – em oposição ao en- sino do abecedário –, alertando os mes- tres e as famílias, sobretudo as mães, de que o ensino tradicional constituía uma violência contra os cérebros infan- tis, podendo prejudicá-los para o resto da vida. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 22 29/01/2010 17:28:20
  • 23. Figura 9 - Província do Brasil - mapa manuscrito e aquarelado por João Teixeira Albernaz, 1666 (finalidade estratégica das cartas geográficas) 23Entre na roda - Introdução ses por outros, de autores nacionais, como modelos de boa escrita. Mas, sem dúvida, a grande revolução no mercado editorial foi provocada por Monteiro Lobato, já no início do século XX, ao perceber precocemente de que maneira se daria a profissionalização do escritor no mundo moderno. Monteiro Lobato, em 1918, imprimiu na gráfica do Estado seu primeiro volume de contos – Urupês –, que foi um sucesso comercial, vendendo mil exemplares em um mês e atingindo, até 1923, 30 mil vo- lumes vendidos. Essa obra se contrapunha à literatura parnasiana, em voga na época, apresentando a vida interiorana de forma crítica e sem idealismos, chamando o País a despertar para a própria realidade. Urupês representou para Lobato a desco- berta da publicidade como valor que impul- sionava o mercado editorial. Seu Jeca Tatu, citado por Rui Barbosa em um discurso na campanha presidencial, tornou-se nacional- mente conhecido. Mais tarde, reconhecendo que a preguiça de Jeca se devia aos parasitas que o infestavam, lançou, em parceria com a empresa Fontoura & Serpe, um livrinho que orientava sobre a prevenção de doenças pa- rasitológicas. A tiragem desse livreto, distribu- ído gratuitamente pelo laboratório, alcançou mais de 6 milhões de exemplares, um núme- ro astronômico para a época. Além de criar editoras e valorizar novos autores, Lobato tinha percepção de mer- O êxito de Castilho e de João de Deus acendeu ainda mais o ânimo dos nossos escritores que reivindicavam havia muito tempo livros didáticos nacionais, compos- tos com textos de autores brasileiros. Por um lado, essa defesa era justa, se vista pelo prisma de uma nação que, acaban- do de se tornar independente, desejava afirmar seus valores e criticava nos livros escolares importados a distância entre seu conteúdo e a realidade vivida pelas crianças e jovens brasileiros que os uti- lizavam. Por outro lado, o mercado edi- torial voltado para a escola era um filão importante e poderia garantir a muitos de nossos autores, além da sobrevivência, a fama e o reconhecimento. Nesse sentido, Abílio César Borges, o barão de Macaúbas, inaugurou, já no final do século XIX, a presença do autor brasilei- ro no mercado do livro didático, ao compor obras destinadas a todas as séries do ensi- no primário e secundário. Grandes escrito- res brasileiros estudaram nesses compên- dios e lembram-se deles de forma negativa, como Graciliano Ramos. Outros tomaram o autor como referência obrigatória em ter- mos de educação: Raul Pompeia inspirou- se no pedagogo Macaúbas para criar o per- sonagem Aristarco, diretor do Ateneu. A partir de então, o livro didático brasilei- ro foi gradativamente substituindo, em anto- logias e seletas, os textos clássicos portugue- Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 23 29/01/2010 17:28:22
  • 24. 24 Entre na roda - Introdução Emília comunista! Em plena ditadura do Estado Novo, e aos 59 anos, Lobato foi preso. Não só pela campanha em defesa do petró- leo, como também por ter despertado a simpatia das crianças por uma per- sonagem irreverente e “subversiva”: a boneca Emília. O padre Sales Brasil lançou alguns anos depois um livro chamado A litera- tura infantil de Monteiro Lobato ou co- munismo para crianças. Segundo o au- tor, Lobato negava a hierarquia social, a independência da pátria, o respeito aos pais e o direito à propriedade, além de contestar a existência e as leis de Deus, por meio dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo. Mas o maior de todos os pecados era Emília ser apresentada às crianças como uma “divorciada”, e isso de forma muito natural! Apesar de toda a repercussão das obras de Monteiro Lobato e da relativa disseminação da leitura enquanto práti- ca social, a escola não acompanhou esse movimento, já que se perdeu na cons- tante discussão de métodos de ensino e planos nacionais de educação que, des- de sempre, estiveram voltados mais para o ensino da elite, ignorando a educação das classes populares. Basta lembrar que, chegando ao Brasil, D. João VI in- vestiu em cursos superiores quando a educação básica estava totalmente des- mantelada e assim permaneceu ao longo de todo o império e de boa parte do pe- ríodo republicano. Apesar de os grandes debates em torno da democratização da cado e inovou superando o problema da distribuição – em 1918, havia apenas 30 livrarias concentradas nas capitais –, ao colocar seus livros em consignação em bancas de jornal, papelarias, farmácias e armazéns em todo o País, conseguindo assim estabelecer 2 mil pontos de venda. Segundo ele, editar era fazer “psico- logia comercial”. Por isso, preocupava-se com a aparência do livro (a diagramação, a cor da capa, ilustrações de boa qualida- de, tipos de letra mais legíveis etc.), com títulos mais instigantes e com a divulga- ção, chegando a publicar anúncios de página inteira em jornais da época. Em 1920, Lobato conquistou outra vi- tória, quando se lançou na literatura infan- til com A menina do narizinho arrebitado, numa tiragem de mais de 50 mil exem- plares. Distribuiu 500 exemplares pelas escolas públicas de São Paulo e o livro fez tanto sucesso entre as crianças que logo o presidente do estado, Washington Luís, encomendou mais 30 mil exemplares. Com Monteiro Lobato, a literatura infan- til ganhou a marca da brasilidade e passou a ser considerada no País. Abriu caminho para se firmar enquanto gênero comercial- mente viável, capaz de seduzir e encantar um público até então relegado a segundo plano: em fins de 1925, já circulavam 250 mil exemplares da obra infantil de Lobato. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 24 29/01/2010 17:28:22
  • 25. 25Entre na roda - Introdução escola resultarem em projetos e leis, na prática eles não se efetivaram. Na sociedade burguesa, a escola é um dos pilares de sustentação para a universalização da leitura. No caso do Brasil, a democratização do acesso à escola é bastante recente. A partir da década de 1980, as discussões e ações no sentido de estender a escolarização a todos ganham maior impulso. Mas se por um lado a escola se abre como pos- sibilidade de elevação sociocultural para muitos, por outro ela continua ainda a ex- cluir parcelas significativas de seus usu- ários, seja pela evasão, seja pela reten- ção. Qualitativamente, a escola até hoje não conseguiu se organizar para oferecer uma educação cidadã, atendendo a toda a população em igualdade de condições. Do ponto de vista do acesso à leitura e da formação de leitores, é inegável que houve progressos nesses cinco séculos de Brasil. Contudo, o espessamento das prá- ticas de leitura tem ocorrido num processo sinuoso de avanços e recuos constantes, o que nos coloca sempre em defasagem em relação a países que, desde o século XVIII, assumiram a escolarização como condição de progresso material, social e humano. Falta-nos a formulação de políticas educacionais que efetivamente promo- vam o ensino da leitura e da escrita, o que passa pela existência e expansão de uma rede escolar eficiente, pela criação e apoio a instituições que democratizem o acesso aos livros, bem como pela funda- ção e fortalecimento de organismos que disseminem e defendam essa política. Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 25 29/01/2010 17:28:25
