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Pensar entreVidas minúsculas: cartografia de sentidos e viveres; relatos de
                                       experiências Vívidas




                                                                       Janete Marcia do Nascimento1

                                                                                   Luciana Alves Pinto2




Introdução




Este texto é um relato sobre uma oficina chamada Vida, desenvolvida com crianças de
sete a doze anos, estudantes de turmas do 3° e 4° Anos dos Anos Iniciais/Ensino
Fundamental, de uma escola pública municipal situada no município de Toledo, no
estado, no estado do Paraná, no Brasil. O tema da oficina surgiu do desejo3 de pensar os
sentidos da palavra Vida entre as crianças, em diferentes aspectos. Assim, objetivou-se
criar atividades que captassem intensidades vivenciadas pelas crianças, compreendendo
os processos de elaboração de sentidos através do desenho, da pintura, da escrita e da
leitura. Seu começo foi no ano de 2011 e algumas atividades continuam sendo
desenvolvidas ainda neste ano. Seu título: Vidas minúsculas – cartografando viveres
infantis, inventado para significar a singularidade das vidas infantis com as quais
convivemos no universo das salas de aula. Nosso desejo foi destacar a grandeza das
vidas das crianças, mostrando nas atividades                   desenvolvidas os viveres infantis
cartografados a cada intensidade, em cada atividade. Esse o desejo deste texto.

Conhecer a vida de cada um, reconhecer-se na vida de cada um, aprender com as outras
vidas, respeitar as vidas que se entrelaçam, entender e compreender os sentidos de


1
   Professora da Educação Básica/Anos iniciais/Ensino Fundamental. Bolsista pesquisadora do projeto
Escrileituras – um modo de ler-escrever em meio à vida do Observatório de Educação–OBEDUC/Inep/Capes.
Núcleo de Toledo/UNIOESTE–Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contato: jmarcia15@yahoo.com.br.
Pedagoga de formação; Especialista em Fundamentos da Educação, Mestre em Letras–linguagem e Sociedade
(UNIOESTE/CASCAVEL/PR). Escrileitora iniciante, inquieta, curiosa e encantada pelas coisas sensíveis e
intensas. Atenta ao devir criação. Amante da Literatura, da Arte, da Filosofia.
2
  Professora da Educação Básica/Anos iniciais/Ensino Fundamental. Bolsista pesquisadora do projeto
Escrileituras – um modo de ler-escrever em meio à vida do Observatório de Educação OBEDUC/Inep/Capes.
Núcleo de Toledo/UNIOESTE–Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contato: luluzinhalap@hotmail.com.
Pedagoga de formação; Especialista em Educação Especial na Educação Inclusiva/UNIPAN/Cascavel/PARANÁ.

3
 O desejo permeia o campo social, tanto em práticas imediatas, quanto em projetos muito ambiciosos. Por não
querer me atrapalhar com definições complicadas, eu proporia denominar desejo a todas as formas de vontade
de inventar uma outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores (GUATTARI; ROLNIK,
1986, p.125).

                                                                                                         1
Vidas. Esse foi o nosso grande desafio. Pois, como cartógrafos, segundo Kastrup (2009,
p.61), nos aproximamos do campo como estrangeiros visitantes de um território que não
habitávamos. O território, no sentido aqui delimitado, foi sendo explorado por olhares,
escutas, pela sensibilidade aos odores, gostos e ritmos. O que se passou nos dias que
vieram? A cada novo dia íamos sendo afetadas por aquilo que os afetava, sofríamos dos
mesmos sofrimentos, bebíamos das mesmas descobertas, estabelecíamos elos. Os
rizomas foram surgindo das intensidades vividas minusculamente, os mapas de vidas se
cartografavam infinitamente!

Destacar-se-ão aqui os disparadores escolhidos para o desenvolvimento da oficina, os
quais se consistiram em conversações, relatos de experiências vividas, elaboração de
sentidos orais e escritos sobre Vida, escrita em diários, elaboração de desenhos,
cartazes, painéis e, finalmente, mostra de desenhos e produções. Importante mencionar
que diversas atividades foram inventadas durante a oficina Vida.




Pensar EntreVidas




A sala de aula é um encontro com inúmeras vidas. Vidas que se refletem, que se
manifestam, que se gestam, que se libertam, que se desejam, que se imaginam, que se
conhecem, que se desconhecem, que brilham a cada olhar, a cada gesto de atenção!
Vida? Quais vidas? Que vidas? Cruzam-se entre si e com outras vidas. Assemelham-se?
Diferem-se? Repelem-se? Libertam-se? Aprisionam-se? Emocionam-se?




De como tudo se passou...

Vidas Minúsculas...




           Fevereiro.   2011.   Manhã   de   quarta-feira.   Trinta   faces.   Amedrontadas,
assustadas, felizes, amadas, expostas, escondidas, atentas, desconectadas, descuidadas,
emocionadas, apáticas, audaciosas, nervosas, tranquilas, tristes, vivas, mortificadas...
Um misto de susto, desafio e esperança. Retrato de uma sala de aula; relatos da vida de
professora. Na sala em frente, o quadro se desenha, repetindo-se a cena. Insiste, repele,
pouco difere. O que há em comum? Escrileitoras numa tentativa desenfreada de

                                                                                           2
conhecer, escrever em meio à vida; vida que se desenha sob nossos olhares e sob os
olhares de nossos pares. Vazio! Na bagagem, dois textos nos serviriam de norte: “Pistas
para o método cartográfico” e “Estratégias biográficas“.

Como descobrir o que se esconde por detrás de cada rosto, expressão, gesto?
“Entretanto, o gesto nunca é totalmente o que parece estar sendo. Apenas insinua algo
do qual seu portador pouco sabe” (COSTA, 2011, p.133). “Vidas Minúsculas”, tentativas
de biografemas de vidas. Conhecer, reconhecer a vida de cada criança; pesquisar vidas,
ler vidas. “A leitura biografemática faz irromper a figura do leitor, não como curioso
empírico, mas como ator de uma escritura que já é ela mesma, a realização de uma vida
possível.” (COSTA, 2011, p.134). O texto surge como um desabafo, descompasso,
tentativa de explicar o inexplicável, busca constante num território inconstante, busca do
nexo, daquilo que não se vê num primeiro olhar, daquilo que não se vê, mas se sente,
contentamento descontente, viver livremente. Será? O que será? Como será? Não sei!
Talvez jamais o saiba completamente, mas sou insistente, não busco respostas: busco
saídas; busco vidas! Então as encontro; e me encanto, me emociono, me decepciono;
vejo um caminho em cada rosto, em cada momento, em cada sinal, em cada desenho,
em cada história, muitos caminhos, que em algum momento se cruzam, se afinam, se
completam. E depois? Depois seguimos caminhos que nos levam a novos caminhos, a
velhos caminhos. Seguiremos sempre!




Vida. O que é?




Por que elaborar e desenvolver uma oficina com o tema Vida? O que move sentimentos,
intensidades, curiosidades sobre a mera constatação de que se está vivo em meio a
tantas vidas que se entrelaçam todos os dias na escola? Na sala de aula, a cada pedaço
de tempo, durante uma ou muitas manhãs, os nervos se afloram na tentativa de
reconstruir laços afetivos de convivência, de ânimo – e por vezes, de desânimo – pela
responsabilidade que se tem como professoras sobre as vidas que se nos entregam,
todos os dias. O que dizer sobre a vida escolar dessas crianças? Como definir, perante as
crianças as muitas vidas das quais todos nós estamos constituídos e repletos de normas
de convivência em todos os grupos aos quais pertencemos? Como definir uma vida que
adentra a sala de aula e sobre a qual pouco ainda se sabe? O que dizer do brilho nos
olhos das crianças ao observar, dia a dia, o nascimento da vida das sementes de vegetais
nos experimentos que se fazem nas aulas de Ciências? Como compreender a curiosidade
                                                                                         3
das crianças pelas vidas que conhecemos juntos, nos diversos livros para os quais se
criou o hábito de adentrar para viagens inusitadas durante o ano inteiro? Muitas são as
perguntas. E é possível que se pudessem elaborar inúmeras respostas, igualmente
questionadoras. Costa (2010, p.47), ao questionar “e a gente entra numa vida como?”
dirá, através de Alain Robbe-Grillet em Por um novo romance, ao comentar a obra do
escritor Robert Pinget, que: “Trata-se de possíveis que erram pelos cantos – de vidas
possíveis, literaturas possíveis”. Pode ser, pois, que nas inúmeras possibilidades de dar
sentido à palavra Vida se possam considerar os encontros que se dão, diariamente,
através dos conteúdos, atividades, brincadeiras, olhares e encantamentos que se
oferecem a cada dia, por crianças únicas, com olhares ávidos por experimentar outros
conceitos de vida.

