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O Pinguim e a
Lua
Uma história de amor nem sempre é feliz, mas é
inesquecível.
Esdras Silveira.
PARTE UM
Admito que fiquei frustrado, realmente não queria que isso
tivesse acontecido, muito menos eu admitir que isso
realmente aconteceu, mas fiquei bastante envergonhado
nesses últimos dias com a minha própria cabeça, essa mente
me pregando inúmeras peças por dia, e me confundindo
friamente e me fazendo um verdadeiro escravo de sua razão,
nunca na minha vida me conformei com o que me diziam,
nunca na minha vida me deixei levar por mídia nem qualquer
meio que eu achei alienante. Sempre acreditei que o melhor
da vida nunca era saber a resposta, mas sim a pergunta. A
indagação, o raciocínio que vem antes da necessidade de se
responder, a pergunta, porque sem a pergunta não haveria
resposta, e vice versa, acho que o perguntador deveria receber
tanto crédito quanto aquele que responde, porque só o fato de
você perceber um questionamento já é digno de aplausos,
decepcionante é o ser humano que se satisfaz com qualquer
coisa.
Eu estou escrevendo um livro há algum tempo, e estou me
concentrando nessa parte de pergunta e resposta, em
questionamentos e teses sem fim, respondendo para mim
mesmo as minhas próprias perguntas, como sou, de onde
venho, porque estou aqui, e porque ainda estou. Nesse grande
tempo livre que tenho eu penso em como consigo um jeito de
mudar as teses dessa sociedade, como seria se o mundo fosse
mais fiel as suas próprias leis, como seria o mundo se ele fosse
filósofo. E com essa grande pergunta que minha linha de
raciocínio é totalmente cortada por uma batida na porta.
- Renato! Renato abra a porta, por favor!
- Já estou indo só um minuto. “Vesti a primeira roupa que vi
jogada no chão e fui atender a porta, era Maria a coordenadora
do colégio onde ensino, só ai me lembrou de que enquanto
estava pensando e tentando escrever meu livro, meu telefone
tinha tocado que nem louco”.
- Estão precisando de você no colégio, urgente! O professor
de matemática faltou e você vai pegar o horário dele.
- Maria, ele tem duas aulas! Não posso cobrir a aula de todos
os professores.
- Por favor, Renato estão precisando de você lá, os alunos
estão querendo ir embora.
- Tudo bem estou indo. Vou precisar de carona.
- Eu estou de carro, agora vai se arrumar.
Eu entrei com a cara emburrada dentro de casa e ela entrou
atrás, pareceu se sentir desconfortável com a bagunça mas eu
não dei muita importância a isso. Vesti meu blusão
costumeiro, minhas calças jeans, e meus sapatos surrados. E
dez minutos depois já estava no caminho da escola.
- É a segunda aula que eu cubro desse cara Maria, ele não
trabalha mesmo não?
- Parece que não né. Vive faltando sem aviso, os alunos
reclamam do ensino dele e o pior que não encontramos
nenhum outro professor disponível na Crede.
- Eu não tenho nada planejado pra dar aula no momento.
- Não se preocupa, é o 1° ano B você não vai precisar de
planejamento, é só pra entrar na sala e não deixar eles saírem
antes da hora, afinal você ensina filosofia, sua aula é um
diálogo.
- Não entro numa sala se não for pra ensinar, não vou me
igualar aquela que ensina biologia que ano passado era
empregada no bairro da aldeota. Muita gente já me disse que
ela fica sentada ouvindo música o tempo inteiro.
- Um dia a gente se conserta Renato,
Um dia nada tinha tanto tempo que já estava assim, aliás,
desde que eu nasci, ou melhor, antes mesmo, sempre nós
brasileiros tivemos que conquistar o que era nosso por direito
e gratuito, nunca percebemos que o que a gente batalhava
tanto e ainda batalha, em outros países é recebido de mão
beijada por um governo decente, porque tinha que só aqui a
confusão? Esses carros que eu via no vidro são todos pagos
com o suor do trabalho de um cidadão, pior de um cearense,
que foi o que mais sofreu perante os outros, nosso Ceará que a
tempos era tão rico e foi esquecido, e essas pessoas passando
nas faixas de transito também são alguma coisa, andar pela
cidade de Fortaleza pegando ônibus não é fácil, todo dia ter
que aguentar esse sol escaldante na testa, esse barulho infernal
de buzinas e pneus, e esse típico cheiro de castanha que rodeia
a cidade inteira, e ainda ser vítima de um assalto matinal que
de tanto acontecer repetidamente, já virou uma certa cultura,
nem o medo de ser morto não existe mais e só uma troca, o
ladrão vai com uma arma e fala “passa a carteira”, você
entrega e ele sai tranquilamente e você também sai assim o
que é inaceitável, devíamos ter pelo menos indignação ao
acontecer esse tipo de injustiça! Mas como é o Brasil então a
gente deixa passar, “só dessa vez” e vai repetindo essa frase
pelo resto da vida. Chega uma hora que você não aguenta
mais, mas essa hora só aparece quando o político não ajuda, ai
você promove passeatas, revoluções, faz um fuá danado, um
barulho insuportável na rua, vandalismo, e depois da bagunça
toda uma bebedeira pra aliviar o estresse, uma cachaça ypioca
e toda a razão do protesto vai pro brejo, se é que esse teve
alguma razão. Quatro anos depois o político aparece do nada
na sua casa, almoça, passa uma parte da tarde falando asneira
na mesa da cozinha, e repete isso umas quatro vezes até falar o
seu objetivo principal, o gado dá o preço pela cabeça, que
muitas vezes é tijolo, cimento, óculos de grau, cirurgias, ai sai
falando na rua “vote nesse cara aqui, ele é bom, me ajudou
quando eu precisei”, ele ganha a eleição de novo, te deixa na
merda e ai você vai atrás dos seus direitos, me poupe. Sim,
esse é o nosso país, nossa pátria amada onde a corrupção é a
verdade, e os protestos são pura hipocrisia. E as pessoas
andando nas ruas, seguindo suas vidas normalmente, como se
não fossem aprisionadas num sistema.
- Chegamos. Essa ai é a minha escola, sim essa mesmo cheia
de grades e pichações, aqui tem de tudo, de aluno modelo no
país a maconheiro sem futuro, um dia pintou por aqui um
traficante aviãozinho, mas parece que apagaram ele na
esquina quando tava vindo pra aula. O ensino é razoável
comparado a outras escolas na cidade, poucos professores são
concursados e formados nas matérias que ensinam e
praticamente é a salvação dos alunos, a maioria são
desocupados contratados que aceitaram o cargo pra não ficar
numa mesa de caixa, quem é professor tem que nascer pra
ensinar e se preocupar com os alunos. Não é uma profissão
que você exerce por falta de opção, e sim por vocação.
Por aqui parece que o pessoal me aceita bem e gosta de mim,
sou o professor de filosofia de todas as salas, todas mesmo, de
todos os turnos, e ainda cubro de vez em quando as aulas de
matemática quando o lindo do professor falta porque tá de
ressaca da festa de ontem. Muita gente fala que ele vive
naquelas baladas bem pesadas mesmo, e toma todo tipo de
drogas possíveis, e participou do movimento contra as drogas
com o nariz todo sujo de branco. Lógica melhor que isso não
existe em nenhum lugar.
- Já souberam porque o maconheiro faltou hoje? Eu perguntei
só pra puxar assunto enquanto a gente entrava na escola.
- Não, ligaram pra ele a manhã inteira, ele não deu sinal de
vida nem ontem a noite e nem hoje de manhã, alguém tem que
ir na casa dele.
- Quando terminar a aula deixa que eu vou pessoalmente.
- Se você acha que é prudente, só não vai brigar com ele, por
favor.
- E eu sou gente de tá brigando? Me respeite, qual é sala?
- 1° B.
- Desgraçado, tinha que ser naquela sala horrível, metade da
turma dorme a outra metade só pisca o olho.
- Você tá reclamando disso? A Isaura levou uma cadeirada
nas costas na ultima vez que ela foi pro 1° A, devia agradecer
é a sala de refúgio dos professores.
- Eu não gosto de sala morta, meu negocio é dialogo e eles não
falam nada.
- Já disse é só chegar e se sentar na cadeira. Não precisa dar
aula.
- Tá bom eu já to indo. Virei-me rumo a sala e a Maria seguiu
em frente. O corredor era enorme, me lembro no tempo que eu
andava por aqui quase invisível, pouca gente se lembra de
mim, uma delas e o zelador do colégio o seu Zé, a única
pessoa que eu confio, quando eu era menor e me escondia nos
banheiros, ele aparecia pra limpar e parava o serviço pra
conversar comigo, falava de tudo, dos alunos chatos, dos
professores chatos, da casa dele, da mulher, da família e a
gente ria por quase uma hora depois da aula, era sempre muito
bom conversar com o seu Zé e eu mantinha esse hábito até
hoje, falando nele ele aparece na minha frente no meio do
corredor limpando o chão.
- Oi seu Zé!
- E ai Renato! Como você tá garoto?
- Estou bem, to indo cobrir a aula do professor de matemática.
- Qual deles?
- Aquele novo de agora, não fala com ninguém, aparece aqui
com os olhos vermelhos toda segunda feira.
- Há sim, tem gente mesmo que não aproveita o dom que Deus
nos deu.
- Sim, muita gente.
- Por isso meu filho que eu sempre lhe disse pra não se
envolver com muita gente, se envolver em festa adolescente, é
nisso que dá.
- Como eu ia mesmo pra essas festas? A única pessoa que eu
falava no colégio inteiro era você meu velho. (risos)
- Não é verdade, se eu não me engano você tinha uma amiga.
- Não lembro disso, deve ser alguém que o senhor viu me
pedindo pra fazer a tarefa de casa.
- Há sim .
Eu me lembrava muito bem da Sophia, ela era minha melhor
amiga no colégio, quer dizer, minha única amiga na verdade,
ela era bem pequena, branquinha, gostava de Beatles e Janis
Joplin, ela tinha o gosto igual o meu, o que facilitou bastante a
nossa conversa porque eu não falava muito devido ser
bastante diferente dos demais, engraçado foi como eu a
conheci, eu estava num show cover do Legião Urbana, e a
banda que tava cantando resolveu jogar algumas camisas pro
pessoal, eles jogaram um blusão enorme do Legião e eu
peguei, só que uma mãozinha pequena agarrou o blusão por
baixo.
PARTE DOIS
- Sai ele é meu! A garota gritou, quase não dava pra ver o
rosto dela, era pequena demais.
- Não eu peguei primeiro!
- Não vou largar droga! Ou você solta ou veste junto comigo!
- Tá certo sem problema. E a gente vestiu o blusão junto,
éramos magros e pequenos então serviu direitinho, passamos
o show inteiro assim e tinha um pessoal que jurava que a
gente era namorados, no final do show o vocalista viu a gente
e deu um salve pela criatividade. Mas eu não queria lembrar
disso, não agora.
Cheguei na sala em meio ao uma guerra de papel amassado,
toda revirada, o cesto de lixo emborcado pra baixo, alunos
gritando em cima das carteiras, escondendo livros debaixo
dos birôs, uma surpresa pra mim pois aquela sala não era
bagunceira, pelo menos na presença de um professor é claro,
agora eu descobri como eles eram fingidos, em meio a
bagunça total eu reparei numa garota sentada do lado
esquerdo da sala que eu não tinha visto ainda, deveria ser
nova, era branquinha, pequena, me lembrava bastante a
Sophia. Mas eu não dei muita atenção na hora, precisava
conter aquele inferno.
- Estou vendo que vocês são os mais fingidos do colégio!
Bom dia primeiramente.
- Bom dia Renato. Todos responderam.
- Eu sei que vocês deviam ter aula de matemática agora, mas o
professor teve uns assuntos pra resolver e não pode vir hoje,
enquanto isso a sala ficará com um diálogo que eu vou
promover agora, o que faz vocês ficarem focados em alguma
coisa?
- Quando eu gosto de algo eu me foco demais nisso.
Respondeu um aluno da última fila.
- Isso mesmo, quando a gente gosta de algo, a gente se foca
demais naquilo que satisfaz a gente, procuramos fazer todo o
possível pra poder fazer aquilo direito, ser reconhecido pelo
seu trabalho naquela área, e principalmente alimentar o ego
interior que a gente tem. Agora quando você não gosta do que
está fazendo, aquela atividade não lhe dá prazer algum, o que
você faz?
- Eu evito fazer de qualquer modo. Respondeu uma garota da
frente.
- E se você tiver obrigação de fazer isso?
- Ninguém me obriga a nada, não devo satisfação a ninguém.
Respondeu a mesma garota.
- E nesse ponto que você está errada criança, você não deve
satisfação às pessoas, mas sim a sociedade em si. Você deve
satisfação aos seus pais, a suas tias e tios, avôs e avós, aos
seus professores, diretores, futuramente ao seu chefe.
- E se eu quiser fazer meu próprio negócio?
- Você vai dever satisfações aos seus clientes. Se eles não
forem tratados bem, se o produto não for de qualidade, o
negócio não vai render. É isso o que eu estou dizendo pra
todos vocês meus caros, pra vocês o que é gostoso de fazer?
- Comer!
- Jogar vídeo game!
- Um racha!
- Mas vocês perceberam que ninguém falou uma única coisa
perante todas as atividades? Vocês esqueceram-se de colocar
os estudos nessas atividades.
- Mas a gente não gosta é chato! Respondeu um garoto de
boné.
- Fale por você garoto! Uma garotinha esnobe da primeira fila
gritou. Eu olhei pra ela com um ar irônico e perguntei.
- Você gosta de estudar garota?
- Sim. Na hora que ela respondeu um garoto meio nerd olhou
pra ela e começou a falar.
- Quando te recomendei pro cursinho do pré-enem há um mês
na diretoria você disse que não podia porque no horário do
curso você trabalhava, eu deixei passar ai depois eu estava
procurando uma capa nova pro meu celular no shopping justo
na hora do curso e vi você, mas um carinha que parecia ter o
dobro da sua idade te agarrando e um banco na praça de
alimentação, agora eu te pergunto você gosta de estudar? A
sala inteira começou a rir, mas eu comecei a falar para poder
amenizar a situação.
- Isso mesmo gente, estudar não é um prazer, a qual você se
senta e passa o dia inteiro porque gosta de fazer aquilo,
estudar é uma necessidade, é mais importante que o prazer. É
necessário pra vida estudar e todos vocês sabem disso, por
isso pessoal levem em consideração as minhas palavras e
mais uma pouca tão importante de lembrar, usem camisinha.
Toda a sala começou a rir novamente, eu sabia muito bem que
ia ser punido por isso, amanhã mesmo os pais dela iam me
enfurecer.
Terminei meu horário naquela sala e corri para meu canto de
solidão dentro do colégio, detrás da escola havia uma arvore
enorme onde eu me sentava e comia o meu lance, nunca
gostei muito de ficar na sala dos professores, aliás, a única
pessoa com quem eu tinha alguma afeição no colégio todo era
Maria, e o velho zelador. Foi ai que eu me lembrei daquela
garotinha que parecia a Sophia, mas era tão estranho pois faz
tanto tempo que não a vejo, as feições de seu rosto não estão
tão claras como antes na minha mente. Comecei a achar que
estavam perdendo o melhor de mim, as minhas lembranças.
A aula terminou, sai do colégio e fui pra casa me deitar um
pouco, estava cansado demais daquele dia, estranhamente
comecei a pensar mais em Sofia, e isso estava me deixando
confuso porque foi de uma hora pra outra, me deitei na minha
cama e cochilei um pouco.
De repente a porta se abre num baque, eu me acordei de um
susto, uma silhueta meio estranha entra no quarto e vai no
meu guarda roupa.
- Logos? Bate na porta antes por favor.
- Se você acordasse com os meus gritos no corredor eu
bateria.
- Deixei a porta trancada de novo?
- Deixou, vou mandar fazer minha chave porque pular a janela
todo dia não dá.
- Desculpa. “Logos é o meu melhor amigo, de todas as
pessoas do planeta ele é o mais paciente do universo, nos
conhecemos desde crianças, mas teve uma temporada que a
gente se afastou devido ao tempo que eu me mudei pro
interior, quando voltei ele tinha saído do antigo colégio pra
uma profissionalizante, Logos é quaser um hacker em
computadores, é alto, magro, e tem uma cabeça enorme,
trabalha como técnico de reparos em algumas empresas e
passa o dia todo fora, rondando pela cidade consertando
computadores, é o melhor que já vi, a Microsoft já ofereceu
uma oferta de trabalho pra ele mas ele recusou, ele diz que
Bill Gates não tem mais honra devido seu objetivo principal é
ser sempre o lucro, por isso levei um susto quando ele entrou,
porque ele só chega em casa de madrugada.
Há, ele mora comigo.
- Comprou o café que eu te pedi Renato?
- Comprei cara, tá no armário.
- Ótimo, estou com um trabalho novo aqui cara, preciso da sua
ajuda.
- O que é?
- Vem aqui.
Me levantei e fui até a mesa, ele estava lá com três notebooks
e usando só um, o cara é um monstro no exagero, compra tudo
o que vê pela frente.
- Preciso que anote os nomes que eu vou te dizer aqui ok?
Pega um noot e vai escrevendo, melhor, salva os prints nos
dois.
- Ok cara. Pra que isso?
- Só me escuta.
- Ok, pode ir falando.
- Hum, deixa eu ver, Pedro Guimarães, Guilherme Abreu,
Marcelo...
- O que é isso Ló?
- Nomes, nomes que eu preciso decorar.
- Deixa eu ver.
- Não sai daqui, é só nomes de técnicos concorrentes que
estão roubando os meus clientes.
- Deixa eu ver. Me levantei e olhei a tela dele, ele me deu um
olhar de raiva e virou a cara. Perfil de rede social, facebook,
Rafaela, a ex namorada dele.
- Droga! Você hackeou o perfil da Rafaela cara?
- Só queria saber o que ela anda fazendo, quantos caras essa
garota pega? Tem um monte aqui, e a conversa é nojenta pelo
que estou vendo.
- Cara você tá doente, precisa de ajuda. Isso é obsessão.
- Olha quem fala, pelo menos eu não sou um encalhado desde
os 14!
- Vai pro inferno, fica ai com essa loucura.
- Trás meu café direito! Detesto café Ana Clara.
- Vá comprar agora. Seu maníaco.
Me lembrei que tinha que ir atrás do professor de matemática,
sinceramente nem sabia ao certo o seu nome. Só me lembrava
que ele era extremamente magro, branco e barbudo. Usava
óculos e tinha a expressão mais estranha que eu tinha visto na
minha vida, sempre procurava estar nos lugares mais escuros.
Eu só via aquele cara debaixo de uma sombra ou no canto das
salas, ele não sentava atrás do birô como os outros
professores, ele simplesmente pegava a cadeira e ia para o
canto da sala e ficava lá sentado, depois de colocar na lousa
cálculos que ele tinha repetido o ano todo. Era o típico
professor por opção, e era por isso que eu o odiava tanto.
PARTE TRÊS
Peguei o endereço dele na diretoria e fui de ônibus, deixei o
Ló sentado lá seguindo a ex, precisava ter uma séria conversa
com esse cara, estava pensando em como acertaria o nariz
dele assim que ele abrisse a porta. E não vejo mal nenhum em
fazer isso ele merece, atrasando os alunos e fazendo eles
perderem o precioso tempo deles com sua incompetência! Eu
absolutamente não suporto quem não cumpre o que promete!
Hoje, a educação é tão acessível às crianças, e pessoas como
ele não poderiam fazer parte desse grande milagre que o povo
brasileiro conseguiu alcançar para as futuras gerações uma
educação melhor, e com isso um país melhor. Cansei de ver o
povo brasileiro vivendo de milagres, grandes filósofos dizem
que a religião atrapalha a sociedade mais do que ajuda, no
Brasil, se não fosse às promessas de São Francisco... Bem eu
não quero nem comentar.
Cheguei ao bairro dele, ele morava num canto bem esquisito,
as pessoas passavam por mim e me olhavam estranho não sei,
não era um lugar marginalizado, era só esquisito. Como se
não tivesse muita gente além dos que moravam lá, estilo
aquelas cidades do velho oeste que não gostam de forasteiros.
Avistei uma criança brincando numa calçada do outro lado da
rua, com uma coisa que me fez voltar aos meus tempos,
nossa! Um carrinho de lata de sardinha com roda feita de
havaianas! Fiquei com uma vontade enorme de ir olhar o
carrinho de perto mas acabei desistindo porque senão ficaria
meio suspeito, e não queria ser confundido com um pedófilo
por ali. Esse pessoal não tem cara que chama a policia quando
alguma coisa acontece. Acabei chegando a um pequeno
prédio residencial, ele morava no apartamento numero 13,
subi pela escada, pois o elevador não funcionava. Quando
cheguei lá àquela raiva que eu estava dele no ônibus já tinha
sumido, assim como todas as minhas outras vezes que eu jurei
brigar com alguém, antes que eu começasse a minha raiva
passava.
Quando levantei a mão pra bater na porta dele, percebi que ela
estava um centímetro aberta, imediatamente eu fiz o que
qualquer pessoa faria nesse minuto, peguei o telefone pra ligar
pra policia, mas hesitei e achei melhor entrar na casa pra saber
se estava tudo bem, poderia ter sido só um deslize dele
quando voltava pra casa bêbado.
Entrei na casa dele, era um apartamento grande pra quem
morava sozinho, a minha casa comparado a dele era um ovo.
Pela minha rápida olhada eu vi uns três quartos e dois
banheiros. Tinha uma parede completamente cheia de livros,
preste a cair na verdade com o peso. Não vi nenhuma
televisão ou qualquer meio de comunicação disponível, tinha
uma sala com um sofá e uma mesinha com alguns livros
abertos, algumas cartas, uma garrafa de vinho, e uma seringa.
Desviei o olhar e acabei percebendo uma foto meio rasgada
no chão, apanhei a foto, ela estava meio deformada, mas dava
pra ver que era um homem sorrindo, estava molhada com
alguma coisa gelada. Foi ai que eu ouvi alguma coisa vinda do
banheiro, procurei qualquer coisa que estava em cima da
mesinha e acabei por ver somente a seringa.
Armado perigosamente com uma seringa de heroína me
aproximei do banheiro, o barulho estava aumentando a cada
passo, era alguma coisa pingando, me posicionei da beirada
da porta e comecei a entrar muito devagar no banheiro,
quando meus olhos alcançaram a luz branca ligada, meu
corpo gelou por completo, imediatamente deixei cair a
seringa e fiquei paralisado, não conseguia falar nem ouvir
mais nada, meu corpo estava totalmente sem movimentos
perante aquilo, era como se alguém estivesse me envolvido
em gesso e deixado os olhos encobertos pra eu não poder ver
quem me torturava. E na verdade, o que estava me torturando
agora não sabia nem tinha intenção disso.
A poucos centímetros de mim, estava o estranho professor de
matemática, sentado no vaso sanitário com uma poça de
sangue enorme no chão, o pequeno córrego vermelho brotava
dos seus pulsos pendurados nos braços sem vida, a cabeça
virada pra cima como quem estava pedindo pra acabar logo
com isso, uma lamina jazia no chão quase sendo levada pela
corrente de sangue para junto do ralo.
Repus-me em instantes que pareciam décadas na minha
mente, não podia ficar ali observando o tempo todo, teria que
chamar a policia uma hora, mas de novo antes de eu discar o
numero de emergência reparei nas mãos do professor, uma
mão estava aberta, a outra não, fazia menção de apontar para
alguma direção, cheguei mais perto e então vi o que ela estava
mostrando, no canto embaixo da pia em frente ao professor
sentado no vaso sanitário, tinha uma folha de papel amassada.
Assim como qualquer suicida, ele com certeza iria dizer por
que não suportou mais nossa tortura particular, então me
inclinei para pegar o papel, seu conteúdo foi muito rabiscado,
parece que ele realmente não sabia o que dizer porque tinha
feito e riscado muitas frases no papel inteiro, mas o que pouco
se pode entender foi isso.
- Aos que verem e se importarem, não tem problema, estarei
num lugar melhor que o seu céu.
Quero que saibam que o sangue que estão vendo agora nesse
momento, não é nem um pouco comparado ao que eu estava
sentindo antes dele ser derramado, e vê-lo escorrendo pelas
minhas veias levando embora a dor que me vencia, foi o
maior alivio de toda a minha vida.
Desde criança, eu cometi um grande erro, um pecado muito
sério, diziam pra mim que era fase, iria passar em breve e eu
superaria. Mas até hoje essa minha “fase” não passou.
Libertei-me dessa podridão aos 15 anos e decidi de uma vez
por todas que não era doente nem diferente coisa nenhuma,
que não precisava ser igual a todos os outros para ser aceito
por Deus na sua casa. Eu poderia sentir o que quisesse, e
poderia amar a quem quisesse! Mas não foi desse jeito, não
tiveram a mesma coragem que tive, e quando finalmente
admiti, eu confundi quem era com outra pessoa, pelo menos
foi o que ele disse, e não foi o que ele disse pra mim no outro
dia.
- cara, eu nunca me senti tão bem com outra pessoa.
- que isso mano, eu acho que você tá me confundindo com um
de seus viados!
É, foi isso, depois disso aconteceram coisas horríveis, pessoas
falando mal de mim nas ruas, no colégio, foi tudo tão ridículo,
não tinha coragem mais de sair de casa, detestava arduamente
todas as pessoas que conhecia, porque todos passaram a rir de
mim e me xingar de tudo no mundo, perdi meus amigos
porque ninguém queria andar comigo e ser lixado também,
sem falar nas surras que levei... sem falar em quem me batia,
mas superei totalmente naquela idade, sabia muito bem que
existiriam outras pessoas pra mim, melhores além do mais.