  • 26. 26 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 26 29/01/2010 17:28:26
  • 27. N Figura 10 - Sobre alfabetos e a escrita - Pierre Vander Aa, 1659-1733 27Entre na roda - Introdução as sociedades letradas, qual- quer que seja o campo de atua- ção do indivíduo, a necessidade da leitura e da escrita é cada vez maior. Essa exigência é ainda mais contundente no que diz respeito à leitura, já que estamos imersos num universo de mensagens escri- tas: os letreiros de ônibus, as placas de rua, os folhetos de propaganda, os cartazes, os impostos e demais contas – com que nos defrontamos a todo o momento –, os jor- nais, os manuais de instrução, a internet, os textos dos livros didáticos etc. Saber ler, portanto, é indispensável para a efetiva in- serção do indivíduo na sociedade. Mas não se trata de qualquer leitura, nem de qualquer leitor. De que leitura es- tamos falando? Concepção de leitura Consideramos que ler não se refere ao simples ato de decifrar o código escrito, nem de apenas saber localizar e repetir conteúdos específicos de um texto, numa leitura linear e literal. É importante desta- car essa ideia, pois durante muito tempo se acreditou que bastava estar alfabetiza- do ou ser capaz de repetir o que estava escrito para se compreender qualquer texto. Hoje sabemos que um bom leitor é aquele que sabe utilizar procedimentos de leitura, de modo a reconstruir os senti- dos do texto, dialogar com ele, concordar, discordar etc. Um texto é sempre o resultado das experiências do autor à época de sua Leitura, uma prática social Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 27 29/01/2010 17:28:31
  • 28. produção, isto é, de sua maneira de ver o mundo, de suas expectativas, crenças, valores, dos conhecimentos de que dis- punha naquele momento, das influências que recebeu. A leitura desse texto também é fruto das experiências e conhecimentos de que dispõe o leitor e do momento histórico em que ocor- re a leitura. Portanto, nem sempre ao sentido pretendido pelo autor correspondem os senti- dos atribuídos por seus possíveis leitores, ain- da que autor e leitores dominem uma mesma língua e vivam num mesmo tempo. Ler não é um processo linear; e um mesmo texto possibilita diferentes leituras, ainda que lido por pessoas que comparti- lhem um mesmo momento histórico. Por mais modeladas que sejam as várias for- mas de discurso, a história de leitura de cada um está presente na sua manifesta- ção individual, fazendo parte da história de leitura do mundo. Quando um sujeito interage verbal- mente com outro, o discurso se organiza a partir das finalidades e intenções desse locutor, das apreciações que faz de seu interlocutor e de seu tema, por exemplo, dos conhecimentos ou crenças/valo- res que acredita que o interlocutor pos- sua, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da relação de afinidade e do grau de familia- ridade que ambos têm, da posição social e hierárquica que ocupam. Vale assinalar aqui que o discurso, quando produzido, manifesta-se lingüisticamente por meio de gêneros orais ou escritos, motivados justamente por esses condicionantes. Segundo BAKHTIN 1 (1929/1990), os textos que produzimos, orais ou escritos, são formas de dizer que se originam das necessidades criadas em diferentes esfe- ras da comunicação humana. Essas for- mas de dizer (oralmente ou por escrito) não são inventadas a cada vez que nos comunicamos, mas estão à nossa dis- posição, circulam nos diferentes meios sociais, tenhamos ou não consciência delas. Quando nos comunicamos, nas mais diversas situações, utilizamos essas formas, que possuem características pró- prias e relativamente estáveis. Essas ca- racterísticas configuram diferentes gêne- ros discursivos que podem ser definidos por três aspectos básicos coexistentes: seus temas (o que é dizível ou pode se tornar dizível, por meio do gênero), sua construção composicional (forma parti- cular dos textos pertencentes ao gênero) e seu estilo (seleção feita pelo autor de recursos da língua – de vocabulário e gra- maticais –, tendo em vista o gênero). 1 Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975), teórico russo, desen- volveu, entre outras, pesquisas na área de Língua. Construiu uma nova concepção de linguagem, rompendo com as correntes que tratavam a língua como um fenômeno separado do universo social e histórico. Considerava que a linguagem resulta de um esforço histórico coletivo de caráter dialógico e interacional. 28 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 28 29/01/2010 17:28:32
  • 29. Gêneros são formas de enunciados produzidos historicamente, que se encontram disponíveis na cultura. Fa- zemos uso de gêneros discursivos que nos foram transmitidos histórica e so- cialmente, o que não quer dizer que não seja possível transformar esses gê- neros, ou que outros não sejam criados, de acordo com as novas necessidades culturais de interação verbal que sur- gem historicamente. O estudo dos diversos gêneros discur- sivos que circulam socialmente entre nós não somente amplia as capacida- des linguísticas e discursivas dos leito- res, mas também aponta-lhes inúme- ras formas de participação social que eles podem ter como cidadãos, usando a linguagem. O gênero discursivo é um instrumen- to com o qual é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade, am- pliando as capacidades do usuário e o próprio conhecimento sobre o gênero – carta de reclamação, carta familiar, ar- tigo de opinião, conto da tradição oral, notícia etc. Figura 11 - Folhinha do Povo - capa 29Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 29 29/01/2010 17:28:33