Seguindo e analisando a forma de escrita do citado crítico, essa é compreendida como
“breves pedaços de realidade decomposta”, ligadas por um só princípio, que ele chamará
de vida – para Pinget, “não estaria no desenrolar das cenas, no seu enredo ou na
narrativa de acontecimentos, mas no que acontece desde que o romance inventa para si
uma origem”. Entende-se então, segundo Costa, que, “se a vida começa por um ‘eu
nasci’”, é porque, a partir daí, dessa invenção, tudo se bifurca, toda uma coleção de
inícios possíveis que se abre a partir desse primeiro enunciado (vida), numa escritura,
seria, ela mesma, um vir a ser.

Com a oficina Vida, foi possível observar o nascimento de um conjunto de possibilidades.
Novos elos que se constituem das intensidades do vívido e do vivido. Talvez aqui seja o
lugar e agora seja o momento de escrevermos sobre Vidas que não são nossas, mas que
se encontram entrelaçadas às nossas pelas possibilidades dos encontros que ainda
nascem das atividades que se compartilham, diariamente. Escrever, portanto, dar-se-á
num gesto desconfortavelmente confuso pelo medo de agonizar, de não dar conta de
expressar as intensidades dos sentidos de vida que se estão construindo durante a
oficina. Observa-se, no entanto, que as atividades desenvolvidas na oficina ainda estão
criando para nós, crianças e professoras, sentidos de Vida referentes às vivências
fundamentais como amor, amizade, carinho; as coisas que gostamos de fazer, como
brincar, ler; aulas de educação física, hora do recreio; sorvete; recreio no parque; vídeo
-game, brinquedos, guloseima. Enfim. As coisas mais fundamentais que vivenciamos no
dia a dia, tanto na escola quanto em casa, em nossas diversas outras Vidas. Chamamos
de disparadores as formas de atividades que escolhemos para desenvolver durante a
oficina Vida, os quais caracterizam iniciativas definidoras de orientações para criar,
desenhar, pensar a Vida, por diferentes meios. Serão apresentados, a seguir, os


                                                                                        4
disparadores que ainda temos usado para a oficina que ora permanece em nossas
práticas.




Rodas de conversações




As rodas de conversas deram corpo a todas as atividades desenvolvidas na oficina Vida.
A cada roda, novas descobertas e criações que se tornaram arte, brincadeiras, desenhos,
leituras, sentidos orais e escrituras desenhadas, a cada vez que iniciávamos uma
atividade   diferente.      As      conversações            permearam            sentidos,         criaram   manias,
transformaram-se em cobranças – entre as crianças quando alguém, de repente, se
deixava levar pelas tentações que atentavam contra a vida, como o desejo de machucar
verbalmente o outro, o uso de palavras indelicadas que feriam os sentimentos do outro e
que, de pronto, lembravam-nos do compromisso estabelecido entre as vidas que
conviviam diária e cotidianamente. Dos sentidos, as constatações de que a vida se
construía a cada dia. Para dar vida às conversas, trabalhamos com a memória. Para isso,
trouxemos objetos pessoais sobre os quais muito conversamos acerca de suas origens,
seus sentidos, suas intensidades, conhecendo a si e ao outro, reconhecendo na história
do outro um pouco da própria história. Através desses objetos pessoais, cada estudante
conta, reconta, inventa e apresenta sua história, a história que vive e que revive ao
contar. Ao ouvir e ser ouvido criam-se elos... Semelhanças, sentimentos, sentidos.




              Foto 1: crianças expondo seus objetos pessoais, expressando suas memórias de Vida.




Criando sentidos
                                                                                                                   5
Descobrimos, no decorrer da oficina, que falar sobre a Vida é muito mais fácil que
escrever. As palavras saem facilmente; já a escrita necessita de recursos mais
elaborados de representação. Então começamos falando... E como falamos! Cada aluno
se deixando ver, mostrando um pouquinho de si, falando o significado da palavra Vida e,
às vezes, mostrando a vida que leva. Quando falamos, deixamos que os outros vejam o
que temos na alma! E foi isso o que aconteceu: lemos almas! Conhecemo-nos, nos
sensibilizamos, nos apaixonamos! E através das histórias de vida de cada um e do
significado da palavra vida para cada um de nós, percebemos as possibilidades de
recomeços e novos começos para nossas próprias vidas e para a vida dos outros.
Utilizamo-nos de disparadores diversos para desvendarmos a vida nas entrelinhas de
nossa existência. Desenhamos, pintamos, dançamos, cantamos, lemos, fabulamos e
escrevemos. Os momentos vividos durante a oficina foram tornando-se necessários,
felizes e livres. Gostamos da ideia de fazer parte daquele território.




Palavras...




Definir o sentido de vida, da palavra vida para si mesmo, através de outra palavra.
Traduzir ao que a palavra vida remete, o que nela permeia, o que nela está presente.
Explicar oralmente o motivo da escolha; escrever em fichas a palavra escolhida e junto a
ela o significado dela para si. Procurar no dicionário o significado da palavra escolhida e
comparar o significado encontrado com o que a palavra teve para si mesmo, antes desse
encontro. Essa atividade nos fez perceber o quão importante é o contexto também no
universo das palavras. Assim como nós, elas, sozinhas, possuem significados diversos,
que podem ser transcriados, reinventados.

                                                                              Foto 3: Escrita
                                                                              de    palavras
                                                                              que
                                                                              expressam
                                                                              Vida.




                                                                                           6
Escritas das histórias de Vida, escrita do minúsculo




Retomando o objetivo maior desta oficina – a escritura de vidas –, propusemos às
crianças que escrevêssemos em diários; escritas do seu mundo, real e imaginário, do que
é, do possível, daquilo que passa despercebido, daquilo que nem mesmo os olhares mais
atentos conseguem ver. Escrita dos segredos, dos medos, dos sonhos, dos desejos, como
forma de melhorar a escrita. De melhorar a vida, pois à medida que escrevíamos nossos
diários, nos conhecíamos, as crianças confiavam-nos seus segredos, seus medos,
alegrias; dúvidas, enfim. O elo tornava-se mais forte. Juntos, descobrimos que a Vida
está presente na arte, na música, no medo, nas pessoas, nos objetos, nos livros, naquilo
que somos, fomos e poderemos ser!




Das diversas formas de ser, sentir e expressar sentimentos!




                                                                                Foto     4:
                                                                                Elaboração
                                                                                de cartazes
                                                                                que
                                                                                expressam
                                                                                Vida.




Buscamos envolver a todos, de diferentes formas. Para isso, optamos por expressar em
cartazes coloridos alguns sentidos de Vidas, por meio da leitura e ilustração de poesias
em homenagem ao Dia das Mães que se aproximava, e que previa uma apresentação
artística na Sessão Cívica da escola. Desenhou-se a vida colorida, viva, atenta como os



                                                                                         7
olhares das crianças, que se intensificavam sobre o branco do papel na vontade de
expressar os sentidos mais intensos dessa palavra em destaque.




Vida por escrito...




Foto 5: Sentido de Vida.                       Foto 6: Sentido de Vida.




Dos sentidos orais e escritos – Vidas




Escrever sobre a vida foi tarefa construída aos poucos: nas produções de textos exigidas
como avaliações constantes dos avanços na escrita; nas cobranças diárias sobre o
cuidado para não trocar as letras que insistiam manchar o branco do papel com o cinza
da mistura lápis/dedo/borracha. Tantos desejos se desenharam! As vozes aflitas das
professoras assustadas por desejarem ver um cartaz bonito, limpo, colorido surgir no
branco do papel. As marcas das mãos minúsculas tocando a vida que nele surgia a cada
desenho, a cada cor. Os olhares minúsculos, atentos, apertados, críticos ao denunciarem
o descaso de crianças que não desejavam expressar, naqueles momentos organizados,
sentidos de vidas que muitas vezes ficaram no parque na hora do recreio, na correria, na

                                                                                       8
gritaria que ecoa por todo o espaço vívido da escola. Vida. O que é? Como desenhar
Vida?




                                                  Foto 8: Desenho e Escrita dos sentidos de Vida.
Foto 7: Desenho e escrita dos sentidos de Vida.
                                                  Que palavras são essas? O que significa,
Como escrever palavras que expressem
                                                  diariamente, a Vida? A minha? A tua? A
Vida?
                                                  nossa?




