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Iniciada no século XVIII, na Inglaterra, a Revolução 
Industrial traduziu-se, em "sentido lato", num processo de 
modificações estruturais profundas na economia, na sociedade e 
na mentalidade do mundo ocidental ao longo do século XIX. 
Em "sentido estrito", as transformações tecnológicas e 
económicas foram, porém, a imagem de marca da revolução 
industrial. Grandes descobertas técnicas, amparadas em novas 
fontes de energia, motivaram a passagem da manufactura à 
maquinofactura. A palavra "indústria" passou a ser utilizada para 
designar o fabrico, em grande escala, oriundo do maquinismo e 
um país industrializado definiu-se pela percentagem de mão-de-obra 
e pela riqueza obtidas através do sector secundário de 
actividades. 
Obviamente, a revolução industrial não constou de uma 
única operação, tal como os diferentes países foram afectados 
em épocas e a ritmos também diferentes. Assim, de 1780 a 1840- 
50, distinguimos uma primeira revolução industrial, liderada 
pela Inglaterra: foi a revolução do carvão, do ferro, do algodão e 
da máquina a vapor, que determinou o desenvolvimento do 
Capitalismo Industrial. Por volta de meados do século XIX, a 
revolução industrial está em expansão. É a segunda revolução 
industrial, do aço, do petróleo, do motor de explosão e da 
electricidade, que se espalha pela Europa e atinge a América do 
Norte e o Japão, entre 1850 e 1914. O Capitalismo 
Financeiro atinge, então, um ponto alto. 
O alargamento das vias de comunicação 
O alargamento das vias de comunicação foi um factor e um 
mecanismo da industrialização, segundo o historiador François 
Caron, na medida em que constituiu um investimento de base. 
Um investimento de tal modo poderoso, a partir de meados do 
século XIX, que os historiadores não hesitam em falar numa 
revolução dos transportes dentro da Revolução Industrial. 
Embora, em 1825, o engenheiro escocês Mac Adam tenha 
melhorado a qualidade dos revestimentos dos pavimentos das 
estradas e, simultaneamente na França e na Inglaterra, se tenha 
multiplicado a construção de canais, a revolução dos transportes
caracteriza-se, antes de mais, pela aplicação da máquina a vapor 
à navegação e aos transportes ferroviários. 
A navegação a vapor 
No que se refere à navegação, procedeu-se à adaptação, e 
depois substituição, dos pesados veleiros de madeira 
(clippers) americanos pelos navios a 
vapor(steamers), construídos em ferro e dotados de caldeiras, de 
rodas de pás e de hélices. 
O steamer, ou paquete, revelou-se, efectivamente, de um 
enorme impacto na vida económica de então: para além do 
transporte de passageiros e de correio, destinou-se também ao 
comércio, pelo que a sua especialização depressa se impôs, 
dando origem aos navios de carga, aos petroleiros e aos barcos - 
frigoríficos. 
Durante o século XIX e até à I Guerra, dois terços da 
tonelagem mundial pertenciam à Europa, na qual o Reino Unido 
detinha o primeiro lugar. Os próprios E.U.A., que, em termos de 
crescimento económico eram os primeiros, não tinham uma frota 
comercial que correspondesse ao seu poderio, pelo que 
recorriam à marinha inglesa. 
O progresso da navegação a vapor exigiu a organização de 
grandes sociedades capitalistas. Se, no tempo da navegação à 
vela, um armador negociante possuía um ou dois barcos, no 
século XIX, porém, apenas as grandes companhias de navegação 
podiam fazer face à compra de dezenas de barcos e à sua 
manutenção. Só em carvão eram gastas vinte e cinco toneladas 
por dia. 
Até 1914, as mais poderosas sociedades de navegação eram 
precisamente as inglesas, possuidoras de uma rede de 
informações e seguros à escala mundial. Entre elas, devemos 
citar a Peninsular and Oriental Company, fundada em 1837, e 
a Cunard Line, criada em 1840. Entretanto, na França, ficaram 
conhecidas a Les Messageries Maritimes de 1851, especializada 
na distribuição de correio no Mediterrâneo, e a Compagnie 
Transatlantique, nascida em 1855. 
Também as condições técnicas dos portos sofreram 
modificações com a navegação a vapor, que motivou instalações
consideráveis de drenagem e armazéns de grandes dimensões. 
Nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, Londres e Nova Iorque 
eram os maiores portos do mundo. Era através de Londres e do 
fluxo das matérias-primas importadas e dos objectos 
manufacturados exportados que a Grã-Bretanha se assumia 
como oficina e balcão do mundo. 
Por sua vez, o porto de Nova Iorque, que dispunha de mais 
de cem quilómetros de cais naturais e da comunicação com a 
zona dos Grandes Lagos desde a abertura, em 1825, do canal do 
Erie, tornou-se não só um redistribuidor nacional dos cereais, 
das matérias-primas industriais e de produtos fabricados, como 
um enorme entreposto mundial de mercadorias, cabendo-lhe 
ainda receber um dos fluxos mais apreciáveis da imigração. 
Paralelamente, a navegação a vapor influenciou as condições 
de circulação, o que esteve patente na construção dos canais do 
Suez e do Panamá, que possibilitaram a redução do tempo de 
travessia em relação à rota do Cabo e à rota do estreito de 
Magalhães, respectivamente, e, por consequência, a redução dos 
custos, fretes e preços dos produtos. 
Podemos, assim, dizer que a navegação a vapor foi um 
elemento fundamental para o progresso do comércio 
internacional, favorecendo o domínio do mercado externo e o 
multilateralismo das trocas. 
Os caminhos-de-ferro 
Os caminhos-de-ferro nasceram do encontro de duas 
técnicas: o ferro e a máquina a vapor. Os carris eram já 
utilizados no século XVIII para a tracção de vagonetas puxadas 
por cavalos, nas minas e nas pedreiras. 
Mas a grande revolução consistiu na aplicação da 
«locomotiva» à tracção dessas vagonetas. 
O engenheiro inglês George Stephenson, ajudado pelo filho 
Robert, construiu as primeiras locomotivas entre 1814 e 1825, 
aplicadas primeiro às minas e, a partir de 1825, utilizadas para 
rebocar comboios. A aplicação da caldeira tubular (inventada 
por Marc Seguin d'Annonay) à locomotiva Rocket de 
Stephenson, em 1829, constituiu o momento-chave da história
dos comboios. Em 1830, a Rocket era utilizada com êxito na 
linha Liverpool-Manchester. 
O êxito da linha de Liverpool-Manchester desencadeou uma 
febre de construção e de especulação por vezes insensatas; em 
1830, os pequenos troços de vias já construídas somavam 280 
quilómetros, mas as principais linhas da Inglaterra e da Escócia 
foram construídas depois de 1845 por companhias particulares; 
esta rede passou de 800 quilómetros em 1840 para 10 000 em 
1850. 