  • 30. e começa a ler. Trata-se de um instigante romance policial, sua leitura favorita. Ela envolve-se de tal forma na leitura que qua- se perde a estação onde deveria descer. Na sala de aula, várias crianças, reu- nidas em pequenos grupos, conversam sobre um conto de fadas que a professo- ra acabou de ler. Em suas mãos, outras versões da mesma história que elas vão comparar com o original. Um empresário chega ao escritório, senta-se ao computador e lê o relatório preparado por seus auxiliares. Faz algu- mas correções e dirige-se à sala de reuni- ões, onde o lê em voz alta para o grupo de acionistas; depois discute as planilhas de custo apresentadas pelo setor financeiro. Numa feira, no Nordeste, uma senhora ouve atentamente os versos cantados por um cordelista; a história a emociona e ela adquire um folheto de cordel, para retomar a história que tanto a encantou. Uma mãe recorre ao livro de receitas, pois quer preparar um prato saboroso e rápido para o almoço dos filhos que logo vão chegar da escola. Um grupo de amigos dirige-se a um restaurante; lá consultam o cardápio para decidir que pratos serão pedidos. De vol- ta ao trabalho, um deles passa pelo ban- co para retirar um extrato – constata que o saldo está baixíssimo e isso o deixa mal- -humorado. Assim, a leitura como prática social é pro- fundamente marcada pelo ambiente em que circula o texto, pela época em que foi produ- zido, pelos objetivos do autor, pela finalidade da leitura. Veja os exemplos a seguir: Ao acordar, um indivíduo folheia o jor- nal, atendo-se inicialmente à primeira pá- gina, para ter uma visão geral dos acon- tecimentos do dia. Se algo lhe chama a atenção, localiza a notícia no interior de um caderno e obtém maiores informa- ções sobre o fato que lhe interessa. Lê a previsão do tempo e descobre que deve- rá levar consigo um agasalho, pois uma frente fria se aproxima. À mesa do café, uma garota saboreia uma bebida láctea, cuja embalagem indi- ca tratar-se de um produto “light”: ime- diatamente, ela confere o número de ca- lorias, pois não quer engordar. No supermercado, uma dona de casa observa atenta as embalagens dos pro- dutos que deseja comprar, verificando os prazos de validade. Um homem sai para o trabalho e, ao observar o letreiro e a placa com o itinerá- rio do ônibus que se aproxima, apressa o passo para tomá-lo. Durante o percurso, observa placas com os nomes das lojas, faixas com ofertas do dia, outdoors e pla- cas de rua. No metrô, como vários outros passa- geiros, uma jovem pega um livro de bolso 30 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 30 29/01/2010 17:28:34
  • 31. Numa igreja, os fiéis participam do culto religioso, acompanhando num fo- lheto os vários momentos em que respon- derão às palavras do padre. Em sua sala, uma advogada consulta a agenda para verificar os compromissos da tarde e descobre que, infelizmente, terá de desmarcar um encontro com amigos, pois deverá atender um cliente às 19 horas. Ao chegar em casa, um menino lê o bilhete deixado pela mãe: “Filho, tem comida na geladeira. É só esquentar! À noite a gente se vê. Chego mais tarde, porque vou passar as roupas da Dona Celita. Beijos”. O carteiro deixa a correspondência numa casa. A dona da casa abre a correspondência e separa as contas a pagar. Com o apoio de um manual de instru- ções, um senhor tenta instalar o aparelho telefônico que acabou de comprar. Um casal de namorados consulta um guia de entretenimento encartado no jornal para descobrir um filme interessante a que possam assistir após o jantar. Ao longo do dia, essas pessoas entraram em contato com vários gêneros discursivos e sua leitura obedeceu a diferentes finalida- des. Leram: silenciosamente, para informar- -se, orientar-se, distrair-se, entreter-se e, em voz alta, para partilhar informações com ou- tros ou participar de um ritual. Todos esses atos de leitura constituem práticas sociais porque estão presentes no cotidiano de boa parte das pessoas que vi- vem atualmente em sociedades letradas. Certamente, 50 ou 100 anos atrás havia outras práticas de leitura vinculadas ao modo de vida e de organização das socie- dades de então. A literatura brasileira é pródiga em exemplos que ilustram como se davam entre nós as práticas de leitura nos sécu- los anteriores. Em Quincas Borba, Machado de Assis retrata uma situação em que a leitura de uma revista da moda é vista como status, capaz de aproximar a personagem Sofia do círculo social ao qual quer pertencer. “Afinal, deixou a vista da chuva e do nevoeiro; estava cansada, e para repousar, foi abrir as folhas do último número da Revista dos Dois Mundos. Um dia, no melhor dos trabalhos da comissão das Alagoas, perguntara-lhe uma das elegantes do tempo, casada com um senador: – Está lendo o romance de Feuillet, na Revista dos Dois Mundos? – Estou, acudiu Sofia; é muito interessante. Não estava lendo, nem conhecia a Revista; mas, no dia seguinte, pediu ao marido que a assinasse; leu o romance, leu os que saíram depois e falava de todos os que lera ou ia lendo. ”(ASSIS, Machado de. Obras completas de Machado de Assis – Quincas Borba. Rio de Janeiro: W.M. Jackson Inc., 1970.) 31Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 31 29/01/2010 17:28:35
  • 32. Nesse instante assomava à porta um parente nosso, o Reverendo Padre Carlos Peixoto de Alencar, já assustado com o choro que ouvira ao entrar. (...) – Que aconteceu? Alguma desgraça? Perguntou arrebatadamente. (...) – Foi o pai de Amanda que morreu! Disse, mostrando-lhe o livro aberto. ”(ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990.) José de Alencar, por sua vez, relata uma situação em que a leitura de um romance envolve toda a família, uma prática social co- mum, não só no Brasil, mas em vários países, quando a leitura começou a se popularizar: “Era eu quem lia para minha boa mãe não somente as cartas e os jornais, como os volumes de uma diminuta livraria romântica formada ao gosto do tempo. (...) Não havendo visitas de cerimônia, sentava- -se minha boa mãe e sua irmã d. Florinda com os amigos que apareciam, ao redor de uma mesa redonda de jacarandá, no centro da qual havia um candeeiro. Minha mãe e minha tia ocupavam-se com trabalhos de costura, e as amigas para não ficarem ociosas as ajudavam. Dados os primeiros momentos à conversação, passava-se à leitura e eu era chamado ao lugar de honra. (...) Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual desfazia- -se em recriminações contra algum mau personagem, ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói perseguido. Uma noite, daquelas em que eu estava mais possuído do livro, lia com expressão uma das páginas mais comoventes da nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça baixa, levavam o lenço ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os soluços que rompiam-lhes o seio. (...) 32 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 32 29/01/2010 17:28:35