Foto cartazes




                                                                                                    9
Fragmentos de Vida – diálogos aos pedaços




Os fragmentos a seguir referem-se às vivências das crianças da turma da professora
Janete Marcia do Nascimento – 3º Ano A/2011 – e foram produzidos no decorrer do mês
de janeiro deste ano durante a elaboração do relatório das atividades desenvolvidas no
início do mesmo ano. Em seguida, serão apresentados os fragmentos de anotações
realizadas pela professora Luciana Alves Pinto, durante o decorrer do ano de 2011, em
seu diário de bordo. Tais fragmentos retratam a escrita das intensidades vividas durante
o caminhar da oficina, das emoções, dos sentimentos.




Vidas minúsculas e minuciosas




Crianças pequenas. Faixa etária de sete a nove anos. Algumas com onze, doze anos.
Vários são os motivos para o atraso na vida escolar: características familiares, mudanças
geográficas, morte ou doença dos pais. Abandono de uma das partes. Nova formação
familiar. Falta de casa para morar. Irmãos separados pelas separações dos pais.
Sofrimento pela ausência dos membros da família. Mães que não aceitam os filhos, a
gravidez, a condição em que foram gerados. Imaturidade. Insegurança. Medo.
Desconhecimento sobre os cuidados infantis. Filhos e avós! Vida marital precoce.
Desemprego. Subemprego. Condições precárias de sobrevivência. Mortes por violência
na família. Carências afetivas. Amor pela escola. Admiração pela professora. Necessidade
de chamar atenção para si. Crianças bonitas. Falantes. Silenciosas. Entusiasmadas.
Apáticas. Famintas. Bem cuidadas. Desorganizadas. Limpas. Mal cuidadas. Cansadas.
Sonolentas. Vivas!




Leituras minúsculas




Ler a escrita no quadro de giz. Ler os trechos dos livros didáticos. Ler as tarefas de casa.
Ler a expressão da professora. Ler as regras da escola. Ler os poemas no Dia das Mães.
Interpretar. Conviver. Ler obras de arte. Ler os livros da professora. Dar um lar aos livros
bonitos, novos, cheirosos, velhos, usados, comprados no sebo, trazidos de casa, das

                                                                                         10
casas. Inventar casas para eles no armário. Sentir saudades da Alice (no país das
maravilhas). Entrar na Bolsa Amarela (da Lygia Bojunga). Conhecer o cosmos com o
Pequeno Príncipe. Viajar para um castelo do terror. Conhecer monstros horripilantes. Ler
o diário das invenções de Leonardo da Vinci. Conhecer o menino marrom e seu amigo cor
de rosa (do Ziraldo). Ler as alegrias das crianças ao ler, ouvir, contar e escrever uma
história. Sentir saudades de ler. Ver algumas crianças aprender a ler. Escrever.
Desenhar. Pintar. Fazer livros. Refazer histórias. Desenhar as histórias prontas. Mostrar
desenhos e contar/escrever/ler as histórias que eles contam. Ler desejos de ler.
Emocionar-se com leituras primeiras. Viver as histórias. Ser o minúsculo das vidas que se
desenham para mim. Olhar as leituras e gostar delas. Abrir envelopes com livros.
Conhecer os livros das crianças. Compartilhar a alegria de quem recebeu livros pelo
Correio. Ler vida! Escrita! Leitura! Ler juntos os livros que se tem. Contar que o número
de livros está engordando – como as vontades da Raquel, da Bolsa Amarela (BOJUNGA,
2003). Ver crianças trazer os livros para ler na hora do recreio!. Emoção!




Relatos vívidos e vividos




   I. Saudades “do” Alice



Um aluno que ama livros, comentando sobre o livro Alice no país das maravilhas
(SABUDA, 2010), que lemos inteiro, juntos, durante as aulas, duas vezes, de tanto que
as crianças gostaram:

   – Professora, eu tô com uma saudade “do” Alice!

   – Você está com saudades de quem?

   – “Do” Alice, aquele seu livro lindo que nós lemos juntos, lembra? Traz ele de novo,
pra morar mais uns tempos no nosso armário?




   II. Voltar para Bolsa Amarela



Uma aluna pedindo, alguns dias depois de termos concluído a leitura compartilhada da
obra A bolsa amarela:
                                                                                      11
– Profe, você me empresta o seu “bolsa amarela” pra eu ler em casa?

        – Mas por quê? Nós acabamos de ler aqui na escola!

        – Ah, profe, mas é que eu quero tanto voltar pra dentro da bolsa amarela sozinha,
lá em casa. Me empresta?

        - Tudo bem, eu empresto.



   III.    Esse livro é antigo ou novo?




Estávamos estudando histórias de vida. Biografias. Fizemos uma atividade de pesquisa
sobre pessoas conhecidas e desconhecidas. Surgiu então a ideia de conhecer o Leonardo
da Vinci. Algumas crianças pesquisaram, trouxeram por escrito e lemos, juntos, para as
demais crianças, alguns fatos sobre a vida do artista/gênio. Mostrei então o livro Diário
das invenções de Leonardo da Vinci (BARK, 2009). É um livro bonito, gordo, com aspecto
envelhecido. Um menino, bastante curioso, pegou o livro, virou, mexeu, analisou e
perguntou, empolgado: “Profe, esse livro é velho ou é novo?”. Encantamento.
Curiosidade. Descobertas. Leituras!




   IV. O mais importante não é cor por fora, mas o que tem dentro de nós!




Lemos, juntos, a obra O menino marrom (ZIRALDO, 2009). As crianças gostaram de
conhecer a história sobre a amizade entre o menino marrom e o menino cor de rosa.
Conversamos sobre os valores abordados no texto, sobre as coisas que envolvem os
relacionamentos humanos. Contamos várias coisas que acontecem em nossas vidas e
que nos envolvem com outras pessoas o tempo todo. Falamos sobre a relação humana
em todos os âmbitos da vida. Discutimos sobre o respeito mútuo que envolve os
relacionamentos humanos. As crianças ressaltaram os aspectos importantes nas
amizades. Desenvolvemos atividades diversas durante semanas. Desenhos. Palavras.
Frases. Textos. Conversas. Atitudes. Uma menina pediu para falar sobre a coisa que ela
mais gostou de aprender durante todas essas atividades. E disse a todos os presentes:
“O mais importante não é a cor por fora, que as pessoas têm. Mas o que tem dentro de
nós!”


                                                                                      12
V. Agora eu já gosto de ler livro gordo!




Aluna indisciplinada. Triste. Agressiva. Faltosa. Relatos de violência física. Desanimada.
Apática. Tudo fazia para chamar para si toda a atenção, o tempo todo. Nada a
empolgava. Depois de alguns meses começou a se interessar pelos livros. Começou a
preocupar-se em concluir as atividades para pesquisar livros no armário. Parou de faltar
às aulas. Começou a chegar atrasada com justificativas de adultos: precisara cuidar da
irmã, levar a prima à creche, tivera que adiantar o almoço. Mas ali estava ela. Centrada
nas atividades, nas leituras e nos livros. Despercebida de sua realidade e feliz dentro das
roupas e calçados de adultos! Nas aulas de biblioteca, lia vários livros. A princípio em voz
alta, como que para certificar-se do que estivesse lendo. Depois sozinha, encolhida em
algum cantinho escondido. Mas sempre centrada nas leituras, nos livros. Às vezes, ao
lado da professora, como que para esbarrar e ser notada, ouvida, elogiada. Encantada.
Feliz. Descobridora! Nos últimos meses de aula, disse-me, com brilho nos olhos: “Profe,
agora eu melhorei, né? Eu até já gosto de ler os livros bem gordos. Eu adoro ler!”
Marcante e inesquecível! Diferença! Rizoma?




   VI. Alguém não tá cuidando dos nossos livros!




Com o tempo, no decorrer do ano letivo, as crianças passaram a cuidar e observar mais
os livros. Passou a ser comum comentários como: “Alguém não cuidou do livro”. “Quando
eu o peguei já tinha essa sujeira aqui”. “Esse rasgado não fui eu quem fez!”. “Profe, tem
gente batendo no amigo com o livro”.




Vida de professora – relatando intensidades no diário de bordo




EPISÓDIO I: Aula de Português




A aula de Português transcorria dentro do esperado. Atividade oral: selecionei algumas
gravuras/figuras e pedi para que as crianças, conforme fossem passando as gravuras

                                                                                         13
(estavam sentadas em círculo), relatassem o que viam, o que aquela gravura
representava ou significava. A primeira gravura foi passando e, como já era esperado, as
crianças foram descrevendo o que viam: “Tem crianças”. “Tem skate”. “Tem meninos”.
“São três meninos”. “Um está no muro”. “Dois estão brincando”. Até que Rudson viu algo
além das gravuras, além daquilo que os olhos curiosos das crianças puderam descrever
até aquele momento; enxergou sentimentos, realidade vivida, luta de classes...