O avanço inglês foi de tal ordem que o railway (isto é, a 
construção e o fornecimento de carris e de máquinas) foi, para a 
Europa, pelo menos inicialmente, uma especialidade inglesa. 
Depois do êxito da primeira linha Bruxelas-Malines, em 1835, a 
Bélgica foi o país que mais rapidamente se dotou de uma rede de 
caminhos-de-ferro. A Alemanha, apesar da sua falta de unidade, 
construiu a sua primeira via também em 1835, de Nuremberga a 
Fürth, e, depois, numerosos troços dispersos, frequentemente 
construídos pelos governos; no total, 5800 quilómetros em 1850. 
Estas ligações ferroviárias serviram também para reforçar 
o Zollverein e este, por sua vez, encorajou aquelas. 
A construção da rede ferroviária em França foi muito mais 
lenta porque o Estado contava com o capitalismo privado e este 
era retraído. 
A Itália, a Áustria e a Hungria constituíram linhas que 
partiam das respectivas capitais mas não iam longe. Na Rússia, a 
linha Sampetersburgo-Moscovo, dispendiosamente construído 
pelo Estado, ficava concluída em 1850. A partir de 1891 
arrancava o Transiberiano, linha que unia Moscovo a 
Vladivostoque, ultrapassando 9200 quilómetros. 
A colocação de vias-férreas foi mais rápida nos Estados 
Unidos (l4 000 quilómetros em 1850); eram paralelas à costa 
atlântica ou penetravam no sentido do Oeste, mas tudo na maior 
anarquia, do que resultaram desvios muito variados, transbordos 
de umas linhas para outras. Em 1869, completou-se a primeira 
ligação transcontinental, pelo encontro das companhias Union 
Pacific e Central Pacific.
De um modo geral, na Europa ocidental e nos Estados 
Unidos, o investimento nos caminhos-de-ferro conheceu três 
ritmos: 
Até 1850, os capitais derivaram de particulares, necessitados 
de um transporte eficaz para os seus negócios industriais ou 
comerciais; de grandes banqueiros, como os franceses Pereire e 
Rothschild; ou da venda de acções e obrigações. 
Entre 1850 e 1865-77, os investimentos privados foram 
controlados pelo Estado e as concessões ferroviárias revestiram, 
em consequência, um carácter provisório. 
A partir da década de 70, frequentes crises financeiras fazem 
dos caminhos-de-ferro um negócio menos lucrativo. As maiores 
despesas cabem, então, aos Estados, que chegam a nacionalizar 
muitas das companhias existentes. 
Consequências dos caminhos-de-ferro 
Os caminhos-de-ferro provocaram profundas implicações 
económicas, sociais e até culturais: 
A agricultura encontrou novos mercados e pôde vender 
géneros de pequena duração em zonas distanciadas, assim como 
especializar as suas produções. 
Os centros urbanos foram abastecidos com regularidade, 
evitando-se crises de fornecimento. 
Quantidades crescentes de ferro, carvão e madeira foram 
absorvidas, para o apetrechamento e consumo do novo meio de 
transporte. 
Impulsionou-se a siderurgia, facilitada pela invenção do 
conversor Bessemer. Assim se obteve o aço, muito mais 
resistente que o ferro e simultaneamente maleável. 
Favoreceram-se as operações financeiras, mediante o 
lançamento de acções e empréstimos por obrigações; construiu-se 
o aparelho bancário moderno; criaram-se sociedades por 
acções, o tipo mais aperfeiçoado de empresa capitalista no 
período da segunda revolução industrial. 
Facilitou-se o povoamento de vastas regiões, nos E.U.A. e 
na Rússia, por exemplo. 
Reduziram-se as tarifas e os custos dos transportes; 
estimulou-se o consumo de massas. Em suma, pôs-se fim ao
isolamento de vastas regiões, integradas, desde então, numa teia 
de ligações. Com efeito, a dinamização das trocas criou um 
mercado unificado, o verdadeiro mercado interno com a 
dimensão de um mercado nacional. Ora, um mercado unificado e 
nacional é uma condição imprescindível à modernidade e ao 
desenvolvimento dos Estados. 
Absorveu-se, também, mão-de-obra disponível, através de 
novas profissões, como ferroviários, carregadores... 
Facilitou-se a correspondência, reduziu-se a metade o custo 
das deslocações dos viajantes; justificou-se a produção mais 
frequente de publicações periódicas. 
Concluindo, as distâncias encurtaram-se, circularam ideias 
novas, o Capitalismo triunfou. 
Outros meios de comunicação 
Os progressos da navegação a vapor e dos caminhos-de-ferro 
foram acompanhados, desde fins do século XIX, pelo 
surgimento de novos transportes, como o automóvel e o avião. 
O desenvolvimento do automóvel remonta a 1886, quando 
apareceu a primeira máquina impelida por um motor de 
combustão interna. Numerosos engenheiros e técnicos 
contribuíram para o surto do novo meio de transporte: na 
Alemanha, Daimler, Benz, Diesel; na França, Panhard, Peugeot, 
Michelin. 
Nos primeiros anos do século XX, a França e a Alemanha 
ocupavam a primeira posição na produção de carros. Em 1914, 
porém, os Estados Unidos fabricavam já 56% do total mundial 
de automóveis, a maioria dos quais pertencia à fábrica Ford, 
onde a instalação de linhas de montagem favorecera o 
embaratecimento e o aumento da produção. 
Quanto à aviação, e após decénios de ensaios com balões e 
dirigíveis, coube, em 1903, a Orville Wright a proeza de voar 
com um motor de gasolina e hélice. Em 1909, os irmãos Voisin 
desenharam um biplano e o seu sócio L. Blériot um monoplano, 
com que atravessou o Canal da Mancha. Estava, então, alterada a 
relação do Homem com o espaço e consagrada a conquista do ar.
A indústria aeronáutica conheceu um impulso notável 
durante o período de 1914-18, quando posta ao serviço de 
interesses militares. 
Mas o progresso das comunicações não se limitou ao invento 
de novos transportes, significando também novos processos para 
a transmissão de notícias O telégrafo, o telefone e a rádio foram 
tão importantes para a criação de um mercado mundial, próprio 
do Capitalismo, como a União Postal e o sistema métrico que 
facilitaram as transacções internacionais. Efectivamente, os 
inventos de Morse, Bell, Hertz e Marconi permitiram regular 
preços, compras e vendas a nível económico, ao mesmo tempo 
que revolucionaram os sistemas de informação da imprensa e 
dos governos. 
A exploração capitalista dos campos 
Concomitantemente à industrialização, os campos 
transformaram-se. Vimo-lo já no caso da Inglaterra, cuja 
revolução agrícola é, para muitos autores, um factor indesligável 
do processo de industrialização. 