  • 33. A formação do leitor O processo de formação do leitor é longo, ocorrendo pela mediação de leitores mais ex- perientes e pela interação com diferentes su- portes e gêneros discursivos. Hoje sabemos que, muito antes de ser capaz de compreen- der o funcionamento do sistema alfabético, o sujeito imerso numa sociedade letrada busca entender o que significam os escritos presen- tes no mundo em que vive e pode entrar no mundo da escrita pela mão, pelo olhar e pela voz de outras pessoas, evidentemente valori- zando e elegendo a sua. Todas as tentativas que ele faz para atribuir sentido a um texto são leituras. Nesse sentido, mesmo os não al- fabetizados são capazes de ler, apoiados em ilustrações e em outras marcas do texto, bem como em sua memória. Para alguns, essa experiência começa muito antes de entrar na escola, quando presenciam atos de leitura praticados pe- las pessoas que os rodeiam ou participam deles. Entretanto, muitos dependem exclu- sivamente da escola para se tornar leitores. Assim, na escola e na comunidade, é pre- ciso criar momentos ou situações para que os leitores iniciantes construam e ampliem experiências de leitura, oferecendo-lhes diferentes suportes e gêneros discursivos, lendo para eles com frequência, colocan- do-os no papel de leitores. O contato com diferentes suportes e tex- tos e com leitores mais experientes é funda- mental para desenvolver o gosto pela leitura e formar leitores competentes. Essa compe- tência – que se forma com o manuseio e a leitura de muitos suportes e textos – inclui saberes diversos. No que se refere ao livro, por exem- plo, saber segurá-lo e manuseá-lo corre- tamente; saber que a capa apresenta em geral o nome do autor, o título do livro e a editora; perceber que livros com muitas histórias ou poemas comumente trazem um índice; descobrir que no verso da fo- lha de rosto há uma ficha catalográfica com informações sobre a edição da obra; e, principalmente, reconhecer obras de boa qualidade, apontar autores e ilustra- dores que admira e comentar um texto lido, justificando suas opiniões, sem con- tar os modos de “sentir” a realidade física do material escrito, que vão do olhar ao toque, do olfato ao próprio poder gustati- vo imaginário ou não, tornando o livro um particular fetiche. Se o suporte de leitura for um jornal, saber como se organiza a primeira página, como se localizam as notícias dentro do jor- nal, qual é a diferença entre um editorial, um artigo de opinião assinado e uma reporta- gem; descobrir a função das manchetes; ser capaz de comparar diferentes jornais etc. Figura 12 - Almanak Laemmert - Folha de rosto 33Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 33 29/01/2010 17:28:36
  • 34. Já a leitura de uma propaganda re- quer outras capacidades, como relacio- nar a mensagem escrita com a imagem, compreender a linguagem figurada etc. Embora o foco do Projeto Entre na Roda seja a fruição e o prazer da leitura, acreditamos que para o leitor desfrutar desse prazer é necessário que desenvol- va algumas competências leitoras, tais como: ● Definir as finalidades da leitura: saber com que objetivo se vai ler – por prazer, para conhecer determinado assunto, para atualizar- -se, para comunicar algo, para executar uma ação, para viver ou reviver uma experiência pouco ou bem conhecida etc. ● Recuperar o contexto de produção: quem é o autor, que posição social ocupa(ou), em que época vive(eu), em que situação escreveu, com que finalidade, onde seu texto circula, a quem se destina, de onde foi retirado etc. ● Relacionar temas e conteúdos abordados em diferentes textos, mesmo porque cada texto sempre dialoga com um outro de um modo sutil ou consideravelmente aproximado. (Intertextualidade) ● Relacionar diferentes versões de um mesmo tema ou assunto. (Interdiscursividade) ● Fazer apreciações estética, afetiva e ética: gostar ou não, concordar, discordar, criticar, levando em conta que a leitura atenta, prazerosa ou não, é sempre motivação e ponto de partida de um outro texto. ● Localizar informações importantes para a compreensão do texto ou para fins de estudo ou trabalho. ● Antecipar ou predizer conteúdos a partir do título, do tema abordado, dos conhecimentos prévios sobre o tema ou sobre o autor. ● Inferir, isto é, tirar conclusões que não estão explicitadas, com base em outras leituras, experiências de vida, crenças, valores. ● Extrapolar: projetar o sentido do texto para outras vivências e outras realidades; ir além do texto. ● Perceber outras linguagens: relacionar texto escrito com imagens, imagens em movimento, diagramas, gráficos, mapas, sons, números etc. 34 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 34 29/01/2010 17:28:36
  • 35. Ao longo das oficinas, propomos ativida- des em que são explorados diferentes su- portes e gêneros discursivos – na Oficina 2, histórias da tradição oral (“causos”, contos de encantamento, fábulas), apólogo e crôni- cas; na 3 e na 4, contos, romance, novela e texto teatral; na 5, poemas; na 6, textos jornalísticos; e na 7, textos de divulga- ção científica. Em cada uma de- las, analisamos e dis- cutimos aspectos dis- cursivos (condições de produção) e formais (es- trutura textual, recursos linguísticos e expressi- vos), bem como procu- ramos orientar para que se identifiquem dificul- dades de leitura que o texto possa acarretar, se- jam relativas ao contex- to de produção, sejam referentes a conteúdos semânticos e sintáticos. O texto literário como isca de leitura A literatura é matéria privilegiada para motivar e formar leitores, por ser lingua- gem que se oferece a múltiplas inter- pretações. Ela funde harmoniosamente realidade e fantasia – sendo um material inestimável na formação do indivíduo em sociedade –, toca primeiro a emoção e depois leva à reflexão, à análise, à inter- pretação e até mesmo à produção de ou- tros textos. Por essa especificidade da lin- guagem literária, as oficinas deste projeto dão especial destaque aos gêneros da literatura na formação do leitor, tentando aproximar conhecimento e prazer, casa- mento esse que nem sempre faz parte do cotidiano das escolas e de outros espaços de aprendizagem. Comumente a leitura- -prazer é proposta como uma atividade menor, para ocupar o tempo – depois que os alunos acabaram de fazer atividades “sérias”, podem pegar livros para ler, até que todos terminem as tarefas. O texto literário é matéria criativa e “reveladora”, capaz de inquietar prazero- samente os educadores para o gosto da leitura, experiência essa que naturalmen- te eles podem promover junto aos alunos e à comunidade, acentuando que a lei- tura de textos literários permeia todas as formas de conhecimento: a literatura está Figura 13 - Homem escrevendo a bico de pena, cercado de livros e outros instrumentos, c. 1550 35Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 35 29/01/2010 17:28:37