– Professora, eu vejo que esses meninos não são iguais, não pertencem à mesma classe.
Dois estão brincando e um está catando lixo reciclável.

Meu Deus, vibrei! Aquela criança ali, bem na minha frente, transformou a minha simples
aula num grande debate e fez, a partir do seu olhar, da sua realidade, da sua voz, com
que outros colegas enxergassem o que outrora seus olhos cerrados para além do que
parece visível não viram. Leram as entrelinhas; ousaram ver; saíram de suas “zonas de
conforto”; despertaram!     Após fervorosa discussão mediante tantas outras gravuras,
solicitei que todos escolhessem uma e escrevessem sobre ela. O Rudson escolheu aquela,
a que gerou o encantamento de todos, que transformou a aula.




EPISÓDIO II: Uma conversa vale mais que mil aulas!




Tentando compreender o porquê de uma mesma criança ter atitudes tão diferentes num
mesmo dia, comecei a conversa questionando:

– F., será que existe outro F. no 3º ano e eu não estou sabendo?

– Não, profe, sou eu mesmo!

– Então me explica, F., por que aqui comigo você é tão querido, bom aluno, e no recreio,
nas aulas de outros professores você é tão diferente?

– É que eu gosto de você, profe!

– E o que lhe faz gostar de mim?

– Você me respeita, me entende! Posso ir agora?

– Pode. É claro que pode!



                                                                                     14
Nessa ocasião, lembrei-me do texto das pistas, mais precisamente da pista 3.
“Cartografar é acompanhar processos” (Virginia Kastrup). Em um trecho, falava-se sobre
criar elos. Nessa conversa, constatei que entre eu e o F. existia um elo.




EPISÓDIO III: Contradições




Acompanhar processos, fazer cartografia, tornar-se parte, respeitar individualidades,
criar um coletivo, estar aberto para novos pontos de vista, novas experiências, habitar o
território existencial, ter afeto com o local de trabalho, com os envolvidos, cartografar...
Como reagir quando ouvir:

– Você está se envolvendo demais com seus alunos, com seu trabalho. Isso pode lhe
prejudicar! Pense nisso!




EPISÓDIO IV: Histórias de Vidas!




Como atender a cada ser indivíduo, com sua história de vida, seus bons e maus
momentos, seus acertos, suas esperanças e desencantos, e cumprir com todas as
obrigações e normas impostas pelo “sistema”? Luta diária? Questionamento diário?
Dúvida diária? Busca diária?




EPISÓDIO V: Dia das mães




Não se trata de trabalhar datas comemorativas, e sim de trabalhar a figura materna...
Mas o que é ou quem é a figura materna?

Trinta alunos, trinta histórias... E que histórias!

Mãe que ensinou o filho o que é ser mãe!

Mãe que trouxe o filho ao mundo e só!

Mãe que não sabe-se o que é, quem é, onde está.

                                                                                         15
Em tempos modernos, informatizados, qual o conceito de mãe?

Um aluno diz:

– Mãe é a pessoa que cuida!

A professora pergunta:

– O que é cuidar?

O aluno responde:

– Cuidar!

A professora questiona:

– Como?

Os alunos respondem:

- Fazer comida, dar roupas, brinquedos!

A professora questiona:

– Só?

Os alunos respondem:

– Dar carinho!

– Cuidar quando está doente!

– Fazer carinho!

– Amar!

– Se preocupar!

– Proteger!

A professora diz:

- Então vamos escrever uma carta para essa pessoa que vocês descreveram!

Alguns escreveram para ela.




EPISÓDIO VI: Resgate




Já faz algum tempo que não paro para escrever, mas sinto que hoje, independente das
outras obrigações que tenho, vou recolher-me aos meus pensamentos e registrar os
                                                                                16
últimos acontecimentos. Tenho uma nova companheira de oficina e isso tem me trazido
novas oportunidades e expectativas. Compartilhamos de muitas ideias e ansiamos por
objetivos senão comuns bastante próximos. Temos trabalhado juntas com minha turma
do 3º ano e finalmente percebo que eles estão mergulhados de corpo e alma nessa
tentativa de aproximá-los da Filosofia. Digo isso especialmente devido a comentários
feitos por eles após nossa última oficina.

Trabalhamos com a obra de LIPMAN, com a ideia de nome, e para isso realizamos uma
oficina que trabalhava como essa ideia de nome foi constituída, convencionada em nossa
sociedade. Utilizamos a obra literária Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha, para
envolvê-los na discussão e compreensão de que tudo e todos têm nome, e que isso se
trata de uma convenção. Após a oficina, os alunos ficaram inquietos e questionando-se a
respeito daquilo que haviam vivenciado. No dia seguinte, um aluno que havia faltado no
dia anterior e por esse motivo não participou da oficina, ao deparar-se com as fichas
contendo os questionamentos utilizados durante a mesma, que estavam expostas na
parede, perguntou a seus colegas:

– O que são estas perguntas?

E os colegas responderam:

– São perguntas que utilizamos na aula de Filosofia.

E comentaram sobre como a aula/oficina havia ocorrido, contando sobre a dinâmica
utilizada, sobre a obra “Marcelo, marmelo, martelo”, e então o aluno questionou:

– Mas nós já conhecíamos este livro e já sabíamos que todas as coisas têm nome!

E obteve como resposta o seguinte comentário:

- Sim, mas dessa vez estávamos pensando o porquê, discutindo.

Relato isso porque algumas falas me chamaram atenção devido aos termos utilizados:
aula   de   Filosofia,   pensando   o   porquê,   discutindo...   Acredito   que   estamos   nos
aproximando do nosso objetivo. E conseguindo que percebam a importância e a
necessidade de se pensar o porquê de todas as coisas.




                                                                                              17
Foto 9: Ler sobre a vida... A curiosidade de Marcelo,   Foto 10: Escolhendo leituras... Vida, viveres vívidos
marmelo, martelo.



Considerações Vívidas




Continuamos a escrever a Vida, das vidas, nas vidas e entreVidas, que se cartografam
minusculamente, a cada dia nas atividades que se construíram e que ainda sobrevivem
às tentativas constantes.

Vida. O que é? Diremos que vida é o que flui, o que revive dia a dia nas atividades e
intensidades que quase se podem tocar ao serem vistas nos olhares ávidos por vida das
crianças que, como estudantes do ensino fundamental, passam a dar sentido às nossas
vidas de professoras. Invadem nosso sono, colorem nossos sonhos ao fazer parte de
nossa vida, ao correrem nas nossas veias como o alimento que nos mantém de pé, diária
e insistentemente. Repetidamente. São corpos vivos, vívidos, animados, a movimentar-
se num vai e vem ritmado. Angustiado. Disparado.

Gostamos de pensar que pensar a vida com e entre as crianças requer coragem,
animação, sorrisos constantes e broncas, às vezes desconfiguradas diante do apelo
inocente de uma criança viva: “Profe, lê um livro pra gente?” O que fazer? O que dizer?
Como não sorrir – e às vezes até chorar – de desespero pelo medo de não conseguir ser
professora, no sentido que o termo requer: aquela que ensina os conteúdos curriculares
e que poderá, ao final do ano, aprovar as crianças para a série seguinte. Como discernir,
fantasia e realidade diante das vidas que se criam, recriam, fazem e refazem sentidos


                                                                                                            18
vívidos para este termo vividamente construído a cada instante: Vida é isso. Esse devir
respirar. Criar. Olhar. Viver!




Referências




AQUINO, Julio Groppa e CORAZZA, Sandra (Orgs.). Abecedário educação da diferença.
Campinas, SP: Papirus, 2009.

BARK, Jaspre. Diário das invenções de Leonardo Da Vinci. São Paulo: Ciranda
Cultural, 2009.

BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. 33ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Casa Lygia Bojunga, 2003.

COSTA, Luciano Bedin da. Estratégias biográficas: biografema com Barthes,
Deleuze,          Nietzsche e Henry Miller. Luciano Bedin da Costa, Porto Alegre: Sulina,
2011.

________________________. O destino não pode esperar ou o que dizer de uma
vida. In: FONSECA, Tania Mara Galli e COSTA, Luciano Bedin (Orgs.). Vidas do Fora –
habitantes do silêncio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010.

DALAROSA, Patrícia. Apud: Heuser, Ester Maria Dreher (org.) Caderno de Notas 1:
projeto, notas & ressonâncias. Cuiabá: EdUFMT, 2011. 120 p.

KASTRUP, Virginia. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e
produção de subjetividade / Orgs. Eduardo Passos, Virgínia Kastrup e Liliana da
Escóssia. – Porto Alegre: Sulina, 2009. 207 p.