E foi ai que eu me enganei por completo, por mais que eu
tentasse não conseguia de forma alguma esquecer aquele
garoto, por mais que me fizesse sofrer, depois ele vinha ao
meu encontro, me buscava em casa e saia comigo, nos
divertíamos muito e eu perguntava a ele
- Porque você não assume comigo?
- Cara, você é louco? E começava a rir.
E assim eu vivi por muito tempo, foi quando descobriram
sobre a gente, o pai dele foi na minha casa e gritou com a
minha mãe, dizendo que nunca mais queria que eu chegasse
perto do filho dele, que o filho dele era homem e não viado! E
minha mãe ficou muito triste depois disso porque ela também
não me aceitava, então ela se mudou comigo pra outra cidade,
foi ai que a minha vida começou a desmoronar, brigava com a
minha mãe todo santo dia, ela dizia que me odiava, que
preferia estar morta, que eu tivesse morrido quando nasci, que
nunca na vida pensou que viveria uma desgraça dessas. Tinha
vergonha de mim na rua, não me levava pra cerimônias de
família, eu ficava em casa sozinho todo natal e ano novo, foi
ai eu comecei a ingressar no mundo das drogas, e a minha
primeira como sempre foi o amor.
Há o amor, ele é tão viciante como a heroína, e muito mais
destrutivo se usado de forma errada, eu me apaixonei por
aquele ser sem escrúpulos, e como a historia nos condena a
repeti-la pela eternidade, quanto mais ele me ignorava, mais
eu o amava.
Ele conheceu uma garota a qual teve tempos de paixão,
enquanto eu chorava deitado na minha cama, ele conheceu
outra garota a qual teve relações com ela, enquanto eu
escrevia milhares de cartas que nunca enviaria, ele conheceu
milhares de outras garotas e se casou com uma, enquanto eu
começava a me interessar por livros. E então quando eu não
pensava mais naquele sorriso tantas vezes por dia como antes,
eis que ele aparece na porta da minha casa. Eu o mando sumir
enquanto eu tenho forças, mas ele não faz isso, ele quer me
ver morto! Ele cai em cima de mim me beijando lentamente,
como eu senti saudade daqueles lábios grossos, mas ao
mesmo tempo senti um nojo enorme e o empurrei pra longe de
mim e fechei a porta. Ele quis me beijar de novo, mas eu não
deixei dessa vez, eu comecei a chorar e perguntei por que fez
tudo aquilo? Além de ter estragado minha vida ainda me quer
morto porque simplesmente não consegue me deixar em paz,
e não vai me deixar, ele vai falar que sente muito e que estava
com medo, vai pedir desculpas a mim pelo afastamento e vai
dizer que terminou o casamento. Vai dizer que me ama mais é
só um pretexto pra ficar na minha casa, porque ninguém o
quer por perto depois do que ele fez com a sua esposa, que eu
iria saber um dia antes de escrever essa carta, e iria saber disso
da boca dele rindo da minha cara. E eu vou acreditar mais uma
vez na sua palavra porque em fim, eu sou um cara de
esperança, e me ensinaram desde criança que é preciso ter fé e
perdoar as pessoas.
Parei a leitura da carta pra pensar um pouco, achei melhor
deixa o resto pra depois e ligar pra policia logo. Guardei a
carta no bolso e finalmente disquei o numero de emergência
enquanto corria para falar com o sindico do prédio.
- Oi
- Oi
- Como é seu nome mesmo?
- Meu nome é Renato.
- Há sim, prazer meu nome é Sofia. Renato porque você não
soltou a minha blusa? (risos)
- Você quis dizer, minha blusa não é? (risos)
- Não, eu peguei primeiro na verdade.
- Tá certo eu desisto pode ficar. Estendi a blusa pra ela, ela
olhou por um minuto, e depois respondeu.
- Não, pode ficar com ela por um tempo, nos pegamos ela
juntos então é nossa.
- Certo, o show foi muito bom.
- Realmente foi ótimo.
- Eu tenho que ir pra casa agora, mas depois a gente se fala.
- Por quê? Vamos pro pós-show comigo, vai ser legal.
- Pós-show?
- Sim, eu e os meus amigos, aqueles dali, ela aponta pra um
grupo de três caras que estava esperando por ela no outro
lado da casa de shows, “vamos pra beira da praia agora,
daqui a pouco amanhece e a gente vê o nascer do sol, é
lindo”.
- Parece ótimo.
- Então vamos?
- Pode ser.
Eu atravessei a rua em direção aos amigos dela, eles
pareciam estar muito bêbados naquele momento, eu era o
único ali na verdade que não estava muito embriagado,
gostava de beber bastante, mas, não curtia ficar bêbado,
acho que pelo fato gostar muito de lembranças, e quando
estou bêbado, não me lembro de nada.
- Sophia meu amor
- Diz Caio.
- Quem é esse carinha que tá do teu lado?
- Marcus e Caio, esse aqui é o Renato, o cara com quem eu
dividi a blusa se lembra?
- Há sim, vou avisar logo, eu tenho ciúmes dela cara, e achei
meio ofensivo você estar grudado nela o show todo.
- Hãn? Eu disse totalmente desconfortável.
- Pode parar com o show Caio, ele é meu irmão Renato.
- Tudo bem, eu posso ir embora se quiser.
- Relaxa cara eu só estava brincando. Sofia temos que ir logo
já e quase duas horas vamos perder o sol.
-Então vamos.
Acordei e de repente me peguei chorando, em meio há anos,
eu nunca tinha sonhado com ela, pelo menos um sonho que eu
lembre depois.
Estamos na madrugada daquele incidente terrível, tive que
ficar esperando alguém a emergência aparecer porque eu
tinha que explicar alguma coisa, eu tinha encontrado o corpo e
me parecia um sinal meu de responsabilidade esperar e contar
tudo o que aconteceu.
O fato mais estranho foi quando a mãe dele chegou, todo
mundo já estava lá, existia o irmão dele, alguns tios, amigos e
parentes esperando na porta do edifício, quando ela chegou
ela ficou sentada na calçada, não conseguia se levantar de
forma nenhuma, teve uma hora que ela se deitou no chão
gritando e implorando desculpas pra alguém. Gritava
desesperadamente pelo filho, e pedia desculpas. Foi à cena
mais triste que já vi.
Sem falar nas horas que tive que passar conversando com um
monte de gente, fazendo perguntas pra mim, até que
finalmente o irmão dele disse:
- Não tem problema se não quiser ficar aqui, você já fez muito
e agradeço por isso, quem dera eu pudesse ter a sua chance de
ir pra casa agora, pode ir.
Virou-se pra levantar a mãe caída na calçada e eu acabei por
indo embora mesmo.
Cheguei em casa morto de cansado, Ló ainda estava
procurando os nomes dos caras que a ex dele pega, ela é uma
vadia das piores, mas ele não esquece ela, acho que por isso a
gente se dá tão bem, são dois solteirões que nunca esquecera,
o passado.
- Ló. Tenho que te contar uma coisa cara.
- O que foi? Ele falou sem nem tirar os olhos da tela.
- Cara, acabei de presenciar um suicídio. Dessa vez ele olhou.
- O que?
- O professor de matemática do meu colégio se matou, eu
encontrei o corpo.
- QUE PORRA LOUCA CARA! E ai, eles te levaram pra
delegacia?
- Levaram, mas me liberaram rápido.
- Há sim, mas e ai o que aconteceu?
- Só isso, ele tava lá no banheiro...
Contei a historia toda pra ele, ele estava mais animando do
que horrorizado, tenho medo do Logos por essas pequenas
coisas.
- Cara, que foda. Então o cara não aguentou a barra, conheço
gente que é assim também.
- Agora eu só quero dormir porque hoje já deu de loucuras,
minha vida é cheia disso.
- Ok, boa noite cara.
Amanhã eu não teria coragem de ir ao colégio nem se me
levassem amarrado, mas lembrei que tinha que lançar
algumas notas e era o ultimo dia, que droga!
E aqui estou sentado na minha cama, olhando pra carta que eu
tinha guardado, voltei a minha leitura.
... Então, acreditei na conversa e o deixei ficar na minha casa,
passamos uma semana juntos na verdade, eu parecia mais
feliz sinceramente, gostava demais dos meus alunos e adorava
ensinar, mas, nunca consegui retirar felicidade o suficiente
pra poder passar pros meus alunos uma imagem melhor do
que eu tinha. Nunca, nunca esbocei um sorriso sem ter
vontade.
E quando eu chegou em casa um dia antes de eu escrever essa
carta, um dia antes de eu finalmente ser feliz, e ter paz. Ele
não está me esperando como de costume assistindo televisão
no sofá, acho estranho e acabo por procurá-lo com o porteiro,
o porteiro afirma que ele tinha saído muito cedo naquele dia.
E estava acompanhado, não sei por que, mas ele enfatizou
com o “estava acompanhado” como se quisesse me avisar
alguma coisa, será que eu gritei tão alto assim?
Peguei o carro morrendo de cansaço e fui atrás, estava
pensando em ir à casa da mãe dele perguntar, mas achei
melhor não...
Em vez disso acabei virando a esquina oposta da direção da
casa da mãe dele, naquela esquina havia um barzinho 24
horas, achei melhor entrar e comprar uma água, estava com
sede, mal tinha entrado em casa, quando abri a porta do bar eu
quis sair correndo sem parar até meus pés sangrarem, ele
estava lá sentado ao lado da ex-mulher, ela estava rindo com
ele, eles estavam conversando, ele estava com um braço nos
ombros dela, eles estavam tendo um encontro. Ele mentiu pra
mim.
Saí em disparada porque não queria ver mais aquilo, peguei o
carro e dirigi pra não sei onde e até hoje não me lembro, fiquei
rodando por horas pensando em tudo o que fiz, em tudo o que
vi, e no que iria fazer no futuro. Pouco a pouco, eu percebia
que não pensava mais nisso, num futuro. Não tinha ambições
pra ele na verdade.
Você ainda está ai? Que bom que conseguiu ler minha história
até aqui, eu não preciso dizer o que virá em seguida, só peço a
você que estiver lendo, por favor, não revele isso pra
ninguém, nem pra minha mãe. Eu fui um péssimo filho pra ela
em vida, não quero assombra-la depois disso.
Com amor, Charlie.
Dez minutos, pareciam horas, mas dez minutos, foi o impacto
dessa carta na minha mente, acho que sei agora a causa do
meu sonho importuno.
PARTE QUATRO
-Acordei no outro dia muito cedo, na verdade só cochilei,
fiquei pensando no conteúdo que tinha que ter planejado para
o 2° ano naquele dia, mais acho que não vou precisar dar aula
hoje.
- A religião, e seus contras sem prós.
- Vivendo numa sociedade sem medo do escuro
- Saia da caverna, e contemple o mundo!
Três títulos pro meu livro fracassado passaram quase a aula
toda no 2° ano rabiscando alguns títulos frases e textos que
poderiam entrar no meu livro, dentre eles eu achei esses aqui
os melhores.
Eu vivo realmente nas sombras do desespero, eu vivo numa
prisão sem grades onde é impossível sair andando, eu vivo
contemplando luzes ao longe e sonhando, sonhando e talvez
imaginando. Que aquilo no horizonte, um dia vai voltar.
E aqueles olhos castanhos me faziam perder a razão do
momento, me faziam esquecer todo o meu conhecimento,
todos os livros que li, todos os filmes que vi, tudo não batia
naquele brilho e caia de cara no chão.
Cansei, não estava no clima pra escrever alguma coisa, não
consegui para de lembrar dos olhos castanhos, e de como
aquela garota do primeiro ano me lembrava eles, e de como
tudo era tão confuso, tantas ações, tantos conhecimentos
perdidos, antes eu não tinha essa dificuldade pra escrever,
antes eu era uma pessoa melhor, com certeza, antes eu era um
garoto normal, um inocente garotinho normal que não
precisava de nada além de seus livros e uma garrafa de café,
que pena que esse tempo passou tão rápido, e a minha mãe
também passou, e o meu pai também, e a minha vovó, e o meu
vovô, quem me dera ter pelo menos uma dessas pessoas que
faziam o meu mundo se aquietar um pouco no lugar. Mas
hoje, hoje sou só eu e ele, meu mundo.
- Cuidado com as pedras cara!
- Foi mal mano, vamos dar a volta pela ponte!
- Pode ser, ei Renato! A gente vai por aqui cara!
- Espera um minuto, encontrei uma concha linda!
- Me deixa ver, (Sofia saiu correndo entre as pedras pra perto
de mim, enquanto os amigos dela ia em direção ao lugar que
a poucos minutos o sol iria surgir) .
- Nossa, ela é linda! Ela disse
- Também achei.
- Olha, você conhece o ritual de acasalamento dos pinguins?
- Não muito, assisti a um filme de um pinguim animado.
- Eu sei, é assim, os pinguins tem um dos rituais de
acasalamento mais bonitos do mundo, eles escolhem uma
parceira pelo resto da vida, e dão pedrinhas pra elas pra
simbolizar o relacionamento. Dá essa concha pra sua
namorada e conta a história, ela vai amar!
- Eu não tenho namorada.
- Sugestão pra conquista de uma, aceita?
- Aceito.
- Pois está feito, assim que você arranjar alguém use esse
truque, te garanto como ela fica louca por você!
- O.K
- Vamos, o sol já vai nascer!
Corremos para sentar no meio das pedras mais altas depois
da ponte, assim que cheguei, vi o espetáculo do sol
acordando. No meu tempo de leitor, adorava a explicação
mitológica do nascer do sol, da aurora espalhando o seu
brilho rosa e do carro de fogo de Apolo se aprontando para a
grande jornada do dia. Imaginei o deus do Sol acenando pra
mim lá de cima quando começou a guiar os cavalos, naquele
tempo, eu acreditava mais em Zeus, do que em Deus.
E vi o espetáculo completo, mas o que me interessava mais
que o nascer do sol, era a silhueta feminina que se formava
em sua luz.
- Renato!
- Oi Maria.
- Estou tentando chamar sua atenção há uns segundos já. Os
alunos da outra aula estão esperando.
- Desculpe, só estava meio avoado. (Preciso parar com esses
pequenos flashbacks).
Esfreguei os olhos por cima dos óculos e fui para o 1° ano B.
SÓ SEI QUE NADA SEI!
- Sócrates
Escrevi isso na lousa branca, ela parecia mais branca que o
normal, talvez pelo menos uma vez por mês eles passassem só
por diversão algo para limpar uma lousa a qual eles não usam
muito, a qual eles praticamente só usam quando estou aqui
para escrever indagações.
- Então, o que vocês entendem sobre essa frase?
Ninguém respondeu, houve alguns comentários de certos
alunos para fazer graça, houve alunos comentários
esforçados, mas ainda sem nenhuma tese do que
verdadeiramente a frase representa, outros até responderam,
mas foram palavras de um livro, decoradas como se eu não
soubesse o que é a opinião de um adolescente, e a opinião de
um professor universitário, mas eis que de repente, a aluna
misteriosamente parecida com Sofia levantou a mão no alto
lentamente e pediu para falar.
- Pode falar querida.
- É a frase mais famosa de um dos maiores homens que já li na
vida, esse cara tem um conceito que é bastante interessante de
se estudar, ele ficava procurando nas ruas e perguntando para
todas as pessoas que encontrasse não sobre alguma coisa, mas
sobre a essência que essa coisa tem em comum, e quando
perguntavam a ele, ele simplesmente dizia que não sabia, por
isso estava perguntando.
- Muito bom, muito bom, qual é o seu nome?
- Ipatia.
Gelei completamente dos pés até a espinha.
- Poderia me dizer o nome de sua mãe?
- Sofia.
- Sophia de que?
- Sofia Moreira Dias.
Continuava gelado, não havia movimentos bruscos em mim,
só fiquei parado observando aquele impacto do destino, só
podia ser mesmo, a merda do destino estava pregando uma
peça em mim, colocando a filha de Sophia para ser minha
aluna, e ainda mais, ela sendo tão interessada por minha
matéria. Porque ela era interessada? Melhor, quem a ensinou?
- Minha mãe.
- O que?
- Quem ensinou foi minha mãe.
- Eu falei alguma coisa?
- Não necessariamente, na verdade gritou.
Foi ai que percebi que a sala toda estava me olhando, é serio
tenho que parar com essas viagens, vão começar a pensar que
estou chapado.
- Há, foi mal.
- Sem problema, porque perguntou o nome da minha mãe?
- Nada só curiosidade. (o sinal toca) Pessoal, lembrem-se
estudem sobre Sócrates pra próxima aula! Farei uma aula oral
de perguntas e respostas!
Sério, estou andando no corredor agora nesse momento, e
ainda estou gelado até a espinha, ela tinha ido pra Espanha...
eu lembro muito bem.
Corri até a sala da diretoria, Maria estava lá organizando
alguns papéis.
- Maria!
A pobre quase caia da cadeira de um susto.
- Meu Deus Renato! A minha vida todas passou pelos meus
olhos agora. Nossa, você tá suando frio, relaxa um pouco o
que foi?
- Preciso... saber... quem é... a... Sofia... mãe... da... aluna
nova...
- Nossa, pois se senta pra acalmar um pouco esses nervos.
Passados alguns minutos procurando a ficha ela perguntou.
- Nome da aluna?
- Ipatia.
- Tá aqui, Sofia Moreira.
- Endereço?
- Rua das Flores N° 105
- Ok, tem mais alguma aula hoje pra eu cobrir?
- Acho que não, está liberado até depois de amanhã.
- Ok, obrigado Maria, tchau.
- Tchau Renato, você tá muito estranho.
- Você ainda não viu nada, se não me chamaria de coisa pior.
Sai em disparada da escola, o suor frio estava jorrando dos
meus cabelos e corria pelo corpo todo, sendo barrado pela
minha blusa, meus olhos não piscaram nenhum segundo
sequer desde que ouvi o nome daquela menina. Em fim, ela
voltou. Mas porque eu estava indo atrás dela? Eu não sei o que
me leva a fazer esse tipo de coisa, tantas leis do universo pra
que? Se a saudade pode quebrar todas numa pequena palavra.
PARTE CINCO
- Porque você fez isso?
- É a minha natureza.
- Você me matou por tão pouco, machucou cada pedaço de
mim e deixou esse pra terminar?
- Eu não queria te fazer sofrer, eu não queria fazer ninguém
sofrer.
- Você é uma avalanche de neve derrubando tudo o que
encontra! E depois um pássaro branco simbolizando paz!
- Você é meu amor.
- Você não ama.
- Talvez a gente devesse ser só amigos.
- Talvez quem sabe seria melhor eu não ter te conhecido.
- Diz isso olhando no fundo dos meus olhos, diz isso olhando
pra mim! Depois de tudo o que eu falei pra você, você a única
pessoa a quem eu confiei a única a quem eu me abri
totalmente de corpo e alma, você e a melhor dádiva que eu já
recebi na vida.
- E porque você me traiu?
- Porque é da natureza de uma cobra esperar baixar a guarda
para dar o bote, e vai ser sempre assim.
O sol nasce na janela numa manha de sábado, as perspectivas
desse dia não são as melhores, o ar não está muito bom, a luz
está meio rala para uma manhã, o dia parece estar contrario,
como se o sol nascesse no oeste e morresse no leste. E o norte
não era mais tão frio assim, e no sul também não existissem
mais pinguins. Era o primeiro dia após de lembrar-se da
existência de Sofia, o primeiro dia após eu saber que ela
estava na cidade, o primeiro dia após eu ter certeza que ia
visitá-la de qualquer jeito, e o pesadelo voltaria a acontecer, já
sinto o cheiro o velho cheiro de castanha que exalava de seus
cabelos. Sinto aquela magia adolescente novamente, como se
eu ainda estivesse em 1997. E Legião Urbana ainda estivesse
em alta mesmo após a morte de Renato.
Levantei-me e me vesti costumeiramente, meu blusão, calça
jeans , all stars, e óculos redondos. Tentei um pouco pentear
meu cabelo, mas como da ultima vez eu não consegui tirá-lo
do lugar.
Sai do quarto e fui tomar café, tinha que contar ao Lógos isso.
Só não sei se ele ia gostar.
- DE NOVO RENATO? Como? Como você conseguiu
chegar a isso de novo? Você foi atrás?
- Não eu juro que não fui atrás, eu fiquei calado na minha, ela
sumiu e nunca mais apareceu você se lembra disso! Eu pensei
que estaria livre e que nunca mais iria ver ela novamente, mas
não deu, ela apareceu de novo, e agora é mãe pelo visto.
- Você não vai atrás entendeu? Você vai ficar em casa do meu
lado vendo todas as fotos que a Rafaela mandou sem camisa
pra esse tal de Pedro aqui.
- Não cara... Preciso revê-la.
- Por favor, ela é armada dos pés a cabeça, vai perder essa?
- Vou.
- Renato, são “peitos” A Sofia é seca.
- Não gosto de bolas de silicone, gosto de carne mesmo.
- Vai à merda então.
Peguei o endereço e sai de casa.
Sentei-me no ônibus e li um pouco o Mundo de Sofia, não
gostava do jeito que os livros didáticos ensinavam, então eu
simplesmente mandei fazer Xerox de meu livro predileto e
distribui a todos os meus alunos, para que eu pudesse ensinar
por ele. Parece-me muito melhor aprender brincando com
coelhos e cartolas, do que decorando mil textos como se a
doce filosofia fosse concreta como história.
E filosofia não é isso, filosofia é arte, é vida, e o brilho
misterioso dos olhos de um sonhador, o bater das asas de um
pássaro, o simples movimento circular de uma bicicleta, a
ciência nua e crua em sua divina proporção lógica e
matemática. Que não deve jamais ser aprisionada em textos
decorativos e históricos. Mas sim, vivida.
Passei pelo parque, aquelas arvores me davam uma paz
enorme.
Anda Renato, que lerdo cara! Sofia saia correndo perante as
arvores do parque.
- Não sou acostumado nem um pouco a estar andando no
meio do mato, quanto mais a essa hora da noite.
- Hoje tem encontro.
- Encontro de que?
- Você vai ver.
Escuro, exatamente tudo no escuro completo da noite, não
havia lua dessa vez, só o pouco brilho das estrelas
iluminando o bastante pra provocar grandes sombras no meu
psicológico perturbado, que via tudo estranho. Parecia viver
numa completa alucinação. Enquanto o short vermelho
acompanhado de uma blusa de cor indefinida andava na
minha frente quase sumindo da minha vista, em fim ela sumiu,
logo após disso avistei não muito longe uma pequena luz,
eram lanternas , e vozes, vozes meio estranhas. Lentas na
verdade. Era um grupinho de pessoas sentadas cheias de
lanternas olhando um pro outro, mas as lanternas eram mais
estranhas que as vozes, elas eram roxas.
- Renato, chega mais perto. Sofia o puxou pro meio das luzes
ultra violeta que ziguezagueavam sem parar, e eles estavam
todos marcados com tinta invisível, e compartilhavam de um
narguile enorme, alguns estavam deitados, só se via a
silhueta das mãos se mexendo no ar. Realmente, era um
encontro dos grandes.
- Desculpa, mas não to reconhecendo ninguém aqui.
- Não precisa reconhecer, deixa só a vibe entrar e não sair
mais.
- Nada vai entrar aqui não!
- (Risos) relaxa cara.
Realmente, não conhecia nem um pouco aquelas vozes, e a
voz de Sophia tinha sumido, estava praticamente sozinho no
meio de um monte de índios pintados. Quando de repente
alguém agarrou meu pescoço por trás e sussurrou no meu
ouvido.
- Deixa a lua te levar.
- Hoje não tem luar.
- Você usa muitos seus olhos. E começou a beijar minha
orelha, depois virou meu corpo por inteiro, pude ver seu
semblante, não tinha absolutamente nada pintado, exceto
uma pequena lua brilhando no meio da testa, e as luzes roxas
ziguezagueando, e as pessoas rindo e conversando asneiras, e
essa pessoa me encarando com olhos felinos, provocados
fisicamente pela luz negra, ameaçando meus instintos de
observador, e aflorando minha parte cinestésica.
- Oi pinguim.
- Oi lua.
A porta na minha frente, é marrom, parece ser de uma madeira
bem resistente, é envernizada e bem polida, bem cuidada,
parece que é recente. Há um arranhão na parte lateral dessa
porta, outro arranhão em cima indica que alguém bateu com
uma mala nela enquanto subia olhando pras escadas, as pontas
de cima da porta estavam meio gastas devido a luz do sol
naquela área, por causa da janela, que é de vidro transparente,
e tem grades de alumínio, nossa! Mas que mofo feio nessa
parede! Não parece bem bonito pra morar aqui, e
impressionante como tudo ficou interessante, menos bater
nessa porcaria de porta!
- Oi! Tem alguém em casa?
Não ouvi resposta na primeira vez, só ouvia alguns barulhos
vindos de longe, parecia que a casa era comprida, mas era
fina, o tipo de casa que eu queria comprar pra mim. Mas
infelizmente meu salário ainda não cobre isso.
- Olá, tem alguém ai?
Uma voz feminina falou lá do fundo comprido. “Só um
segundo, estamos terminando.”
Depois de alguns minutos de espera a porta se abre, vejo na
minha frente uma Ipatia totalmente diferente do que vejo na
escola, estava um pouco mais alegre, com as bochechas
rosadas, muito melhor do que aquele cadáver que ficava
sentado no canto olhando pra parede.
- Oi professor? Olhou-me com surpresa. “Não esperava o
senhor aqui.”
- Desculpe, mais preciso falar com a sua mãe.
Normal todos os alunos ficarem com medo quando alguém
pede pra falar com as mães deles, geralmente todos tem muita
coisa pra contar, coisas que se os pais soubessem eles jamais
sairiam de casa novamente, então esperei aquela velha reação
de susto e a pergunta “ falar o que? O que eu fiz”, mas em vez
disso.