  • 36. sempre voltada para a condição humana e a serviço da vida. Por isso, o primeiro passo para desen- volver o gosto dos leitores iniciantes é co- locá-los em contato com muitos textos de boa qualidade. Isso significa oferecer-lhes um acervo contendo diversidade de gêne- ros, temas, autores, ilustradores, estilos, tratamento gráfico, para atender às expec- tativas mais variadas, revelando a eles a maravilhosa e inestimável aventura de ler. Identificar uma obra como sendo de boa qualidade significa também levar em conta: os valores estéticos da obra (linguagem criativa, sugestiva, fluente, temas interessantes ou intrigantes, inven- tividade no jogo das palavras, potencial lúdico e outros), o respaldo da crítica e, sobretudo, a receptividade dos leitores a quem a obra se destina. Livros bons são aqueles de que os leito- res gostam e que têm prazer de ler – e não aqueles considerados capazes de ensinar lições de moral ou de alfabetizar (como os de cunho cartilhesco) ou ainda aque- les em que a voz do narrador macaqueia uma fala infantil ou débil, desqualificando a capacidade de compreensão do leitor. Bons livros atravessam gerações, manten- do-se sempre novos. Tornam-se inesque- cíveis, porque a cada releitura têm sempre algo a nos dizer. Permitem a quem os lê viver simbolicamente outras vidas, com experiências diferentes do seu cotidiano. Despertam nele o gosto pela exploração da diversidade e pelo conhecimento do outro; possibilitam ao leitor reconhecer-se nos personagens e, pelo distanciamento da ficção, compreender melhor as pró- prias experiências. Como afirma Ana Maria Machado (MACHADO, 2002): “O que interessa mesmo a esses jovens leitores que se aproximam da grande tradição literária é ficar conhecendo as histórias empolgan- tes de que somos feitos”. Quando o(a) orientador(a) oferece bons livros aos participantes das rodas, seu papel de formador(a) de leitores já está parcialmente cumprido, porque as múltiplas experiências de leitura, sobre- tudo aquelas que são críticas e prazero- sas, depuram o gosto. Além disso, um(a) leitor(a) mais experiente pode ajudar os demais a apreciar melhor as obras, au- xiliando-os a desenvolver suas capacida- des leitoras. Cabe ao(à) orientador(a) das rodas de leitura estar atento(a) a aspectos rele- vantes que garantam o envolvimento dos participantes e a plena compreensão do texto. Por isso, sugerimos que: 36 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 36 29/01/2010 17:28:37
  • 37. Antes da leitura ● Escolha textos de boa qualidade. ● Prepare-se para esse momento, estudando o texto antes. ● Procure criar um clima de magia e envolvimento. Se possível, peça aos participantes que se sentem em círculo, próximos de você. ● Diga o nome do(a) autor(a) e pergunte se já o(a) conhecem, se já leram algum livro ou texto dele(a). ● Fale sobre a época e o lugar em que o texto foi escrito, caso tenha essa informação. ● Mostre-lhes a capa e pergunte sobre o que seria o texto. ●Aponte o nome do(a) autor(a), o título do livro, leia a orelha e o texto da quarta capa ou contracapa (se houver). Se o livro contiver muitos textos, mostre a eles como localizar o que vão ler pelo índice, ou simplesmente deixe o livro sobre a mesa para aguçar a curiosidade. Durante a leitura ● Se os ouvintes se dispersarem, utilize alguns recursos para resgatar a atenção, fazendo algum tipo de suspense e perguntando, por exemplo: O que será que vai acontecer agora? Será que os heróis da história vão conseguir superar o problema? E o par amoroso, vai conseguir ficar junto? Como o personagem X vai se livrar da enrascada em que se meteu? ●Faça algumas interrupções também se notar que a compreensão está difícil, dando algumas pistas para ajudar, mas sem se alongar em explicações, evitando fragmentar a narrativa e propiciando a expressão individual ou do grupo. ●Se os participantes interromperem com perguntas, responda o estritamente necessário e retome o texto rapidamente, para não perder o encanto. 37Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 37 29/01/2010 17:28:37
  • 38. Após a leitura ● Caso perceba que não compreenderam o texto apresentado, ajude-os dando pistas, fazendo perguntas e respondendo às deles. ● Oralmente, recupere com eles belas passagens ou aquelas que causaram entraves à compreensão. ● Proponha eventualmente que representem o que leram por meio de dramatizações ou desenhos, já que essas estratégias permitem um mergulho no texto e, portanto, uma compreensão maior. ● Inverta alguns papéis ou dê algumas sugestões e motive a recriação do texto. ● Estimule comentários e discussões a respeito de usos e costumes de outras épocas e povos, bem como sobre as características dos personagens. ● Desafie-os a ir além do texto, relacionando-o com as próprias experiências. ● Incentive os participantes a exercitar a imaginação, o raciocínio lógico e a coerência, questionando sobre o que aconteceria se determinado fato fosse alterado: ●E se Fulano tivesse agido assim? ●O que mudaria na história se Beltrano tivesse respondido...? ●O que havia por trás da atitude do personagem Y? ● Chame a atenção para: o estilo do(a) autor(a), os recursos que ele(a) utiliza para prender a atenção do leitor, a riqueza de expressões, as frases bem construídas, as expressões regionais, gírias, linguagem figurada etc. ● Abra espaço para que manifestem seus sentimentos e opiniões e ajude-os a ir além do “é legal” ou do “gostei”, pedindo que justifiquem suas opiniões sobre: a história, as ilustrações, o estilo do(a) autor(a) – o jeito de contar/escrever – etc. ● Crie também situações em que os próprios participantes escolham livros para ler, sejam alfabetizados ou não. Organize uma rotina para que a leitura livre se torne uma prática no grupo. ● Todos podem e devem ler, ainda que não o façam convencionalmente. Portanto, organize estratégias para que leitores mais experientes possam auxiliar os menos experientes. ● Estimule a reflexão, a partir do(s) ponto(s) de vista do(a) autor(a) do texto, abrindo perspectivas para a busca de soluções para problemas individuais ou coletivos. 38 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 38 29/01/2010 17:28:37
  • 39. jornalísticos, nos quais o leitor pode encontrar, sobretudo, informação e reflexão sobre os acontecimentos que interferem diretamente em sua vida. Da mesma forma, propomos o trabalho com textos de divulgação científica, que aproximam o leitor do conhecimento pro- duzido em várias áreas do saber. Contudo, qualquer que seja o gênero en- focado nas oficinas, tivemos sempre o cui- dado de oferecer atividades que têm como principal finalidade a fruição e a reflexão. Apesar de o projeto dar maior destaque aos textos literários, acreditamos que a fami- liaridade com outros gêneros discursivos que circulam numa sociedade letrada também é fundamental para a formação do leitor, tendo em vista que a todo o momento ele é solicita- do a ler com diferentes finalidades, para fazer frente a todos os desafios que a vida moderna lhe impõe. Isso nos levou a propor oficinas em que sugerimos que o(a) orientador(a) das ro- das de leitura aborde, por exemplo, os textosFigura 14 - Encadernações preciosas - artesanais 39Entre na roda - Introdução 39Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 39 29/01/2010 17:28:39
  • 40. Figura 15 - Gramática João de Barros Figura 16 - Conhecendo a língua pátria. Luiz Figueira. Arte da Gramática da Língua do Brasil, 1795 40 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 40 29/01/2010 17:28:39
