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Educação Continuada em Saúde
Esta seção se propõe a trazer atualização do conhecimento científico na área de saúde,
bem como proporcionar a oportunidade de informar e discutir de forma agradável e
motivadora temas fundamentais ou mesmo polêmicos na prática da saúde.
organismo ao meio ambiente, cuja insuficiência pode
Avanços Médicos
estar relacionada com a gênese de diversos processos
A medicina que praticamos hoje não é a mesma que nos foi patológicos, incluindo as doenças neurológicas. A
ensinada nos bancos escolares. Esta subseção se propõe a melatonina age como um transdutor neuroendócrino,
trazer elementos atuais da prática médica nas diferentes áreas transformando as informações externas referentes ao
de atuação, de modo a ter contato com o que há de avanços na
ciclo noite-dia em sinais bioquímicos que modulam a
medicina.
organização tempo-dependente de funções
Já foi uma publicação isolada que conseguiu regularidade,
autonômicas, neuroendócrinas e comportamentais.
trazendo contribuições de grande valor, conforme opiniões de
A melatonina (N-acetil-metoxitriptamina) foi
seu público leitor.
caracterizada em 1958; é uma indoleamina conhecida
Abraham Pfeferman, Rudolf Uri Hutzler hoje como o maior produto secretório da glândula
Editores Associados da einstein
pineal, que é um órgão de linha média no cérebro, de
até 8 mm, localizado abaixo do esplênio do corpo
caloso.
A regulação da secreção de melatonina na pineal é
singular; diferentemente de outras glândulas, ela não
é influenciada por outros hormônios secretados por
outras glândulas ou células, e sim o grande regulador
Melatonina e doenças neurológicas da produção de melatonina é o ciclo claro-escuro, dia-
noite ambiental, sendo um órgão final do sistema
Mario Fernando Prieto Peres*
visual.
*
Médico Neurologista do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein - São
A melatonina é produzida somente durante a noite;
Paulo (SP).
a luz tem efeito paradoxal na sua produção, estimula
quando é recebida de dia e inibe à noite. O núcleo
supraquiasmático no hipotálamo (que constitui o
As mudanças comportamentais que ocorrem de acordo
relógio biológico) recebe a informação luminosa via
com o ritmo de 24 horas nos seres vivos são uma das
axônios do trato retino-hipotalâmico e através da
características mais proeminentes da vida no planeta
norepinefrina, via receptores beta-adrenérgicos,
Terra. O sistema nervoso, tanto em organismos simples
estimula a produção de melatonina no pinealócito.
quanto complexos, se desenvolveu ao longo dos
A secreção de melatonina diminui com a idade;
milênios para atender às demandas de variações tempo-
portanto, uma série de eventos biológicos ligados ao
dependentes relacionadas ao ciclo claro-escuro.
envelhecer pode ser relacionada com essa diminuição.
A glândula pineal e a melatonina têm importância
Outros aspectos importantes da melatonina incluem o
fundamental nos mecanismos de adaptação do
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seu efeito oncostático, sua interação com o sistema de melatonina com avanço do seu pico, níveis menores
imune, gonadotrófico, seu potente efeito antioxidante, em insônia, apontando para uma disfunção
cronobiológica(3). Outro estudo em 200 pacientes com
sua modulação do sistema dopaminérico, seroto-
ninérgico, sua potencialização da analgesia opióide e enxaqueca episódica e crônica revelou que 93 pacientes
da neurotransmissão de GABA, sua implicação na (46,5%) relataram crises após mudarem seu horário de
produção de óxido nítrico e controle neurovascular. sono, 28 pacientes (14%) relataram trabalho em turno
Várias são as doenças do ritmo biológico, também trocado, 86% com piora da cefaléia. Oitenta e seis
chamadas dissincronoses. Podem ser de origem externa pacientes (43%) relataram freqüentes viagens cruzando
ou ambiental, devido ao estilo de vida do indivíduo, fusos horários, 79% com piora da cefaléia.
tal como na síndrome dos trabalhadores em turno Cefaléia após trabalho em turno trocado correla-
trocado, no jet lag (distúrbio secundário ao desloca- cionou-se com fadiga e queixas de memória. Cefaléia
mento rápido de fuso horário) e na má adaptação à após viagem cruzando fusos horários correlacionou-se
mudança do horário de verão/inverno. A síndrome do com queixas de concentração e memória. A fase de
atraso e avanço da fase de sono, os distúrbios de ritmo sono (22:22 h + 01:17) esteve significativamente
em cegos, e a síndrome de Smith-Magenis têm origem atrasada (22:46 h + 01:20 h) p < 0,001, sendo que 108
endógena. Outras doenças como a depressão sazonal, pacientes (54%) mudaram a fase de sono, variando de
depressão bipolar, esclerose múltipla, síndrome pré- -02:30 h a + 05:00 h. A maioria dos pacientes (75,69%)
menstrual, enxaqueca e cefaléia em salvas apresentam atrasou, enquanto 33 (31%) avançaram a fase de sono.