OLIVEIRA, Marcos da Rocha. Biografemática do homo quotidianus: o senhor
educador – Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: 2010.

ROCHA, Ruth. Marcelo Marmelo Martelo e outras histórias. Ed. Salamandra, São
Paulo: 1999.

SABUDA, Robert. Alice no país das maravilhas. / Lewis Carrol; [adaptação] Roberto
Sabuda; (Trad. Cynthia Costa.) São Paulo: Publifolhinha, 2010.



                                                                                     19
ROLNIK, Suely; GUATTARI, Félix. Cartografias do desejo. Editora Vozes, Petrópolis, 1986.

ZIRALDO, O menino marrom. São Paulo: Melhoramentos, 2009.




                                                                                     20

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Projeto Escrileituras:um modo de ler-escrever em meio à vida
 

Pensar entre vidas...

  • 1. Pensar entreVidas minúsculas: cartografia de sentidos e viveres; relatos de experiências Vívidas Janete Marcia do Nascimento1 Luciana Alves Pinto2 Introdução Este texto é um relato sobre uma oficina chamada Vida, desenvolvida com crianças de sete a doze anos, estudantes de turmas do 3° e 4° Anos dos Anos Iniciais/Ensino Fundamental, de uma escola pública municipal situada no município de Toledo, no estado, no estado do Paraná, no Brasil. O tema da oficina surgiu do desejo3 de pensar os sentidos da palavra Vida entre as crianças, em diferentes aspectos. Assim, objetivou-se criar atividades que captassem intensidades vivenciadas pelas crianças, compreendendo os processos de elaboração de sentidos através do desenho, da pintura, da escrita e da leitura. Seu começo foi no ano de 2011 e algumas atividades continuam sendo desenvolvidas ainda neste ano. Seu título: Vidas minúsculas – cartografando viveres infantis, inventado para significar a singularidade das vidas infantis com as quais convivemos no universo das salas de aula. Nosso desejo foi destacar a grandeza das vidas das crianças, mostrando nas atividades desenvolvidas os viveres infantis cartografados a cada intensidade, em cada atividade. Esse o desejo deste texto. Conhecer a vida de cada um, reconhecer-se na vida de cada um, aprender com as outras vidas, respeitar as vidas que se entrelaçam, entender e compreender os sentidos de 1 Professora da Educação Básica/Anos iniciais/Ensino Fundamental. Bolsista pesquisadora do projeto Escrileituras – um modo de ler-escrever em meio à vida do Observatório de Educação–OBEDUC/Inep/Capes. Núcleo de Toledo/UNIOESTE–Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contato: jmarcia15@yahoo.com.br. Pedagoga de formação; Especialista em Fundamentos da Educação, Mestre em Letras–linguagem e Sociedade (UNIOESTE/CASCAVEL/PR). Escrileitora iniciante, inquieta, curiosa e encantada pelas coisas sensíveis e intensas. Atenta ao devir criação. Amante da Literatura, da Arte, da Filosofia. 2 Professora da Educação Básica/Anos iniciais/Ensino Fundamental. Bolsista pesquisadora do projeto Escrileituras – um modo de ler-escrever em meio à vida do Observatório de Educação OBEDUC/Inep/Capes. Núcleo de Toledo/UNIOESTE–Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contato: luluzinhalap@hotmail.com. Pedagoga de formação; Especialista em Educação Especial na Educação Inclusiva/UNIPAN/Cascavel/PARANÁ. 3 O desejo permeia o campo social, tanto em práticas imediatas, quanto em projetos muito ambiciosos. Por não querer me atrapalhar com definições complicadas, eu proporia denominar desejo a todas as formas de vontade de inventar uma outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores (GUATTARI; ROLNIK, 1986, p.125). 1
  • 2. Vidas. Esse foi o nosso grande desafio. Pois, como cartógrafos, segundo Kastrup (2009, p.61), nos aproximamos do campo como estrangeiros visitantes de um território que não habitávamos. O território, no sentido aqui delimitado, foi sendo explorado por olhares, escutas, pela sensibilidade aos odores, gostos e ritmos. O que se passou nos dias que vieram? A cada novo dia íamos sendo afetadas por aquilo que os afetava, sofríamos dos mesmos sofrimentos, bebíamos das mesmas descobertas, estabelecíamos elos. Os rizomas foram surgindo das intensidades vividas minusculamente, os mapas de vidas se cartografavam infinitamente! Destacar-se-ão aqui os disparadores escolhidos para o desenvolvimento da oficina, os quais se consistiram em conversações, relatos de experiências vividas, elaboração de sentidos orais e escritos sobre Vida, escrita em diários, elaboração de desenhos, cartazes, painéis e, finalmente, mostra de desenhos e produções. Importante mencionar que diversas atividades foram inventadas durante a oficina Vida. Pensar EntreVidas A sala de aula é um encontro com inúmeras vidas. Vidas que se refletem, que se manifestam, que se gestam, que se libertam, que se desejam, que se imaginam, que se conhecem, que se desconhecem, que brilham a cada olhar, a cada gesto de atenção! Vida? Quais vidas? Que vidas? Cruzam-se entre si e com outras vidas. Assemelham-se? Diferem-se? Repelem-se? Libertam-se? Aprisionam-se? Emocionam-se? De como tudo se passou... Vidas Minúsculas... Fevereiro. 2011. Manhã de quarta-feira. Trinta faces. Amedrontadas, assustadas, felizes, amadas, expostas, escondidas, atentas, desconectadas, descuidadas, emocionadas, apáticas, audaciosas, nervosas, tranquilas, tristes, vivas, mortificadas... Um misto de susto, desafio e esperança. Retrato de uma sala de aula; relatos da vida de professora. Na sala em frente, o quadro se desenha, repetindo-se a cena. Insiste, repele, pouco difere. O que há em comum? Escrileitoras numa tentativa desenfreada de 2
  • 3. conhecer, escrever em meio à vida; vida que se desenha sob nossos olhares e sob os olhares de nossos pares. Vazio! Na bagagem, dois textos nos serviriam de norte: “Pistas para o método cartográfico” e “Estratégias biográficas“. Como descobrir o que se esconde por detrás de cada rosto, expressão, gesto? “Entretanto, o gesto nunca é totalmente o que parece estar sendo. Apenas insinua algo do qual seu portador pouco sabe” (COSTA, 2011, p.133). “Vidas Minúsculas”, tentativas de biografemas de vidas. Conhecer, reconhecer a vida de cada criança; pesquisar vidas, ler vidas. “A leitura biografemática faz irromper a figura do leitor, não como curioso empírico, mas como ator de uma escritura que já é ela mesma, a realização de uma vida possível.” (COSTA, 2011, p.134). O texto surge como um desabafo, descompasso, tentativa de explicar o inexplicável, busca constante num território inconstante, busca do nexo, daquilo que não se vê num primeiro olhar, daquilo que não se vê, mas se sente, contentamento descontente, viver livremente. Será? O que será? Como será? Não sei! Talvez jamais o saiba completamente, mas sou insistente, não busco respostas: busco saídas; busco vidas! Então as encontro; e me encanto, me emociono, me decepciono; vejo um caminho em cada rosto, em cada momento, em cada sinal, em cada desenho, em cada história, muitos caminhos, que em algum momento se cruzam, se afinam, se completam. E depois? Depois seguimos caminhos que nos levam a novos caminhos, a velhos caminhos. Seguiremos sempre! Vida. O que é? Por que elaborar e desenvolver uma oficina com o tema Vida? O que move sentimentos, intensidades, curiosidades sobre a mera constatação de que se está vivo em meio a tantas vidas que se entrelaçam todos os dias na escola? Na sala de aula, a cada pedaço de tempo, durante uma ou muitas manhãs, os nervos se afloram na tentativa de reconstruir laços afetivos de convivência, de ânimo – e por vezes, de desânimo – pela responsabilidade que se tem como professoras sobre as vidas que se nos entregam, todos os dias. O que dizer sobre a vida escolar dessas crianças? Como definir, perante as crianças as muitas vidas das quais todos nós estamos constituídos e repletos de normas de convivência em todos os grupos aos quais pertencemos? Como definir uma vida que adentra a sala de aula e sobre a qual pouco ainda se sabe? O que dizer do brilho nos olhos das crianças ao observar, dia a dia, o nascimento da vida das sementes de vegetais nos experimentos que se fazem nas aulas de Ciências? Como compreender a curiosidade 3