  • 41. Rodeado de tantos livros, dos mais variados gêneros, lendo e incentivando a ler, como profissão, hoje estou num lugar escolhido. Não sei se por mim ou para mim. Não me imaginava nessa situação quando tudo me parecia maior, com cheiro de terra molhada, galinhas empoleiradas nos galhos da mangueira e, no final da tarde, realmente o Boitatá corria pelo fundo do quintal, à beira do taquaral. Não imaginava que aprendia a ler. Subia pelas árvores, goiabeiras, abacateiros, ameixeiras, e a preferida amoreira, com braços acolhedores, dos quais muitas vezes saíamos manchados de sumo avermelhado. Fugia do Brasinha, o irritado cachorro de minha avó, driblando os arbustos de buchinha. Fazia bois de chuchu e naves espaciais de caroço de abacate e brincava com o que, parece hoje, era meu único brinquedo formal: o cavalinho de plástico. O meu era o preto. Passava horas acompanhando carreiras de formigas saúvas. A paciência já era uma característica. Talvez fruto da relativa liberdade e quase anonimato em meio a tantos irmãos, numa casa que não era nossa. Às vezes ajudava minha mãe a rachar lenha, tirar água do poço ou capinar o canteiro de batata-doce. A roça na periferia, tão perto da cidade. O cheiro de pão assando, envolto em folha de bananeira, no forno de barro, ainda traz saudade. Até mesmo o coqueiro que tanto dava coquinhos amarelos como lagartas. O canudinho das bolinhas de sabão eram folhas de cebolinha. A lata cheia de bolinhas de gude tinha os mais variados tipos. Algumas revelavam universos inteiros quando olhadas à luz do Sol. E a coleção de tampinhas de garrafa me fazia olhar para o chão sempre que saía de casa. Demorei a aprender a rodar pião direito e aprendi a andar de bicicleta numa enorme Peugeot cinza, de adulto. A tampa de manteiga pregada num cabo era mais fácil de manobrar. Os quadrados cortados com faca de cozinha nem sempre saíam bem, mas nem por isso deixava de tentar fazê-los. Às vezes me rendia às capuchetas de papel de pão que, apesar da barriga na linha, sempre eram mais fáceis de empinar em dia de vento forte. Toda semana a família se reunia e quase sempre resultava em brincadeiras de roda, com adultos e crianças. O grande butiá era presença constante. Uma palmeira de tronco bastante largo para meu tamanho, que dava para se esconder atrás, correr em volta, contar pique de lberto Manguel, em seu livro Uma história da leitura, diz que “uma história da leitura é a história de leitura de cada um dos leitores”. O Projeto Entre na Roda compartilha dessa ideia; por isso, apresenta agora histórias de leitura de alguns de seus participantes. Histórias de leitores A 41Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 41 29/01/2010 17:28:42
  • 42. esconde-esconde – “bater cara” como se dizia – e imaginar a possibilidade de escavar uma casa. E eu que pensava que só estava aprendendo a ler quando ia ao grupo escolar, caminhando uma longa distância, às vezes atirando folhas de certo capim para o ar, como se fossem foguetes. Já havia muitos livros de autores consagrados em casa, em edições populares, que minhas irmãs liam para a escola. Uma riqueza em meio à nossa pobreza material. O folclore de que minha mãe havia enterrado livros “perigosos” de meu pai, naqueles tempos difíceis da política, não sei se é verdade. Se bem que só encontrei, mais tarde, um único livro remanescente, de filosofia, que estudei na faculdade. De qualquer forma, não os lia. A leitura mais misteriosa que me atraía estava num livro didático, em formato pequeno, que falava algo sobre “subir a bainha”. A ilustração da menina na ladeira não deixava dúvidas de que era ela quem tinha que subir a bainha. Ficava imaginando como seria essa bainha.Talvez uma encosta ou uma ladeira estreita por entre árvores. Era fascinante. Perdeu-se no tempo o conteúdo do texto. Não tinha ainda habilidade suficiente para decifrá-lo. Quando me encontrei com o desenho animado e os quadrinhos, estava selado meu futuro. Meu “carma” a pagar seria entre livros. Conheci Tintin e Asterix na adolescência, em exemplares encadernados da biblioteca, já na “civilização”, num bairro mais central de São Paulo. Compartilhava com meu irmão mais novo o hábito de trocar gibis numa banca, dois por um. Fiz pilhas de desenhos e criei inúmeros personagens de quadrinhos, que ficaram restritos ao conhecimento da família. Nunca fui um grande leitor, sempre muito lento, precisando forçar a concentração. Mas me emocionei quando voltei à escola em que iniciei minha vida escolar, para contar histórias de livros que ilustrei às crianças atentas e curiosas das turmas superlotadas. Engraçado como tudo pareceu bem menor. Fiz questão de descer pelas escadas por onde andava naquele tempo e imaginar os fantasmas de minhas lembranças correndo ao redor. Por isso sinto pena que a atividade que exerço esteja subordinada ao bel-prazer das políticas governamentais. Marcelino Tristan Vargas ● A primeira parte de minha infância foi numa fazenda, rodeada de árvores frutíferas e bichos. Livros não havia por lá. Passava os dias em cima de mangueiras e goiabeiras ou desenhando na terra do porão de casa com palitos de fósforo usados. Histórias, só os causos de caipira ou de assombração contados pelo meu pai ou as lembranças de minha mãe sobre a Itália. Uma vez por ano vinha um tio de São Paulo e trazia a revista “O Cruzeiro”. Eu me deleitava com as fotos, principalmente com as das “misses”, e tentava copiá-las com todos os detalhes, até um aviãozinho (eu acho) que havia no maiô. Certa vez chegou um tio com uns livros estranhos. Um deles tinha o seguinte título: “Eles possuirão a terra”. Não tinha figuras, só escrita. E eu ficava imaginando o que podia estar escrito ali. Mais tarde soube que o tal tio andava metido em política e que até já fora preso. Do primeiro ano da escola, lembro-me 42 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 42 29/01/2010 17:28:47
  • 43. apenas dos belos desenhos, copiados da cartilha, que a professora fazia na lousa com giz colorido. Não me lembro do momento em que aprendi a ler. Mas me lembro de que aguardava ansiosamente o dia do exame de leitura. O diretor do grupo escolar chamava um de cada vez à sua sala para ler, primeiro silenciosamente e depois em voz alta. Nem o medo do exame tirava de mim o prazer de ter nas mãos um livro diferente da cartilha! Aos dez anos minha família mudou-se para a cidade de São Paulo. No Instituto de Educação onde fui fazer o ginásio havia uma grande biblioteca com livros variados. Os meus preferidos eram os de Monteiro Lobato. Passei, então, a devorar livros e torcia para que os professores faltassem, pois quando isso acontecia eu corria para a biblioteca. Às vezes até “cabulava” aula e dizia para a bibliotecária que o professor havia faltado. Alguns livros eram proibidos, o que aguçava ainda mais o meu desejo de lê-los. Nessa época, para minha alegria, minha mãe comprou, de um vendedor de livros, a prestação, uma coleção do Malba Tahan, toda encadernada de