marcado componente cronobiológico, com uma Atrasos ou avanços maiores que 2:00 h representaram
12,5% dos pacientes(4).
variação nítida de seus sinais e sintomas de acordo com
ritmos circadianos ou circanuais(1). Na cefaléia em salvas, há importância da melato-
Diversas doenças neurológicas, além naturalmente nina e ritmicidade bem estabelecida. Um estudo duplo-
dos distúrbios do sono, sofrem influência clínica cego controlado com placebo mostra que a melatonina
relevante dos ritmos biológicos, tais como as cefaléias, é superior a placebo em cefaléia em salvas episódica e
epilepsia, demências, doenças neurovasculares, crônica. Os níveis de melatonina encontram-se dimi-
extrapiramidais, neuromusculares, desmielinizantes e nuídos em pacientes com cefaléia em salvas. A relação
neoplasias. entre cefaléia em salvas e aumento de temperatura é
Algumas cefaléias apresentam nítida ritmicidade provavelmente mediada pela alteração da secreção de
melatonina(5).
circadiana, como a cefaléia hípnica e a cefaléia em
salvas; outras com variação circanual, a cefaléia em Em epilepsia, a variação circadiana também é
salvas e a enxaqueca cíclica; e por último a enxaqueca importante. Em geral, crises generalizadas tendem a
menstrual com ritmicidade mensal. ocorrer mais durante o dia, enquanto crises secunda-
Muitos efeitos biológicos da melatonina caracteri- riamente generalizadas ocorrem mais durante o sono.
zam-na como uma potencial candidata a fisiopatologia A dependência das crises em relação ao tempo diminui
e tratamento da enxaqueca. Seus efeitos são de com a idade, juntamente com a diminuição da secreção
potencializar o GABA, inibir o glutamato, varrer óxido de melatonina.
nítrico, modular ação da serotonina, dopamina e A melatonina mostra ação antiepiléptica tanto em
analgesia opióide, agir como antiinflamatório, além modelos experimentais quanto em humanos, com
de ter estrutura molecular à indometacina, molécula provável mecanismo gabaérgico. Em pacientes com
de muito interesse na área das cefaléias. demência, o aparecimento de agitação no final do dia,
Recentemente, mostramos que a melatonina 3 mg o fenômeno de “sundowning”, vem sendo tratado com
foi eficaz na prevenção da enxaqueca(2). Na enxaqueca, sucesso com melatonina. Níveis anormais de
níveis diminuídos de melatonina e alteração na sua melatonina podem aparecer já na fase pré-clínica. Em
curva de secreção foram detectados. Clinicamente, modelos experimentais de Alzheimer, observou-se
crises podem ocorrer à noite, mudanças de ritmo de aumento da sobrevida e diminuição das lesões
sono desencadeiam crises de enxaqueca, pacientes com patológicas.
enxaqueca dormem menos, têm latência maior e mais A melatonina tem potente ação varredora de
despertares noturnos. radicais livres, tendo importância como substância
Em estudo por nós realizado foi observado em neuroprotetora. Em modelos experimentais de
pacientes com enxaqueca crônica alteração dos níveis isquemia, houve redução da área afetada com a sua
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Referências
administração, além de propiciar diminuição do edema,
melhor recuperação de déficits neurológicos. Ocorre 1. Turek FW, Dugovic C, Zee PC. Current understanding of the circadian clock
também no acidente vascular cerebral uma variação and the clinical implications for neurological disorders. Arch Neurol. 2001;
58(11):1781-7.
sazonal e circadiana dos eventos.
2. Peres MF, Zukerman E, da Cunha Tanuri F, Moreira FR, Cipolla-Neto J. Melatonin,
A melatonina modula a ação da dopamina, inibindo
3 mg, is effective for migraine prevention. Neurology. 2004; 24;63(4):757.
a sua liberação; dessa forma, potencialmente interfere
3. Peres MF, Sanchez del Rio M, Seabra ML, Tufik S, Abucham J, Cipolla-Neto
em distúrbios do movimento. Há estudos mostrando J, Silberstein SD, Zukerman E. Hypothalamic involvement in chronic migraine.
alterações dos níveis de melatonina em doença de J Neurol Neurosurg Psychiatr. 2001; 71(6):747-51.
Parkinson, benefício em discinesia tardia, e devido à 4. Peres MF, Stiles MA, Siow HC, Dogramji K, Cipolla-Neto J, Silberstein SD.
sua ação neuroprotetora pode atuar como adjuvante Chronobiological features in episodic and chronic migraine. Cephalalgia.2003;
23(7):590-1.
no tratamento da doença de Parkinson. Distúrbios
5. Peres MF, Seabra ML, Zukerman E, Tufik S. Cluster headache and melatonin.
comportamentais do REM em doença de Parkinson e
Lancet. 2000;355(9198):147.
demência de Lewy tiveram melhora com o uso de
melatonina.
A interação das doenças neurológicas com os efeitos
biológicos da melatonina consiste em uma avenida de
investigação científica, com uma potencial perspectiva
de melhor entendimento dos mecanismos fisiopato-
lógicos e de um manejo terapêutico mais adequado.
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