Operador de pregão - Uma profissão masculina e estressante
1. Posted on: qui, 02/04/2009 - 11:57
Mineiro
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Operador de pregão
Reduto masculino
Operador de pregão -- uma profissão paulistana e masculina por excelência
Por Laura Somoggi
São 9h59 da manhã. No terceiro subsolo de um prédio na praça Antônio Prado, no centro de São
Paulo, homens a postos acompanham a contagem regressiva num painel eletrônico. No minuto
seguinte, começa uma gritaria que guarda alguma semelhança com uma feira livre. "Dez a dois!
Dez a dois!", apregoa um jovem que gesticula ferozmente numa roda de quase 300 pessoas. Poucos
segundos depois, ouve-se: "Tchado!" (fechado). Ao fim desse rápido e peculiar diálogo foram
vendidos dez lotes de dólar a uma cotação de 3,592 reais (o 2 acima se refere aos centésimos da
cotação) -- algo equivalente a 1,8 milhão de reais. Negociações como essa, feitas no pregão em
viva-voz da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), compõem a rotina do operador de pregão,
aquele profissional conhecido por aparecer em fotos nos jornais ou nos noticiários da TV sempre
que há algum fato importante no mercado financeiro.
Como é o trabalho dessa figura que passa o dia inteiro em pé, com um telefone sem fio na mão e um
crachá enorme pendurado no pescoço, esgoelando-se? Ele é uma das peças do intricado mundo das
finanças. Quando você aplica num fundo de investimento, por exemplo, o administrador da carteira
compra e vende diferentes ativos, moedas, índices e commodities com o objetivo de aumentar a
rentabilidade da aplicação. Para fazer isso, ele precisa dos serviços de uma corretora de valores. O
administrador passa uma ordem de compra ou venda de determinado ativo para um operador de
mesa da corretora, e este repassa a ordem ao operador responsável pela execução. É no pregão que
todas as demandas e ofertas se encontram e onde os negócios são realizados. "O pregão é o retrato
visível do coração do mercado financeiro", diz Noenio Spinola, diretor de imprensa e mídia da
BM&F.
Como no Brasil só há bolsas de valores e de mercadorias em São Paulo, a carreira de operador de
pregão virou exclusivamente paulistana. Atualmente, há menos de 1 000 profissionais dessa
categoria em atividade -- 300 na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), e 600 na BM&F.
São todos homens (apenas três mulheres já trabalharam no pregão, mas hoje não há
nenhuma), com idade média de 25 anos na BM&F e pouco mais de 30 na Bovespa. "No início
das bolsas, eram os próprios donos das corretoras, amigos e familiares que trabalhavam como
operadores", diz Sidney Martins, operador da Bovespa desde 1975. "Com o passar do tempo, essa
atividade foi cada vez mais se profissionalizando."
2. Assim como Martins, muitos operadores trabalham no pregão há anos. É o caso de Antonio Carlos
Rago, vulgo Volpone (muitos operadores são conhecidos por apelidos), de 37 anos. Ele começou na
Bovespa, em 1980, e foi um dos 25 primeiros operadores da BM&F, em 1986. Sua trajetória é
exemplar. Aos 15 anos era auxiliar de pregão (o responsável por preencher os boletos de
negociação) e hoje é gerente de pregão da corretora Multistock, na BM&F. Além de operar, chefia
um grupo de 13 operadores. "Até tentei ir para a mesa da corretora, mas não consegui ficar longe da
adrenalina e da temperatura do mercado", diz Volpone. "Muitos operadores vêem o trabalho no
pregão como uma fase intermediária da profissão. Eu não." Algumas corretoras têm uma espécie
de plano de carreira. O primeiro estágio é o de auxiliar, passa-se a operador júnior, pleno e
sênior, chega-se a gerente de pregão e daí vai-se para a mesa. Os salários começam em cerca de
500 a 600 reais para um auxiliar e, em geral, não se ganha mais do que 6 000 ou 7 000 reais por
mês. "Há operadores considerados tops que chegam a salários de 10 000 a 12 000 reais", diz José
Carlos Branco, diretor de operações e desenvolvimento de Mercado da BM&F. Além do salário
fixo, muitas corretoras pagam comissões, participação nos lucros e bônus. Mas, de acordo com os
operadores, ninguém que fica no pregão ganha os milhões que fizeram a fama dos yuppies de Wall
Street. Normalmente, tem mais chances de ficar rico o profissional que vai para áreas como as
mesas dos bancos ou a administração de recursos, onde a engenharia financeira é feita e todas as
decisões são tomadas.
Bê-á-bá da bolsa
Para se tornar um operador é preciso fazer um curso. No da BM&F, por exemplo, o currículo
compreende noções básicas de matemática financeira, aulas sobre as diferentes mo dalidades de
negociação, orientação para o uso da voz, como funciona o sistema do pregão, como se executa
uma ordem. Além disso, há um módulo que ensina todo o sistema de negociação em pregão
eletrônico (onde as demandas e as ofertas são feitas não na gritaria, mas sim por meio de um
sistema de computadores interligando as corretoras).