  • 4. das crianças pelas vidas que conhecemos juntos, nos diversos livros para os quais se criou o hábito de adentrar para viagens inusitadas durante o ano inteiro? Muitas são as perguntas. E é possível que se pudessem elaborar inúmeras respostas, igualmente questionadoras. Costa (2010, p.47), ao questionar “e a gente entra numa vida como?” dirá, através de Alain Robbe-Grillet em Por um novo romance, ao comentar a obra do escritor Robert Pinget, que: “Trata-se de possíveis que erram pelos cantos – de vidas possíveis, literaturas possíveis”. Pode ser, pois, que nas inúmeras possibilidades de dar sentido à palavra Vida se possam considerar os encontros que se dão, diariamente, através dos conteúdos, atividades, brincadeiras, olhares e encantamentos que se oferecem a cada dia, por crianças únicas, com olhares ávidos por experimentar outros conceitos de vida. Seguindo e analisando a forma de escrita do citado crítico, essa é compreendida como “breves pedaços de realidade decomposta”, ligadas por um só princípio, que ele chamará de vida – para Pinget, “não estaria no desenrolar das cenas, no seu enredo ou na narrativa de acontecimentos, mas no que acontece desde que o romance inventa para si uma origem”. Entende-se então, segundo Costa, que, “se a vida começa por um ‘eu nasci’”, é porque, a partir daí, dessa invenção, tudo se bifurca, toda uma coleção de inícios possíveis que se abre a partir desse primeiro enunciado (vida), numa escritura, seria, ela mesma, um vir a ser. Com a oficina Vida, foi possível observar o nascimento de um conjunto de possibilidades. Novos elos que se constituem das intensidades do vívido e do vivido. Talvez aqui seja o lugar e agora seja o momento de escrevermos sobre Vidas que não são nossas, mas que se encontram entrelaçadas às nossas pelas possibilidades dos encontros que ainda nascem das atividades que se compartilham, diariamente. Escrever, portanto, dar-se-á num gesto desconfortavelmente confuso pelo medo de agonizar, de não dar conta de expressar as intensidades dos sentidos de vida que se estão construindo durante a oficina. Observa-se, no entanto, que as atividades desenvolvidas na oficina ainda estão criando para nós, crianças e professoras, sentidos de Vida referentes às vivências fundamentais como amor, amizade, carinho; as coisas que gostamos de fazer, como brincar, ler; aulas de educação física, hora do recreio; sorvete; recreio no parque; vídeo -game, brinquedos, guloseima. Enfim. As coisas mais fundamentais que vivenciamos no dia a dia, tanto na escola quanto em casa, em nossas diversas outras Vidas. Chamamos de disparadores as formas de atividades que escolhemos para desenvolver durante a oficina Vida, os quais caracterizam iniciativas definidoras de orientações para criar, desenhar, pensar a Vida, por diferentes meios. Serão apresentados, a seguir, os 4
  • 5. disparadores que ainda temos usado para a oficina que ora permanece em nossas práticas. Rodas de conversações As rodas de conversas deram corpo a todas as atividades desenvolvidas na oficina Vida. A cada roda, novas descobertas e criações que se tornaram arte, brincadeiras, desenhos, leituras, sentidos orais e escrituras desenhadas, a cada vez que iniciávamos uma atividade diferente. As conversações permearam sentidos, criaram manias, transformaram-se em cobranças – entre as crianças quando alguém, de repente, se deixava levar pelas tentações que atentavam contra a vida, como o desejo de machucar verbalmente o outro, o uso de palavras indelicadas que feriam os sentimentos do outro e que, de pronto, lembravam-nos do compromisso estabelecido entre as vidas que conviviam diária e cotidianamente. Dos sentidos, as constatações de que a vida se construía a cada dia. Para dar vida às conversas, trabalhamos com a memória. Para isso, trouxemos objetos pessoais sobre os quais muito conversamos acerca de suas origens, seus sentidos, suas intensidades, conhecendo a si e ao outro, reconhecendo na história do outro um pouco da própria história. Através desses objetos pessoais, cada estudante conta, reconta, inventa e apresenta sua história, a história que vive e que revive ao contar. Ao ouvir e ser ouvido criam-se elos... Semelhanças, sentimentos, sentidos. Foto 1: crianças expondo seus objetos pessoais, expressando suas memórias de Vida. Criando sentidos 5
  • 6. Descobrimos, no decorrer da oficina, que falar sobre a Vida é muito mais fácil que escrever. As palavras saem facilmente; já a escrita necessita de recursos mais elaborados de representação. Então começamos falando... E como falamos! Cada aluno se deixando ver, mostrando um pouquinho de si, falando o significado da palavra Vida e, às vezes, mostrando a vida que leva. Quando falamos, deixamos que os outros vejam o que temos na alma! E foi isso o que aconteceu: lemos almas! Conhecemo-nos, nos sensibilizamos, nos apaixonamos! E através das histórias de vida de cada um e do significado da palavra vida para cada um de nós, percebemos as possibilidades de recomeços e novos começos para nossas próprias vidas e para a vida dos outros. Utilizamo-nos de disparadores diversos para desvendarmos a vida nas entrelinhas de nossa existência. Desenhamos, pintamos, dançamos, cantamos, lemos, fabulamos e escrevemos. Os momentos vividos durante a oficina foram tornando-se necessários, felizes e livres. Gostamos da ideia de fazer parte daquele território. Palavras... Definir o sentido de vida, da palavra vida para si mesmo, através de outra palavra. Traduzir ao que a palavra vida remete, o que nela permeia, o que nela está presente. Explicar oralmente o motivo da escolha; escrever em fichas a palavra escolhida e junto a ela o significado dela para si. Procurar no dicionário o significado da palavra escolhida e comparar o significado encontrado com o que a palavra teve para si mesmo, antes desse encontro. Essa atividade nos fez perceber o quão importante é o contexto também no universo das palavras. Assim como nós, elas, sozinhas, possuem significados diversos, que podem ser transcriados, reinventados. Foto 3: Escrita de palavras que expressam Vida. 6
  • 7. Escritas das histórias de Vida, escrita do minúsculo Retomando o objetivo maior desta oficina – a escritura de vidas –, propusemos às crianças que escrevêssemos em diários; escritas do seu mundo, real e imaginário, do que é, do possível, daquilo que passa despercebido, daquilo que nem mesmo os olhares mais atentos conseguem ver. Escrita dos segredos, dos medos, dos sonhos, dos desejos, como forma de melhorar a escrita. De melhorar a vida, pois à medida que escrevíamos nossos diários, nos conhecíamos, as crianças confiavam-nos seus segredos, seus medos, alegrias; dúvidas, enfim. O elo tornava-se mais forte. Juntos, descobrimos que a Vida está presente na arte, na música, no medo, nas pessoas, nos objetos, nos livros, naquilo que somos, fomos e poderemos ser! Das diversas formas de ser, sentir e expressar sentimentos! Foto 4: Elaboração de cartazes que expressam Vida. Buscamos envolver a todos, de diferentes formas. Para isso, optamos por expressar em cartazes coloridos alguns sentidos de Vidas, por meio da leitura e ilustração de poesias em homenagem ao Dia das Mães que se aproximava, e que previa uma apresentação artística na Sessão Cívica da escola. Desenhou-se a vida colorida, viva, atenta como os 7
  • 8. olhares das crianças, que se intensificavam sobre o branco do papel na vontade de expressar os sentidos mais intensos dessa palavra em destaque. Vida por escrito... Foto 5: Sentido de Vida. Foto 6: Sentido de Vida. Dos sentidos orais e escritos – Vidas Escrever sobre a vida foi tarefa construída aos poucos: nas produções de textos exigidas como avaliações constantes dos avanços na escrita; nas cobranças diárias sobre o cuidado para não trocar as letras que insistiam manchar o branco do papel com o cinza da mistura lápis/dedo/borracha. Tantos desejos se desenharam! As vozes aflitas das professoras assustadas por desejarem ver um cartaz bonito, limpo, colorido surgir no branco do papel. As marcas das mãos minúsculas tocando a vida que nele surgia a cada desenho, a cada cor. Os olhares minúsculos, atentos, apertados, críticos ao denunciarem o descaso de crianças que não desejavam expressar, naqueles momentos organizados, sentidos de vidas que muitas vezes ficaram no parque na hora do recreio, na correria, na 8