vermelho. Mas a influência de um professor de Português foi decisiva para fortalecer em mim o gosto pela leitura. Suas aulas consistiam tão somente em recitar poemas de Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida e outros e em comentar livros que havia lido. Até hoje sua voz ecoa nos meus ouvidos: “Iracema, a virgem dos lábios de mel”; “Rosinha, minha canoa”... Por sua influência, convenci minha mãe a ficar sócia do Clube do Livro. Pagávamos uma pequena mensalidade e recebíamos um livro mensalmente. O jornal entrou mais tarde, também por influência de professores, então do magistério. Nessa época eu já trabalhava, mas como o dinheiro era curto, fiz um acordo com o dono de uma banca de jornal para pagar por mês e assim mesmo só o jornal de domingo. A parte preferida era o suplemento literário, que li, reli e guardei durante vários anos, como um tesouro. Zoraide Inês Faustinoni da Silva ● Minha família sempre leu muito, meu pai sempre trazia livros para casa e minha mãe sempre gostou de ler para nós. Comecei a ler aos cinco anos em casa e sozinha e minha mãe foi a primeira a perceber que estava lendo e ficou muito emocionada. A partir daquela data comecei a ganhar livros de presente e a ler em voz alta para todas as visitas. Regina Helena Botteon de Souza ● De uma família muito grande – dez irmãos – fui a caçula e desde muito cedo convivi com livros e gibis de meus irmãos mais velhos. Inicialmente via as figuras, mas as letras me encantavam, parecia que existia um outro mundo e a vontade, junto com a curiosidade, me incentivaram a fazer perguntas aos meus irmãos e, com isso, aos 5 anos e meio já conseguia decifrar algumas palavras dos gibis que folheava. A leitura para mim era essencial. Sempre que podia já estava com gibis na mão. Mas minha grande alegria foi quando li meu primeiro livro, 43Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 43 29/01/2010 17:28:48
  • 44. que foi “Meu Pé de Laranja Lima”. Acho que fiquei tão feliz que reli diversas vezes. Depois deste foi “Pollyana”, “O Menino do Dedo Verde” e outros. Carmita de Freitas Dino ● Nasci em uma família pobre. Meu pai e minha mãe eram analfabetos. Quando falo de meu pai, me emociono ao lembrar que tinha discernimento para resolver tudo e ajudar todos que o procuravam. Não tínhamos livros, nem mesmo televisão. Nosso jantar geralmente era por volta das 18h. Logo estávamos todos deitados e meu pai contava-nos histórias maravilhosas. Era um momento mágico; eu e meus irmãos ouvíamos a história “Fogo no céu” onde ele imitava as vozes dos animais.A rotina era variada, pois quando meu pai não queria contar histórias de animais, ele nos contava causos ocorridos no Nordeste, envolvendo caçadores e pescarias. Mas o que eu mais gostava era da história “Fogo no céu” e sempre solicitava que a recontasse. Eram momentos que me permitiam viajar no mundo da fantasia, deparando-me com desafios constantes. Hoje avalio que não tive livros como suporte, mas esses momentos contribuíram muito para minha formação de leitora, levando-me a descobrir o fantástico mundo dos livros. Por volta dos 6 anos, mudou-se para perto de minha casa um casal que morava em São Paulo e só vinha aos finais de semana. Eu auxiliava a mulher nas tarefas da casa. E qual não foi minha surpresa no dia em que ela me presenteou com um livro de histórias intitulado “Os filhotes”. Recordo como se fosse hoje a história dos seis cachorrinhos brancos e um preto que faziam arruaças pela casa. Aquele livro para mim era uma relíquia, da qual eu cuidava com muito carinho. Reli várias vezes e guardei como um tesouro raríssimo. Mantive bons laços de amizade com essa família. Quando eles chegavam no final de semana, já passavam buzinando, me alertando que tinham chegado. Durante minha vida na escola primária não consigo me lembrar de momentos prazerosos de leitura. Recordo de um texto que citava cometas no universo, mas não conseguia fazer analogias, pois o único cometa que conhecia era o ônibus que passava naVia Anhanguera. O único momento que me recordo da leitura com prazer na escola foi quando a professora contou uma história do coelho da Páscoa, utilizando fantoches. (...) Hoje, meu momento de contato com os livros é quando me deito e aos finais de semana. Vou lendo os capítulos, sempre ficando com o gostinho de quero mais. Reflito muito sobre meu contato com a leitura e, após 10 anos sem meu pai, sinto saudades do meu tempo de criança. Na realidade ele era um ótimo contador de histórias. Em minhas memórias, verifico o quanto ele contribuiu para minha formação de leitora. Até hoje me recordo com muita saudade da entonação de sua voz narrando as histórias, que jamais esquecerei. Maria de Lourdes de Moura Santos ● 44 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 44 29/01/2010 17:28:49
  • 45. Com seis anos de idade costumava ficar no bar de meu pai em Caçapava. No bar havia revistinhas e eu adorava ver os gibis do Tio Patinhas e do Pato Donald, principalmente as histórias que envolviam as peripécias dos três sobrinhos de Donald: Huguinho, Zezinho e Luizinho. Devido a suas travessuras, ficava doida para saber o que estava escrito nos balõezinhos, sendo este o motivo pelo qual me interessei em ler com autonomia. Lembro-me também de um dos primeiros livros que li: “Os sobrinhos do capitão”, que eram danados e só aprontavam confusão. Mercedes Pons Garcia ● (...) quem me fez ter o gosto pela leitura, pelos livros, foi minha primeira professora. No final do meu 1º ano de escola, quando comecei a ler, essa professora presenteou-me com dois livros: “Chapeuzinho Vermelho” e “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”. Lembro- -me de que passei as férias lendo e relendo esses dois livros. Depois vieram “Soldadinho de Chumbo” e muitos gibis. Helena A.Y. Yamane ● O primeiro livro que li foi “Caminho Suave”, após ter passado por experiências constrangedoras com a professora da primeira série porque não soube ler a lição da jarra. O castigo? Ah!... esse castigo era 45Entre na roda - IntroduçãoEntre na roda - Desde muito pequenina lembro-me de meu avô ouvindo em sua vitrola Chopin,Vivaldi, Strauss comigo em seu colo.Adorava ouvir suas histórias de palácio, de viagens e principalmente histórias de nossa árvore genealógica. Uma das lembranças que trago (nasce meu interesse por ler) é a leitura de poesias e cartas escritas pelo vovô, que reunia todos os familiares: vovó, filhos, netos e primos em volta da mesa do almoço para lê-las e recitá-las. Às vezes, aliás quase sempre, tio Meco, seu filho, se emocionava e deixava ver que chorava. Caso raro entre homens. Passar os fins de semana na casa de meus avós era como entrar nos livros de contos onde tudo era possível e as tristezas deixadas de lado. Antes de dormir, era a vez de vovó Alba, que me deixava deitar a seu lado para ouvir histórias de princesas, príncipes e plebeus. Eu também amava ouvir suas histórias com as irmãs, quando tiveram que morar na fazenda e perderam todas as riquezas por causa da crise de 29. Eram histórias tristes, mas percebia em vovó o orgulho de contá-las, pois com sua perseverança conseguiu vencer, casar, ter filhos e naquele momento ter seus netinhos para curtir e contar histórias de sua tradição. Meus pais também foram muito influentes na minha formação cultural. Motivaram a mim e meus irmãos a participarmos de eventos organizados na escola. Faziam parte ativamente da Associação de Pais e Mestres. Além disso, também nos levavam ao teatro e cinema quando podiam. Quanto à leitura, papai nunca teve costume, sempre preferiu os esportes. De mamãe lembro dela lendo em sua cama e sofá. Ela participava do Clube do Livro com as amigas que compravam livros para trocar entre elas. Stella Campos Mendes Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 45 29/01/2010 17:28:51