- Há, tudo bem vou chamar ela. E saiu saltitando pela casa.
A casa, bom, o que dizer da casa dela? A casa era meio que
oriental! Alguma coisa me dizia que tinha alguém estranho
por ali, que provavelmente teria participado do movimento
hippie dos anos 60, e ainda ido para o Woodstock (meu sonho
platônico), e teria visto Janis Joplin em seus graves altos e
levado isso pra vida toda! Sem ressentimentos, confesso que
gostei do lugar, mas fiquei preocupado de haver drogas por
ali, e drogas perto de adolescentes, pelo menos da idade de
Ipatia não são recomendáveis. (Sem ofensa).
Continuei observando da linha que separava o corredor da
porta de entrada, e uma pessoa não muito alta, mais ou menos
da altura de Ipatia apareceu, ela era branca, do corpo
magrinho, cabelos negros e olhos castanhos... Eu morri.
- Pati! Espero que ele tenha vindo te elogiar entende...
Ela me reconheceu imediatamente, assim como eu também, e
não piscamos os olhos por vários minutos, ela olhava pra mim
com a mesma intensidade de antes, reconheci aquela testa
imediatamente, e o lugar onde antigamente ficava a lua que
ela tanto desenhava, a nostalgia fria e mórbida agarrou meu
coração e não conseguia me concentrar em nenhum
pensamento, como se minha memória tivesse perdido a sã
consciência e acessado varias partes da minha cabeça ao
mesmo tempo, lua, pinguim, floresta, traição, Platão,
Sócrates, Escola, Maria, suicídio, morte, guerra, paz, política,
corrupção... Aquilo tudo simplesmente sumiu.
- Oi... Quem é você?
- Meu nome é Renato, eu sou o professor de filosofia da
Ipatia.
Ela me olhou por um instante, depois abriu a boca num sorriso
e berrou.
- PINGUIM VOCÊ LEVOU A SÉRIO O QUE EU FALEI?
Ela caiu em risos na minha frente, mais idiota que eu era a
cara da Ipatia não entendendo absolutamente nada, espera um
segundo, ela começou a rir também. Nossa, que gente doida.
Ela vai me abraçar! Socorro! Eu não vou aguentar isso! Tarde
demais...
- Quanto tempo eu queria ver essa sua cara! Que saudade de
você.
- Eu não tinha essa pressa de te ver mais é sempre bom rever
velhos amigos.
Ela olhou pra mim seria e depois falou.
- Cala a boca, e entra logo.
Senti- me dentro de um templo budista! Minha nossa, ela não
tinha mudado absolutamente nada desde aquele tempo, avistei
algumas coisas que eu mexia quando ia pro quarto dela na
casa de seus pais, E nossa! Ela ainda tinha o álbum que eu
morri pra conseguir, um Yellow Submarine! Levei pra ouvir
na casa dela e esqueci, ela nunca mais devolveu! Nossa,
quanta historia ela guardava ainda, só não encontrei a blusa do
Legião porque o resto era tudo pregado na parede. Dirigi-me
até a mesa da cozinha.
- Você não mudou nada pelo que vi.
- Mudei sim! Eu cresci filho.
- Cresceu em que? Tá a mesma piquinês de sempre!
- Vai que cola...
- Comigo não.
Ipatia entra na cozinha, nossa! Parece que eu to vendo a
versão dela mini, do mesmo jeito e quase com o mesmo estilo,
exceto uma coisa, ela estava usando maquiagem.
- Filha, eu já falei pra você que você é linda sem fantasia.
- Mas eu gosto de lápis mãe! Afinal, eu vou ou não sair, o
pessoal tá me esperando lá em baixo, tão me mandando
mensagens aqui!
- Vai menina! Se não chegar na hora liga pra avisar senão eu
saio atrás de ti!
- Ok, tchau mãe! Não escuta nada que ela disser pra você
sobre mim.
- Ok, filha, divirta-se. Eu falei pra ela, mesmo com o olhar de
desaprovação da Sofia atrás de mim pra ela.
- Uma graça né?
- Não sabia que você tinha uma irmã gêmea.
- Deixa de mentira, a menina não tem nada a ver comigo.
- O que? A menina é tua cara lambida e cuspida Sofi!
- Eu não acho.
Minutos calados, olhando pro vento, quando de repente me
veio uma força, uma coragem de perguntar, não sei porque eu
fiz isso porque tudo voou pelos ares depois.
- Porque você foi embora?
A resposta não foi imediata, eu já esperava aquilo, aqueles
olhos enormes virando de um lado pro outro procurando uma
resposta que não machucasse, ou pelo menos o mais gentil
possível pra não parecer grosso, mas sempre me machucava.
- Porque eu precisava ir.
- Sem avisar? Do nada? Eu te procurei por dias, e depois me
dei conta de que você tinha ido embora mesmo, porque no
começo eu preferia acreditar que você foi sequestrada ou algo
parecido, mas ai lembrei que não devo desejar uma coisa
dessas a alguém.
- Renato, vamos deixar esse assunto pra depois, acabei de
chegar.
- Ok, afinal isso deixou de importar tanto.
- Então, como andam as coisas?
- Acabei de sair do colégio, assim que eu soube quem era a
Ipatia eu vim correndo pra cá. Estou bem de vida, terminei
minha faculdade e estou fazendo mestrado agora, quero ser
professor universitário, enquanto não chego lá me contento
com o ensino médio.
- Há sim, então você se identificou mesmo com filosofia?
- Eu sempre soube que era isso o que eu queria pra mim. E
quanto a você?
- Há, você sabe eu não tenho rumo certo, de qualquer jeito eu
levo. Mas precisei me instabilizar por causa dela, contanto
que esteja bom pra ela eu fico.
Ela falava mais e mais, contando das historias que teve, do
passado todo, menos do nosso passado.
- E ai Renato? Você tá com alguém?
- Não, na verdade falando em relacionamentos eu tenho uma
pra te contar que aconteceu tem uns dias. (Contei sobre o
professor suicida, não queria mencionar me desculpe, não
gostaria de repetir de novo aquela história).
- Sério, não vai dizer que era o cara do fundo?
- Que cara?
- Você não lembra? Eu me lembro dessa historia.
Havia alguma coisa que me parecia familiar, mas não
conseguia formar nada na minha cabeça sobre isso.
- Conta o que você tá falando?
- Olha, se lembra do garoto que ficava lá atrás, que todo
mundo falava com ele tal, ele era muito popular, falava com
as pessoas e tal, e depois ficou muito estranho?
- Não...
- Nossa, você só ficou de corpo mesmo naquela escola.
Realmente eu só tinha ficado de corpo, mas isso não queria
dizer que eu não sabia de nada daquele colégio, eu tinha
minhas próprias manhas de saber de tudo o que acontecia por
ali, mas aquilo tinha me escapado pelo visto.
- Conte-me o que aconteceu?
- Ele foi o primeiro garoto da escola a se assumir gay no
colégio todo, ele se assumiu da forma mais corajosa possível!
Admiro ele até hoje por isso, ele se assumiu gay e disse que
era passivo naturalmente.
- Meu Deus, já imagino porque ele ficou assim.
- Ele apanhou demais depois daquele dia, e todas as vezes que
ele ficava chorando ele dizia sem pé nem cabeça a frase “pra
sempre” e ninguém entendia.
- E o que era?
- Pra sempre era a frase que ele falava pro garoto que ele era
apaixonado, que por ironia do destino também era o agressor
dele.
- Típico, o homofóbico sempre e um homossexual não
assumido.
- Poisé, ele fez de tudo, até que um dia ele finalmente saiu do
colégio e ninguém nunca mais ouviu falar dele.
- Trágico, sobre a Ipatia? Quem é o pai dela?
Ela me olhou estranhamente, como se eu devesse saber quem
era ou alguma coisa parecida.
- Ele é estrangeiro, americano, mora em Nova York, vem por
aqui uma vez por ano.
- Como é o nome dele?
- John...
- Ah, fora isso tudo bem com você?
- Renato, a vida nunca foi boa pra mim, mas nunca foi motivo
pra eu não sorrir pra ela.
PARTE SEIS
Estava novamente em casa, à procura de uma luz pro meu
livro, mais uma vez depois de anos a fio, eu joguei milhares
de folhas de papel no lixo, procurando um tema aprovável, era
meu sonho ser escritor, era meu sonho formar as gerações
futuras, ser lembrado com intelectualidade perante as nações.
Como Newton, ou Einstein, não poderia ser que nem eles
claro, mas pelo menos entrar para o patrimônio histórico
brasileiro. Ser uma lenda talvez, quem sabe ainda poderia
cantar. Não estava tão enferrujado assim, não... Queria
escrever, queria ser lembrado como escritor e nada mais, e ia
terminar esse livro de uma vez por todas! Talvez abordar
temas globais como política ou sociedade não seja meu forte,
talvez que sabe poderia escrever um romance. Iria começar a
trabalhar nele a qualquer instante, mas agora não, agora é hora
de dormir.
Os olhos semicerrados, barulho de pássaros a minha volta,
senti o doce cheiro da floresta, o sol estava batendo na minha
cara, normalmente detestava o sol, tentava vinte e quatro
horas por dia me esconder dele. Mas do que adianta isso? Do
que adianta se esconder das coisas? Da vida, das pessoas?
Do sol? Da lua... De que adianta se esconder se mesmo assim
sua mente não muda, seu desejo não muda, seu sentimento
continua o mesmo, sua fome insaciável pela luz um dia vai te
dominar e você vai sair pra ver o sol, por isso eu não tinha
mais medo dele, não tinha mais medo de ninguém com ela.
- Lua!
Tentei mais uma vez chamá-la, ela estava num sono profundo
em cima do meu peito, podia sentir a respiração dela batendo
contra meu corpo, ela dormia com as duas mãos sustentando
o rosto como se tivesse caído no sono olhando pra mim.
Acordei-me pela manhã, era o dia mais cansativo da semana,
porque eu tinha cinco aulas pra dar. Tive que me levantar
cedo dessa vez, mas isso não me importou nem um pouco, de
algum jeito eu estava disposto a fazer qualquer coisa hoje.
Não vi o tempo passar enquanto andava o longo caminho de
casa até a escola, é impressionante como a única coisa que
mudou na minha vida foi o meu crescimento, ainda morava na
mesma casa que minha falecida mãe morava, e fazia o mesmo
percurso a pé como sempre fazia, em vez de simplesmente
pegar um ônibus, como se a caminhada fosse preferência mas
não era, eu só me esquecia de ficar esperando na parada e ia a
pé mesmo, só me dava conta quando estava chegado, e
cheguei.
- Se Sócrates admite nada saber, e faz profissão de fé de sua
ignorância,
Como pôde ser considerada a mais perfeita descrição de
filósofo? Sócrates sabia mais que qualquer um, que a posição
de um ser que deseja o conhecimento, e a completa
ignorância, como poderia um total sábio aprender? Como
poderia conhecer mais sobre o mundo e sobre si mesmo, se
este já sabia de tudo? Então Sócrates nada mais nada menos
fez a façanha mais esperta de todos os tempos, façanha que
anos mais tarde você veria diferente em sua historia, Sócrates
se achava ignorante, porque assim poderia aprender mais e
mais sobre o mundo e sobre si mesmo, e o que o mais define o
filósofo do que a busca constante pela saber?
O que vocês acham disso? O que vocês acham sobre o
mundo? O que vocês acham sobre o governo? Isso não é uma
busca constante pelo saber? Vocês passam horas nas redes
sociais, alguns mandando indiretas pros namorados, outros se
preocupando mais em usar a rede pra divulgar protestos, ou
festas ou eventos, logo os outros expectadores tem sede, tem
sede de entrar e ver essas coisas, porque querem saber o que
vai acontecer, querem saber tudo. Querem informação, mas
será que toda informação é boa? Tipo, você passa o dia todo
em uma rede social que não faz nada além do que curtir fotos,
compartilhar fotos, ler de vez em quando um texto de Caio
Fernando Abreu, ou Clarice Lispector, e compartilhar no seu
perfil se achando a pessoa mais culta do planeta, como se
esses intelectuais se estivessem vivos fossem admirar vocês
por estarem lá compartilhando sua obra, mas enquanto vocês
perdem tempo com isso, existem outros adolescentes, os
chatos na verdade. Que não falam com ninguém, que são
lixados nas ruas ou no próprio colégio pelos colegas, que não
são convidados para festinhas nem eventos, aqueles que não
perdem tempo online, que entram de vez em quando para um
mínimo prazer, que acham melhor compartilhar uma obra
famosa falando porque ele REALMENTE LEU A OBRA.
Esses são os considerados adolescentes da nova geração, a
salvação de nosso planeta governado ainda por mãos
machistas, e fanáticos religiosos. Uma luz no fim do túnel, pra
essa geração que só se importa consigo mesma, que perdeu
totalmente a noção de si e vive sonhando com um status que
não existe. E isso, também é filosofia, portanto os que ainda
não conseguiram enxergar acordem! Voltem à realidade de
mundo e saiam das telas, saiam das telas de computador,
saiam do facebook, saiam do whatsapp , saiam de todas essas
coisas que foram desenvolvidas especialmente para travar
vocês numa vida fora do mundo! Uma vida inteiramente
destinada a uma sala de bate papo, conversando coisas
monótonas, alimentando o egoísmo e o tornando cada vez
mais longe da sociedade e de si mesmo, não devemos nos
afastar da sociedade, devemos repará-la!
Olhos assustados me observavam, uma turma inteira de sala
de aula estava calada naquele momento com a atenção
desviada a mim, e não tão longe, estava Ipatia que liderava
totalmente a sala no quesito olhos esbugalhados, e total
posição do corpo indicando uma atenção quase que hipnótica.
Também estudei um pouco de psicologia.
Eu sei, que alguns aqui vão ficar com medo de mim, mas
saibam que minha matéria é assim, a filosofia é assim. Nós só
acordamos desse tipo de sono, com um balde de água fria, é
um choque forte de realidade.
Com a filosofia de Sócrates, podemos abordar milhares de
assuntos, podemos falar tanto quanto a filosofia de hoje,
quanto à de antes, filosofia está em todo lugar, totalmente,
assim como a religião ela é uma coisa característica de cada
nação, de cada tribo, porque precisamos e necessitamos de
questionamentos, e respostas. Precisamos de informação,
porque mesmo sendo tão velhos, mesmo estando aqui há tanto
tempo, ainda não conseguimos resolver o maior mistério do
mundo. O QUE REALMENTE SOMOS.
Sobre isso não há mito que possa nos explicar, não há
ninguém na verdade que possa responder essa pergunta, a
única pessoa que pode pelo menos chegar a uma alternativa
provável, somos nós mesmos.
- Professor, então você quer dizer que a gente devia parar de ir
à igreja? Um garoto perguntou do lado esquerdo da sala.
- Não, não estou dizendo isso, a igreja ainda é um dos lugares
mais fortes pra se encontrar com Deus.
- Mas e se Deus realmente não existir como o outro professor
falava?
- Quem falava isso pra vocês?
- O professor de matemática.
Aquela noticia com certeza já tinha chegado aos ouvidos dos
alunos, não poderia de nenhuma forma ignorar aquela
pergunta.
- Ok, escutem. Tem gente nesse mundo a qual aconteceram
muitas coisas ruins, que não conseguiram ser felizes na vida,
que esqueceram que a melhor coisa do planeta, e saber amar.
Esqueceram que no mundo existem mais possibilidades pra
viver, e se esquecem de que decepções são normais na vida de
um ser humano, se autodestroem e tentam destruir a vida das
outras pessoas. Quase que intencionalmente, pessoal quando
se encontrarem com pessoas assim no mundo, alguns de vocês
vão querer se afastar porque é a coisa natural que um ser
humano faz, mas com certeza vai haver pessoas que vão parar
pra pensar, vão continuar ali, e vão se apaixonar por elas,
porque geralmente as piores pessoas são as mais
apaixonantes. E vão tentar ajudá-las, vão dar um ombro pra
elas chorarem, qualquer coisa, e são essas pessoas. Que Deus
irá se lembrar de quando finalmente acabar com essa
tormenta.
- Então o senhor acredita mesmo em Deus?
- Sim, acredito que existe um jeito de a gente não se perder
nesse mundo, acredito que existe um caminho a qual todo
mundo deveria seguir, para sermos bons e convivermos uns
com os outros, um caminho onde cristãos são aceitos,
muçulmanos, hindus, judeus e qualquer outra religião, para
andarmos juntos não como servos, mas seres humanos,
porque mesmo a ciência desenvolver as melhores teorias para
explicar o mundo, nunca jamais explicarão a força que o
moveu. Nada surge do nada.
- Então o senhor não acredita em Deus como Jesus Cristo?
- Deus se manifesta de várias formas, de acordo com cada
civilização, ele tem um nome, e uma função, algumas
civilizações o dividem em vários Deuses, mas o seu propósito
sempre é o mesmo, nos proteger e nos guiar no convívio
espiritual.
- Cara, nunca pensei nessa forma.
- Meu trabalho é esse, e ajudar vocês para o monte de merda
que vocês vão ter que engolir futuramente. Ajudar vocês a
filtrar metade desse entulho.
A aula terminou, não teria mais aula hoje para mim então
pegueis minhas coisas e sai pelo corredor atravessando a
montanha de alunos, enquanto eu andava não percebi alguém
me chamando, e depois disso senti uma mão gelada me
agarrando por trás.
- Professor!
Virei-me de costas e vi Ipatia olhando pra mim.
- O que foi minha cara?
- O senhor está ocupado?
-Não muito, estava indo pra casa, mas diga.
- Preciso conversar com o senhor, é uma conversa urgente.
Não sei se o senhor é pessoa certa pra isso, mas é que eu não
tenho outro jeito.
- Ok, acho que tenho uns minutos pra você, diga.
- Aqui não, vamos pra arvore.
- Que árvore?
- A arvore que o senhor vai todo dia se sentar.
Estranhei aquilo no momento, como ela sabia disso? Estava
me seguindo? Me espionando? Mas a acompanhei até a copa
da arvore, que há muito tempo conhecia, mas nunca tinha
reparado que era um grande cajueiro, talvez porque nunca
tinha visto ele com tantos cajus, e tão laranjas.
- Eu não estou te seguindo.
- O que?
- Se é o que pensou.
- Há, não tem problema, só achei meio confuso porque nunca
ninguém vem aqui.
- Eu venho, eu me sento ali naquele canto do muro, me deito
naquela pedra pra pensar.
Ela apontou pro extremo do lado esquerdo do cajueiro, uma
pedra enorme com uma sombra de um galho da árvore
repousava sobre o chão, parecia um ótimo lugar como o meu
pra gente solitária. Ipatia era esperta.
- Nunca te vi ali.
- Nunca ninguém me vê. (risos)
- A primeira pessoa que reparei na sala quando entrei naquele
dia foi você, você é muito inteligente garota, mas me conte o
que fez você fez?
- Bom, professor, eu quero que saiba que isso pra mim é uma
coisa totalmente nova mesmo sendo normal pra minha idade,
eu nunca tinha pensado nisso então se eu contar de forma
exagerada, ou assustada. Não ria senão eu saio correndo.
- Ok, Sem problemas Ipatia.
Ela se deitou mais um pouco nas raízes da arvore e procurou
não olhar pra mim, em vez disso direcionou o rosto pros
grandes galhos do cajueiro, em fim depois de alguns instantes
ela falou.
- Estou gostando de um garoto.
- Conte-me uma que eu não sei.
- Não, na verdade estou gostando dele, mas não sei se quero
algo com ele.
- Conte mais uma você está quase perto de me impressionar.
- Ele é bonito, pelo menos pra mim, fala comigo como um
anjo, escreve textos lindos pra mim, foi a primeira pessoa que
falou comigo desde que entrei, e estou me sentindo atraída por
ele, só que tem uma coisa.
- O que?
- Ele é do 3° ano, aparece na minha janela de noite, e passa a
madrugada conversando comigo, sai pra beber e depois liga
pra mim de madrugada quando não tem condições de subir a
parede, ou seja, não sei se a minha mãe ia gostar dele.
- Ipatia, você acha mesmo que eu tenho condições de te dar
um conselho sobre isso?
- Não, mas minha mãe parece que confia em você, então eu
confio também, me diz o que eu faço?
- Ipatia, passamos o tempo todo querendo ser mais belos, mas
perfeitos, mas quando estamos querendo amar, deixamos de
lado às vezes uma olheira, ou até quilinhos a mais do que
desejado, esquecemos a barba mal feita, ou aquela cicatriz,
esquecemos das feições físicas, e também das feições
psicológicas, logo a pessoa desaparece por completo, você
não vê mais o seu corpo, você não vê mais o seu rosto, a única
coisa que você enxerga, é o amor. Então se você acha que está
preparada o suficiente pra amar, então ame, se não acha, então
nunca vai amar.
Estamos andando no meio da noite, o céu está estrelado, isso
é um milagre por aqui, uns garotos passam por mim
cantarolando e correndo atrás de uma bola, há pessoas na
esquina bebendo e ouvindo música em um bar, e na outra
esquina uns sons chamam a atenção de Sofia.
- Tá ouvindo isso?
- O que?
- Esses evangélicos falando, me dão nojo.
Há uma pequena igreja na outra esquina, onde está
acontecendo um culto, às pessoas louvam e louvam ao senhor
Jesus Cristo lá dentro, esbanjando a alegria do céu como
dizem, e convidam qualquer um para entrar. O que sempre
me instigou nessas instituições religiosas, é que eles
realmente são felizes com o que fazem, alguns são enganados
é claro, pois Jesus falou que viriam falsos profetas em seu
nome. Mas mesmo assim, eles são felizes, coisa que muita
gente considerada inteligente nesse mundo, não tem de forma
alguma, são inteligentes e são cultos, informados e críticos,
mas não contem uma coisa que parece ser somente digna dos
ignorantes, a felicidade. Poucos conseguem ser informados e
felizes ao mesmo tempo, por isso eu não tinha nada contra os
religiosos, aliás, os admirava muito. Mas não era pra eu viver
desse jeito. Eu gosto de perguntar.
- E o que tem Sofia? Eles parecem felizes.
- Não to falando disso, felicidade a gente encontra em
qualquer buraco. To falando da grande farsa que é isso, da
religião em si.
- Uma farsa que ajuda milhares de pessoas. Acho que a
religião sabe o que proporciona ao mundo, ela ajuda.
- Diz isso para o pessoal do Oriente Médio.
- Sofia, a mente vê o que escolhe ver. Nunca esqueci essa
frase.
- Eu escolho ser feliz sem precisar de um álibi.
- Boa sorte, ser feliz já é um álibi pra muita coisa.
- Mas porque Renato, porque eles vivem assim? Sobre uma
mentira?
- Não é a religião em si que importa Sofia, não é a historia em
si que importa, no fundo essas pessoas não procuram ter a
vida eterna, não procuram fazer tudo isso simplesmente para
ir ao céu, essas pessoas estão ai porque acham que é melhor
viver assim, é melhor viver em oração, do que viver em
pecado, é melhor dar o dízimo todo mês, do que usar esse
dinheiro pra beber. É melhor ir a um culto ou uma missa todo
domingo, do que passar a noite toda em bares, baladas e
orgias, me diz o que te satisfaz mais?
- Dormir olhando pro céu.
- Tá ai o motivo de que não precisamos de religião, falamos
com Deus a noite, e adormecemos encarando seu rosto.
Dois dias, dois dias se passaram desde que revi Sofia.
PARTE SETE
Temas, temas pra minha cabeça pensante, o que escrever
sobre o que escrever sobre como escrever e como terminar?
Droga, como poderia pensar tanto assim e não conseguir
colocar isso num papel? Estou a horas desde que sai da escola
sentado na minha escrivaninha e olhando pra tudo quanto é
coisa nesse mundo, estou olhando pra janela nesse momento,
os carros passam na rua, as pessoas passam na faixa de
pedestres, o mundo gira e tem uma lagartixa morando de trás
do armário da cozinha, e eu não consigo de nenhuma forma
ter inspiração, não consigo de nenhuma forma aceitar esse
desafio, e tem Sofia, Sofia... Droga, ela voltou a atormentar
meus pensamentos, ela voltou a me por em conflito com o
meu próprio eu, aquela sensação adolescente novamente
voltou com tudo, vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo,
vontade sair correndo atrás dela feito um idiota, porque sabe
que não vai dar em muita coisa mais mesmo assim, aquelas
mãos no meu cabelo de novo eu iria adorar, com certeza.
Droga, porque não consegui me livrar disso? Porque não
consigo ultrapassar essa fase da minha vida, vejo tantos
amigos meus cheios de ex-namoradas que não se lembram
mais nem a cor dos cabelos delas, felizes com suas novas,
algumas esposas. Alguns continuam solteiros, mas todos
passaram sobre a experiência da primeira namorada e saíram
ilesos, porque justo eu tinha que ficar preso a uma coisa tão
simples como essa?
O telefone toca.
- Alo?
- Oi Renato, aqui é o seu Jorge o porteiro.
- Boa noite seu Jorge o que o senhor quer?
- Renato, tem uma mulher aqui dizendo que quer falar com
você, já passou das dez horas por isso eu barrei ela aqui na
portaria, mas ela diz que é sua amiga, eu deixo entrar?
Só pode ser a Maria querendo me importunar com os diários
atrasados, droga, não to com saco pra isso agora.
- Diz que eu to ocupado Jorge.
- Ela tá insistindo, deixo ou mando embora?
- Não, se mandar embora vai ser pior deixa entrar.
- Ok, boa noite Renato.
- Boa noite Jorge.