A modernização agrícola espalhou-se pela França, pela 
Alemanha, pela Rússia e E.U.A. Um passo decisivo foi dado 
com a abolição da servidão na França, em 1789, o que, na 
Rússia, só viria a acontecer em 1861. A partir de então, e em 
toda a Europa, a mão-de-obra agrícola passou a trabalhar por um 
salário ou a cultivar a sua própria propriedade. A emancipação 
da terra e dos trabalhadores encorajou os investimentos 
capitalistas e possibilitou a adopção de novos métodos de 
cultivo. Entretanto, das fábricas saíam os engenhos responsáveis 
pela modernização agrícola, ao mesmo tempo que os caminhos-de- 
ferro abriam aos produtos da terra o mercado em expansão 
das cidades. Tudo concorria para o aumento da produção e da 
produtividade, passando-se da agricultura de subsistência para a 
agricultura de mercado. 
Na Europa Ocidental, a revolução agrícola passou pela 
prática de uma agricultura intensiva, assente em grandes 
explorações, onde se praticava a adubagem, a mecanização 
(ceifeira, debulhadora, enfeixadora, etc.) e se enveredava pela 
alternância ou pela especialização de culturas, amparadas
frequentemente na selecção de espécies vegetais. Algumas 
regiões adoptaram a monocultura, como o Languedoc, que, na 
França, se tornou vinhateiro, com os riscos daí resultantes: 
superprodução e variações de preços. Entretanto, noutros locais, 
a horticultura e a produção especializada de frutos ofereciam 
uma alternativa ao cultivo de cereais. Por toda a parte, o pousio 
estava em regressão. 
Outro elemento característico da revolução agrícola foi o 
aumento da criação de gado ligada ao desenvolvimento das 
pastagens. Na Grã-Bretanha, a manada de bovinos passa de 9 
para 17 milhões; na Alemanha, de 14 para 20 milhões. A criação 
de gado assume mesmo um carácter selectivo, na medida em que 
tinha como objectivo o aparecimento de raças altamente 
produtivas (certos carneiros e vacas leiteiras), cujos exemplares 
eram exportados para todo o mundo. A Austrália, por exemplo, 
constituiu um terreno fértil para a propagação do carneiro 
merino. 
Na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda, na Suíça, na 
Bélgica, houve também a preocupação de unir a agricultura à 
ciência: em quintas-piloto, utilizam-se maciçamente processos 
científicos e adubos químicos, que se saldam na supressão quase 
completa dos pousios e na melhoria geral da produção. 
Incontestavelmente, a produção aumentou: na Grã-Bretanha, 
no que respeita ao trigo, passou de cerca de 14 quintais por 
hectare, em meados do século XIX, para 22 em 1914; nesta 
última data, a Alemanha atingiu 19 a 20 quintais por hectare; os 
Países Baixos e a Dinamarca 26 e 29 quintais, respectivamente. 
Quanto à superfície cultivada, registaram-se tendências 
diversas: na França houve, em primeiro lugar, um grande esforço 
para recuperar terrenos, mercê de arroteamentos, 
desarborizações e drenagens. Também na Alemanha, as 
superfícies cultivadas aumentaram, entre 1870 e 1914, cerca de 
um milhão de hectares na Região Leste. Entretanto, na 
Inglaterra, depois das reformas económicas de 1846 a 1850, os 
terrenos de sementeira registaram até uma redução pelo que a 
produção, embora de qualidade, só alimentava a população 
quatro meses em doze.
Nos países temperados novos, como o Canadá, os E.U.A., a 
Argentina, a Austrália, a África do Sul, uma agricultura 
extensiva e mecanizada (o primeiro tractor agrícola aparece nos 
E.U.A.), em grandes explorações, aliada a grandes pastagens, 
permitiu elevadas produções em todos os domínios tradicionais. 
Com efeito, a abertura de novos terrenos além-mar, sejam 
nas planícies norte-americanas, nas pampas sul-americanas, ou 
nas regiões temperadas da Austrália, contribuiu para o aumento 
da produção mundial de alimentos. No que respeita ao trigo, 
entre 1850 e 1914, os E.U.A. aumentaram quatro vezes a 
superfície a ele consagrada, o Canadá seis vezes e a Argentina 
oitenta e nove vezes. A produção, para o conjunto destes países, 
passou de 75 milhões de quintais para 400 milhões. 
Quanto às outras produções, observa-se o mesmo progresso, 
quer se trate de milho, de cevada, de batata, de beterraba para 
açúcar. 
No que se refere à criação de gado, esta atingiu também um 
ponto alto nos novos países, que se tornaram grandes 
fornecedores de carne e de lã ao continente europeu. 
Na verdade, graças aos progressos resultantes, quer da 
circulação ferroviária e da navegação a vapor transatlântica que 
reduziram os custos dos transportes, quer da própria 
transformação dos alimentos através do enlatamento e da 
conservação frigorífica, o comércio internacional de produtos 
alimentares animou-se, gerando-se uma concorrência perigosa 
para os produtores europeus, que reclamaram dos Estados 
medidas proteccionistas contra a implacável baixa dos preços 
gerada nas últimas décadas do século XIX. 
Entretanto, na Europa Central ainda se mantinham traços das 
antigas estruturas feudais: na Rússia, apesar das reformas, o 
sistema agrário baseava-se numa mão-de-obra barata e pouco 
produtiva. Na Europa do Sul perpetuava-se a policultura de 
subsistência. 
Progressos cumulativos da técnica e da investigação 
científica 
Nos finais do século XIX verifica-se uma aceleração no 
ritmo das descobertas científicas: a Física, a Química e as
Ciências Naturais registam avanços prodigiosos. O trabalho em 
equipa de sábios está na ordem do dia e, frequentemente, 
desenrola-se em laboratórios ou em institutos subsidiados pelos 
Estados e pela indústria privada. Enquanto que o trabalho dos 
cientistas teve um papel limitado na primeira revolução 
industrial, pelo contrário, desde as últimas décadas do século 
XIX, o desenvolvimento da indústria é fomentado pelas 
descobertas da ciência. 
A crescente concorrência entre empresas e países, aliada à 
conjuntura de baixa dos preços no fim do século XIX, exigiram 
a redução dos custos, alicerçada na pesquisa técnica e científica. 
Deste modo, a segunda industrialização surge-nos como o 
resultado da estreita ligação da ciência e da técnica, do 
laboratório e da fábrica. Sábios, nos laboratórios, procuram 
responder a problemas postos pelos avanços tecnológicos; nas 
fábricas, entretanto, os engenheiros implementam as novas 
técnicas e métodos de produção baseados na ciência. Daí falar-se 
em progressos cumulativos para caracterizar as inovações da 
segunda revolução industrial. 
Uma nova fonte energética, o petróleo, produzido 
comercialmente pela primeira vez na Pensilvânia, permitiu a 
utilização dos óleos minerais seus derivados, primeiro na 
iluminação (sob a forma de lamparinas de parafina), no 
aquecimento e em usos domésticos e, em seguida, como 
combustível. 