  • 9. gritaria que ecoa por todo o espaço vívido da escola. Vida. O que é? Como desenhar Vida? Foto 8: Desenho e Escrita dos sentidos de Vida. Foto 7: Desenho e escrita dos sentidos de Vida. Que palavras são essas? O que significa, Como escrever palavras que expressem diariamente, a Vida? A minha? A tua? A Vida? nossa? Foto cartazes 9
  • 10. Fragmentos de Vida – diálogos aos pedaços Os fragmentos a seguir referem-se às vivências das crianças da turma da professora Janete Marcia do Nascimento – 3º Ano A/2011 – e foram produzidos no decorrer do mês de janeiro deste ano durante a elaboração do relatório das atividades desenvolvidas no início do mesmo ano. Em seguida, serão apresentados os fragmentos de anotações realizadas pela professora Luciana Alves Pinto, durante o decorrer do ano de 2011, em seu diário de bordo. Tais fragmentos retratam a escrita das intensidades vividas durante o caminhar da oficina, das emoções, dos sentimentos. Vidas minúsculas e minuciosas Crianças pequenas. Faixa etária de sete a nove anos. Algumas com onze, doze anos. Vários são os motivos para o atraso na vida escolar: características familiares, mudanças geográficas, morte ou doença dos pais. Abandono de uma das partes. Nova formação familiar. Falta de casa para morar. Irmãos separados pelas separações dos pais. Sofrimento pela ausência dos membros da família. Mães que não aceitam os filhos, a gravidez, a condição em que foram gerados. Imaturidade. Insegurança. Medo. Desconhecimento sobre os cuidados infantis. Filhos e avós! Vida marital precoce. Desemprego. Subemprego. Condições precárias de sobrevivência. Mortes por violência na família. Carências afetivas. Amor pela escola. Admiração pela professora. Necessidade de chamar atenção para si. Crianças bonitas. Falantes. Silenciosas. Entusiasmadas. Apáticas. Famintas. Bem cuidadas. Desorganizadas. Limpas. Mal cuidadas. Cansadas. Sonolentas. Vivas! Leituras minúsculas Ler a escrita no quadro de giz. Ler os trechos dos livros didáticos. Ler as tarefas de casa. Ler a expressão da professora. Ler as regras da escola. Ler os poemas no Dia das Mães. Interpretar. Conviver. Ler obras de arte. Ler os livros da professora. Dar um lar aos livros bonitos, novos, cheirosos, velhos, usados, comprados no sebo, trazidos de casa, das 10
  • 11. casas. Inventar casas para eles no armário. Sentir saudades da Alice (no país das maravilhas). Entrar na Bolsa Amarela (da Lygia Bojunga). Conhecer o cosmos com o Pequeno Príncipe. Viajar para um castelo do terror. Conhecer monstros horripilantes. Ler o diário das invenções de Leonardo da Vinci. Conhecer o menino marrom e seu amigo cor de rosa (do Ziraldo). Ler as alegrias das crianças ao ler, ouvir, contar e escrever uma história. Sentir saudades de ler. Ver algumas crianças aprender a ler. Escrever. Desenhar. Pintar. Fazer livros. Refazer histórias. Desenhar as histórias prontas. Mostrar desenhos e contar/escrever/ler as histórias que eles contam. Ler desejos de ler. Emocionar-se com leituras primeiras. Viver as histórias. Ser o minúsculo das vidas que se desenham para mim. Olhar as leituras e gostar delas. Abrir envelopes com livros. Conhecer os livros das crianças. Compartilhar a alegria de quem recebeu livros pelo Correio. Ler vida! Escrita! Leitura! Ler juntos os livros que se tem. Contar que o número de livros está engordando – como as vontades da Raquel, da Bolsa Amarela (BOJUNGA, 2003). Ver crianças trazer os livros para ler na hora do recreio!. Emoção! Relatos vívidos e vividos I. Saudades “do” Alice Um aluno que ama livros, comentando sobre o livro Alice no país das maravilhas (SABUDA, 2010), que lemos inteiro, juntos, durante as aulas, duas vezes, de tanto que as crianças gostaram: – Professora, eu tô com uma saudade “do” Alice! – Você está com saudades de quem? – “Do” Alice, aquele seu livro lindo que nós lemos juntos, lembra? Traz ele de novo, pra morar mais uns tempos no nosso armário? II. Voltar para Bolsa Amarela Uma aluna pedindo, alguns dias depois de termos concluído a leitura compartilhada da obra A bolsa amarela: 11
  • 12. – Profe, você me empresta o seu “bolsa amarela” pra eu ler em casa? – Mas por quê? Nós acabamos de ler aqui na escola! – Ah, profe, mas é que eu quero tanto voltar pra dentro da bolsa amarela sozinha, lá em casa. Me empresta? - Tudo bem, eu empresto. III. Esse livro é antigo ou novo? Estávamos estudando histórias de vida. Biografias. Fizemos uma atividade de pesquisa sobre pessoas conhecidas e desconhecidas. Surgiu então a ideia de conhecer o Leonardo da Vinci. Algumas crianças pesquisaram, trouxeram por escrito e lemos, juntos, para as demais crianças, alguns fatos sobre a vida do artista/gênio. Mostrei então o livro Diário das invenções de Leonardo da Vinci (BARK, 2009). É um livro bonito, gordo, com aspecto envelhecido. Um menino, bastante curioso, pegou o livro, virou, mexeu, analisou e perguntou, empolgado: “Profe, esse livro é velho ou é novo?”. Encantamento. Curiosidade. Descobertas. Leituras! IV. O mais importante não é cor por fora, mas o que tem dentro de nós! Lemos, juntos, a obra O menino marrom (ZIRALDO, 2009). As crianças gostaram de conhecer a história sobre a amizade entre o menino marrom e o menino cor de rosa. Conversamos sobre os valores abordados no texto, sobre as coisas que envolvem os relacionamentos humanos. Contamos várias coisas que acontecem em nossas vidas e que nos envolvem com outras pessoas o tempo todo. Falamos sobre a relação humana em todos os âmbitos da vida. Discutimos sobre o respeito mútuo que envolve os relacionamentos humanos. As crianças ressaltaram os aspectos importantes nas amizades. Desenvolvemos atividades diversas durante semanas. Desenhos. Palavras. Frases. Textos. Conversas. Atitudes. Uma menina pediu para falar sobre a coisa que ela mais gostou de aprender durante todas essas atividades. E disse a todos os presentes: “O mais importante não é a cor por fora, que as pessoas têm. Mas o que tem dentro de nós!” 12
  • 13. V. Agora eu já gosto de ler livro gordo! Aluna indisciplinada. Triste. Agressiva. Faltosa. Relatos de violência física. Desanimada. Apática. Tudo fazia para chamar para si toda a atenção, o tempo todo. Nada a empolgava. Depois de alguns meses começou a se interessar pelos livros. Começou a preocupar-se em concluir as atividades para pesquisar livros no armário. Parou de faltar às aulas. Começou a chegar atrasada com justificativas de adultos: precisara cuidar da irmã, levar a prima à creche, tivera que adiantar o almoço. Mas ali estava ela. Centrada nas atividades, nas leituras e nos livros. Despercebida de sua realidade e feliz dentro das roupas e calçados de adultos! Nas aulas de biblioteca, lia vários livros. A princípio em voz alta, como que para certificar-se do que estivesse lendo. Depois sozinha, encolhida em algum cantinho escondido. Mas sempre centrada nas leituras, nos livros. Às vezes, ao lado da professora, como que para esbarrar e ser notada, ouvida, elogiada. Encantada. Feliz. Descobridora! Nos últimos meses de aula, disse-me, com brilho nos olhos: “Profe, agora eu melhorei, né? Eu até já gosto de ler os livros bem gordos. Eu adoro ler!” Marcante e inesquecível! Diferença! Rizoma? VI. Alguém não tá cuidando dos nossos livros! Com o tempo, no decorrer do ano letivo, as crianças passaram a cuidar e observar mais os livros. Passou a ser comum comentários como: “Alguém não cuidou do livro”. “Quando eu o peguei já tinha essa sujeira aqui”. “Esse rasgado não fui eu quem fez!”. “Profe, tem gente batendo no amigo com o livro”. Vida de professora – relatando intensidades no diário de bordo EPISÓDIO I: Aula de Português A aula de Português transcorria dentro do esperado. Atividade oral: selecionei algumas gravuras/figuras e pedi para que as crianças, conforme fossem passando as gravuras 13