Cara, melhor do que isso não tinha, Maria tem as horas
perfeitas pra me atormentar, dez horas? Eu tenho que me
vestir dez horas da noite? Droga, eu tava de cueca lindo e
maravilhoso depois de um dia todo naquela escola. Porque ela
não me contou sobre isso antes? Ou seja, lá o que for que ela
queira, seria até menos nervoso pra mim cinco diários
atrasados pra amanha, do que a pessoa verdadeira que tocou
minha campainha.
- Oi Renato.
Meu pesadelo voltou.
- Oi Sofia.
Lógos ainda não tinha chegado em casa, ela estava do lado de
fora da minha casa, não sei, não sei porque ela fazia aquilo,
me olhava de um jeito que me deixava louco, tentarei de tudo
pra resistir a isso, tentarei mas não sei se consigo.
- Sabia que era questão de tempo pra você me encontrar.
- É que eu queria conversar com você.
- Cadê a Ipatia?
- Em casa estudando.
- E você deixa sua filha em casa sozinha? Quanta
responsabilidade.
- Ipatia sabe se cuidar, desde criança ela nunca me deu
motivos pra não confiar nela.
- Ela sabe onde você está?
- Ela sabe tudo de mim, eu que meio faço papel da filha e ela a
mãe, a única vez que eu a aconselhei com algo foi quando ela
menstruou pela primeira vez, mas ela me dá conselhos todo
santo dia, é frustrante.
- Imagino.
- ...
- Sofia, eu só queria rever sua cara, e ouvir sua explicação de
ter sumido daquele jeito, não ache que eu queira uma amizade
com você, me magoou muito.
- Eu sei disso, vim aqui pra te pedir desculpas por tudo,
porque Ipatia me disse que era melhor eu fazer isso, do que
ficar me remoendo de arrependimento.
- Ok, eu lhe perdoo pelo que me fez só isso?
- Me deixa entrar pinguim!
Como eu deixei isso acontecer eu também não sei, só sei que
Sofia entrou e eu não lembro mais de nada, acordei no meio
da noite com a cabeça dela encostada no meu peito, do mesmo
jeito de antes como se tivesse adormecido olhando pra mim.
Dei uma rápida olhada no quarto, estava escuro e vazio, o
único som no meio do silencio era meu ventilador ligado,
fazendo os cabelos dela voarem, eu estava acorrentado
novamente.
Entrei num desespero total e comecei a chorar em silencio,
lembrando-se das infinitas vezes que tinha repetido aquela
cena, das outras vezes que tinha chorado do mesmo jeito, em
silencio. Para não acordá-la de seu sono profundo, e depois de
desabafar, cochilar mais um pouco, porque já tinha sido feito
então não tinha pra onde correr. O que tinha pra mim agora
era só dormir e esperar ela ir embora de novo, sem falar que
Lógos ia me matar quando visse aquilo.
Após alguns minutos a porta se abriu, Ló entrou no quarto, me
olhou de um jeito estranho, eu imediatamente virei o rosto e
fingi que estava dormindo, estava escuro e ele não ia ligar a
luz, mas ligou.
Quando ligou a luz, reconheceu a face de Sofia deitada
dormindo em direção ao meu rosto, eu olhei pra ele, ele olhou
pra mim, depois virou a cabeça e abriu meu guarda roupa,
pegou uma blusa minha desligou a luz e saiu do quarto, nossa!
Como eu amo o meu amigo!
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
- Vinicius de Moraes.
Soneto de fidelidade, é o que eu recitei sussurrando por meia
hora fazendo um café. Sempre admirei profundamente
Vinicius de Moraes, ele era apaixonado pelo amor, agora
quando eu digo “apaixonado pelo amor” não confunda com
uma mulher ou algum relacionamento. Ele não era
apaixonado por alguma coisa que lhe dava amor, ele amava o
sentimento em si. Lembra-se de alguém? Sócrates é claro,
tudo é pura filosofia.
Queria ser poeta
Mas poeta não posso ser
Porque poeta Pensa muito
E eu só penso em beber.
Resolvi escrever poemas, achei mais fácil fazer versos do que
escrever em si. Mas fazer o que? Já que o meu ideal de
escritor está voando nas nuvens, tão alto que não consigo mais
ver. Aleatoriamente irei escrever sobre qualquer coisa. Sobre
o que me importa, e o que não me importa. É bom descrever o
mundo, é bom ser assim.
Sofia dorme demais. Ainda está na minha cama, eu me
pergunto onde está a filha dela? Será que se acostumou com a
mãe irresponsável e se tornou independente antes do tempo?
Só uma genética bem boa pra ser assim, pelo que vejo o
exemplo de pais como Sofia acabava com a adolescência.
Formando pessoas rebeldes e não o contrário. Depende de
cada um.
- Bom dia Pinguim.
O Ló nem se virou quando ela apareceu na cozinha.
- Não atendo por esse nome há muito tempo.
- Você vai ser sempre meu pinguim.
- Também não pertenço a alguém há muito tempo.
- Não me diga que você nunca me esqueceu.
- Nunca precisei de outra mágoa.
- Então quando eu fui embora você deixou de acreditar no
amor?
Sente-se por favor, e coma. Depois vá pra casa porque sua
filha precisa comer.
Ela se sentou junto à mesa comigo.
- Ipatia está com a vó dela.
- E o que você veio fazer aqui?
- Eu vim te pedir um favor.
- Qual?
- Quero ficar aqui por uns dias, quero ficar com você. Eu
preciso disso, me colocaram pra fora daquela casa. Eu não
tenho como pagar minhas contas, só preciso de um tempo.
- E quanto a sua filha?
- Ela vai ficar com a vó dela, você sabe que não gosto de
morar com a minha mãe.
- Há então você quer voltar a morar comigo, como antes
enquanto seu marido gringo trabalha lá fora.
- Não Renato, não existe marido Gringo, o pai de Ipatia
morreu há uns anos.
- Quantas vezes você já matou esse cara? Nossa como ele
sofre.
- É verdade, falo isso pra amenizar a situação, Ipatia prefere
ouvir de mim que ele está fora do que a verdade.
- Você acha que pode consertar tudo de novo? Tipo, num
passe de mágica?
- Não quero consertar o passado, quero pagar ele, por isso
deixe essa louça onde está e não lave, vá tomar banho pra ir
pro colégio, agora!
- Não pode me dar ordens.
- Não posso? Cinco segundos pra você levantar dessa mesa.
Ló se virou e saiu de seu mundo, olhou pra cara dela e pra
minha, depois de um tempo falou.
- Ela vai pagar a luz esse mês, ok?
- Que foi Ló?
- Você vai deixar ela ficar aqui com certeza, eu não to nem ai
pro que você faz, sabe disso. Mas ela vai pagar a luz.
Olhei pros dois, Sofia já estava lavando a louça na cozinha,
suspirei profundo e revirei os olhos, que droga!
- Não tem problema, eu pago esse mês.
Lógos se virou e saiu da cozinha falando:
- Amor... se livra disso cara.
PLATÃO
O ETERNAMENTE VERDADEIRO ETERNAMENTE
BELO E ETERNAMENTE BOM
- Em fim, como digo? O que é eternamente belo?
- Nada é eternamente belo professor.
- Nada? Tem certeza?
- Sim, todos nós somos belos, de acordo com a definição de
belo de cada pessoa.
- Muito bem, mas e se não existisse feiura?
- Todo mundo seria belo.
- Está errado, se não existisse feiura, continuaríamos a ser
belos mas não saberíamos disso. Se não soubéssemos o que é
feio, nunca saberíamos o que é belo.
- Não estou entendendo.
- Platão acreditava numa coisa chamada “ideias”. Ele dividiu
o mundo em dois:
O Mundo Real
O Mundo das ideias.
Platão acreditava que tudo o que acontecia nesse mundo,
todas as coisas que vemos e acreditamos, vinha de um molde
perfeito e imortal, que estava em outra dimensão ou em outro
mundo como preferir. Para poder vir aqui. Meus caros
jovens? Digam pra mim como seria um cavalo.
- Quatro patas.
- Crina.
- Cascos
- Um nariz enorme.
- Sim, mas vocês precisaram olhar pra um cavalo quando pedi
a descrição?
- Não.
- Por quê?
- Porque a gente sabe o que é um cavalo é claro.
- Era isso que deixava Platão com a cabeça quente, ele teve
muitos outros trabalhos além desse, mas como estou
resumindo tudo, vou falar somente do principal. Platão
acreditava que na nossa mente, existiam todos os moldes
imortais, que partiam do mundo das ideias e vinham para o
mundo real como copia dos moldes originais. Você não pode
imaginar um cavalo manco quando peço para imaginar um
cavalo, porque o molde imortal não é manco. Nem um gato
bípede, nem um porco falante. Entenderam agora?
- Sim.
- Assim como o amor, você imagina o amor como um ser
perfeito, um ser mágico, imortal. Você vai imaginando esse
amor à vida toda, esperando que um dia se concretize
finalmente a sair do mundo das ideias, esse amor dito
“platônico”, esse amor de cinema, que toca uma música bem
alta quando o primeiro beijo é lançado ao mar. E vai passando
nos flash backs com a musica tocando, todos os momentos
ruins da sua vida, e como num passe de mágica tudo isso some
porque na tela só mostra alegria, só mostra o amor “platônico”
como ele é, e mostra os dois indo embora, ou a tela se fecha
com o beijo como se fosse pra sempre naquela cena linda, mas
nunca mostram o Amor depois disso, como ele machuca,
como ele pode ser destrutivo se não o regar direito, pois o
amor é uma orquídea extremamente frágil, não é resistente
como as outras flores. Para ser retirada de seu habitat natural
precisa ter o cuidado dobrado, precisa regá-la, mais que isso,
precisa de atenção, de carinho, de colocá-la na sombra quando
o sol está muito quente, e quando estiver muito frio, colocar
ela mais perto da luz, senão fizer isso, ela vai morrer. Como
qualquer outra flor, e consequentemente, não vai ter aroma
mais gostoso de sentir do que o dela.
- Professor, você tá apaixonado?
Bate o sinal.
- Fim de aula, espero vocês semana que vem com uma
redação sobre o “mundo das ideias”, e quero que leiam a
historia da “ Caverna de Platão”.
Quem dera eu tivesse dado essa aula.
Quando cheguei em casa, Sofia estava deitada na cama, era
quase fim de tarde. A casa estava uma pérola só, não tinha
nada desarrumado, absolutamente nada. Nem parecia que eu
morava ali, ela tinha dado uma faxina em tudo e depois foi
dormir na minha cama.
- Ló?
- O que foi?
- Você tá chegando cedo por quê?
- Estou com alguns trabalhos em casa, não estou mais
trabalhando fora como antes.
- Por quê?
- Por que eu to com preguiça agora.
- Quem arrumou a casa?
- A doida.
- E você deixou.
- Jura que eu ia falar alguma coisa, é difícil uma pessoa que
trabalha de graça.
- Meu Deus, cara você vive nesse mundo?
Ló olhou pra mim, suspirou fundo e depois falou.
- Vivo, vivo sim, infelizmente Renato eu vivo nesse mundo,
eu tenho uma vida não tão interessante quanto à do Brad Pitt,
mas eu vivo, eu vivo numa casa com um amigo que é
professor de filosofia, que acredita na harmonia perfeita da
humanidade, e vive em uma constante busca pela razão, mas
pelo que vi você é muito hipócrita em relação a isso, a razão.
O que você faz desde os 14 anos é irracional, e olha pra você?
Já tem 21 anos cara! Continua na mesma desde aquele tempo,
eu peguei um maracanã lotado de garotas enquanto você
ficava na mesma, e depois de tudo, ela vem pra sua vida de
novo e você aceita ela na sua cama e ela está deitada lá agora,
desfrutando sem esforço do seu suor.
Eu olhei pra cara dele, ele olhou pra mim e depois olhou pra
tela de novo, eu me levantei e sai da sala.
Eu me deitei ao lado dela, foi tão rápido como a aceitei de
volta, e tão estúpido como antes. Eu tinha voltado a minha
cadeia matinal, e eu estava feliz com isso. Talvez eu seja
masoquista.
(Madrugada)
- Renato, não consigo dormir.
- Você está tossindo demais, porque?
- Não sei.
- Vou ligar a luz.
- Não espera! Relaxa deve ser alguma poeira, só me ajuda a
dormir.
- Com o que?
- Fala alguma coisa, você é bom em conversar.
- ok.
... ... ...
- Renato?
- Como é lindo o céu à noite, sem nenhuma estrela, só o
grande manto obscuro envolto num mistério sem fim. Em
minhas profundas psicoses causadas pela a saudade que tenho
de você, o céu me dá alucinações, logo o manto vira negros
cabelos, longos e inquietos balançando de um lado para o
outro, brincando com a imensidão do universo. Seu olho
esquerdo é o sol, e o direito a lua, imagino as estrelas como as
infinitas tentativas de nosso amor dar certo, são infinitas e
jamais vão sumir. Esse sonho vai tão longe que chego a abrir
os braços pro céu, querendo agarrá-lo com todas as minhas
forças, geralmente em noite de luar. Porque sou apaixonado
pela lua.
AMAR VOCÊ MAIS DO QUE AMO, UM POUCO MAIS A
CADA DIA.
ESSA É A MINHA META.
... ... ...
- Parabéns, você acabou de destruir o resto do meu sono.
Agora se ajeita que eu vou subir.
Não fui dar aula de manhã, faltei. Em vez disso fui passear
com ela, sentamos em uma praça, tomamos um sorvete.
Saímos como antes, eu estava feliz, esqueci o livro por um
tempo, estava leve, estava melhor. Não vi mais Ipatia no
colégio, deveria estar estudando na cidade da mãe de Sofia.
Fomos passear na praia, ver o por do sol.
Chegamos em casa e depois e fomos ver televisão, depois
disso, fomos voltando ao nosso estado habitual, eu com ela no
sofá assistindo e o Logos sentado na mesa limpando um HD,
depois hackeando o perfil da Rafaela de novo, e assim
continuou a vida.
Fui dar aula novamente, depois de quase três dias sem
aparecer no colégio, só conseguia imaginar a cara de ódio de
Maria olhando pra mim.
- Porque você faltou?
- Maria, precisei ficar em casa esses dias.
- Ok, você pode fazer isso, mas avise da próxima.
- Sem problema.
Em uma mente dominada pelo ego, não pode haver filosofia,
em uma mente totalmente dedicada a si mesma, não pode
fazer questionamentos que o contrariem, sem isso. Como
haveria de filosofar? Como haveria um dia ser algo mais do
que uma simples pessoa no mundo? Um filósofo não se
preocupa muito com si próprio, seu corpo não é nada
comparado ao universo, um filósofo precisa se desprender de
si, aprender a pensar nos dois lados da coisa, você e o mundo,
uma pessoa egoísta jamais descobriria absolutamente nada
além de que é egoísta, uma pessoa modesta pelo contrário,
descobrirá as recompensas que irá receber por ser modesta.
Sobre isso, não tenho o que reclamar, agora vou mostrar a
vocês o que fiz, o que realmente me deu para escrever tudo
isso. A questão é que pela primeira vez, Sofia não terminou
comigo, não fiquei mais triste, não chorei mais em silencio, eu
sorri e continuei sorrindo porque ela finalmente tinha mudado
pra melhor, e não só ela. Eu também mudei, mudamos muito
com a vida, porque ela nos molda de acordo com o tempo, os
anos nos envelhecem e nos melhoram. E acho que poderia ser
tão feliz se ela não tivesse partido.
Sofia voltou ao Brasil não porque estava cansada de ficar
longe daqui, Sofia voltou ao Brasil porque estava doente.
Sofia voltou ao Brasil porque seu médico lhe deu mais um
mês de vida, e ela precisava se despedir de seus parentes, mas
não contou a ninguém o seu enfermo.
Estou agora sentado, há uma semana escrevendo todas as
memórias que lembro desde que comecei a escrever meu
livro, não conseguia dormir na minha cama de novo, a
imagem dela morrendo foi a coisa mais horrível que
presenciei. Partiu sorrindo, como sempre fazia.
- Desculpe não ter contado a você.
- Você nunca conta nada.
- Eu não queria estragar meus momentos.
- Eu poderia ter tentado ajudar Sofi.
- Não, eu só queria passar meus últimos momentos com você,
e com a minha filha, ela não pode entrar aqui?
- MÃE!
Ipatia entrou na sala correndo, chorando aos prantos, se
ajoelhou o lado da cama e pegou na mão de Sofia.
- Mãe, porque você não me contou nada? Contamos tudo uma
pra outra.
- Não queria fazer você sofrer antecipada.
- Mãe porque fez isso?
- Porque te amo.
- Renato... Disse Sofia numa voz quase sussurrando
Finalmente não consegui me conter mais, e cai num choro
silencioso. – Sofi?
- Arrume sua cama mais vezes, e não deixe que o sorriso dela
fuja.
O som do marcador de batimentos começou a apitar,
imediatamente uma equipe entrou no quarto para começar a
sessão de reanimação do coração.
Essas foram as ultimas palavras de Sofia Moreira Rocha.
Passei uma semana toda dormindo no sofá, a cama que recitei
o melhor texto que escrevi estava fora de questão. Não vi mais
Ipatia desde então.
Um silêncio envolveu aquela casa, já não se ouvia mais
absolutamente nada, Lógos não saia do quarto, acho que por
respeito, algumas vezes tentou me chamar pra sair, mas eu
não conseguia andar muito, só queria me deitar no meu sofá e
dormir.
O destino realmente me odiava, totalmente, e mesmo a tudo
isso, eu nunca senti vontade de morrer, como o professor de
matemática, e nunca fiquei tão deprimido a ponto de usar
drogas. Nunca fui uma pessoa assim, minha depressão é a
coisa mais silenciosa do mundo, porque ninguém é obrigado a
sofrer comigo, mesmo que eu diga que a vida é minha e eu
faço o que eu quiser com ela, a vida não é totalmente minha, a
vida é de um modo bem discreto conectada entre todos os
seres vivos, não importa o quanto esteja gostoso esse bife que
estou comendo, eu estou triste pelo boi que teve que morrer
para eu satisfazer meu paladar. Não importa o quanto eu seja
sozinho, ainda existirá pessoas que irão sofrer por mim, como
a mãe que estava chorando na calçada, e que está se culpando
em casa pela morte de seu filho, pra cada pessoa que se perde
no mundo, há o triplo de pessoas sofrendo por ela! Família,
amigos, conhecidos, e etc. Devemos nos lembrar, que
vivemos como um, que antes de humanos, somos irmãos.
- RENATO!
- O que foi Lógos?
- Se levanta agora! E vamos sair, agora e não bote boneco!
- Já disse que não vou sair karalho! Me deixa em paz.
- Você vai sim, precisa de ajuda.
- Não eu não preciso. Agora com licença.
- Maninho, são peitos.
- Que peitos mah?
- Vamos logo, vai dar certo.
Ló me fez levantar e sair de casa, me levou pra rua e não falou
comigo mais pra nada, só me mandou seguir ele.
- Aonde a gente vai?
- Espera, já você sabe.
- Cara, essa rua...
- Eu sei, eu sei.
Chegamos no bar em que eu o conheci, lembro-me como se
fosse ontem.
- Nietzche? Cara se liberta disso.
Virei-me e fechei “O Anticristo”, a imagem diante de mim era
ridícula, um menino magro e alto com os cabelos assanhados,
uma blusa com a frase “ e os nerds herdarão a terra “ e um
notebook debaixo do braço.
- Quem é você?
- Eu sou o cara que se impressionou com uma pessoa lendo
Nietzche nesse século.
- Ok, agora se me der licença...
- Você gosta do que mais?
Correu pro balcão do bar e abriu o Notebook, enquanto o
computador iniciava ele ficou olhando pra mim.
- Eu gosto do que? Como assim?
- O que você faz cara?
- Eu sou professor.
- Legal, de que?
- Filosofia, Sociologia, às vezes faço um bico em Língua
Portuguesa.
- Que foda cara, e você lê o que alem de Nietzche?
- Eu leio sobre tudo, um pouquinho de cada coisa.
- Conhece geometria espacial?
- Conheço.
- Gosta de filme de terror?
- Gosto um pouco.
- Qual a sua opinião sobre Gustavo Lima?
- Uma merda.
- Você é perfeito! Quer morar comigo?
Que cara louco, será que eu tinha cara mesmo de ser como
todo mundo fala?
- Desculpa, mas é que eu não curto..
- Eu não sou gay. Só to precisando de ajuda.
- Ajuda em que?
- Aluguei um apartamento, e estava a procura de alguém pra
dividir as contas.
- E você veio atrás aqui?
- Não, na verdade eu tinha ido à praça procurar alguém, ai
acabei vindo aqui depois que começou a chover.
- Ah, e como você chama alguém sem nem conhecer direito?
- Como é seu nome?
- Renato.
Ele estendeu a mão e apertou a minha.
- Prazer, sou Lógos, agora te conheço.
- O que? Mas...
- Cara, você bebe?
- Não Muito.
- Fuma?
- Não.
- Então tá ótimo, saca só nisso aqui que eu to desenvolvendo
no computador...
- Bem legal né? Lógos olhava o bar na frente deles, ainda não
tinham entrado.
- É, tem tempo que a gente não vem aqui.
O bar era pequeno, geralmente de cem pessoas que passarem
ali só uma ou duas perceberiam que ele existia, porque ele era
quase escondido e não tinha propaganda alguma, só uma
placa de aberto e fechado.
- Cara, que legal né? Vamos entrar então.
O bar não tinha mudado absolutamente nada, tinha o mesmo
cheiro de mofo, talvez os mesmos bêbados daquele tempo,
com alguns cabelos brancos dessa vez.
- Lembra daqui não é? Lógos pulou em cima do banco e me
chamou, eu sentei.
- Claro que lembro.
- Ainda tem aquele livro de merda né.
- Tenho é claro.
- Te trata cara.
- Ok.
- Em fim, cara, o que a gente tem aqui não é só os peitos que a
gente via naquela parte do balcão, onde ficava aquela menina
toda quarta. Aqui, a gente construiu uma amizade, cada tijolo
desse lugar está fixado com o cimento da nossa amizade.
- Cara, que gay.
- Deixa eu terminar...
- Ok.
- Em fim, cada minuto que passamos juntos desde aquele
tempo, girou em torno desse lugar, eu conheci minha ex-
namorada a Rafaela aqui, você se lamentou pra mim por
séculos falando da Sofia aqui, eu tive que te aguentar bêbado
por isso aqui. Agora estamos mais uma vez aqui nesse mesmo
bar, nesse pedaço da nossa vida, pra te dizer uma coisa.
- O que cara?
- Essa é a minha última noite aqui, eu vou embora amanhã
pros Estados Unidos, fui contratado por uma multinacional.
- ... Sério? Gelei, como conseguiria viver sem o Lógus?
- Sério, eu estou eufórico cara, querem que eu vá amanha
logo.
- Cara, to muito feliz por você, você vai me abandonar
sozinho aqui.
- Não né, to dizendo aqui porque quero te levar pra lá.
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- Claro cara, acha que eu vou te deixar? Você faz café.
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- É então? Vamos ao vinho, no meu caso uma dose de tequila
seria o melhor.
- Pra mim sempre, pra sempre o vinho.
Cheguei em casa cambaleando, Lógos caiu no sofá e não
levantou mais, quando resolvi entrar no meu quarto, ele
estava todo arrumado como antes, menos a cama. Comecei a
arrumá-la e notei uma ponta atrás do travesseiro, o joguei no
chão e vi um envelope, coloquei o envelope em cima da
mesinha ao lado da cama, e arrumei o os lençóis, depois disso
levei o envelope para a cozinha e o abri. Era uma carta ...
Pinguim.
Se você estiver lendo isso é porque eu acertei que você
demoraria séculos pra dormir na sua cama de novo, assim
com eu fazia quando tinha que ir embora. A tragédia faz parte
da historia humana desde os primeiros tempos, e essa carta é
sobre a minha tragédia.
Tenho uma doença rara desde que nasci sempre fui
acostumada a viver em hospitais, e com médicos dizendo que
eu não ia durar muito. Vivia na euforia de que um dia me
tirariam dessa tortura, mais nunca me deram uma certeza de
que viveria normal, meu tratamento era para sobreviver mais
um pouco, e não ser curada, então deixei de esperar e comecei
a aproveitar melhor o pouco de vida que eu tinha.
Quando conheci você naquele show, eu me senti uma nova
pessoa, você me transformou de uma forma tão estranha que
eu fiquei confusa. Passei a ver minha doença com outros
olhos, e passei a sorrir pra ela.
Quando piorei e tive que ir embora, eu enlouqueci, porque a
gente tava tão bem, e tava indo tão bem, tudo dando certo. Eu
não queria contar pra você e estragar tudo, porque detesto a
cara de pena que as pessoas fazem pra mim o tempo todo, a
cara das enfermeiras, a cara dos meus pais, a cara das minhas
tias, meus primos, DETESTO A MINHA FAMILIA POR
ISSO.
Assim, eu terminei com você, eu terminei com você várias
vezes... mas nunca porque quis te machucar, é porque minha
doença ficava cada vez mais séria. E na ultima vez, quase me
matou, então decidi ficar mesmo no exterior, e sumir da sua
vida de vez.
Numa consulta diária, meu médico me disse que o tumor
estava muito sério. Eu não aguentaria mais uma outra crise,
eles me deram um mês, e eu sabia que tinha que fazer isso,
sabia que tinha que voltar pra você, queria te ver uma ultima
vez, procurei você e soube que estava ensinando na nossa
escola, matriculei Ipatia lá porque sabia que você ia se
interessar por ela, tudo o que você me ensinou, eu ensinei a
ela.