O petróleo e a gasolina tornaram possível o motor de 
combustão interna, descoberta do alemão Gottlieb Daimler em 
1886, também conhecido por motor de explosão. Este esteve na 
origem do automóvel, de pequenos motores portáteis adequados 
a toda a espécie de trabalhos, de turbinas utilizadas nos navios e 
de motores suficientemente potentes e leves para uso na aviação. 
Em 1897, outro alemão, Rudolf Diesel, conseguiria a 
aplicação do óleo pesado ao motor de combustão, dando origem 
ao motor-diesel, hoje utilizado na maioria dos transportes 
pesados. 
A electricidade, uma forma energética nobre, revolucionou a 
iluminação, os transportes e a indústria. No mesmo ano (l879) 
em que o americano Thomas Edison produziu a lâmpada de
incandescência, que possibilitou a iluminação eléctrica de 
cidades e interiores, Ernst Siemens construía, em Berlim, a 
primeira locomotiva eléctrica. Entretanto, nas grandes cidades, 
difundia-se o carro eléctrico. 
No que se refere à indústria, a electricidade esteve na origem 
da criação de grandes empresas, onde se tornou possível o 
funcionamento nocturno, assim como a reorganização das fases 
do trabalho, assentes no automatismo. 
Acrescente-se que progressos como o telefone, a rádio, o 
telégrafo e o próprio cinema não teriam existido sem a indústria 
eléctrica. 
A siderurgia transformou-se no sector de ponta da segunda 
industrialização: é a base da indústria pesada que, de futuro, 
define os padrões do desenvolvimento. 
O aço, cuja produção aumentou em flecha enquanto o 
respectivo preço registou um abaixamento: converteu-se no 
material essencial da grande construção e da maquinaria; com 
ele foi possível projectar arrojadas obras de engenharia (pontes, 
arranha-céus, túneis), carris, armamento. Com os seus 300 
metros de altura e 7500 toneladas de ferro e aço, a Torre Eiffel, 
erigida em Paris para a exposição de 1889, é bem o monumento 
ao aço. 
A metalurgia distinguiu-se na produção de ligas e utilizou 
crescentemente diversos materiais: 
O cobre, isolado dos metais ferrosos por processos 
electrolíticos, que se revelou insubstituível como condutor 
eléctrico; 
O chumbo, utilizado em tubagens, condutas de água e de 
gás, na pintura, baterias, etc.; 
O zinco, utilizado em pinturas e para a galvanização do aço; 
O alumínio, apreciado pela sua leveza, condutibilidade do 
calor e resistência à oxidação; 
O estanho, o níquel, o manganés, o crómio e o tungsténio. 
A indústria química, largamente apoiada na pesquisa 
científica, produziu: 
Fertilizantes e insecticidas; a borracha vulcanizada, 
fundamental no ciclismo, automobilismo, calçado, indústria 
eléctrica; explosivos, perfumes, medicamentos e produtos
fotográficos; corantes sintéticos e fibras artificiais, que 
revolucionaram a indústria têxtil. 
O comércio internacional: trocas multilaterais e efeitos 
de arrastamento 
Ao longo do século XIX o crescimento do comércio mundial 
foi notável. Tirando proveito das maiores disponibilidades 
agrícolas, industriais e de transporte, o volume do comércio 
mundial triplicou, de 1876-1888 a 1911-1913. 
As trocas mundiais são multilaterais e podem decompor-se 
do seguinte modo: 40% dizem respeito ao comércio intra-europeu; 
21,5% dirigem-se dos países não europeus para a 
Europa; 15,2% são da Europa para os outros 
continentes; 23.3% abrangem as trocas no mundo não europeu. 
No contexto do comércio internacional, dois terços das 
trocas são controladas, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, pelos 
países desenvolvidos da Europa, Estados Unidos, Canadá e 
Austrália. Tal hegemonia resulta, segundo o historiador François 
Caron, «do desenvolvimento de um esquema que inclui, por um 
lado, trocas de matérias-primas minerais e produtos agrícolas por 
produtos industriais manufacturados e, por outro, trocas de 
produtos manufacturados entre países industrializados». 
O comércio de produtos primários relacionou-se com a 
industrialização da Europa, que exigiu a importação de matérias-primas 
e de produtos alimentares. Entre as primeiras, devemos 
destacar: o carvão, de que a Bélgica, a Alemanha e a Grã- 
Bretanha eram grandes fornecedoras: o cobre, a borracha e o 
petróleo, cujo fornecimento se tornou um dos fluxos 
fundamentais do comércio mundial: o algodão bruto, que 
representava 2/3 do valor das exportações dos Estados Unidos, 
em 1860; a lã, fornecida pela Austrália, Nova Zelândia, 
Argentina e África do Sul. 
Quanto aos produtos alimentares, a sua importação foi um 
dos principais factores do crescimento das trocas internacionais. 
Quer os Estados Unidos, quer a Rússia, por exemplo, foram 
grandes exportadores de trigo, de que o Reino Unido era um 
bom cliente.
Outro comércio intercontinental de alimentos foi o da carne 
e produtos lácteos, favorecido pela criação, nos anos 1880, das 
cadeias de transporte frigorífico, que permitiram o 
abastecimento de carne da América do Norte, da Argentina, da 
Austrália e da Nova Zelândia. 
O esquema de trocas que acabámos de descrever (produtos 
primários contra produtos manufacturados) fazia do Noroeste 
europeu e dos Estados Unidos as «oficinas do mundo» e 
consagrava uma autêntica divisão internacional do trabalho. 
Como atrás referimos, havia também uma rede de trocas de 
produtos industriais entre os diversos países industrializados. Por 
exemplo, o principal cliente da Alemanha era a Grã-Bretanha, 
que comprava 14% das suas exportações, e o melhor cliente da 
Grã-Bretanha era a Alemanha. Nem o coro dos protestos 
daqueles que temiam a concorrência era suficiente para destruir 
a rede de solidariedade que se estabelecia entre os países 
industrializados. 
Claro que os mercados coloniais eram importantes para os 
europeus mas, como F. Caron conclui, «não constituíam para as 
suas exportações mais do que uma componente entre muitas 
outras». 
A complementaridade existente nas trocas multilaterais pode 
também ser analisada a partir da situação das balanças 
comerciais. Em 1910, por exemplo, o défice do Reino Unido 
para com a Europa continental e a América do Norte era pago 
com os excedentes retirados da Turquia, das colónias de África 
da Índia, da Austrália. Muitos desses excedentes provinham dos 
rendimentos obtidos com a exportação de capitais. 
Por sua vez, o forte excedente dos Estados Unidos 
relativamente à Grã-Bretanha era contrabalançado pelo seu 
défice em relação à Europa continental industrial e ao resto do 
mundo, com excepção do Canadá e da Austrália. 