  • 14. (estavam sentadas em círculo), relatassem o que viam, o que aquela gravura representava ou significava. A primeira gravura foi passando e, como já era esperado, as crianças foram descrevendo o que viam: “Tem crianças”. “Tem skate”. “Tem meninos”. “São três meninos”. “Um está no muro”. “Dois estão brincando”. Até que Rudson viu algo além das gravuras, além daquilo que os olhos curiosos das crianças puderam descrever até aquele momento; enxergou sentimentos, realidade vivida, luta de classes... – Professora, eu vejo que esses meninos não são iguais, não pertencem à mesma classe. Dois estão brincando e um está catando lixo reciclável. Meu Deus, vibrei! Aquela criança ali, bem na minha frente, transformou a minha simples aula num grande debate e fez, a partir do seu olhar, da sua realidade, da sua voz, com que outros colegas enxergassem o que outrora seus olhos cerrados para além do que parece visível não viram. Leram as entrelinhas; ousaram ver; saíram de suas “zonas de conforto”; despertaram! Após fervorosa discussão mediante tantas outras gravuras, solicitei que todos escolhessem uma e escrevessem sobre ela. O Rudson escolheu aquela, a que gerou o encantamento de todos, que transformou a aula. EPISÓDIO II: Uma conversa vale mais que mil aulas! Tentando compreender o porquê de uma mesma criança ter atitudes tão diferentes num mesmo dia, comecei a conversa questionando: – F., será que existe outro F. no 3º ano e eu não estou sabendo? – Não, profe, sou eu mesmo! – Então me explica, F., por que aqui comigo você é tão querido, bom aluno, e no recreio, nas aulas de outros professores você é tão diferente? – É que eu gosto de você, profe! – E o que lhe faz gostar de mim? – Você me respeita, me entende! Posso ir agora? – Pode. É claro que pode! 14
  • 15. Nessa ocasião, lembrei-me do texto das pistas, mais precisamente da pista 3. “Cartografar é acompanhar processos” (Virginia Kastrup). Em um trecho, falava-se sobre criar elos. Nessa conversa, constatei que entre eu e o F. existia um elo. EPISÓDIO III: Contradições Acompanhar processos, fazer cartografia, tornar-se parte, respeitar individualidades, criar um coletivo, estar aberto para novos pontos de vista, novas experiências, habitar o território existencial, ter afeto com o local de trabalho, com os envolvidos, cartografar... Como reagir quando ouvir: – Você está se envolvendo demais com seus alunos, com seu trabalho. Isso pode lhe prejudicar! Pense nisso! EPISÓDIO IV: Histórias de Vidas! Como atender a cada ser indivíduo, com sua história de vida, seus bons e maus momentos, seus acertos, suas esperanças e desencantos, e cumprir com todas as obrigações e normas impostas pelo “sistema”? Luta diária? Questionamento diário? Dúvida diária? Busca diária? EPISÓDIO V: Dia das mães Não se trata de trabalhar datas comemorativas, e sim de trabalhar a figura materna... Mas o que é ou quem é a figura materna? Trinta alunos, trinta histórias... E que histórias! Mãe que ensinou o filho o que é ser mãe! Mãe que trouxe o filho ao mundo e só! Mãe que não sabe-se o que é, quem é, onde está. 15
  • 16. Em tempos modernos, informatizados, qual o conceito de mãe? Um aluno diz: – Mãe é a pessoa que cuida! A professora pergunta: – O que é cuidar? O aluno responde: – Cuidar! A professora questiona: – Como? Os alunos respondem: - Fazer comida, dar roupas, brinquedos! A professora questiona: – Só? Os alunos respondem: – Dar carinho! – Cuidar quando está doente! – Fazer carinho! – Amar! – Se preocupar! – Proteger! A professora diz: - Então vamos escrever uma carta para essa pessoa que vocês descreveram! Alguns escreveram para ela. EPISÓDIO VI: Resgate Já faz algum tempo que não paro para escrever, mas sinto que hoje, independente das outras obrigações que tenho, vou recolher-me aos meus pensamentos e registrar os 16
  • 17. últimos acontecimentos. Tenho uma nova companheira de oficina e isso tem me trazido novas oportunidades e expectativas. Compartilhamos de muitas ideias e ansiamos por objetivos senão comuns bastante próximos. Temos trabalhado juntas com minha turma do 3º ano e finalmente percebo que eles estão mergulhados de corpo e alma nessa tentativa de aproximá-los da Filosofia. Digo isso especialmente devido a comentários feitos por eles após nossa última oficina. Trabalhamos com a obra de LIPMAN, com a ideia de nome, e para isso realizamos uma oficina que trabalhava como essa ideia de nome foi constituída, convencionada em nossa sociedade. Utilizamos a obra literária Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha, para envolvê-los na discussão e compreensão de que tudo e todos têm nome, e que isso se trata de uma convenção. Após a oficina, os alunos ficaram inquietos e questionando-se a respeito daquilo que haviam vivenciado. No dia seguinte, um aluno que havia faltado no dia anterior e por esse motivo não participou da oficina, ao deparar-se com as fichas contendo os questionamentos utilizados durante a mesma, que estavam expostas na parede, perguntou a seus colegas: – O que são estas perguntas? E os colegas responderam: – São perguntas que utilizamos na aula de Filosofia. E comentaram sobre como a aula/oficina havia ocorrido, contando sobre a dinâmica utilizada, sobre a obra “Marcelo, marmelo, martelo”, e então o aluno questionou: – Mas nós já conhecíamos este livro e já sabíamos que todas as coisas têm nome! E obteve como resposta o seguinte comentário: - Sim, mas dessa vez estávamos pensando o porquê, discutindo. Relato isso porque algumas falas me chamaram atenção devido aos termos utilizados: aula de Filosofia, pensando o porquê, discutindo... Acredito que estamos nos aproximando do nosso objetivo. E conseguindo que percebam a importância e a necessidade de se pensar o porquê de todas as coisas. 17
  • 18. Foto 9: Ler sobre a vida... A curiosidade de Marcelo, Foto 10: Escolhendo leituras... Vida, viveres vívidos marmelo, martelo. Considerações Vívidas Continuamos a escrever a Vida, das vidas, nas vidas e entreVidas, que se cartografam minusculamente, a cada dia nas atividades que se construíram e que ainda sobrevivem às tentativas constantes. Vida. O que é? Diremos que vida é o que flui, o que revive dia a dia nas atividades e intensidades que quase se podem tocar ao serem vistas nos olhares ávidos por vida das crianças que, como estudantes do ensino fundamental, passam a dar sentido às nossas vidas de professoras. Invadem nosso sono, colorem nossos sonhos ao fazer parte de nossa vida, ao correrem nas nossas veias como o alimento que nos mantém de pé, diária e insistentemente. Repetidamente. São corpos vivos, vívidos, animados, a movimentar- se num vai e vem ritmado. Angustiado. Disparado. Gostamos de pensar que pensar a vida com e entre as crianças requer coragem, animação, sorrisos constantes e broncas, às vezes desconfiguradas diante do apelo inocente de uma criança viva: “Profe, lê um livro pra gente?” O que fazer? O que dizer? Como não sorrir – e às vezes até chorar – de desespero pelo medo de não conseguir ser professora, no sentido que o termo requer: aquela que ensina os conteúdos curriculares e que poderá, ao final do ano, aprovar as crianças para a série seguinte. Como discernir, fantasia e realidade diante das vidas que se criam, recriam, fazem e refazem sentidos 18
  • 19. vívidos para este termo vividamente construído a cada instante: Vida é isso. Esse devir respirar. Criar. Olhar. Viver! Referências AQUINO, Julio Groppa e CORAZZA, Sandra (Orgs.). Abecedário educação da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2009. BARK, Jaspre. Diário das invenções de Leonardo Da Vinci. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009. BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. 33ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Casa Lygia Bojunga, 2003. COSTA, Luciano Bedin da. Estratégias biográficas: biografema com Barthes, Deleuze, Nietzsche e Henry Miller. Luciano Bedin da Costa, Porto Alegre: Sulina, 2011. ________________________. O destino não pode esperar ou o que dizer de uma vida. In: FONSECA, Tania Mara Galli e COSTA, Luciano Bedin (Orgs.). Vidas do Fora – habitantes do silêncio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. DALAROSA, Patrícia. Apud: Heuser, Ester Maria Dreher (org.) Caderno de Notas 1: projeto, notas & ressonâncias. Cuiabá: EdUFMT, 2011. 120 p. KASTRUP, Virginia. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade / Orgs. Eduardo Passos, Virgínia Kastrup e Liliana da Escóssia. – Porto Alegre: Sulina, 2009. 207 p. OLIVEIRA, Marcos da Rocha. Biografemática do homo quotidianus: o senhor educador – Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: 2010. ROCHA, Ruth. Marcelo Marmelo Martelo e outras histórias. Ed. Salamandra, São Paulo: 1999. SABUDA, Robert. Alice no país das maravilhas. / Lewis Carrol; [adaptação] Roberto Sabuda; (Trad. Cynthia Costa.) São Paulo: Publifolhinha, 2010. 19
  • 20. ROLNIK, Suely; GUATTARI, Félix. Cartografias do desejo. Editora Vozes, Petrópolis, 1986. ZIRALDO, O menino marrom. São Paulo: Melhoramentos, 2009. 20