E agora eu peço a você, que me perdoe por ter guardado esse
segredo, e me perdoe por mais uma coisa, uma coisa que eu
sei que você vai ficar com ódio da minha cara, mas foda-se
você não pode fazer nada comigo agora certo? Certo. A
verdade que eu nunca disse, é que na ultima vez que a gente
transou antes de eu ir embora, eu me esqueci de tomar a
pílula.
Vá atrás da nossa filha, e não deixe nunca que o sorriso dela
desapareça, assim como fez comigo.
Nos dias frios da Antártida, na temporada sem o sol, havia
um pinguim cansado de andar na neve.
O pinguim solitário vivia sozinho, enquanto todos os outros
já haviam encontrado seu par, ele andava pelas colinas de
gelo procurando alguém pra amar.
Eis que um dia o pinguim, cansou de procurar, levantou a
cabeça ao céu e caiu no lençol de neve, deitado no frio
cortante, observou o cosmos da noite, lá em cima sozinha,
no manto escuro do universo havia a lua, com seu poder seu
poder hipnótico de paralisar qualquer olhar.
E sem querer o solitário pinguim, se apaixonou pela lua, e
no frio do gelo, um coração ardeu em chamas.
O pinguim toda noite, perdia o sono a observar, andava
pelas montanhas mais altas, sonhando no céu tocar.
Impossível como o amor de cinema, romântico como os
poetas, o amor do pinguim pela lua, era um doce tortura
congelante.
Um dia cansado de andar, o pinguim nem percebeu, num
abismo ele tinha chegado, o mais alto que podia alcançar, e
sem querer ele caiu, numa velocidade impressionante, caiu
no mar e boiou, não tinha vontade de nadar.
Foi nessa hora que a aurora começou a clarear, e o sol
tomou o lugar da lua no céu, e a lua desceu e beijou o mar,
foi o mais perto que o pinguim chegou, e o mais forte que
pode amar.
Esdras Silveira.

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  • 2. O Pinguim e a Lua
  • 3. Uma história de amor nem sempre é feliz, mas é inesquecível. Esdras Silveira.
  • 4. PARTE UM Admito que fiquei frustrado, realmente não queria que isso tivesse acontecido, muito menos eu admitir que isso realmente aconteceu, mas fiquei bastante envergonhado nesses últimos dias com a minha própria cabeça, essa mente me pregando inúmeras peças por dia, e me confundindo friamente e me fazendo um verdadeiro escravo de sua razão, nunca na minha vida me conformei com o que me diziam, nunca na minha vida me deixei levar por mídia nem qualquer meio que eu achei alienante. Sempre acreditei que o melhor da vida nunca era saber a resposta, mas sim a pergunta. A indagação, o raciocínio que vem antes da necessidade de se responder, a pergunta, porque sem a pergunta não haveria resposta, e vice versa, acho que o perguntador deveria receber tanto crédito quanto aquele que responde, porque só o fato de você perceber um questionamento já é digno de aplausos, decepcionante é o ser humano que se satisfaz com qualquer coisa. Eu estou escrevendo um livro há algum tempo, e estou me concentrando nessa parte de pergunta e resposta, em questionamentos e teses sem fim, respondendo para mim mesmo as minhas próprias perguntas, como sou, de onde venho, porque estou aqui, e porque ainda estou. Nesse grande tempo livre que tenho eu penso em como consigo um jeito de mudar as teses dessa sociedade, como seria se o mundo fosse mais fiel as suas próprias leis, como seria o mundo se ele fosse filósofo. E com essa grande pergunta que minha linha de
  • 5. raciocínio é totalmente cortada por uma batida na porta. - Renato! Renato abra a porta, por favor! - Já estou indo só um minuto. “Vesti a primeira roupa que vi jogada no chão e fui atender a porta, era Maria a coordenadora do colégio onde ensino, só ai me lembrou de que enquanto estava pensando e tentando escrever meu livro, meu telefone tinha tocado que nem louco”. - Estão precisando de você no colégio, urgente! O professor de matemática faltou e você vai pegar o horário dele. - Maria, ele tem duas aulas! Não posso cobrir a aula de todos os professores. - Por favor, Renato estão precisando de você lá, os alunos estão querendo ir embora. - Tudo bem estou indo. Vou precisar de carona. - Eu estou de carro, agora vai se arrumar. Eu entrei com a cara emburrada dentro de casa e ela entrou atrás, pareceu se sentir desconfortável com a bagunça mas eu não dei muita importância a isso. Vesti meu blusão costumeiro, minhas calças jeans, e meus sapatos surrados. E dez minutos depois já estava no caminho da escola. - É a segunda aula que eu cubro desse cara Maria, ele não trabalha mesmo não? - Parece que não né. Vive faltando sem aviso, os alunos reclamam do ensino dele e o pior que não encontramos nenhum outro professor disponível na Crede. - Eu não tenho nada planejado pra dar aula no momento. - Não se preocupa, é o 1° ano B você não vai precisar de planejamento, é só pra entrar na sala e não deixar eles saírem antes da hora, afinal você ensina filosofia, sua aula é um diálogo. - Não entro numa sala se não for pra ensinar, não vou me
  • 6. igualar aquela que ensina biologia que ano passado era empregada no bairro da aldeota. Muita gente já me disse que ela fica sentada ouvindo música o tempo inteiro. - Um dia a gente se conserta Renato, Um dia nada tinha tanto tempo que já estava assim, aliás, desde que eu nasci, ou melhor, antes mesmo, sempre nós brasileiros tivemos que conquistar o que era nosso por direito e gratuito, nunca percebemos que o que a gente batalhava tanto e ainda batalha, em outros países é recebido de mão beijada por um governo decente, porque tinha que só aqui a confusão? Esses carros que eu via no vidro são todos pagos com o suor do trabalho de um cidadão, pior de um cearense, que foi o que mais sofreu perante os outros, nosso Ceará que a tempos era tão rico e foi esquecido, e essas pessoas passando nas faixas de transito também são alguma coisa, andar pela cidade de Fortaleza pegando ônibus não é fácil, todo dia ter que aguentar esse sol escaldante na testa, esse barulho infernal de buzinas e pneus, e esse típico cheiro de castanha que rodeia a cidade inteira, e ainda ser vítima de um assalto matinal que de tanto acontecer repetidamente, já virou uma certa cultura, nem o medo de ser morto não existe mais e só uma troca, o ladrão vai com uma arma e fala “passa a carteira”, você entrega e ele sai tranquilamente e você também sai assim o que é inaceitável, devíamos ter pelo menos indignação ao acontecer esse tipo de injustiça! Mas como é o Brasil então a gente deixa passar, “só dessa vez” e vai repetindo essa frase pelo resto da vida. Chega uma hora que você não aguenta mais, mas essa hora só aparece quando o político não ajuda, ai você promove passeatas, revoluções, faz um fuá danado, um barulho insuportável na rua, vandalismo, e depois da bagunça toda uma bebedeira pra aliviar o estresse, uma cachaça ypioca
  • 7. e toda a razão do protesto vai pro brejo, se é que esse teve alguma razão. Quatro anos depois o político aparece do nada na sua casa, almoça, passa uma parte da tarde falando asneira na mesa da cozinha, e repete isso umas quatro vezes até falar o seu objetivo principal, o gado dá o preço pela cabeça, que muitas vezes é tijolo, cimento, óculos de grau, cirurgias, ai sai falando na rua “vote nesse cara aqui, ele é bom, me ajudou quando eu precisei”, ele ganha a eleição de novo, te deixa na merda e ai você vai atrás dos seus direitos, me poupe. Sim, esse é o nosso país, nossa pátria amada onde a corrupção é a verdade, e os protestos são pura hipocrisia. E as pessoas andando nas ruas, seguindo suas vidas normalmente, como se não fossem aprisionadas num sistema. - Chegamos. Essa ai é a minha escola, sim essa mesmo cheia de grades e pichações, aqui tem de tudo, de aluno modelo no país a maconheiro sem futuro, um dia pintou por aqui um traficante aviãozinho, mas parece que apagaram ele na esquina quando tava vindo pra aula. O ensino é razoável comparado a outras escolas na cidade, poucos professores são concursados e formados nas matérias que ensinam e praticamente é a salvação dos alunos, a maioria são desocupados contratados que aceitaram o cargo pra não ficar numa mesa de caixa, quem é professor tem que nascer pra ensinar e se preocupar com os alunos. Não é uma profissão que você exerce por falta de opção, e sim por vocação. Por aqui parece que o pessoal me aceita bem e gosta de mim, sou o professor de filosofia de todas as salas, todas mesmo, de todos os turnos, e ainda cubro de vez em quando as aulas de matemática quando o lindo do professor falta porque tá de ressaca da festa de ontem. Muita gente fala que ele vive naquelas baladas bem pesadas mesmo, e toma todo tipo de
  • 8. drogas possíveis, e participou do movimento contra as drogas com o nariz todo sujo de branco. Lógica melhor que isso não existe em nenhum lugar. - Já souberam porque o maconheiro faltou hoje? Eu perguntei só pra puxar assunto enquanto a gente entrava na escola. - Não, ligaram pra ele a manhã inteira, ele não deu sinal de vida nem ontem a noite e nem hoje de manhã, alguém tem que ir na casa dele. - Quando terminar a aula deixa que eu vou pessoalmente. - Se você acha que é prudente, só não vai brigar com ele, por favor. - E eu sou gente de tá brigando? Me respeite, qual é sala? - 1° B. - Desgraçado, tinha que ser naquela sala horrível, metade da turma dorme a outra metade só pisca o olho. - Você tá reclamando disso? A Isaura levou uma cadeirada nas costas na ultima vez que ela foi pro 1° A, devia agradecer é a sala de refúgio dos professores. - Eu não gosto de sala morta, meu negocio é dialogo e eles não falam nada. - Já disse é só chegar e se sentar na cadeira. Não precisa dar aula. - Tá bom eu já to indo. Virei-me rumo a sala e a Maria seguiu em frente. O corredor era enorme, me lembro no tempo que eu andava por aqui quase invisível, pouca gente se lembra de mim, uma delas e o zelador do colégio o seu Zé, a única pessoa que eu confio, quando eu era menor e me escondia nos banheiros, ele aparecia pra limpar e parava o serviço pra conversar comigo, falava de tudo, dos alunos chatos, dos professores chatos, da casa dele, da mulher, da família e a gente ria por quase uma hora depois da aula, era sempre muito
  • 9. bom conversar com o seu Zé e eu mantinha esse hábito até hoje, falando nele ele aparece na minha frente no meio do corredor limpando o chão. - Oi seu Zé! - E ai Renato! Como você tá garoto? - Estou bem, to indo cobrir a aula do professor de matemática. - Qual deles? - Aquele novo de agora, não fala com ninguém, aparece aqui com os olhos vermelhos toda segunda feira. - Há sim, tem gente mesmo que não aproveita o dom que Deus nos deu. - Sim, muita gente. - Por isso meu filho que eu sempre lhe disse pra não se envolver com muita gente, se envolver em festa adolescente, é nisso que dá. - Como eu ia mesmo pra essas festas? A única pessoa que eu falava no colégio inteiro era você meu velho. (risos) - Não é verdade, se eu não me engano você tinha uma amiga. - Não lembro disso, deve ser alguém que o senhor viu me pedindo pra fazer a tarefa de casa. - Há sim . Eu me lembrava muito bem da Sophia, ela era minha melhor amiga no colégio, quer dizer, minha única amiga na verdade, ela era bem pequena, branquinha, gostava de Beatles e Janis Joplin, ela tinha o gosto igual o meu, o que facilitou bastante a nossa conversa porque eu não falava muito devido ser bastante diferente dos demais, engraçado foi como eu a conheci, eu estava num show cover do Legião Urbana, e a banda que tava cantando resolveu jogar algumas camisas pro pessoal, eles jogaram um blusão enorme do Legião e eu peguei, só que uma mãozinha pequena agarrou o blusão por
  • 10. baixo. PARTE DOIS - Sai ele é meu! A garota gritou, quase não dava pra ver o rosto dela, era pequena demais. - Não eu peguei primeiro! - Não vou largar droga! Ou você solta ou veste junto comigo! - Tá certo sem problema. E a gente vestiu o blusão junto, éramos magros e pequenos então serviu direitinho, passamos o show inteiro assim e tinha um pessoal que jurava que a gente era namorados, no final do show o vocalista viu a gente e deu um salve pela criatividade. Mas eu não queria lembrar disso, não agora. Cheguei na sala em meio ao uma guerra de papel amassado, toda revirada, o cesto de lixo emborcado pra baixo, alunos gritando em cima das carteiras, escondendo livros debaixo dos birôs, uma surpresa pra mim pois aquela sala não era bagunceira, pelo menos na presença de um professor é claro, agora eu descobri como eles eram fingidos, em meio a bagunça total eu reparei numa garota sentada do lado esquerdo da sala que eu não tinha visto ainda, deveria ser nova, era branquinha, pequena, me lembrava bastante a Sophia. Mas eu não dei muita atenção na hora, precisava conter aquele inferno. - Estou vendo que vocês são os mais fingidos do colégio! Bom dia primeiramente. - Bom dia Renato. Todos responderam. - Eu sei que vocês deviam ter aula de matemática agora, mas o professor teve uns assuntos pra resolver e não pode vir hoje, enquanto isso a sala ficará com um diálogo que eu vou
  • 11. promover agora, o que faz vocês ficarem focados em alguma coisa? - Quando eu gosto de algo eu me foco demais nisso. Respondeu um aluno da última fila. - Isso mesmo, quando a gente gosta de algo, a gente se foca demais naquilo que satisfaz a gente, procuramos fazer todo o possível pra poder fazer aquilo direito, ser reconhecido pelo seu trabalho naquela área, e principalmente alimentar o ego interior que a gente tem. Agora quando você não gosta do que está fazendo, aquela atividade não lhe dá prazer algum, o que você faz? - Eu evito fazer de qualquer modo. Respondeu uma garota da frente. - E se você tiver obrigação de fazer isso? - Ninguém me obriga a nada, não devo satisfação a ninguém. Respondeu a mesma garota. - E nesse ponto que você está errada criança, você não deve satisfação às pessoas, mas sim a sociedade em si. Você deve satisfação aos seus pais, a suas tias e tios, avôs e avós, aos seus professores, diretores, futuramente ao seu chefe. - E se eu quiser fazer meu próprio negócio? - Você vai dever satisfações aos seus clientes. Se eles não forem tratados bem, se o produto não for de qualidade, o negócio não vai render. É isso o que eu estou dizendo pra todos vocês meus caros, pra vocês o que é gostoso de fazer? - Comer! - Jogar vídeo game! - Um racha! - Mas vocês perceberam que ninguém falou uma única coisa perante todas as atividades? Vocês esqueceram-se de colocar os estudos nessas atividades.
  • 12. - Mas a gente não gosta é chato! Respondeu um garoto de boné. - Fale por você garoto! Uma garotinha esnobe da primeira fila gritou. Eu olhei pra ela com um ar irônico e perguntei. - Você gosta de estudar garota? - Sim. Na hora que ela respondeu um garoto meio nerd olhou pra ela e começou a falar. - Quando te recomendei pro cursinho do pré-enem há um mês na diretoria você disse que não podia porque no horário do curso você trabalhava, eu deixei passar ai depois eu estava procurando uma capa nova pro meu celular no shopping justo na hora do curso e vi você, mas um carinha que parecia ter o dobro da sua idade te agarrando e um banco na praça de alimentação, agora eu te pergunto você gosta de estudar? A sala inteira começou a rir, mas eu comecei a falar para poder amenizar a situação. - Isso mesmo gente, estudar não é um prazer, a qual você se senta e passa o dia inteiro porque gosta de fazer aquilo, estudar é uma necessidade, é mais importante que o prazer. É necessário pra vida estudar e todos vocês sabem disso, por isso pessoal levem em consideração as minhas palavras e mais uma pouca tão importante de lembrar, usem camisinha. Toda a sala começou a rir novamente, eu sabia muito bem que ia ser punido por isso, amanhã mesmo os pais dela iam me enfurecer. Terminei meu horário naquela sala e corri para meu canto de solidão dentro do colégio, detrás da escola havia uma arvore enorme onde eu me sentava e comia o meu lance, nunca gostei muito de ficar na sala dos professores, aliás, a única pessoa com quem eu tinha alguma afeição no colégio todo era Maria, e o velho zelador. Foi ai que eu me lembrei daquela
  • 13. garotinha que parecia a Sophia, mas era tão estranho pois faz tanto tempo que não a vejo, as feições de seu rosto não estão tão claras como antes na minha mente. Comecei a achar que estavam perdendo o melhor de mim, as minhas lembranças. A aula terminou, sai do colégio e fui pra casa me deitar um pouco, estava cansado demais daquele dia, estranhamente comecei a pensar mais em Sofia, e isso estava me deixando confuso porque foi de uma hora pra outra, me deitei na minha cama e cochilei um pouco. De repente a porta se abre num baque, eu me acordei de um susto, uma silhueta meio estranha entra no quarto e vai no meu guarda roupa. - Logos? Bate na porta antes por favor. - Se você acordasse com os meus gritos no corredor eu bateria. - Deixei a porta trancada de novo? - Deixou, vou mandar fazer minha chave porque pular a janela todo dia não dá. - Desculpa. “Logos é o meu melhor amigo, de todas as pessoas do planeta ele é o mais paciente do universo, nos conhecemos desde crianças, mas teve uma temporada que a gente se afastou devido ao tempo que eu me mudei pro interior, quando voltei ele tinha saído do antigo colégio pra uma profissionalizante, Logos é quaser um hacker em computadores, é alto, magro, e tem uma cabeça enorme, trabalha como técnico de reparos em algumas empresas e passa o dia todo fora, rondando pela cidade consertando computadores, é o melhor que já vi, a Microsoft já ofereceu uma oferta de trabalho pra ele mas ele recusou, ele diz que Bill Gates não tem mais honra devido seu objetivo principal é ser sempre o lucro, por isso levei um susto quando ele entrou,
  • 14. porque ele só chega em casa de madrugada. Há, ele mora comigo. - Comprou o café que eu te pedi Renato? - Comprei cara, tá no armário. - Ótimo, estou com um trabalho novo aqui cara, preciso da sua ajuda. - O que é? - Vem aqui. Me levantei e fui até a mesa, ele estava lá com três notebooks e usando só um, o cara é um monstro no exagero, compra tudo o que vê pela frente. - Preciso que anote os nomes que eu vou te dizer aqui ok? Pega um noot e vai escrevendo, melhor, salva os prints nos dois. - Ok cara. Pra que isso? - Só me escuta. - Ok, pode ir falando. - Hum, deixa eu ver, Pedro Guimarães, Guilherme Abreu, Marcelo... - O que é isso Ló? - Nomes, nomes que eu preciso decorar. - Deixa eu ver. - Não sai daqui, é só nomes de técnicos concorrentes que estão roubando os meus clientes. - Deixa eu ver. Me levantei e olhei a tela dele, ele me deu um olhar de raiva e virou a cara. Perfil de rede social, facebook, Rafaela, a ex namorada dele. - Droga! Você hackeou o perfil da Rafaela cara? - Só queria saber o que ela anda fazendo, quantos caras essa garota pega? Tem um monte aqui, e a conversa é nojenta pelo que estou vendo.
  • 15. - Cara você tá doente, precisa de ajuda. Isso é obsessão. - Olha quem fala, pelo menos eu não sou um encalhado desde os 14! - Vai pro inferno, fica ai com essa loucura. - Trás meu café direito! Detesto café Ana Clara. - Vá comprar agora. Seu maníaco. Me lembrei que tinha que ir atrás do professor de matemática, sinceramente nem sabia ao certo o seu nome. Só me lembrava que ele era extremamente magro, branco e barbudo. Usava óculos e tinha a expressão mais estranha que eu tinha visto na minha vida, sempre procurava estar nos lugares mais escuros. Eu só via aquele cara debaixo de uma sombra ou no canto das salas, ele não sentava atrás do birô como os outros professores, ele simplesmente pegava a cadeira e ia para o canto da sala e ficava lá sentado, depois de colocar na lousa cálculos que ele tinha repetido o ano todo. Era o típico professor por opção, e era por isso que eu o odiava tanto.
  • 16. PARTE TRÊS Peguei o endereço dele na diretoria e fui de ônibus, deixei o Ló sentado lá seguindo a ex, precisava ter uma séria conversa com esse cara, estava pensando em como acertaria o nariz dele assim que ele abrisse a porta. E não vejo mal nenhum em fazer isso ele merece, atrasando os alunos e fazendo eles perderem o precioso tempo deles com sua incompetência! Eu absolutamente não suporto quem não cumpre o que promete! Hoje, a educação é tão acessível às crianças, e pessoas como ele não poderiam fazer parte desse grande milagre que o povo brasileiro conseguiu alcançar para as futuras gerações uma educação melhor, e com isso um país melhor. Cansei de ver o povo brasileiro vivendo de milagres, grandes filósofos dizem que a religião atrapalha a sociedade mais do que ajuda, no Brasil, se não fosse às promessas de São Francisco... Bem eu não quero nem comentar. Cheguei ao bairro dele, ele morava num canto bem esquisito, as pessoas passavam por mim e me olhavam estranho não sei, não era um lugar marginalizado, era só esquisito. Como se não tivesse muita gente além dos que moravam lá, estilo aquelas cidades do velho oeste que não gostam de forasteiros. Avistei uma criança brincando numa calçada do outro lado da rua, com uma coisa que me fez voltar aos meus tempos, nossa! Um carrinho de lata de sardinha com roda feita de havaianas! Fiquei com uma vontade enorme de ir olhar o carrinho de perto mas acabei desistindo porque senão ficaria meio suspeito, e não queria ser confundido com um pedófilo por ali. Esse pessoal não tem cara que chama a policia quando
  • 17. alguma coisa acontece. Acabei chegando a um pequeno prédio residencial, ele morava no apartamento numero 13, subi pela escada, pois o elevador não funcionava. Quando cheguei lá àquela raiva que eu estava dele no ônibus já tinha sumido, assim como todas as minhas outras vezes que eu jurei brigar com alguém, antes que eu começasse a minha raiva passava. Quando levantei a mão pra bater na porta dele, percebi que ela estava um centímetro aberta, imediatamente eu fiz o que qualquer pessoa faria nesse minuto, peguei o telefone pra ligar pra policia, mas hesitei e achei melhor entrar na casa pra saber se estava tudo bem, poderia ter sido só um deslize dele quando voltava pra casa bêbado. Entrei na casa dele, era um apartamento grande pra quem morava sozinho, a minha casa comparado a dele era um ovo. Pela minha rápida olhada eu vi uns três quartos e dois banheiros. Tinha uma parede completamente cheia de livros, preste a cair na verdade com o peso. Não vi nenhuma televisão ou qualquer meio de comunicação disponível, tinha uma sala com um sofá e uma mesinha com alguns livros abertos, algumas cartas, uma garrafa de vinho, e uma seringa. Desviei o olhar e acabei percebendo uma foto meio rasgada no chão, apanhei a foto, ela estava meio deformada, mas dava pra ver que era um homem sorrindo, estava molhada com alguma coisa gelada. Foi ai que eu ouvi alguma coisa vinda do banheiro, procurei qualquer coisa que estava em cima da mesinha e acabei por ver somente a seringa. Armado perigosamente com uma seringa de heroína me aproximei do banheiro, o barulho estava aumentando a cada passo, era alguma coisa pingando, me posicionei da beirada da porta e comecei a entrar muito devagar no banheiro,
  • 18. quando meus olhos alcançaram a luz branca ligada, meu corpo gelou por completo, imediatamente deixei cair a seringa e fiquei paralisado, não conseguia falar nem ouvir mais nada, meu corpo estava totalmente sem movimentos perante aquilo, era como se alguém estivesse me envolvido em gesso e deixado os olhos encobertos pra eu não poder ver quem me torturava. E na verdade, o que estava me torturando agora não sabia nem tinha intenção disso. A poucos centímetros de mim, estava o estranho professor de matemática, sentado no vaso sanitário com uma poça de sangue enorme no chão, o pequeno córrego vermelho brotava dos seus pulsos pendurados nos braços sem vida, a cabeça virada pra cima como quem estava pedindo pra acabar logo com isso, uma lamina jazia no chão quase sendo levada pela corrente de sangue para junto do ralo. Repus-me em instantes que pareciam décadas na minha mente, não podia ficar ali observando o tempo todo, teria que chamar a policia uma hora, mas de novo antes de eu discar o numero de emergência reparei nas mãos do professor, uma mão estava aberta, a outra não, fazia menção de apontar para alguma direção, cheguei mais perto e então vi o que ela estava mostrando, no canto embaixo da pia em frente ao professor sentado no vaso sanitário, tinha uma folha de papel amassada. Assim como qualquer suicida, ele com certeza iria dizer por que não suportou mais nossa tortura particular, então me inclinei para pegar o papel, seu conteúdo foi muito rabiscado, parece que ele realmente não sabia o que dizer porque tinha feito e riscado muitas frases no papel inteiro, mas o que pouco se pode entender foi isso.