Comentando o fenómeno do multilateralismo das trocas, o 
historiador F. Caron alerta também para a boa posição da Rússia 
que, a partir dos seus excedentes sobre a Europa Ocidental, 
regularizava as suas dívidas e os seus défices para com os 
Estados Unidos, a China e a Índia. Também o défice da Itália era
anulado pelos rendimentos proporcionados pelo turismo e pelas 
remessas dos emigrantes. 
Além do multilateralismo das trocas, o comércio 
internacional, no século XV, caracterizava-se pelos 
chamados efeitos de arrastamento, especialmente visíveis nas 
economias menos desenvolvidas. De facto, ao mesmo tempo que 
se forneciam mercados a sectores-guias, submetia-se o conjunto 
da economia às normas da concorrência internacional. 
Nos três quartos de século que antecederam a 1ª Guerra 
Mundial, o comércio internacional foi, efectivamente, um motor 
do crescimento, ao incrementar as exportações de produtos 
primários e de produtos industriais. Um exemplo é-nos dado 
pelas economias da Austrália, da Nova Zelândia, do Canadá e da 
África do Sul, onde o desenvolvimento foi provocado e 
incentivado por: procura externa dos seus produtos primários; 
imigração e investimentos externos; progresso técnico exigido 
pelo custo elevado do trabalho. 
Outro exemplo é-nos fornecido pelo Japão e pelos países 
escandinavos, que souberam orientar as suas produções em 
função das suas necessidades e adaptar-se ao crescimento da 
procura mundial. 
Políticas comerciais: livre-cambismo e proteccionismo 
Face à expansão económica operada pela revolução 
industrial, os Estados adoptaram, para a regulamentação das 
trocas comerciais, políticas que oscilaram entre o 
proteccionismo e o livre-cambismo. 
O livre-cambismo fez-se sentir sensivelmente até ao terceiro 
quartel do século XIX e esteve relacionado com a preeminência 
industrial e comercial da Grã-Bretanha (maior produtora de 
tecidos de algodão, de ferro e de hulha; detentora da maior rede 
ferroviária europeia), que se esforçou por impor as livres trocas 
às economias subordinadas. 
A França, ferozmente proteccionista em virtude de não 
possuir uma indústria especializada que aguentasse a 
concorrência, enveredou, em 1860, com Napoleão III, pelo livre-cambismo, 
mas as forjas e a metalurgia ressentiram-se, de um 
modo geral.
Por sua vez, a Alemanha, na sequência da união aduaneira 
do Zollverein, efectuada entre 1820 e 1834, que aboliu as 
barreiras entre os Estados alemães, iniciou um processo de 
aproximação com outros países europeus, tendo assinado, em 
1862, um tratado de livre-cambismo com a França. 
Outros países, como a Bélgica, os Países Baixos, os países 
escandinavos, a Suíça, a Itália, a Espanha e Portugal, 
enveredaram, também, pela liberalização das trocas; até na 
Rússia, em 1851, as tarifas aduaneiras foram ligeiramente 
atenuadas. 
Os próprios Estados Unidos, depois de terem sido 
proteccionistas, fizeram baixar as suas tarifas, nos anos que 
antecederam a Guerra de Secessão. 
No terceiro quartel do século XIX, assistimos à passagem do 
livre-cambismo ao proteccionismo num contexto de crises 
económicas. 
Na origem do movimento de regresso ao proteccionismo 
esteve a Alemanha de Bismarck, que, depois de um período de 
livre-cambismo, estabeleceu tarifas proteccionistas para os 
cereais, petróleo e ferro. Também a Itália, Espanha, Portugal e 
Rússia protegem a sua agricultura e as indústrias nascentes. De 
igual modo, a Suíça e a Suécia, apesar de altamente 
industrializadas, se tornaram proteccionistas. 
Quanto à Grã-Bretanha, experimentava sérias dificuldades 
conforme o testemunha o Inquérito sobre o declínio do comércio 
britânico de 1885-86. Assim, entre outros aspectos, sofria a 
concorrência de belgas, americanos e alemães em sectores 
habitualmente liderados por ela e via fecharem-se-lhe os 
mercados dos Estados Unidos, do Canadá, da França e da 
Rússia. 
Todavia, apesar da concorrência, a Grã-Bretanha continuou 
livre-cambista: a sua produção atingia tal volume que precisava 
de ser exportada a todo o custo. 
Produção capitalista e organização do trabalho 
Segundo J.-P. Rioux, a revolução industrial determina o 
triunfo do modo de produção capitalista, pautado por: separação 
entre uma burguesia que possui os meios de produção e os
assalariados; capitais mobilizados na intenção de um lucro; 
progresso técnico contínuo; aceleração constante da produção e, 
se possível, dos produtos. 
No que se refere à indústria, o progresso técnico leva a 
manufactura a ceder lugar à maquinofactura, do mesmo modo 
que o trabalho domiciliário e oficinal(domestic system) é 
ultrapassado pelo trabalho na fábrica (factory system). 
Foi precisamente devido a factores oriundos da mecanização 
e do controlo da rendibilidade do trabalho operário que a fábrica 
se distinguiu e se impôs sobre a oficina. Por um lado, o esforço 
de implantar ou de criar um parque de máquinas tecnicamente 
actualizadas (os chamados «conjuntos mecânicos») exigiu 
instalações consideráveis, assim como uma elevada capacidade 
financeira que ultrapassava em muito as possibilidades dos 
pequenos proprietários das oficinas. Como diz J. P Rioux, 
«montar uma cadeia de teares, pôr a funcionar um conversor 
Bessemer que absorve 1000 toneladas de gusa por dia, já não 
está ao alcance de um qualquer industrial de algodão ou de 
fundição». Por outro lado, só no ambiente da fábrica, onde o 
trabalhador é obrigado à pontualidade e a trabalhar ao ritmo das 
máquinas, é possível tirar partido e explorar lucrativamente a 
divisão do trabalho operário: «a fábrica torna rendível, 
selecciona, hierarquiza o trabalho com vista a um maior lucro» 
(J. P. Rioux). 
Os historiadores definem a fábrica como um estabelecimento 
industrial de grande dimensão, que agrupa uma mão-de-obra 
numerosa. Mas a fábrica não foi regra geral e não conduziu 
forçosamente ao gigantismo. Por exemplo, na França, em 1906, 
as pequenas oficinas ocupavam ainda 27% da população activa. 
Por sua vez, 60% dos assalariados fabris trabalhavam em 
estabelecimentos que empregavam menos de 100 pessoas 
(considera-se que a verdadeira fábrica deve ter 100 trabalhadores 
no mínimo). Também segundo as estatísticas industriais alemãs 
de 1907, 55% da mão-de-obra fabril trabalhava em 
estabelecimentos com menos de 50 pessoas; isto verificava-se, 
sobretudo, nos sectores da alimentação, vestuário, calçado, 
madeira, couro e em artigos metálicos.