  • 46. vergonhoso! Pelo menos para mim que era muito tímida e não conversava com meninos porque “menina não conversa com menino”. Então, como não soube ler, fiquei sem recreio. Eu e o Jeremias, o filho do sapateiro, o menino mais danado da turma. A partir daí, outras experiências de leitura soaram como negativas e positivas.A do primeiro livro foi inesquecível.Acariciava-o como algo muito precioso, me deleitava em ver o Fábio, tão bonito e limpo, estudioso... Enfim um “primor”, que nada tinha a ver com o danado do Jeremias. Dona Cecília, a mãe de Fábio, então... Era uma maravilha vê-la dando sinal para o táxi...Achava-a linda, e até hoje conservo na memória sua saia branca evasê, sua blusa azul-claro, uns sapatos de salto lindíssimos (Penso que o meu interesse compulsivo por sapatos tenha partido dessa figura, talvez...!). Cheirava o primeiro livro, só meu, de preferência sozinha, quando todos iam dormir, para conservar e respeitar a nossa intimidade.Até hoje, gosto de ler num ambiente tranquilo e sozinha, de preferência à noite, quando todos estão dormindo, onde só ouço o barulho da própria noite e dos personagens do livro. Só que rapidamente me desinteressei por ele. Então ficava mais feliz por ouvir histórias da minha mãe, e vê-la lendo jornais que embrulhavam as carnes do açougue. Isso foi o porto seguro para que eu não fugisse da importância de ler. Então, apareceu em casa, por indicação da professora da quinta série do meu irmão mais velho, o maravilhoso e inesquecível “A ilha perdida”. Esperei, ansiosamente, que meu irmão o lesse para fazer prova, para que posteriormente eu o lesse por prazer. Ah! Como fui mais feliz que ele! Ainda conservo na memória cenas do livro, como por exemplo Simão com a Jaguatirica, a cobra... Imagino, ainda, Maria José Dupré, a autora, com a mesma feição que a conheci quando li, pela primeira vez, uma obra sua, embora nunca tenha visto uma foto dela sequer. O Ilha Perdida foi a minha porta para o mundo fantástico da Leitura. Infelizmente não me recordo de ter ouvido sequer um conto de fadas – não pelo menos na época certa! Descobri, embora soubesse de sua existência, ao ser convidada a fazer um curso de histórias relacionadas aos Contos de Fadas, quando fui professora de Educação Infantil. Me apaixonei pelas histórias de Mamãe Ganso, senti a pobreza do Andersen, viajei com os Grimm, sofri na neve com a Pequena vendedora de fósforos, mas a minha grande paixão, ainda, é “A bela e a fera”. Essa história mexe profundamente com o meu lado emocional, me fazendo encontrar, apaixonadamente, algo que acredito nunca ter perdido, embora não tenha lido esses contos quando criança.Ao contrário, descobri sua existência e importância.Assim, os encontrei e desavergonhadamente leio e os saboreio, dando-lhes um delicioso gostinho de chocolate!! Osana B. A. P. Oliveira ● Mesmo estudando na capital nas primeiras séries do antigo primário e parte do ginásio, passei a ter contato com a leitura de forma significativa apenas na 6a série, quando uma professora de Língua Portuguesa leu pra toda a sala uma história. Não me recordo do título, porém sou capaz de lembrar com bastante clareza que o texto fazia parte da coleção Para Gostar de Ler. 46 Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 46 29/01/2010 17:28:53
  • 47. Identifiquei mais tarde que se tratava de uma crônica e aquela história, da forma como a professora leu, não poderia ter provocado nada menos que um grande início na minha jornada no mundo dos livros. Procurei primeiramente histórias dentro da mesma coleção... Com certeza o prazer de ler veio anos mais tarde devido à profissão de professor, que exige muita leitura da nossa parte. O bom é que a leitura não veio na forma de obrigação, mas sim por prazer e hoje afirmo com todas as letras que sou um fanático pela leitura. José Paulo da Silva ● Lembro dos meus primeiros contatos com os livros, quando ainda era pequena e não sabia ler. Em minha casa havia um armário com muitos livros da Coleção Saraiva, que me fascinava. Achava o máximo o fato de meu pai ter lido muitos daqueles livros. Para mim parecia algo inatingível, sagrado até. Quando ainda não sabia ler, ganhei de meu pai uma revista em quadrinhos da Branca de Neve. Cada vez que a folheava, inventava a história de um jeito diferente. Amava as gravuras e a própria história (que meu pai havia contado), ficava imaginando o que ao certo aquelas letras queriam dizer. Quando aprendi a ler, foi minha primeira leitura. Depois disso, uma série de outros textos permitiu-me viajar pelo mundo da imaginação, rir, chorar, aprender... Houve um período de férias em que li muitos livros, entre eles “Éramos Seis” – acabei por me apaixonar pelo filho mais velho. Após o almoço, sentava-me no quintal e ia lendo, não querendo que as páginas acabassem (sensação que ainda sinto quando estou lendo um livro que me encanta). Foi com esse texto que descobri a magia maravilhosa que a leitura nos proporciona, o transporte a um mundo de sonhos; o prazer que tenho de entrar nesse mundo e de não querer sair mais, de protelar o final para que a mágica não acabe. Selene Coletti ● Minha lembrança mais antiga de leitura remonta à coleção de Monteiro Lobato, que minha mãe ganhou quando ainda era menina. Eu sou uma daquelas pessoas que seguem o dito popular, que diz que o exemplo é o melhor meio de se ensinar algo. Meus pais estavam sempre com um livro ou dois na cabeceira da cama e eu achava isso o máximo, muito adulto e, portanto, eu deveria ser igual (afinal eu era muito amadurecida, há!, há!, há!). De qualquer forma, gostei muito de ler as histórias do Sítio do Picapau Amarelo, e segui lendo tudo o que me caía nas mãos, o que nem sempre significou alta literatura. Márcia Cintra Camargo Rodrigues ● Nasci no interior de Minas Gerais, em uma fazenda dessas bem distantes da cidade, e fiquei por lá até meus seis anos de idade. Lembro-me como se fosse hoje: papai chegava da lida e à noitinha reunia a 47Entre na roda - Introdução Entre_na_roda_módulo Introdutorio_revisado.indd 47 29/01/2010 17:28:53