  • 19. - Aos que verem e se importarem, não tem problema, estarei num lugar melhor que o seu céu. Quero que saibam que o sangue que estão vendo agora nesse momento, não é nem um pouco comparado ao que eu estava sentindo antes dele ser derramado, e vê-lo escorrendo pelas minhas veias levando embora a dor que me vencia, foi o maior alivio de toda a minha vida. Desde criança, eu cometi um grande erro, um pecado muito sério, diziam pra mim que era fase, iria passar em breve e eu superaria. Mas até hoje essa minha “fase” não passou. Libertei-me dessa podridão aos 15 anos e decidi de uma vez por todas que não era doente nem diferente coisa nenhuma, que não precisava ser igual a todos os outros para ser aceito por Deus na sua casa. Eu poderia sentir o que quisesse, e poderia amar a quem quisesse! Mas não foi desse jeito, não tiveram a mesma coragem que tive, e quando finalmente admiti, eu confundi quem era com outra pessoa, pelo menos foi o que ele disse, e não foi o que ele disse pra mim no outro dia. - cara, eu nunca me senti tão bem com outra pessoa. - que isso mano, eu acho que você tá me confundindo com um de seus viados! É, foi isso, depois disso aconteceram coisas horríveis, pessoas falando mal de mim nas ruas, no colégio, foi tudo tão ridículo, não tinha coragem mais de sair de casa, detestava arduamente todas as pessoas que conhecia, porque todos passaram a rir de mim e me xingar de tudo no mundo, perdi meus amigos porque ninguém queria andar comigo e ser lixado também, sem falar nas surras que levei... sem falar em quem me batia, mas superei totalmente naquela idade, sabia muito bem que
  • 20. existiriam outras pessoas pra mim, melhores além do mais. E foi ai que eu me enganei por completo, por mais que eu tentasse não conseguia de forma alguma esquecer aquele garoto, por mais que me fizesse sofrer, depois ele vinha ao meu encontro, me buscava em casa e saia comigo, nos divertíamos muito e eu perguntava a ele - Porque você não assume comigo? - Cara, você é louco? E começava a rir. E assim eu vivi por muito tempo, foi quando descobriram sobre a gente, o pai dele foi na minha casa e gritou com a minha mãe, dizendo que nunca mais queria que eu chegasse perto do filho dele, que o filho dele era homem e não viado! E minha mãe ficou muito triste depois disso porque ela também não me aceitava, então ela se mudou comigo pra outra cidade, foi ai que a minha vida começou a desmoronar, brigava com a minha mãe todo santo dia, ela dizia que me odiava, que preferia estar morta, que eu tivesse morrido quando nasci, que nunca na vida pensou que viveria uma desgraça dessas. Tinha vergonha de mim na rua, não me levava pra cerimônias de família, eu ficava em casa sozinho todo natal e ano novo, foi ai eu comecei a ingressar no mundo das drogas, e a minha primeira como sempre foi o amor. Há o amor, ele é tão viciante como a heroína, e muito mais destrutivo se usado de forma errada, eu me apaixonei por aquele ser sem escrúpulos, e como a historia nos condena a repeti-la pela eternidade, quanto mais ele me ignorava, mais eu o amava. Ele conheceu uma garota a qual teve tempos de paixão, enquanto eu chorava deitado na minha cama, ele conheceu outra garota a qual teve relações com ela, enquanto eu escrevia milhares de cartas que nunca enviaria, ele conheceu
  • 21. milhares de outras garotas e se casou com uma, enquanto eu começava a me interessar por livros. E então quando eu não pensava mais naquele sorriso tantas vezes por dia como antes, eis que ele aparece na porta da minha casa. Eu o mando sumir enquanto eu tenho forças, mas ele não faz isso, ele quer me ver morto! Ele cai em cima de mim me beijando lentamente, como eu senti saudade daqueles lábios grossos, mas ao mesmo tempo senti um nojo enorme e o empurrei pra longe de mim e fechei a porta. Ele quis me beijar de novo, mas eu não deixei dessa vez, eu comecei a chorar e perguntei por que fez tudo aquilo? Além de ter estragado minha vida ainda me quer morto porque simplesmente não consegue me deixar em paz, e não vai me deixar, ele vai falar que sente muito e que estava com medo, vai pedir desculpas a mim pelo afastamento e vai dizer que terminou o casamento. Vai dizer que me ama mais é só um pretexto pra ficar na minha casa, porque ninguém o quer por perto depois do que ele fez com a sua esposa, que eu iria saber um dia antes de escrever essa carta, e iria saber disso da boca dele rindo da minha cara. E eu vou acreditar mais uma vez na sua palavra porque em fim, eu sou um cara de esperança, e me ensinaram desde criança que é preciso ter fé e perdoar as pessoas. Parei a leitura da carta pra pensar um pouco, achei melhor deixa o resto pra depois e ligar pra policia logo. Guardei a carta no bolso e finalmente disquei o numero de emergência enquanto corria para falar com o sindico do prédio.
  • 22. - Oi - Oi - Como é seu nome mesmo? - Meu nome é Renato. - Há sim, prazer meu nome é Sofia. Renato porque você não soltou a minha blusa? (risos) - Você quis dizer, minha blusa não é? (risos) - Não, eu peguei primeiro na verdade. - Tá certo eu desisto pode ficar. Estendi a blusa pra ela, ela olhou por um minuto, e depois respondeu. - Não, pode ficar com ela por um tempo, nos pegamos ela juntos então é nossa. - Certo, o show foi muito bom. - Realmente foi ótimo. - Eu tenho que ir pra casa agora, mas depois a gente se fala. - Por quê? Vamos pro pós-show comigo, vai ser legal. - Pós-show? - Sim, eu e os meus amigos, aqueles dali, ela aponta pra um grupo de três caras que estava esperando por ela no outro lado da casa de shows, “vamos pra beira da praia agora, daqui a pouco amanhece e a gente vê o nascer do sol, é lindo”. - Parece ótimo. - Então vamos? - Pode ser. Eu atravessei a rua em direção aos amigos dela, eles pareciam estar muito bêbados naquele momento, eu era o único ali na verdade que não estava muito embriagado, gostava de beber bastante, mas, não curtia ficar bêbado, acho que pelo fato gostar muito de lembranças, e quando estou bêbado, não me lembro de nada.
  • 23. - Sophia meu amor - Diz Caio. - Quem é esse carinha que tá do teu lado? - Marcus e Caio, esse aqui é o Renato, o cara com quem eu dividi a blusa se lembra? - Há sim, vou avisar logo, eu tenho ciúmes dela cara, e achei meio ofensivo você estar grudado nela o show todo. - Hãn? Eu disse totalmente desconfortável. - Pode parar com o show Caio, ele é meu irmão Renato. - Tudo bem, eu posso ir embora se quiser. - Relaxa cara eu só estava brincando. Sofia temos que ir logo já e quase duas horas vamos perder o sol. -Então vamos. Acordei e de repente me peguei chorando, em meio há anos, eu nunca tinha sonhado com ela, pelo menos um sonho que eu lembre depois. Estamos na madrugada daquele incidente terrível, tive que ficar esperando alguém a emergência aparecer porque eu tinha que explicar alguma coisa, eu tinha encontrado o corpo e me parecia um sinal meu de responsabilidade esperar e contar tudo o que aconteceu. O fato mais estranho foi quando a mãe dele chegou, todo mundo já estava lá, existia o irmão dele, alguns tios, amigos e parentes esperando na porta do edifício, quando ela chegou ela ficou sentada na calçada, não conseguia se levantar de forma nenhuma, teve uma hora que ela se deitou no chão gritando e implorando desculpas pra alguém. Gritava desesperadamente pelo filho, e pedia desculpas. Foi à cena mais triste que já vi.
  • 24. Sem falar nas horas que tive que passar conversando com um monte de gente, fazendo perguntas pra mim, até que finalmente o irmão dele disse: - Não tem problema se não quiser ficar aqui, você já fez muito e agradeço por isso, quem dera eu pudesse ter a sua chance de ir pra casa agora, pode ir. Virou-se pra levantar a mãe caída na calçada e eu acabei por indo embora mesmo. Cheguei em casa morto de cansado, Ló ainda estava procurando os nomes dos caras que a ex dele pega, ela é uma vadia das piores, mas ele não esquece ela, acho que por isso a gente se dá tão bem, são dois solteirões que nunca esquecera, o passado. - Ló. Tenho que te contar uma coisa cara. - O que foi? Ele falou sem nem tirar os olhos da tela. - Cara, acabei de presenciar um suicídio. Dessa vez ele olhou. - O que? - O professor de matemática do meu colégio se matou, eu encontrei o corpo. - QUE PORRA LOUCA CARA! E ai, eles te levaram pra delegacia? - Levaram, mas me liberaram rápido. - Há sim, mas e ai o que aconteceu? - Só isso, ele tava lá no banheiro... Contei a historia toda pra ele, ele estava mais animando do que horrorizado, tenho medo do Logos por essas pequenas coisas. - Cara, que foda. Então o cara não aguentou a barra, conheço gente que é assim também. - Agora eu só quero dormir porque hoje já deu de loucuras, minha vida é cheia disso.
  • 25. - Ok, boa noite cara. Amanhã eu não teria coragem de ir ao colégio nem se me levassem amarrado, mas lembrei que tinha que lançar algumas notas e era o ultimo dia, que droga! E aqui estou sentado na minha cama, olhando pra carta que eu tinha guardado, voltei a minha leitura. ... Então, acreditei na conversa e o deixei ficar na minha casa, passamos uma semana juntos na verdade, eu parecia mais feliz sinceramente, gostava demais dos meus alunos e adorava ensinar, mas, nunca consegui retirar felicidade o suficiente pra poder passar pros meus alunos uma imagem melhor do que eu tinha. Nunca, nunca esbocei um sorriso sem ter vontade. E quando eu chegou em casa um dia antes de eu escrever essa carta, um dia antes de eu finalmente ser feliz, e ter paz. Ele não está me esperando como de costume assistindo televisão no sofá, acho estranho e acabo por procurá-lo com o porteiro, o porteiro afirma que ele tinha saído muito cedo naquele dia. E estava acompanhado, não sei por que, mas ele enfatizou com o “estava acompanhado” como se quisesse me avisar alguma coisa, será que eu gritei tão alto assim? Peguei o carro morrendo de cansaço e fui atrás, estava pensando em ir à casa da mãe dele perguntar, mas achei melhor não... Em vez disso acabei virando a esquina oposta da direção da casa da mãe dele, naquela esquina havia um barzinho 24 horas, achei melhor entrar e comprar uma água, estava com sede, mal tinha entrado em casa, quando abri a porta do bar eu quis sair correndo sem parar até meus pés sangrarem, ele estava lá sentado ao lado da ex-mulher, ela estava rindo com
  • 26. ele, eles estavam conversando, ele estava com um braço nos ombros dela, eles estavam tendo um encontro. Ele mentiu pra mim. Saí em disparada porque não queria ver mais aquilo, peguei o carro e dirigi pra não sei onde e até hoje não me lembro, fiquei rodando por horas pensando em tudo o que fiz, em tudo o que vi, e no que iria fazer no futuro. Pouco a pouco, eu percebia que não pensava mais nisso, num futuro. Não tinha ambições pra ele na verdade. Você ainda está ai? Que bom que conseguiu ler minha história até aqui, eu não preciso dizer o que virá em seguida, só peço a você que estiver lendo, por favor, não revele isso pra ninguém, nem pra minha mãe. Eu fui um péssimo filho pra ela em vida, não quero assombra-la depois disso. Com amor, Charlie. Dez minutos, pareciam horas, mas dez minutos, foi o impacto dessa carta na minha mente, acho que sei agora a causa do meu sonho importuno.
  • 27. PARTE QUATRO -Acordei no outro dia muito cedo, na verdade só cochilei, fiquei pensando no conteúdo que tinha que ter planejado para o 2° ano naquele dia, mais acho que não vou precisar dar aula hoje. - A religião, e seus contras sem prós. - Vivendo numa sociedade sem medo do escuro - Saia da caverna, e contemple o mundo! Três títulos pro meu livro fracassado passaram quase a aula toda no 2° ano rabiscando alguns títulos frases e textos que poderiam entrar no meu livro, dentre eles eu achei esses aqui os melhores. Eu vivo realmente nas sombras do desespero, eu vivo numa prisão sem grades onde é impossível sair andando, eu vivo contemplando luzes ao longe e sonhando, sonhando e talvez imaginando. Que aquilo no horizonte, um dia vai voltar. E aqueles olhos castanhos me faziam perder a razão do momento, me faziam esquecer todo o meu conhecimento, todos os livros que li, todos os filmes que vi, tudo não batia naquele brilho e caia de cara no chão. Cansei, não estava no clima pra escrever alguma coisa, não consegui para de lembrar dos olhos castanhos, e de como aquela garota do primeiro ano me lembrava eles, e de como
  • 28. tudo era tão confuso, tantas ações, tantos conhecimentos perdidos, antes eu não tinha essa dificuldade pra escrever, antes eu era uma pessoa melhor, com certeza, antes eu era um garoto normal, um inocente garotinho normal que não precisava de nada além de seus livros e uma garrafa de café, que pena que esse tempo passou tão rápido, e a minha mãe também passou, e o meu pai também, e a minha vovó, e o meu vovô, quem me dera ter pelo menos uma dessas pessoas que faziam o meu mundo se aquietar um pouco no lugar. Mas hoje, hoje sou só eu e ele, meu mundo. - Cuidado com as pedras cara! - Foi mal mano, vamos dar a volta pela ponte! - Pode ser, ei Renato! A gente vai por aqui cara! - Espera um minuto, encontrei uma concha linda! - Me deixa ver, (Sofia saiu correndo entre as pedras pra perto de mim, enquanto os amigos dela ia em direção ao lugar que a poucos minutos o sol iria surgir) . - Nossa, ela é linda! Ela disse - Também achei. - Olha, você conhece o ritual de acasalamento dos pinguins? - Não muito, assisti a um filme de um pinguim animado. - Eu sei, é assim, os pinguins tem um dos rituais de acasalamento mais bonitos do mundo, eles escolhem uma parceira pelo resto da vida, e dão pedrinhas pra elas pra simbolizar o relacionamento. Dá essa concha pra sua namorada e conta a história, ela vai amar! - Eu não tenho namorada. - Sugestão pra conquista de uma, aceita? - Aceito. - Pois está feito, assim que você arranjar alguém use esse
  • 29. truque, te garanto como ela fica louca por você! - O.K - Vamos, o sol já vai nascer! Corremos para sentar no meio das pedras mais altas depois da ponte, assim que cheguei, vi o espetáculo do sol acordando. No meu tempo de leitor, adorava a explicação mitológica do nascer do sol, da aurora espalhando o seu brilho rosa e do carro de fogo de Apolo se aprontando para a grande jornada do dia. Imaginei o deus do Sol acenando pra mim lá de cima quando começou a guiar os cavalos, naquele tempo, eu acreditava mais em Zeus, do que em Deus. E vi o espetáculo completo, mas o que me interessava mais que o nascer do sol, era a silhueta feminina que se formava em sua luz. - Renato! - Oi Maria. - Estou tentando chamar sua atenção há uns segundos já. Os alunos da outra aula estão esperando. - Desculpe, só estava meio avoado. (Preciso parar com esses pequenos flashbacks). Esfreguei os olhos por cima dos óculos e fui para o 1° ano B. SÓ SEI QUE NADA SEI! - Sócrates Escrevi isso na lousa branca, ela parecia mais branca que o normal, talvez pelo menos uma vez por mês eles passassem só por diversão algo para limpar uma lousa a qual eles não usam
  • 30. muito, a qual eles praticamente só usam quando estou aqui para escrever indagações. - Então, o que vocês entendem sobre essa frase? Ninguém respondeu, houve alguns comentários de certos alunos para fazer graça, houve alunos comentários esforçados, mas ainda sem nenhuma tese do que verdadeiramente a frase representa, outros até responderam, mas foram palavras de um livro, decoradas como se eu não soubesse o que é a opinião de um adolescente, e a opinião de um professor universitário, mas eis que de repente, a aluna misteriosamente parecida com Sofia levantou a mão no alto lentamente e pediu para falar. - Pode falar querida. - É a frase mais famosa de um dos maiores homens que já li na vida, esse cara tem um conceito que é bastante interessante de se estudar, ele ficava procurando nas ruas e perguntando para todas as pessoas que encontrasse não sobre alguma coisa, mas sobre a essência que essa coisa tem em comum, e quando perguntavam a ele, ele simplesmente dizia que não sabia, por isso estava perguntando. - Muito bom, muito bom, qual é o seu nome? - Ipatia. Gelei completamente dos pés até a espinha. - Poderia me dizer o nome de sua mãe? - Sofia. - Sophia de que? - Sofia Moreira Dias. Continuava gelado, não havia movimentos bruscos em mim, só fiquei parado observando aquele impacto do destino, só podia ser mesmo, a merda do destino estava pregando uma peça em mim, colocando a filha de Sophia para ser minha
  • 31. aluna, e ainda mais, ela sendo tão interessada por minha matéria. Porque ela era interessada? Melhor, quem a ensinou? - Minha mãe. - O que? - Quem ensinou foi minha mãe. - Eu falei alguma coisa? - Não necessariamente, na verdade gritou. Foi ai que percebi que a sala toda estava me olhando, é serio tenho que parar com essas viagens, vão começar a pensar que estou chapado. - Há, foi mal. - Sem problema, porque perguntou o nome da minha mãe? - Nada só curiosidade. (o sinal toca) Pessoal, lembrem-se estudem sobre Sócrates pra próxima aula! Farei uma aula oral de perguntas e respostas! Sério, estou andando no corredor agora nesse momento, e ainda estou gelado até a espinha, ela tinha ido pra Espanha... eu lembro muito bem. Corri até a sala da diretoria, Maria estava lá organizando alguns papéis. - Maria! A pobre quase caia da cadeira de um susto. - Meu Deus Renato! A minha vida todas passou pelos meus olhos agora. Nossa, você tá suando frio, relaxa um pouco o que foi? - Preciso... saber... quem é... a... Sofia... mãe... da... aluna nova... - Nossa, pois se senta pra acalmar um pouco esses nervos. Passados alguns minutos procurando a ficha ela perguntou. - Nome da aluna? - Ipatia.
  • 32. - Tá aqui, Sofia Moreira. - Endereço? - Rua das Flores N° 105 - Ok, tem mais alguma aula hoje pra eu cobrir? - Acho que não, está liberado até depois de amanhã. - Ok, obrigado Maria, tchau. - Tchau Renato, você tá muito estranho. - Você ainda não viu nada, se não me chamaria de coisa pior. Sai em disparada da escola, o suor frio estava jorrando dos meus cabelos e corria pelo corpo todo, sendo barrado pela minha blusa, meus olhos não piscaram nenhum segundo sequer desde que ouvi o nome daquela menina. Em fim, ela voltou. Mas porque eu estava indo atrás dela? Eu não sei o que me leva a fazer esse tipo de coisa, tantas leis do universo pra que? Se a saudade pode quebrar todas numa pequena palavra.
  • 33. PARTE CINCO - Porque você fez isso? - É a minha natureza. - Você me matou por tão pouco, machucou cada pedaço de mim e deixou esse pra terminar? - Eu não queria te fazer sofrer, eu não queria fazer ninguém sofrer. - Você é uma avalanche de neve derrubando tudo o que encontra! E depois um pássaro branco simbolizando paz! - Você é meu amor. - Você não ama. - Talvez a gente devesse ser só amigos. - Talvez quem sabe seria melhor eu não ter te conhecido. - Diz isso olhando no fundo dos meus olhos, diz isso olhando pra mim! Depois de tudo o que eu falei pra você, você a única pessoa a quem eu confiei a única a quem eu me abri totalmente de corpo e alma, você e a melhor dádiva que eu já recebi na vida. - E porque você me traiu? - Porque é da natureza de uma cobra esperar baixar a guarda para dar o bote, e vai ser sempre assim. O sol nasce na janela numa manha de sábado, as perspectivas desse dia não são as melhores, o ar não está muito bom, a luz está meio rala para uma manhã, o dia parece estar contrario, como se o sol nascesse no oeste e morresse no leste. E o norte não era mais tão frio assim, e no sul também não existissem mais pinguins. Era o primeiro dia após de lembrar-se da existência de Sofia, o primeiro dia após eu saber que ela estava na cidade, o primeiro dia após eu ter certeza que ia
  • 34. visitá-la de qualquer jeito, e o pesadelo voltaria a acontecer, já sinto o cheiro o velho cheiro de castanha que exalava de seus cabelos. Sinto aquela magia adolescente novamente, como se eu ainda estivesse em 1997. E Legião Urbana ainda estivesse em alta mesmo após a morte de Renato. Levantei-me e me vesti costumeiramente, meu blusão, calça jeans , all stars, e óculos redondos. Tentei um pouco pentear meu cabelo, mas como da ultima vez eu não consegui tirá-lo do lugar. Sai do quarto e fui tomar café, tinha que contar ao Lógos isso. Só não sei se ele ia gostar. - DE NOVO RENATO? Como? Como você conseguiu chegar a isso de novo? Você foi atrás? - Não eu juro que não fui atrás, eu fiquei calado na minha, ela sumiu e nunca mais apareceu você se lembra disso! Eu pensei que estaria livre e que nunca mais iria ver ela novamente, mas não deu, ela apareceu de novo, e agora é mãe pelo visto. - Você não vai atrás entendeu? Você vai ficar em casa do meu lado vendo todas as fotos que a Rafaela mandou sem camisa pra esse tal de Pedro aqui. - Não cara... Preciso revê-la. - Por favor, ela é armada dos pés a cabeça, vai perder essa? - Vou. - Renato, são “peitos” A Sofia é seca. - Não gosto de bolas de silicone, gosto de carne mesmo. - Vai à merda então. Peguei o endereço e sai de casa. Sentei-me no ônibus e li um pouco o Mundo de Sofia, não gostava do jeito que os livros didáticos ensinavam, então eu simplesmente mandei fazer Xerox de meu livro predileto e distribui a todos os meus alunos, para que eu pudesse ensinar
  • 35. por ele. Parece-me muito melhor aprender brincando com coelhos e cartolas, do que decorando mil textos como se a doce filosofia fosse concreta como história. E filosofia não é isso, filosofia é arte, é vida, e o brilho misterioso dos olhos de um sonhador, o bater das asas de um pássaro, o simples movimento circular de uma bicicleta, a ciência nua e crua em sua divina proporção lógica e matemática. Que não deve jamais ser aprisionada em textos decorativos e históricos. Mas sim, vivida. Passei pelo parque, aquelas arvores me davam uma paz enorme. Anda Renato, que lerdo cara! Sofia saia correndo perante as arvores do parque. - Não sou acostumado nem um pouco a estar andando no meio do mato, quanto mais a essa hora da noite. - Hoje tem encontro. - Encontro de que? - Você vai ver. Escuro, exatamente tudo no escuro completo da noite, não havia lua dessa vez, só o pouco brilho das estrelas iluminando o bastante pra provocar grandes sombras no meu psicológico perturbado, que via tudo estranho. Parecia viver numa completa alucinação. Enquanto o short vermelho acompanhado de uma blusa de cor indefinida andava na minha frente quase sumindo da minha vista, em fim ela sumiu, logo após disso avistei não muito longe uma pequena luz, eram lanternas , e vozes, vozes meio estranhas. Lentas na verdade. Era um grupinho de pessoas sentadas cheias de lanternas olhando um pro outro, mas as lanternas eram mais estranhas que as vozes, elas eram roxas.
  • 36. - Renato, chega mais perto. Sofia o puxou pro meio das luzes ultra violeta que ziguezagueavam sem parar, e eles estavam todos marcados com tinta invisível, e compartilhavam de um narguile enorme, alguns estavam deitados, só se via a silhueta das mãos se mexendo no ar. Realmente, era um encontro dos grandes. - Desculpa, mas não to reconhecendo ninguém aqui. - Não precisa reconhecer, deixa só a vibe entrar e não sair mais. - Nada vai entrar aqui não! - (Risos) relaxa cara. Realmente, não conhecia nem um pouco aquelas vozes, e a voz de Sophia tinha sumido, estava praticamente sozinho no meio de um monte de índios pintados. Quando de repente alguém agarrou meu pescoço por trás e sussurrou no meu ouvido. - Deixa a lua te levar. - Hoje não tem luar. - Você usa muitos seus olhos. E começou a beijar minha orelha, depois virou meu corpo por inteiro, pude ver seu semblante, não tinha absolutamente nada pintado, exceto uma pequena lua brilhando no meio da testa, e as luzes roxas ziguezagueando, e as pessoas rindo e conversando asneiras, e essa pessoa me encarando com olhos felinos, provocados fisicamente pela luz negra, ameaçando meus instintos de observador, e aflorando minha parte cinestésica. - Oi pinguim. - Oi lua. A porta na minha frente, é marrom, parece ser de uma madeira bem resistente, é envernizada e bem polida, bem cuidada, parece que é recente. Há um arranhão na parte lateral dessa
  • 37. porta, outro arranhão em cima indica que alguém bateu com uma mala nela enquanto subia olhando pras escadas, as pontas de cima da porta estavam meio gastas devido a luz do sol naquela área, por causa da janela, que é de vidro transparente, e tem grades de alumínio, nossa! Mas que mofo feio nessa parede! Não parece bem bonito pra morar aqui, e impressionante como tudo ficou interessante, menos bater nessa porcaria de porta! - Oi! Tem alguém em casa? Não ouvi resposta na primeira vez, só ouvia alguns barulhos vindos de longe, parecia que a casa era comprida, mas era fina, o tipo de casa que eu queria comprar pra mim. Mas infelizmente meu salário ainda não cobre isso. - Olá, tem alguém ai? Uma voz feminina falou lá do fundo comprido. “Só um segundo, estamos terminando.” Depois de alguns minutos de espera a porta se abre, vejo na minha frente uma Ipatia totalmente diferente do que vejo na escola, estava um pouco mais alegre, com as bochechas rosadas, muito melhor do que aquele cadáver que ficava sentado no canto olhando pra parede. - Oi professor? Olhou-me com surpresa. “Não esperava o senhor aqui.” - Desculpe, mais preciso falar com a sua mãe. Normal todos os alunos ficarem com medo quando alguém pede pra falar com as mães deles, geralmente todos tem muita coisa pra contar, coisas que se os pais soubessem eles jamais sairiam de casa novamente, então esperei aquela velha reação de susto e a pergunta “ falar o que? O que eu fiz”, mas em vez disso. - Há, tudo bem vou chamar ela. E saiu saltitando pela casa.