Da sociedade familiar à sociedade anónima 
De pequena ou de grande dimensão, a fábrica é um local de 
concentração de forças produtivas (matérias-primas, máquinas, 
homens) e surge-nos como uma empresa capitalista típica da 
nova era industrial. Isto é, nela, aqueles que fornecem o trabalho 
(trabalho) não são os mesmos que fornecem os capitais (capital) 
e nisso se distingue da oficina, empresa individual do artesão, 
que contribuía com os utensílios e com a sua própria força de 
trabalho. 
Durante a primeira revolução industrial, são comuns as 
empresas pertencentes a um só indivíduo ou a pessoas unidas 
por laços familiares e/ou de amizade. Ou seja, estamos perante 
pequenas e médias empresas, cujos capitais provêm do fundo 
individual e familiar. Nestas empresas, os capitais investidos são 
limitados e os lucros conseguidos investem-se até atingir o seu 
autofinanciamento sistemático. A responsabilidade dos seus 
membros é total, pois respondem com a sua fortuna em caso de 
falência. 
Com o avanço da industrialização e em virtude dos vastos 
meios financeiros exigidos, tornaram-se cada vez mais raras às 
empresas familiares. Apareceu a sociedade por acções, empresa 
de vários proprietários também conhecida por joint-stock 
company, que oferecia uma série de vantagens, especialmente se 
revestisse a forma de sociedade anónima: permitia uma maior 
disponibilidade de capital, através da venda de acções ao 
público, processada pelos bancos; garantia a continuidade da 
empresa, que deixava de estar dependente dos seus fundadores; 
libertava os dirigentes do peso da responsabilidade, repartida 
pela assembleia geral dos accionistas da empresa, os quais 
elegem o conselho de administração - em caso de falência, os 
accionistas apenas respondiam pelo valor investido, pelo que a 
sua fortuna pessoal não ficava em jogo (responsabilidade 
limitada); possibilitava a negociação das acções ou títulos em 
mercados abertos (bolsas) e, com isso, ganhos especulativos. 
As sociedades por acções encontravam-se bastante 
difundidas na Inglaterra, especialmente ligadas às minas, aos 
serviços públicos (canais, estradas, água, gás), à construção
naval, à siderurgia e mecânica, assim como aos caminhos-de-ferro. 
Desde o último terço do século XIX, a organização 
industrial regista uma tendência e uma necessidade para a 
concentração, o que parecia contradizer o princípio inicial da 
livre concorrência entre os produtores. Por um lado, o 
equipamento (máquinas, instalações) era cada vez mais 
dispendioso; os stocks de matérias-primas e os salários dos 
trabalhadores obrigavam também a grandes despesas, tal como o 
apoio técnico proveniente dos laboratórios, dos serviços de 
vendas, propaganda e transporte. Por outro lado, as flutuações do 
mercado e a concorrência crescente exigiam uma produção a 
baixo custo, pelo que só as grandes empresas se encontravam em 
condições de fazer frente a estas necessidades. 
Frequentemente, o processo de concentração industrial 
verificava-se na sequência das crises cíclicas do capitalismo, 
quando os estabelecimentos em situação difícil, incapazes de 
competir, eram absorvidos pela empresa de maior dimensão. 
De um modo geral, a concentração industrial foi mais forte 
nos países que iniciaram mais tardiamente o arranque industrial, 
constituindo, assim, um meio de defesa contra a concorrência. 
Foram os casos da Alemanha, dos Estados Unidos e do Japão. 
Existiram dois tipos de concentração industrial, a vertical e a 
horizontal, embora frequentemente se tenha verificado a 
combinação de ambas. A concentração vertical consistiu na 
integração, numa mesma empresa, de todas as fases da 
produção, desde a obtenção da matéria-prima à venda do 
produto. Este tipo de concentração, que assumiu um carácter 
monopolista, foi mais usual na metalurgia, apresentando-se, 
como exemplo, os grupos siderúrgicos dos Krupp, Thyssen, 
Schneider, Skode, Carnegie, que possuíam altos-fornos, fábricas 
de construção metálica de maquinaria, vagões e frotas de 
transporte. 
Por sua vez, a concentração horizontal consistiu numa 
associação de empresas que controlavam uma das fases da 
produção, geralmente a última. O objectivo era evitar a 
concorrência e a consequente eliminação de umas empresas
pelas outras, muito embora se tendesse para formas 
monopolistas de domínio do mercado. 
Este tipo de associação, em que as empresas, apesar de uma 
gerência comum tendo em vista os fins propostos, mantinham 
uma autonomia técnica e jurídica, ficou conhecida pelo nome de 
cartel e difundiu-se bastante na Alemanha. 
A associação e fusão de empresas, consagrada nas 
concentrações verticais e horizontais, depressa ultrapassou o 
quadro nacional, dando origem a poderosas concentrações 
internacionais, autênticas multinacionais. 
A indústria e o capital financeiro 
O aprofundamento tecnológico e a extensão dos mercados, 
verificados no último terço do século XIX, induziram à indústria 
necessidades de financiamento a que os bancos e a bolsa de 
valores procuraram responder. 
O capital financeiro e a indústria passaram a correlacionar-se 
de um modo estreito. Os bancos lançavam acções indispensáveis 
à criação de sociedades anónimas e chegavam mesmo a comprar 
acções às empresas com necessidade de capitais; entretanto, a 
cotação das acções, na bolsa, reflectia a capacidade de produção 
e venda das empresas. 
Frequentemente, os bancos eram o "patrão" real das 
empresas: controlavam os seus capitais, regulamentavam e 
dirigiam as suas actividades, gerando, inclusive, concentrações 
monopolistas. Com propriedade, se fala na era do capitalismo 
financeiro. 
Aproveitando a autorização do Estado para se constituírem 
como sociedades por acções (joint stock banks), os bancos 
particulares proliferam no século XIX. Coube-lhes: a concessão 
de crédito a curto e longo prazo; a aceitação de depósitos; o 
desconto de letras e efeitos comerciais; a prática de 
transferências por conta dos seus clientes; a emissão de notas. 
Entre os bancos particulares, destacaram-se os bancos 
provinciais, tão importantes na dinamização agrícola e industrial 
da Inglaterra na primeira metade do século XIX, assim como 
os merchant bankers e a haute banque (esta na França),
especializados na subscrição de empréstimos públicos e nas 
explorações ferroviárias. 
Todos estes bancos viriam a ser ultrapassados, no último 
quartel do século XIX, pelos bancos de depósito e desconto 
(bancos comerciais) e pelos bancos de negócio ou de 
investimento. 
Vocacionados para os depósitos (praticaram a abertura de 
contas-correntes à vista), para os descontos e empréstimos a 
curto prazo sobre garantias sólidas, os bancos comerciais 
serviram de intermediários entre os depositantes e os contraentes 
de empréstimos. O seu lucro consistia na diferença entre o juro 
que recebiam pelo desconto de efeitos e a importância paga aos 
depositantes. 