Além do conhecimento do mercado financeiro, o que diferencia um bom operador é uma série de
habilidades bem específicas, entre elas raciocínio rápido, concentração, memória e boa voz (veja
quadro "Ganhando no Grito"). O operador tem de ficar atento ao que todos à sua volta estão
apregoando (quem está comprando, quem está vendendo, quantos lotes, qual é o preço etc.) para
poder passar as informações do mercado para a mesa. É o que se chama "cantar o mercado". Ao
mesmo tempo, tem de ouvir as ordens da mesa e fechar o negócio em segundos, antes que outro o
faça. "Outra coisa que valoriza um profissional é a versatilidade para operar nos diferentes
mercados, seja do dólar, seja de juros ou do boi gordo", diz Lauro Lamarque, chefe de pregão da
corretora Link.
Quem quer ir mais longe nessa carreira precisa desenvolver ainda uma grande sensibilidade
para interpretar o que os outros operadores da roda estão fazendo. Tem de ficar sintonizado.
"O operador tem como sentir, melhor do que ninguém, quais são os verdadeiros movimentos do
mercado", afirma Volpone. "Às vezes, alguém apregoa uma venda, mas, na realidade, faz esse jogo
porque está interessado em comprar e quer saber quem está vendendo."
3. Ao exercer essa habilidade, o operador pode deixar de ser um mero executor das ordens vindas da
mesa da sua corretora para dar informações que influenciam a decisão de compra ou de venda.
Quando isso acontece, a confiança no operador cresce e, muitas vezes, ele passa a atender
diretamente o cliente, sem que haja a intermediação da mesa. É o que faz Gleison Garcia, o Ninja,
operador da corretora Adipar na BM&F. "Quando a relação de confiança se consolida com um
operador, o cliente não quer mais trabalhar com outro", afirma Ninja, que trabalha no pregão há 12
anos. Certa vez, de férias em Parati, no litoral do Rio de Janeiro, ele recebeu um telefonema de um
cliente pedindo que voltasse, pois só conseguia fazer negócios com ele. "Eu voltei."
O trabalho é extremamente estressante. Na BM&F, o pregão começa às 10 horas da manhã e
termina às 4 horas da tarde, com uma hora e meia de almoço (há algumas variações de horário
dependendo do tipo de ativo negociado). Passar esse tempo todo de pé, gritando, ouvindo o telefone
de um lado e os operadores de outro, fazendo contas, interpretando os movimentos para fechar
negócios que podem chegar a centenas de milhões de reais não é para qualquer um. É preciso ter
estrutura. O ritmo frenético deixa poucos operadores incólumes. Gastrite, enxaqueca,
amigdalite crônica e miopia ocupacional são algumas das queixas mais comuns entre eles.
Para aliviar a tensão, cada um encontra um jeito. Ninja, por exemplo, faz música. É vocalista de
uma banda de rock chamada James Band. Canta junto com a mãe, que também trabalha no mercado
financeiro. "Se não fosse a música, eu estaria louco", diz Ninja.
O cotidiano tenso explica por que o mercado financeiro atrai mais os jovens. "Quem tem 20 e
poucos anos tem energia, agressividade e é arrojado, características fundamentais para se dar bem
no pregão", diz Marcos Teodoro, gerente do pregão eletrônico da BM&F. "Operador é como
modelo. Com 30 anos já tem que ter se dado bem, senão vai ficando cada vez mais difícil."
Nesse ambiente, há mais camaradagem do que amizade e também muita hostilidade. "É muito
comum que profissionais que fecham muitas operações milionárias se deslumbrem e comecem a se
gabar", diz Lamarque. "Esse trabalho exige equilíbrio emocional, pois num dia você está por cima e
no outro por baixo. O mais importante de tudo é sempre lembrar que o dinheiro que passa nas suas
mãos é do cliente."
Outra questão delicada é o futuro da profissão. Há quem acredite que o pregão em viva-voz está
fadado ao fim. O surgimento do pregão eletrônico seria a principal razão. Só duas bolsas de valores
no mundo ainda têm o viva-voz, a de São Paulo e a de Nova York. E algumas das principais bolsas
de mercadorias e futuros, como as de Chicago, além da BM&F, mantêm essa modalidade de
negociação. Mas enquanto o mercado continuar acreditando que estar frente a frente é realmente a
melhor forma de perceber os movimentos dos agentes financeiros, dificilmente a gritaria dos
pregões vai acabar.
GANHANDO NO GRITO
Para profissionais que fecham negócios no grito -- literalmente --, rouquidão ou afonia podem
significar a perda de uma ótima oportunidade. Boa voz e dicção clara são características
fundamentais para os operadores de pregão. Afinal, eles passam o dia numa roda onde até 300
homens ficam apregoando o preço dos ativos que estão comprando ou vendendo -- todos ao mesmo
4. tempo. Só uma voz potente atinge a roda toda e se faz ouvir por mais gente, o que aumenta a
probabilidade de conseguir a melhor transação. Tanto isso é verdade que na BM&F há uma
fonoaudióloga que dá consultoria vocal a quem precisar. Ana Elisa Ferreira trabalha na BM&F
desde 1996 e já atendeu cerca de 900 operadores. Todos são convocados para uma avaliação anual.
"Algumas vezes, o operador vai perdendo a voz durante o dia", diz Ana Elisa. "Ele vem aqui, faz
alguns exercícios para resgatar a voz e volta ao pregão. Às vezes, em 15 minutos o problema se
resolve." Há casos de operadores que perdem a voz por causa da tensão. "Quando isso acontece,
funciono mais como psicóloga do que como fonoaudióloga", afirma.