  • 38. A casa, bom, o que dizer da casa dela? A casa era meio que oriental! Alguma coisa me dizia que tinha alguém estranho por ali, que provavelmente teria participado do movimento hippie dos anos 60, e ainda ido para o Woodstock (meu sonho platônico), e teria visto Janis Joplin em seus graves altos e levado isso pra vida toda! Sem ressentimentos, confesso que gostei do lugar, mas fiquei preocupado de haver drogas por ali, e drogas perto de adolescentes, pelo menos da idade de Ipatia não são recomendáveis. (Sem ofensa). Continuei observando da linha que separava o corredor da porta de entrada, e uma pessoa não muito alta, mais ou menos da altura de Ipatia apareceu, ela era branca, do corpo magrinho, cabelos negros e olhos castanhos... Eu morri. - Pati! Espero que ele tenha vindo te elogiar entende... Ela me reconheceu imediatamente, assim como eu também, e não piscamos os olhos por vários minutos, ela olhava pra mim com a mesma intensidade de antes, reconheci aquela testa imediatamente, e o lugar onde antigamente ficava a lua que ela tanto desenhava, a nostalgia fria e mórbida agarrou meu coração e não conseguia me concentrar em nenhum pensamento, como se minha memória tivesse perdido a sã consciência e acessado varias partes da minha cabeça ao mesmo tempo, lua, pinguim, floresta, traição, Platão, Sócrates, Escola, Maria, suicídio, morte, guerra, paz, política, corrupção... Aquilo tudo simplesmente sumiu. - Oi... Quem é você? - Meu nome é Renato, eu sou o professor de filosofia da Ipatia. Ela me olhou por um instante, depois abriu a boca num sorriso e berrou.
  • 39. - PINGUIM VOCÊ LEVOU A SÉRIO O QUE EU FALEI? Ela caiu em risos na minha frente, mais idiota que eu era a cara da Ipatia não entendendo absolutamente nada, espera um segundo, ela começou a rir também. Nossa, que gente doida. Ela vai me abraçar! Socorro! Eu não vou aguentar isso! Tarde demais... - Quanto tempo eu queria ver essa sua cara! Que saudade de você. - Eu não tinha essa pressa de te ver mais é sempre bom rever velhos amigos. Ela olhou pra mim seria e depois falou. - Cala a boca, e entra logo. Senti- me dentro de um templo budista! Minha nossa, ela não tinha mudado absolutamente nada desde aquele tempo, avistei algumas coisas que eu mexia quando ia pro quarto dela na casa de seus pais, E nossa! Ela ainda tinha o álbum que eu morri pra conseguir, um Yellow Submarine! Levei pra ouvir na casa dela e esqueci, ela nunca mais devolveu! Nossa, quanta historia ela guardava ainda, só não encontrei a blusa do Legião porque o resto era tudo pregado na parede. Dirigi-me até a mesa da cozinha. - Você não mudou nada pelo que vi. - Mudei sim! Eu cresci filho. - Cresceu em que? Tá a mesma piquinês de sempre! - Vai que cola... - Comigo não. Ipatia entra na cozinha, nossa! Parece que eu to vendo a versão dela mini, do mesmo jeito e quase com o mesmo estilo, exceto uma coisa, ela estava usando maquiagem. - Filha, eu já falei pra você que você é linda sem fantasia.
  • 40. - Mas eu gosto de lápis mãe! Afinal, eu vou ou não sair, o pessoal tá me esperando lá em baixo, tão me mandando mensagens aqui! - Vai menina! Se não chegar na hora liga pra avisar senão eu saio atrás de ti! - Ok, tchau mãe! Não escuta nada que ela disser pra você sobre mim. - Ok, filha, divirta-se. Eu falei pra ela, mesmo com o olhar de desaprovação da Sofia atrás de mim pra ela. - Uma graça né? - Não sabia que você tinha uma irmã gêmea. - Deixa de mentira, a menina não tem nada a ver comigo. - O que? A menina é tua cara lambida e cuspida Sofi! - Eu não acho. Minutos calados, olhando pro vento, quando de repente me veio uma força, uma coragem de perguntar, não sei porque eu fiz isso porque tudo voou pelos ares depois. - Porque você foi embora? A resposta não foi imediata, eu já esperava aquilo, aqueles olhos enormes virando de um lado pro outro procurando uma resposta que não machucasse, ou pelo menos o mais gentil possível pra não parecer grosso, mas sempre me machucava. - Porque eu precisava ir. - Sem avisar? Do nada? Eu te procurei por dias, e depois me dei conta de que você tinha ido embora mesmo, porque no começo eu preferia acreditar que você foi sequestrada ou algo parecido, mas ai lembrei que não devo desejar uma coisa dessas a alguém. - Renato, vamos deixar esse assunto pra depois, acabei de chegar. - Ok, afinal isso deixou de importar tanto.
  • 41. - Então, como andam as coisas? - Acabei de sair do colégio, assim que eu soube quem era a Ipatia eu vim correndo pra cá. Estou bem de vida, terminei minha faculdade e estou fazendo mestrado agora, quero ser professor universitário, enquanto não chego lá me contento com o ensino médio. - Há sim, então você se identificou mesmo com filosofia? - Eu sempre soube que era isso o que eu queria pra mim. E quanto a você? - Há, você sabe eu não tenho rumo certo, de qualquer jeito eu levo. Mas precisei me instabilizar por causa dela, contanto que esteja bom pra ela eu fico. Ela falava mais e mais, contando das historias que teve, do passado todo, menos do nosso passado. - E ai Renato? Você tá com alguém? - Não, na verdade falando em relacionamentos eu tenho uma pra te contar que aconteceu tem uns dias. (Contei sobre o professor suicida, não queria mencionar me desculpe, não gostaria de repetir de novo aquela história). - Sério, não vai dizer que era o cara do fundo? - Que cara? - Você não lembra? Eu me lembro dessa historia. Havia alguma coisa que me parecia familiar, mas não conseguia formar nada na minha cabeça sobre isso. - Conta o que você tá falando? - Olha, se lembra do garoto que ficava lá atrás, que todo mundo falava com ele tal, ele era muito popular, falava com as pessoas e tal, e depois ficou muito estranho? - Não... - Nossa, você só ficou de corpo mesmo naquela escola.
  • 42. Realmente eu só tinha ficado de corpo, mas isso não queria dizer que eu não sabia de nada daquele colégio, eu tinha minhas próprias manhas de saber de tudo o que acontecia por ali, mas aquilo tinha me escapado pelo visto. - Conte-me o que aconteceu? - Ele foi o primeiro garoto da escola a se assumir gay no colégio todo, ele se assumiu da forma mais corajosa possível! Admiro ele até hoje por isso, ele se assumiu gay e disse que era passivo naturalmente. - Meu Deus, já imagino porque ele ficou assim. - Ele apanhou demais depois daquele dia, e todas as vezes que ele ficava chorando ele dizia sem pé nem cabeça a frase “pra sempre” e ninguém entendia. - E o que era? - Pra sempre era a frase que ele falava pro garoto que ele era apaixonado, que por ironia do destino também era o agressor dele. - Típico, o homofóbico sempre e um homossexual não assumido. - Poisé, ele fez de tudo, até que um dia ele finalmente saiu do colégio e ninguém nunca mais ouviu falar dele. - Trágico, sobre a Ipatia? Quem é o pai dela? Ela me olhou estranhamente, como se eu devesse saber quem era ou alguma coisa parecida. - Ele é estrangeiro, americano, mora em Nova York, vem por aqui uma vez por ano. - Como é o nome dele? - John... - Ah, fora isso tudo bem com você? - Renato, a vida nunca foi boa pra mim, mas nunca foi motivo pra eu não sorrir pra ela.
  • 43. PARTE SEIS Estava novamente em casa, à procura de uma luz pro meu livro, mais uma vez depois de anos a fio, eu joguei milhares de folhas de papel no lixo, procurando um tema aprovável, era meu sonho ser escritor, era meu sonho formar as gerações futuras, ser lembrado com intelectualidade perante as nações. Como Newton, ou Einstein, não poderia ser que nem eles claro, mas pelo menos entrar para o patrimônio histórico brasileiro. Ser uma lenda talvez, quem sabe ainda poderia cantar. Não estava tão enferrujado assim, não... Queria escrever, queria ser lembrado como escritor e nada mais, e ia terminar esse livro de uma vez por todas! Talvez abordar temas globais como política ou sociedade não seja meu forte, talvez que sabe poderia escrever um romance. Iria começar a trabalhar nele a qualquer instante, mas agora não, agora é hora de dormir. Os olhos semicerrados, barulho de pássaros a minha volta, senti o doce cheiro da floresta, o sol estava batendo na minha cara, normalmente detestava o sol, tentava vinte e quatro horas por dia me esconder dele. Mas do que adianta isso? Do que adianta se esconder das coisas? Da vida, das pessoas? Do sol? Da lua... De que adianta se esconder se mesmo assim sua mente não muda, seu desejo não muda, seu sentimento continua o mesmo, sua fome insaciável pela luz um dia vai te dominar e você vai sair pra ver o sol, por isso eu não tinha mais medo dele, não tinha mais medo de ninguém com ela. - Lua! Tentei mais uma vez chamá-la, ela estava num sono profundo em cima do meu peito, podia sentir a respiração dela batendo
  • 44. contra meu corpo, ela dormia com as duas mãos sustentando o rosto como se tivesse caído no sono olhando pra mim. Acordei-me pela manhã, era o dia mais cansativo da semana, porque eu tinha cinco aulas pra dar. Tive que me levantar cedo dessa vez, mas isso não me importou nem um pouco, de algum jeito eu estava disposto a fazer qualquer coisa hoje. Não vi o tempo passar enquanto andava o longo caminho de casa até a escola, é impressionante como a única coisa que mudou na minha vida foi o meu crescimento, ainda morava na mesma casa que minha falecida mãe morava, e fazia o mesmo percurso a pé como sempre fazia, em vez de simplesmente pegar um ônibus, como se a caminhada fosse preferência mas não era, eu só me esquecia de ficar esperando na parada e ia a pé mesmo, só me dava conta quando estava chegado, e cheguei. - Se Sócrates admite nada saber, e faz profissão de fé de sua ignorância, Como pôde ser considerada a mais perfeita descrição de filósofo? Sócrates sabia mais que qualquer um, que a posição de um ser que deseja o conhecimento, e a completa ignorância, como poderia um total sábio aprender? Como poderia conhecer mais sobre o mundo e sobre si mesmo, se este já sabia de tudo? Então Sócrates nada mais nada menos fez a façanha mais esperta de todos os tempos, façanha que anos mais tarde você veria diferente em sua historia, Sócrates se achava ignorante, porque assim poderia aprender mais e mais sobre o mundo e sobre si mesmo, e o que o mais define o filósofo do que a busca constante pela saber?
  • 45. O que vocês acham disso? O que vocês acham sobre o mundo? O que vocês acham sobre o governo? Isso não é uma busca constante pelo saber? Vocês passam horas nas redes sociais, alguns mandando indiretas pros namorados, outros se preocupando mais em usar a rede pra divulgar protestos, ou festas ou eventos, logo os outros expectadores tem sede, tem sede de entrar e ver essas coisas, porque querem saber o que vai acontecer, querem saber tudo. Querem informação, mas será que toda informação é boa? Tipo, você passa o dia todo em uma rede social que não faz nada além do que curtir fotos, compartilhar fotos, ler de vez em quando um texto de Caio Fernando Abreu, ou Clarice Lispector, e compartilhar no seu perfil se achando a pessoa mais culta do planeta, como se esses intelectuais se estivessem vivos fossem admirar vocês por estarem lá compartilhando sua obra, mas enquanto vocês perdem tempo com isso, existem outros adolescentes, os chatos na verdade. Que não falam com ninguém, que são lixados nas ruas ou no próprio colégio pelos colegas, que não são convidados para festinhas nem eventos, aqueles que não perdem tempo online, que entram de vez em quando para um mínimo prazer, que acham melhor compartilhar uma obra famosa falando porque ele REALMENTE LEU A OBRA. Esses são os considerados adolescentes da nova geração, a salvação de nosso planeta governado ainda por mãos machistas, e fanáticos religiosos. Uma luz no fim do túnel, pra essa geração que só se importa consigo mesma, que perdeu totalmente a noção de si e vive sonhando com um status que não existe. E isso, também é filosofia, portanto os que ainda não conseguiram enxergar acordem! Voltem à realidade de mundo e saiam das telas, saiam das telas de computador, saiam do facebook, saiam do whatsapp , saiam de todas essas
  • 46. coisas que foram desenvolvidas especialmente para travar vocês numa vida fora do mundo! Uma vida inteiramente destinada a uma sala de bate papo, conversando coisas monótonas, alimentando o egoísmo e o tornando cada vez mais longe da sociedade e de si mesmo, não devemos nos afastar da sociedade, devemos repará-la! Olhos assustados me observavam, uma turma inteira de sala de aula estava calada naquele momento com a atenção desviada a mim, e não tão longe, estava Ipatia que liderava totalmente a sala no quesito olhos esbugalhados, e total posição do corpo indicando uma atenção quase que hipnótica. Também estudei um pouco de psicologia. Eu sei, que alguns aqui vão ficar com medo de mim, mas saibam que minha matéria é assim, a filosofia é assim. Nós só acordamos desse tipo de sono, com um balde de água fria, é um choque forte de realidade. Com a filosofia de Sócrates, podemos abordar milhares de assuntos, podemos falar tanto quanto a filosofia de hoje, quanto à de antes, filosofia está em todo lugar, totalmente, assim como a religião ela é uma coisa característica de cada nação, de cada tribo, porque precisamos e necessitamos de questionamentos, e respostas. Precisamos de informação, porque mesmo sendo tão velhos, mesmo estando aqui há tanto tempo, ainda não conseguimos resolver o maior mistério do mundo. O QUE REALMENTE SOMOS. Sobre isso não há mito que possa nos explicar, não há ninguém na verdade que possa responder essa pergunta, a única pessoa que pode pelo menos chegar a uma alternativa provável, somos nós mesmos.
  • 47. - Professor, então você quer dizer que a gente devia parar de ir à igreja? Um garoto perguntou do lado esquerdo da sala. - Não, não estou dizendo isso, a igreja ainda é um dos lugares mais fortes pra se encontrar com Deus. - Mas e se Deus realmente não existir como o outro professor falava? - Quem falava isso pra vocês? - O professor de matemática. Aquela noticia com certeza já tinha chegado aos ouvidos dos alunos, não poderia de nenhuma forma ignorar aquela pergunta. - Ok, escutem. Tem gente nesse mundo a qual aconteceram muitas coisas ruins, que não conseguiram ser felizes na vida, que esqueceram que a melhor coisa do planeta, e saber amar. Esqueceram que no mundo existem mais possibilidades pra viver, e se esquecem de que decepções são normais na vida de um ser humano, se autodestroem e tentam destruir a vida das outras pessoas. Quase que intencionalmente, pessoal quando se encontrarem com pessoas assim no mundo, alguns de vocês vão querer se afastar porque é a coisa natural que um ser humano faz, mas com certeza vai haver pessoas que vão parar pra pensar, vão continuar ali, e vão se apaixonar por elas, porque geralmente as piores pessoas são as mais apaixonantes. E vão tentar ajudá-las, vão dar um ombro pra elas chorarem, qualquer coisa, e são essas pessoas. Que Deus irá se lembrar de quando finalmente acabar com essa tormenta. - Então o senhor acredita mesmo em Deus? - Sim, acredito que existe um jeito de a gente não se perder nesse mundo, acredito que existe um caminho a qual todo
  • 48. mundo deveria seguir, para sermos bons e convivermos uns com os outros, um caminho onde cristãos são aceitos, muçulmanos, hindus, judeus e qualquer outra religião, para andarmos juntos não como servos, mas seres humanos, porque mesmo a ciência desenvolver as melhores teorias para explicar o mundo, nunca jamais explicarão a força que o moveu. Nada surge do nada. - Então o senhor não acredita em Deus como Jesus Cristo? - Deus se manifesta de várias formas, de acordo com cada civilização, ele tem um nome, e uma função, algumas civilizações o dividem em vários Deuses, mas o seu propósito sempre é o mesmo, nos proteger e nos guiar no convívio espiritual. - Cara, nunca pensei nessa forma. - Meu trabalho é esse, e ajudar vocês para o monte de merda que vocês vão ter que engolir futuramente. Ajudar vocês a filtrar metade desse entulho. A aula terminou, não teria mais aula hoje para mim então pegueis minhas coisas e sai pelo corredor atravessando a montanha de alunos, enquanto eu andava não percebi alguém me chamando, e depois disso senti uma mão gelada me agarrando por trás. - Professor! Virei-me de costas e vi Ipatia olhando pra mim. - O que foi minha cara? - O senhor está ocupado? -Não muito, estava indo pra casa, mas diga. - Preciso conversar com o senhor, é uma conversa urgente. Não sei se o senhor é pessoa certa pra isso, mas é que eu não tenho outro jeito. - Ok, acho que tenho uns minutos pra você, diga.
  • 49. - Aqui não, vamos pra arvore. - Que árvore? - A arvore que o senhor vai todo dia se sentar. Estranhei aquilo no momento, como ela sabia disso? Estava me seguindo? Me espionando? Mas a acompanhei até a copa da arvore, que há muito tempo conhecia, mas nunca tinha reparado que era um grande cajueiro, talvez porque nunca tinha visto ele com tantos cajus, e tão laranjas. - Eu não estou te seguindo. - O que? - Se é o que pensou. - Há, não tem problema, só achei meio confuso porque nunca ninguém vem aqui. - Eu venho, eu me sento ali naquele canto do muro, me deito naquela pedra pra pensar. Ela apontou pro extremo do lado esquerdo do cajueiro, uma pedra enorme com uma sombra de um galho da árvore repousava sobre o chão, parecia um ótimo lugar como o meu pra gente solitária. Ipatia era esperta. - Nunca te vi ali. - Nunca ninguém me vê. (risos) - A primeira pessoa que reparei na sala quando entrei naquele dia foi você, você é muito inteligente garota, mas me conte o que fez você fez? - Bom, professor, eu quero que saiba que isso pra mim é uma coisa totalmente nova mesmo sendo normal pra minha idade, eu nunca tinha pensado nisso então se eu contar de forma exagerada, ou assustada. Não ria senão eu saio correndo. - Ok, Sem problemas Ipatia. Ela se deitou mais um pouco nas raízes da arvore e procurou não olhar pra mim, em vez disso direcionou o rosto pros
  • 50. grandes galhos do cajueiro, em fim depois de alguns instantes ela falou. - Estou gostando de um garoto. - Conte-me uma que eu não sei. - Não, na verdade estou gostando dele, mas não sei se quero algo com ele. - Conte mais uma você está quase perto de me impressionar. - Ele é bonito, pelo menos pra mim, fala comigo como um anjo, escreve textos lindos pra mim, foi a primeira pessoa que falou comigo desde que entrei, e estou me sentindo atraída por ele, só que tem uma coisa. - O que? - Ele é do 3° ano, aparece na minha janela de noite, e passa a madrugada conversando comigo, sai pra beber e depois liga pra mim de madrugada quando não tem condições de subir a parede, ou seja, não sei se a minha mãe ia gostar dele. - Ipatia, você acha mesmo que eu tenho condições de te dar um conselho sobre isso? - Não, mas minha mãe parece que confia em você, então eu confio também, me diz o que eu faço? - Ipatia, passamos o tempo todo querendo ser mais belos, mas perfeitos, mas quando estamos querendo amar, deixamos de lado às vezes uma olheira, ou até quilinhos a mais do que desejado, esquecemos a barba mal feita, ou aquela cicatriz, esquecemos das feições físicas, e também das feições psicológicas, logo a pessoa desaparece por completo, você não vê mais o seu corpo, você não vê mais o seu rosto, a única coisa que você enxerga, é o amor. Então se você acha que está preparada o suficiente pra amar, então ame, se não acha, então nunca vai amar.
  • 51. Estamos andando no meio da noite, o céu está estrelado, isso é um milagre por aqui, uns garotos passam por mim cantarolando e correndo atrás de uma bola, há pessoas na esquina bebendo e ouvindo música em um bar, e na outra esquina uns sons chamam a atenção de Sofia. - Tá ouvindo isso? - O que? - Esses evangélicos falando, me dão nojo. Há uma pequena igreja na outra esquina, onde está acontecendo um culto, às pessoas louvam e louvam ao senhor Jesus Cristo lá dentro, esbanjando a alegria do céu como dizem, e convidam qualquer um para entrar. O que sempre me instigou nessas instituições religiosas, é que eles realmente são felizes com o que fazem, alguns são enganados é claro, pois Jesus falou que viriam falsos profetas em seu nome. Mas mesmo assim, eles são felizes, coisa que muita gente considerada inteligente nesse mundo, não tem de forma alguma, são inteligentes e são cultos, informados e críticos, mas não contem uma coisa que parece ser somente digna dos ignorantes, a felicidade. Poucos conseguem ser informados e felizes ao mesmo tempo, por isso eu não tinha nada contra os religiosos, aliás, os admirava muito. Mas não era pra eu viver desse jeito. Eu gosto de perguntar. - E o que tem Sofia? Eles parecem felizes. - Não to falando disso, felicidade a gente encontra em qualquer buraco. To falando da grande farsa que é isso, da religião em si. - Uma farsa que ajuda milhares de pessoas. Acho que a religião sabe o que proporciona ao mundo, ela ajuda. - Diz isso para o pessoal do Oriente Médio.
  • 52. - Sofia, a mente vê o que escolhe ver. Nunca esqueci essa frase. - Eu escolho ser feliz sem precisar de um álibi. - Boa sorte, ser feliz já é um álibi pra muita coisa. - Mas porque Renato, porque eles vivem assim? Sobre uma mentira? - Não é a religião em si que importa Sofia, não é a historia em si que importa, no fundo essas pessoas não procuram ter a vida eterna, não procuram fazer tudo isso simplesmente para ir ao céu, essas pessoas estão ai porque acham que é melhor viver assim, é melhor viver em oração, do que viver em pecado, é melhor dar o dízimo todo mês, do que usar esse dinheiro pra beber. É melhor ir a um culto ou uma missa todo domingo, do que passar a noite toda em bares, baladas e orgias, me diz o que te satisfaz mais? - Dormir olhando pro céu. - Tá ai o motivo de que não precisamos de religião, falamos com Deus a noite, e adormecemos encarando seu rosto. Dois dias, dois dias se passaram desde que revi Sofia.
  • 53. PARTE SETE Temas, temas pra minha cabeça pensante, o que escrever sobre o que escrever sobre como escrever e como terminar? Droga, como poderia pensar tanto assim e não conseguir colocar isso num papel? Estou a horas desde que sai da escola sentado na minha escrivaninha e olhando pra tudo quanto é coisa nesse mundo, estou olhando pra janela nesse momento, os carros passam na rua, as pessoas passam na faixa de pedestres, o mundo gira e tem uma lagartixa morando de trás do armário da cozinha, e eu não consigo de nenhuma forma ter inspiração, não consigo de nenhuma forma aceitar esse desafio, e tem Sofia, Sofia... Droga, ela voltou a atormentar meus pensamentos, ela voltou a me por em conflito com o meu próprio eu, aquela sensação adolescente novamente voltou com tudo, vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo, vontade sair correndo atrás dela feito um idiota, porque sabe que não vai dar em muita coisa mais mesmo assim, aquelas mãos no meu cabelo de novo eu iria adorar, com certeza. Droga, porque não consegui me livrar disso? Porque não consigo ultrapassar essa fase da minha vida, vejo tantos amigos meus cheios de ex-namoradas que não se lembram mais nem a cor dos cabelos delas, felizes com suas novas, algumas esposas. Alguns continuam solteiros, mas todos passaram sobre a experiência da primeira namorada e saíram ilesos, porque justo eu tinha que ficar preso a uma coisa tão simples como essa? O telefone toca. - Alo? - Oi Renato, aqui é o seu Jorge o porteiro. - Boa noite seu Jorge o que o senhor quer?
  • 54. - Renato, tem uma mulher aqui dizendo que quer falar com você, já passou das dez horas por isso eu barrei ela aqui na portaria, mas ela diz que é sua amiga, eu deixo entrar? Só pode ser a Maria querendo me importunar com os diários atrasados, droga, não to com saco pra isso agora. - Diz que eu to ocupado Jorge. - Ela tá insistindo, deixo ou mando embora? - Não, se mandar embora vai ser pior deixa entrar. - Ok, boa noite Renato. - Boa noite Jorge. Cara, melhor do que isso não tinha, Maria tem as horas perfeitas pra me atormentar, dez horas? Eu tenho que me vestir dez horas da noite? Droga, eu tava de cueca lindo e maravilhoso depois de um dia todo naquela escola. Porque ela não me contou sobre isso antes? Ou seja, lá o que for que ela queira, seria até menos nervoso pra mim cinco diários atrasados pra amanha, do que a pessoa verdadeira que tocou minha campainha. - Oi Renato. Meu pesadelo voltou. - Oi Sofia. Lógos ainda não tinha chegado em casa, ela estava do lado de fora da minha casa, não sei, não sei porque ela fazia aquilo, me olhava de um jeito que me deixava louco, tentarei de tudo pra resistir a isso, tentarei mas não sei se consigo. - Sabia que era questão de tempo pra você me encontrar. - É que eu queria conversar com você. - Cadê a Ipatia? - Em casa estudando.