Neste tipo de bancos, salientam-se, na Inglaterra: o London 
and Westminster Bank, fundado em 1834, e, na França, o Crédit 
Lyonnais, estabelecido em 1836, que, além das operações 
bancárias usuais, interveio em negócios financeiros reservados 
à haute banque. 
Quanto aos bancos de negócio ou de investimento, 
especializados no crédito a longo prazo, podemos dizer que 
tiveram um bom exemplo de funcionamento noCrédit Mobilier, 
fundado em 1857 pelos irmãos Péreire. Orientado para o 
fomento da industrialização da França, o Crédit 
Mobilier praticava empréstimos a longo prazo, mediante a 
emissão de títulos (acções e obrigações) que constituíam o 
capital de fundação das empresas por ele financiadas e que lhe 
ficavam vinculadas como filiais. 
Ao lado dos bancos particulares, assumem papel de relevo 
os bancos centrais, destacando-se a Inglaterra com a sua 
precocidade habitual. Na verdade e na sequência de repetidas 
falências dos bancos provinciais, os economistas e homens de 
governo britânicos decidiram-se a regulamentar a política de 
créditos do país, reservando ao Banco de Inglaterra, em 1847, o 
privilégio exclusivo das emissões de papel-moeda. Foram, então, 
criados dois departamentos: um bancário (Banking department), 
encarregado de efectuar as operações correntes (descontos, 
adiantamentos, depósitos, etc.) e outro de emissão (Issue 
department) que vigiava a circulação de notas.
Também na França, o Banco de França obteve em 1848 o 
privilégio exclusivo de emissão, convertendo-se em banco 
central. 
No século XIX a nota de banco (moeda fiduciária) divulga-se 
como instrumento monetário, especialmente após os bancos 
centrais chamarem a si o exclusivo da circulação fiduciária. É 
também a partir do século XIX que o valor facial do papel-moeda 
deixa de corresponder ao valor em metal depositado nas 
instituições bancárias, ultrapassando-o largamente. 
Embora, em finais do século XVIII, a Inglaterra declarasse 
pela primeira vez a não convertibilidade das notas do Bank of 
England, a experiência foi pouco animadora, tendo esse país 
retomado, como todos os outros, a anterior convertibilidade das 
notas em metal precioso. 
Limitada, de início, ao grande comércio, a nota bancária 
desloca-se, como meio de pagamento, para outras camadas 
económicas e sociais, baseando-se a sua circulação 
exclusivamente na confiança (fides) dos agentes económicas nos 
poderes públicos e na garantia, por parte das autoridades 
monetárias, da existência de reservas que representem 
parcialmente as emissões. As pessoas sabem e confiam que 
outros aceitarão o papel como meio de pagamento, uma vez que 
tem curso legal. Por exemplo, na França, a "democratização" da 
nota de banco foi determinada pela lei de 3 de Agosto de 1875 
que declarou o curso legal das notas. Foi precisamente a 
imposição por parte dos Estados da força liberatória e do curso 
forçado das notas que dispensou as instituições emissoras de 
procederem ao reembolso em metal do papel-moeda. 
Entre as principais moedas fiduciárias em circulação, 
contavam-se a libra esterlina, o dólar, o franco, o marco, a lira, o 
florim, o iene e o rublo. 
Eram também as reservas de ouro de cada país que 
garantiam a convertibilidade da sua moeda face às moedas 
estrangeiras, assim como as trocas de mercadorias e de capitais 
com o exterior. Uma vez que o grande mercado central do 
comércio do ouro se situava em Londres, a libra esterlina 
funcionava praticamente como moeda internacional, papel que,
após a primeira guerra mundial, passou a ser desempenhado pelo 
dólar americano. 
Automatização e estandardização: o consumo de massa 
Preocupados com a adaptação do operário à máquina e ao 
trabalho da fábrica, assim como com a gestão das empresas, 
alguns economistas do século XIX, como Babbage, Saint-Simon 
e Say, desenvolveram o tema do aproveitamento racional do 
trabalho humano. Este assunto tornou-se verdadeiramente 
candente quando, sob o signo da maturidade industrial e da 
concorrência de finais do século XIX, o espectro da baixa dos 
lucros levantou o problema do custo do trabalho humano, do 
qual se procurou tirar a máxima rendibilidade. Neste contexto, 
impunha-se a formação de operários especializados que 
soubessem manejar com eficácia as máquinas, adaptando-se à 
complexidade das ferramentas e à variedade dos processos de 
produção. 
Tendo por berço a Alemanha e beneficiando dos estudos da 
psicologia aplicada, os métodos da racionalização do trabalho 
propagaram-se aos Estados Unidos, onde Frederick Taylor 
(1856-1915), engenheiro da Bethleem Steel, foi uma figura 
emblemática. Na sua obra principal, Princípios de Direcção 
Científica da Empresa, publicado em 1911, Taylor propunha-se 
substituir a rotina pelos métodos científicos e racionais de 
trabalho, aquilo a que chamou o scientific management e que 
ficou conhecido por taylorisino. 
Baseava-se este na execução, pelo operário, de pequenas 
tarefas estandardizadas, num tempo também estandardizado (o 
menor tempo possível), pelo que, mediante um automatismo 
rigoroso, o homem unia-se à máquina com que trabalhava e a 
produtividade crescia. Aquilo que se produzia em 100 horas, em 
1889, levava 74 horas e 42 horas a obter, em 1919 e em 1929, 
respectivamente. 
As ideias de Taylor foram bem acolhidas pelas empresas 
industriais, sendo a casa Ford a que mais prontamente as 
aplicou. Com efeito, a pensar na produção em massa destinada a 
um consumo de massa, Henry Ford montou em 1911, na sua 
fábrica de Detroit, uma linha de produção para o «Modelo T»,
um carro mais barato do que qualquer outro construído até então. 
Em 1915, já Ford produzia um milhão de carros por ano e, até 
1929, o tempo requerido para a construção de um «chassis» de 
automóvel baixou de 12 horas para 1 hora e meia, enquanto o 
«Modelo T» viu o seu preço ser reduzido a um terço do valor 
inicial. Desta forma, um objecto anteriormente considerado de 
luxo, transformava-se num artigo de uso diário. 
A linha de produção de H. Ford deu origem a uma autêntica 
revolução social e técnica, que se perpetua nas linhas de 
montagem hoje utilizadas no fabrico em série de muitos bens de 
consumo. 
Uma das finalidades do taylorismo era o estabelecimento do 
salário em função do rendimento do operário, pelo que o nível 
de vida do trabalhador eficiente se elevaria. Procurava-se, assim, 
compensar o trabalho monótono dos operários, escravos das 
linhas de montagem, favorecendo-se, simultaneamente, o seu 
poder de compra e, com ele, a procura que estimularia a 
prosperidade económica. 