  • 55. - E você deixa sua filha em casa sozinha? Quanta responsabilidade. - Ipatia sabe se cuidar, desde criança ela nunca me deu motivos pra não confiar nela. - Ela sabe onde você está? - Ela sabe tudo de mim, eu que meio faço papel da filha e ela a mãe, a única vez que eu a aconselhei com algo foi quando ela menstruou pela primeira vez, mas ela me dá conselhos todo santo dia, é frustrante. - Imagino. - ... - Sofia, eu só queria rever sua cara, e ouvir sua explicação de ter sumido daquele jeito, não ache que eu queira uma amizade com você, me magoou muito. - Eu sei disso, vim aqui pra te pedir desculpas por tudo, porque Ipatia me disse que era melhor eu fazer isso, do que ficar me remoendo de arrependimento. - Ok, eu lhe perdoo pelo que me fez só isso? - Me deixa entrar pinguim! Como eu deixei isso acontecer eu também não sei, só sei que Sofia entrou e eu não lembro mais de nada, acordei no meio da noite com a cabeça dela encostada no meu peito, do mesmo jeito de antes como se tivesse adormecido olhando pra mim. Dei uma rápida olhada no quarto, estava escuro e vazio, o único som no meio do silencio era meu ventilador ligado, fazendo os cabelos dela voarem, eu estava acorrentado novamente. Entrei num desespero total e comecei a chorar em silencio, lembrando-se das infinitas vezes que tinha repetido aquela cena, das outras vezes que tinha chorado do mesmo jeito, em
  • 56. silencio. Para não acordá-la de seu sono profundo, e depois de desabafar, cochilar mais um pouco, porque já tinha sido feito então não tinha pra onde correr. O que tinha pra mim agora era só dormir e esperar ela ir embora de novo, sem falar que Lógos ia me matar quando visse aquilo. Após alguns minutos a porta se abriu, Ló entrou no quarto, me olhou de um jeito estranho, eu imediatamente virei o rosto e fingi que estava dormindo, estava escuro e ele não ia ligar a luz, mas ligou. Quando ligou a luz, reconheceu a face de Sofia deitada dormindo em direção ao meu rosto, eu olhei pra ele, ele olhou pra mim, depois virou a cabeça e abriu meu guarda roupa, pegou uma blusa minha desligou a luz e saiu do quarto, nossa! Como eu amo o meu amigo!
  • 57. De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. - Vinicius de Moraes. Soneto de fidelidade, é o que eu recitei sussurrando por meia hora fazendo um café. Sempre admirei profundamente Vinicius de Moraes, ele era apaixonado pelo amor, agora quando eu digo “apaixonado pelo amor” não confunda com uma mulher ou algum relacionamento. Ele não era apaixonado por alguma coisa que lhe dava amor, ele amava o sentimento em si. Lembra-se de alguém? Sócrates é claro, tudo é pura filosofia. Queria ser poeta Mas poeta não posso ser
  • 58. Porque poeta Pensa muito E eu só penso em beber. Resolvi escrever poemas, achei mais fácil fazer versos do que escrever em si. Mas fazer o que? Já que o meu ideal de escritor está voando nas nuvens, tão alto que não consigo mais ver. Aleatoriamente irei escrever sobre qualquer coisa. Sobre o que me importa, e o que não me importa. É bom descrever o mundo, é bom ser assim. Sofia dorme demais. Ainda está na minha cama, eu me pergunto onde está a filha dela? Será que se acostumou com a mãe irresponsável e se tornou independente antes do tempo? Só uma genética bem boa pra ser assim, pelo que vejo o exemplo de pais como Sofia acabava com a adolescência. Formando pessoas rebeldes e não o contrário. Depende de cada um. - Bom dia Pinguim. O Ló nem se virou quando ela apareceu na cozinha. - Não atendo por esse nome há muito tempo. - Você vai ser sempre meu pinguim. - Também não pertenço a alguém há muito tempo. - Não me diga que você nunca me esqueceu. - Nunca precisei de outra mágoa. - Então quando eu fui embora você deixou de acreditar no amor? Sente-se por favor, e coma. Depois vá pra casa porque sua filha precisa comer. Ela se sentou junto à mesa comigo. - Ipatia está com a vó dela. - E o que você veio fazer aqui?
  • 59. - Eu vim te pedir um favor. - Qual? - Quero ficar aqui por uns dias, quero ficar com você. Eu preciso disso, me colocaram pra fora daquela casa. Eu não tenho como pagar minhas contas, só preciso de um tempo. - E quanto a sua filha? - Ela vai ficar com a vó dela, você sabe que não gosto de morar com a minha mãe. - Há então você quer voltar a morar comigo, como antes enquanto seu marido gringo trabalha lá fora. - Não Renato, não existe marido Gringo, o pai de Ipatia morreu há uns anos. - Quantas vezes você já matou esse cara? Nossa como ele sofre. - É verdade, falo isso pra amenizar a situação, Ipatia prefere ouvir de mim que ele está fora do que a verdade. - Você acha que pode consertar tudo de novo? Tipo, num passe de mágica? - Não quero consertar o passado, quero pagar ele, por isso deixe essa louça onde está e não lave, vá tomar banho pra ir pro colégio, agora! - Não pode me dar ordens. - Não posso? Cinco segundos pra você levantar dessa mesa. Ló se virou e saiu de seu mundo, olhou pra cara dela e pra minha, depois de um tempo falou. - Ela vai pagar a luz esse mês, ok? - Que foi Ló? - Você vai deixar ela ficar aqui com certeza, eu não to nem ai pro que você faz, sabe disso. Mas ela vai pagar a luz. Olhei pros dois, Sofia já estava lavando a louça na cozinha, suspirei profundo e revirei os olhos, que droga!
  • 60. - Não tem problema, eu pago esse mês. Lógos se virou e saiu da cozinha falando: - Amor... se livra disso cara. PLATÃO O ETERNAMENTE VERDADEIRO ETERNAMENTE BELO E ETERNAMENTE BOM - Em fim, como digo? O que é eternamente belo? - Nada é eternamente belo professor. - Nada? Tem certeza? - Sim, todos nós somos belos, de acordo com a definição de belo de cada pessoa. - Muito bem, mas e se não existisse feiura? - Todo mundo seria belo. - Está errado, se não existisse feiura, continuaríamos a ser belos mas não saberíamos disso. Se não soubéssemos o que é feio, nunca saberíamos o que é belo. - Não estou entendendo. - Platão acreditava numa coisa chamada “ideias”. Ele dividiu o mundo em dois: O Mundo Real O Mundo das ideias. Platão acreditava que tudo o que acontecia nesse mundo, todas as coisas que vemos e acreditamos, vinha de um molde perfeito e imortal, que estava em outra dimensão ou em outro
  • 61. mundo como preferir. Para poder vir aqui. Meus caros jovens? Digam pra mim como seria um cavalo. - Quatro patas. - Crina. - Cascos - Um nariz enorme. - Sim, mas vocês precisaram olhar pra um cavalo quando pedi a descrição? - Não. - Por quê? - Porque a gente sabe o que é um cavalo é claro. - Era isso que deixava Platão com a cabeça quente, ele teve muitos outros trabalhos além desse, mas como estou resumindo tudo, vou falar somente do principal. Platão acreditava que na nossa mente, existiam todos os moldes imortais, que partiam do mundo das ideias e vinham para o mundo real como copia dos moldes originais. Você não pode imaginar um cavalo manco quando peço para imaginar um cavalo, porque o molde imortal não é manco. Nem um gato bípede, nem um porco falante. Entenderam agora? - Sim. - Assim como o amor, você imagina o amor como um ser perfeito, um ser mágico, imortal. Você vai imaginando esse amor à vida toda, esperando que um dia se concretize finalmente a sair do mundo das ideias, esse amor dito “platônico”, esse amor de cinema, que toca uma música bem alta quando o primeiro beijo é lançado ao mar. E vai passando nos flash backs com a musica tocando, todos os momentos ruins da sua vida, e como num passe de mágica tudo isso some porque na tela só mostra alegria, só mostra o amor “platônico” como ele é, e mostra os dois indo embora, ou a tela se fecha
  • 62. com o beijo como se fosse pra sempre naquela cena linda, mas nunca mostram o Amor depois disso, como ele machuca, como ele pode ser destrutivo se não o regar direito, pois o amor é uma orquídea extremamente frágil, não é resistente como as outras flores. Para ser retirada de seu habitat natural precisa ter o cuidado dobrado, precisa regá-la, mais que isso, precisa de atenção, de carinho, de colocá-la na sombra quando o sol está muito quente, e quando estiver muito frio, colocar ela mais perto da luz, senão fizer isso, ela vai morrer. Como qualquer outra flor, e consequentemente, não vai ter aroma mais gostoso de sentir do que o dela. - Professor, você tá apaixonado? Bate o sinal. - Fim de aula, espero vocês semana que vem com uma redação sobre o “mundo das ideias”, e quero que leiam a historia da “ Caverna de Platão”. Quem dera eu tivesse dado essa aula. Quando cheguei em casa, Sofia estava deitada na cama, era quase fim de tarde. A casa estava uma pérola só, não tinha nada desarrumado, absolutamente nada. Nem parecia que eu morava ali, ela tinha dado uma faxina em tudo e depois foi dormir na minha cama. - Ló? - O que foi? - Você tá chegando cedo por quê? - Estou com alguns trabalhos em casa, não estou mais trabalhando fora como antes. - Por quê? - Por que eu to com preguiça agora.
  • 63. - Quem arrumou a casa? - A doida. - E você deixou. - Jura que eu ia falar alguma coisa, é difícil uma pessoa que trabalha de graça. - Meu Deus, cara você vive nesse mundo? Ló olhou pra mim, suspirou fundo e depois falou. - Vivo, vivo sim, infelizmente Renato eu vivo nesse mundo, eu tenho uma vida não tão interessante quanto à do Brad Pitt, mas eu vivo, eu vivo numa casa com um amigo que é professor de filosofia, que acredita na harmonia perfeita da humanidade, e vive em uma constante busca pela razão, mas pelo que vi você é muito hipócrita em relação a isso, a razão. O que você faz desde os 14 anos é irracional, e olha pra você? Já tem 21 anos cara! Continua na mesma desde aquele tempo, eu peguei um maracanã lotado de garotas enquanto você ficava na mesma, e depois de tudo, ela vem pra sua vida de novo e você aceita ela na sua cama e ela está deitada lá agora, desfrutando sem esforço do seu suor. Eu olhei pra cara dele, ele olhou pra mim e depois olhou pra tela de novo, eu me levantei e sai da sala. Eu me deitei ao lado dela, foi tão rápido como a aceitei de volta, e tão estúpido como antes. Eu tinha voltado a minha cadeia matinal, e eu estava feliz com isso. Talvez eu seja masoquista. (Madrugada) - Renato, não consigo dormir. - Você está tossindo demais, porque? - Não sei.
  • 64. - Vou ligar a luz. - Não espera! Relaxa deve ser alguma poeira, só me ajuda a dormir. - Com o que? - Fala alguma coisa, você é bom em conversar. - ok. ... ... ... - Renato? - Como é lindo o céu à noite, sem nenhuma estrela, só o grande manto obscuro envolto num mistério sem fim. Em minhas profundas psicoses causadas pela a saudade que tenho de você, o céu me dá alucinações, logo o manto vira negros cabelos, longos e inquietos balançando de um lado para o outro, brincando com a imensidão do universo. Seu olho esquerdo é o sol, e o direito a lua, imagino as estrelas como as infinitas tentativas de nosso amor dar certo, são infinitas e jamais vão sumir. Esse sonho vai tão longe que chego a abrir os braços pro céu, querendo agarrá-lo com todas as minhas forças, geralmente em noite de luar. Porque sou apaixonado pela lua. AMAR VOCÊ MAIS DO QUE AMO, UM POUCO MAIS A CADA DIA. ESSA É A MINHA META. ... ... ... - Parabéns, você acabou de destruir o resto do meu sono. Agora se ajeita que eu vou subir.
  • 65.
  • 66. Não fui dar aula de manhã, faltei. Em vez disso fui passear com ela, sentamos em uma praça, tomamos um sorvete. Saímos como antes, eu estava feliz, esqueci o livro por um tempo, estava leve, estava melhor. Não vi mais Ipatia no colégio, deveria estar estudando na cidade da mãe de Sofia. Fomos passear na praia, ver o por do sol. Chegamos em casa e depois e fomos ver televisão, depois disso, fomos voltando ao nosso estado habitual, eu com ela no sofá assistindo e o Logos sentado na mesa limpando um HD, depois hackeando o perfil da Rafaela de novo, e assim continuou a vida. Fui dar aula novamente, depois de quase três dias sem aparecer no colégio, só conseguia imaginar a cara de ódio de Maria olhando pra mim. - Porque você faltou? - Maria, precisei ficar em casa esses dias. - Ok, você pode fazer isso, mas avise da próxima. - Sem problema. Em uma mente dominada pelo ego, não pode haver filosofia, em uma mente totalmente dedicada a si mesma, não pode fazer questionamentos que o contrariem, sem isso. Como haveria de filosofar? Como haveria um dia ser algo mais do que uma simples pessoa no mundo? Um filósofo não se preocupa muito com si próprio, seu corpo não é nada comparado ao universo, um filósofo precisa se desprender de
  • 67. si, aprender a pensar nos dois lados da coisa, você e o mundo, uma pessoa egoísta jamais descobriria absolutamente nada além de que é egoísta, uma pessoa modesta pelo contrário, descobrirá as recompensas que irá receber por ser modesta. Sobre isso, não tenho o que reclamar, agora vou mostrar a vocês o que fiz, o que realmente me deu para escrever tudo isso. A questão é que pela primeira vez, Sofia não terminou comigo, não fiquei mais triste, não chorei mais em silencio, eu sorri e continuei sorrindo porque ela finalmente tinha mudado pra melhor, e não só ela. Eu também mudei, mudamos muito com a vida, porque ela nos molda de acordo com o tempo, os anos nos envelhecem e nos melhoram. E acho que poderia ser tão feliz se ela não tivesse partido. Sofia voltou ao Brasil não porque estava cansada de ficar longe daqui, Sofia voltou ao Brasil porque estava doente. Sofia voltou ao Brasil porque seu médico lhe deu mais um mês de vida, e ela precisava se despedir de seus parentes, mas não contou a ninguém o seu enfermo. Estou agora sentado, há uma semana escrevendo todas as memórias que lembro desde que comecei a escrever meu livro, não conseguia dormir na minha cama de novo, a imagem dela morrendo foi a coisa mais horrível que presenciei. Partiu sorrindo, como sempre fazia. - Desculpe não ter contado a você. - Você nunca conta nada. - Eu não queria estragar meus momentos. - Eu poderia ter tentado ajudar Sofi. - Não, eu só queria passar meus últimos momentos com você, e com a minha filha, ela não pode entrar aqui?
  • 68. - MÃE! Ipatia entrou na sala correndo, chorando aos prantos, se ajoelhou o lado da cama e pegou na mão de Sofia. - Mãe, porque você não me contou nada? Contamos tudo uma pra outra. - Não queria fazer você sofrer antecipada. - Mãe porque fez isso? - Porque te amo. - Renato... Disse Sofia numa voz quase sussurrando Finalmente não consegui me conter mais, e cai num choro silencioso. – Sofi? - Arrume sua cama mais vezes, e não deixe que o sorriso dela fuja. O som do marcador de batimentos começou a apitar, imediatamente uma equipe entrou no quarto para começar a sessão de reanimação do coração. Essas foram as ultimas palavras de Sofia Moreira Rocha. Passei uma semana toda dormindo no sofá, a cama que recitei o melhor texto que escrevi estava fora de questão. Não vi mais Ipatia desde então. Um silêncio envolveu aquela casa, já não se ouvia mais absolutamente nada, Lógos não saia do quarto, acho que por respeito, algumas vezes tentou me chamar pra sair, mas eu não conseguia andar muito, só queria me deitar no meu sofá e dormir. O destino realmente me odiava, totalmente, e mesmo a tudo isso, eu nunca senti vontade de morrer, como o professor de matemática, e nunca fiquei tão deprimido a ponto de usar drogas. Nunca fui uma pessoa assim, minha depressão é a coisa mais silenciosa do mundo, porque ninguém é obrigado a
  • 69. sofrer comigo, mesmo que eu diga que a vida é minha e eu faço o que eu quiser com ela, a vida não é totalmente minha, a vida é de um modo bem discreto conectada entre todos os seres vivos, não importa o quanto esteja gostoso esse bife que estou comendo, eu estou triste pelo boi que teve que morrer para eu satisfazer meu paladar. Não importa o quanto eu seja sozinho, ainda existirá pessoas que irão sofrer por mim, como a mãe que estava chorando na calçada, e que está se culpando em casa pela morte de seu filho, pra cada pessoa que se perde no mundo, há o triplo de pessoas sofrendo por ela! Família, amigos, conhecidos, e etc. Devemos nos lembrar, que vivemos como um, que antes de humanos, somos irmãos. - RENATO! - O que foi Lógos? - Se levanta agora! E vamos sair, agora e não bote boneco! - Já disse que não vou sair karalho! Me deixa em paz. - Você vai sim, precisa de ajuda. - Não eu não preciso. Agora com licença. - Maninho, são peitos. - Que peitos mah? - Vamos logo, vai dar certo. Ló me fez levantar e sair de casa, me levou pra rua e não falou comigo mais pra nada, só me mandou seguir ele. - Aonde a gente vai? - Espera, já você sabe. - Cara, essa rua... - Eu sei, eu sei. Chegamos no bar em que eu o conheci, lembro-me como se fosse ontem.
  • 70. - Nietzche? Cara se liberta disso. Virei-me e fechei “O Anticristo”, a imagem diante de mim era ridícula, um menino magro e alto com os cabelos assanhados, uma blusa com a frase “ e os nerds herdarão a terra “ e um notebook debaixo do braço. - Quem é você? - Eu sou o cara que se impressionou com uma pessoa lendo Nietzche nesse século. - Ok, agora se me der licença... - Você gosta do que mais? Correu pro balcão do bar e abriu o Notebook, enquanto o computador iniciava ele ficou olhando pra mim. - Eu gosto do que? Como assim? - O que você faz cara? - Eu sou professor. - Legal, de que? - Filosofia, Sociologia, às vezes faço um bico em Língua Portuguesa. - Que foda cara, e você lê o que alem de Nietzche? - Eu leio sobre tudo, um pouquinho de cada coisa. - Conhece geometria espacial? - Conheço. - Gosta de filme de terror? - Gosto um pouco. - Qual a sua opinião sobre Gustavo Lima? - Uma merda. - Você é perfeito! Quer morar comigo? Que cara louco, será que eu tinha cara mesmo de ser como todo mundo fala?
  • 71. - Desculpa, mas é que eu não curto.. - Eu não sou gay. Só to precisando de ajuda. - Ajuda em que? - Aluguei um apartamento, e estava a procura de alguém pra dividir as contas. - E você veio atrás aqui? - Não, na verdade eu tinha ido à praça procurar alguém, ai acabei vindo aqui depois que começou a chover. - Ah, e como você chama alguém sem nem conhecer direito? - Como é seu nome? - Renato. Ele estendeu a mão e apertou a minha. - Prazer, sou Lógos, agora te conheço. - O que? Mas... - Cara, você bebe? - Não Muito. - Fuma? - Não. - Então tá ótimo, saca só nisso aqui que eu to desenvolvendo no computador... - Bem legal né? Lógos olhava o bar na frente deles, ainda não tinham entrado. - É, tem tempo que a gente não vem aqui. O bar era pequeno, geralmente de cem pessoas que passarem ali só uma ou duas perceberiam que ele existia, porque ele era quase escondido e não tinha propaganda alguma, só uma placa de aberto e fechado.
  • 72. - Cara, que legal né? Vamos entrar então. O bar não tinha mudado absolutamente nada, tinha o mesmo cheiro de mofo, talvez os mesmos bêbados daquele tempo, com alguns cabelos brancos dessa vez. - Lembra daqui não é? Lógos pulou em cima do banco e me chamou, eu sentei. - Claro que lembro. - Ainda tem aquele livro de merda né. - Tenho é claro. - Te trata cara. - Ok. - Em fim, cara, o que a gente tem aqui não é só os peitos que a gente via naquela parte do balcão, onde ficava aquela menina toda quarta. Aqui, a gente construiu uma amizade, cada tijolo desse lugar está fixado com o cimento da nossa amizade. - Cara, que gay. - Deixa eu terminar... - Ok. - Em fim, cada minuto que passamos juntos desde aquele tempo, girou em torno desse lugar, eu conheci minha ex- namorada a Rafaela aqui, você se lamentou pra mim por séculos falando da Sofia aqui, eu tive que te aguentar bêbado por isso aqui. Agora estamos mais uma vez aqui nesse mesmo bar, nesse pedaço da nossa vida, pra te dizer uma coisa. - O que cara? - Essa é a minha última noite aqui, eu vou embora amanhã pros Estados Unidos, fui contratado por uma multinacional. - ... Sério? Gelei, como conseguiria viver sem o Lógus? - Sério, eu estou eufórico cara, querem que eu vá amanha logo.
  • 73. - Cara, to muito feliz por você, você vai me abandonar sozinho aqui. - Não né, to dizendo aqui porque quero te levar pra lá. - Sério? - Claro cara, acha que eu vou te deixar? Você faz café. - Cara, seria uma honra lhe acompanhar. - Então vamos comemorar irmão. - Quem dera Sofi estivesse aqui também. - Sofia era uma pessoa legal, gostava dela apesar de tudo. - É, uma pessoa marcante. - É então? Vamos ao vinho, no meu caso uma dose de tequila seria o melhor. - Pra mim sempre, pra sempre o vinho. Cheguei em casa cambaleando, Lógos caiu no sofá e não levantou mais, quando resolvi entrar no meu quarto, ele estava todo arrumado como antes, menos a cama. Comecei a arrumá-la e notei uma ponta atrás do travesseiro, o joguei no chão e vi um envelope, coloquei o envelope em cima da mesinha ao lado da cama, e arrumei o os lençóis, depois disso levei o envelope para a cozinha e o abri. Era uma carta ... Pinguim. Se você estiver lendo isso é porque eu acertei que você demoraria séculos pra dormir na sua cama de novo, assim
  • 74. com eu fazia quando tinha que ir embora. A tragédia faz parte da historia humana desde os primeiros tempos, e essa carta é sobre a minha tragédia. Tenho uma doença rara desde que nasci sempre fui acostumada a viver em hospitais, e com médicos dizendo que eu não ia durar muito. Vivia na euforia de que um dia me tirariam dessa tortura, mais nunca me deram uma certeza de que viveria normal, meu tratamento era para sobreviver mais um pouco, e não ser curada, então deixei de esperar e comecei a aproveitar melhor o pouco de vida que eu tinha. Quando conheci você naquele show, eu me senti uma nova pessoa, você me transformou de uma forma tão estranha que eu fiquei confusa. Passei a ver minha doença com outros olhos, e passei a sorrir pra ela. Quando piorei e tive que ir embora, eu enlouqueci, porque a gente tava tão bem, e tava indo tão bem, tudo dando certo. Eu não queria contar pra você e estragar tudo, porque detesto a cara de pena que as pessoas fazem pra mim o tempo todo, a cara das enfermeiras, a cara dos meus pais, a cara das minhas tias, meus primos, DETESTO A MINHA FAMILIA POR ISSO. Assim, eu terminei com você, eu terminei com você várias vezes... mas nunca porque quis te machucar, é porque minha doença ficava cada vez mais séria. E na ultima vez, quase me matou, então decidi ficar mesmo no exterior, e sumir da sua vida de vez. Numa consulta diária, meu médico me disse que o tumor estava muito sério. Eu não aguentaria mais uma outra crise, eles me deram um mês, e eu sabia que tinha que fazer isso, sabia que tinha que voltar pra você, queria te ver uma ultima vez, procurei você e soube que estava ensinando na nossa
  • 75. escola, matriculei Ipatia lá porque sabia que você ia se interessar por ela, tudo o que você me ensinou, eu ensinei a ela. E agora eu peço a você, que me perdoe por ter guardado esse segredo, e me perdoe por mais uma coisa, uma coisa que eu sei que você vai ficar com ódio da minha cara, mas foda-se você não pode fazer nada comigo agora certo? Certo. A verdade que eu nunca disse, é que na ultima vez que a gente transou antes de eu ir embora, eu me esqueci de tomar a pílula. Vá atrás da nossa filha, e não deixe nunca que o sorriso dela desapareça, assim como fez comigo. Nos dias frios da Antártida, na temporada sem o sol, havia um pinguim cansado de andar na neve. O pinguim solitário vivia sozinho, enquanto todos os outros já haviam encontrado seu par, ele andava pelas colinas de gelo procurando alguém pra amar. Eis que um dia o pinguim, cansou de procurar, levantou a cabeça ao céu e caiu no lençol de neve, deitado no frio cortante, observou o cosmos da noite, lá em cima sozinha, no manto escuro do universo havia a lua, com seu poder seu poder hipnótico de paralisar qualquer olhar. E sem querer o solitário pinguim, se apaixonou pela lua, e no frio do gelo, um coração ardeu em chamas. O pinguim toda noite, perdia o sono a observar, andava pelas montanhas mais altas, sonhando no céu tocar.
  • 76. Impossível como o amor de cinema, romântico como os poetas, o amor do pinguim pela lua, era um doce tortura congelante. Um dia cansado de andar, o pinguim nem percebeu, num abismo ele tinha chegado, o mais alto que podia alcançar, e sem querer ele caiu, numa velocidade impressionante, caiu no mar e boiou, não tinha vontade de nadar. Foi nessa hora que a aurora começou a clarear, e o sol tomou o lugar da lua no céu, e a lua desceu e beijou o mar, foi o mais perto que o pinguim chegou, e o mais forte que pode amar. Esdras Silveira.