Todavia, a American Federation of Labour pronunciou-se 
contra os métodos do taylorismo, no que foi acompanhada pelos 
sindicatos operários da Europa, que os consideravam um 
instrumento do capitalismo. 
As crises do capitalismo ao longo do século XIX 
O desenvolvimento do capitalismo industrial foi, no entanto, 
acompanhado por uma grande instabilidade: crises violentas 
alteraram o ritmo do processo económico, pelo que, a períodos 
de prosperidade, se sucederam outros de depressão. 
Desde o século XIX que historiadores e economistas se 
dedicam ao estudo destas oscilações no sentido de lhes encontrar 
uma explicação. A partir de índices como os preços, as 
produções, os salários, descobriram na actividade económica 
uma série de movimentos cíclicos de ritmo e características 
distintas. São os ciclos económicos e neles se inscrevem as 
crises. Estas crises da era industrial são crises do capitalismo, 
distinguindo-se das crises de Antigo Regime, que eram crises de 
subprodução ocasionadas por: más colheitas, especialmente 
gravosas numa época em que 80% da população se entregava à
agricultura e o pão constituía o alimento e a despesa essenciais; 
guerras, que dificultavam a produção das subsistências e os 
abastecimentos; aumento da população, sem que a produção, 
onde o progresso técnico estava ausente, lhe correspondesse. 
Qualquer uma destas situações acarretava a alta dos preços 
dos cereais e, na maior parte dos lares, a miséria sobrevinha. 
Entretanto, sendo o orçamento familiar gasto, na quase 
totalidade, com a alimentação, o artesanato ressentia-se da 
menor procura e a mão-de-obra ficava frequentemente 
desempregada. 
As crises capitalistas relacionam-se, de um modo geral, com 
a superprodução industrial e com a especulação financeira, o que 
não invalida que se verificassem ainda sobrevivências das crises 
agrícolas de Antigo Regime. 
Segundo Lesourd e Gérard, as crises de superprodução têm, 
na sua origem, erros de cálculo e de previsão, quer no que se 
refere aos orçamentos, que não chegam para terminar os 
empreendimentos, levando às falências e ao desemprego, quer 
no que respeita aos lucros, obrigando as empresas que não 
vendem a recorrerem ao crédito e a endividarem-se. Então: face 
à acumulação de stocks que os industriais não escoam 
(superprodução), as empresas suspendem a produção e lançam 
os operários para o desemprego; os preços baixam com violência 
- a fim de dar maior saída aos stocks, os industriais baixam os 
preços, preferindo vender com fracos lucros ou até sem lucro a 
nada vender; destroem-se stocks para evitar que os preços 
baixem demasiado; a persistência do desemprego impede o 
consumo, pelo que a procura se extingue. 
A crise de 1825 foi uma crise de superprodução industrial, 
que afectou a Inglaterra, os Estados Unidos e os novos países da 
América do Sul, em cujo relançamento económico os Britânicos 
se tinham empenhado. Aí exploravam minas, canais, caminhos-de- 
ferro, bancos e, claro, escoavam a produção da sua próspera 
indústria têxtil. Todavia, dificuldades económicas e políticas dos 
novos países, devidas quer ao processo da descolonização, quer 
aos próprios governos que não utilizaram adequadamente os 
investimentos, estiveram na origem da baixa dos lucros. As 
novas economias afundam-se, o desemprego instala-se e a
Inglaterra, que perdeu 10 000 milhões de libras investidos, deixa 
de vender a sua produção industrial a uma população em 
dificuldades. 
A superprodução e a baixa de lucros provocam uma forte 
baixa na bolsa. 
Esta crise alastrou-se aos Estados Unidos, onde o preço do 
algodão, com menor procura por parte da Inglaterra, baixou 
brutalmente. 
Por sua vez, a crise dos anos de 1846-47 foi, na sua origem, 
uma crise agrícola que, ao coincidir com uma revolução político-social, 
se tornou numa das mais graves crises da primeira época 
capitalista. Epidemias, flagelos climáticos e más colheitas 
sucederam-se por toda a Europa, provocando uma alta no preço 
dos cereais. Na Inglaterra, a crise agrícola, que fez restringir o 
consumo, foi simultânea à baixa da rendibilidade das acções 
ferroviárias, originando uma crise de bolsa e bancária. As 
falências na Inglaterra puseram o Banco de França em grande 
aperto e o desemprego, entretanto instalado neste país, facilitou a 
Revolução de 1848. 
A crise de 1866 foi puramente financeira. Surgiu na 
Inglaterra, na sequência da guerra civil americana, que fez 
diminuir as importações inglesas de algodão. A indústria 
britânica teve, então, de se abastecer na Índia, no Egipto e no 
Brasil, mas, visto a balança comercial britânica com estes países 
ser deficitária, o excesso era pago em prata. A baixa de reservas 
metálicas provocou dificuldades no Banco de Inglaterra e 
conduziu à falência entidades bancárias até então sólidas. A 
redução do crédito bancário contribuiu, por sua vez, para a 
diminuição da actividade industrial e comercial. 
De variada natureza e amplitude, as crises da era industrial 
são o testemunho de uma vasta rede de solidariedades: ao nível 
das actividades económicas, quando, por exemplo, as 
dificuldades nos caminhos-de-ferro atingem as fábricas de aço, 
ou quando os excessos de investimento prejudicam os bancos e a 
futura dinamização económica, ou ainda quando o desemprego 
faz diminuir o consumo e, posteriormente, a produção; ao nível 
da economia, da sociedade e da política, quando as dificuldades 
económicas suscitam a quebra demográfica, a criminalidade, as
greves e as revoluções; ao nível das nações, quando a crise se 
propaga a vários países, em virtude das ligações financeiras, 
comerciais e industriais anteriormente estabelecidas. 
Consideradas, pelos marxistas, como um sintoma de 
desagregação da economia capitalista, as crises cíclicas resultam, 
antes de mais, do facto de o século XIX ser um século de 
crescimento económico segundo os novos parâmetros do 
capitalismo concorrencial, baseado no lucro, na especulação, na 
ausência de equilíbrio entre a oferta e a procura de bens. 
Acreditava-se na livre iniciativa e na livre concorrência, capazes 
de prodigalizarem a riqueza social, pelo que se achava 
desnecessária a regulação das actividades económicas por parte 
do Estado. 
A violência das crises cíclicas e as calamidades sociais que 
as acompanharam mostraram, porém, os excessos do liberalismo 
económico. As adaptações e os reajustes tiveram forçosamente 
de se verificar e os mecanismos de resposta às crises passaram 
pela adopção de medidas proteccionistas e por uma maior 
intervenção dos Estados na vida económica, submetida 
doravante a critérios de planificação. 
Especialmente após a grande crise de 1929, o capitalismo 
liberal foi posto em causa, quando uma crise financeira, 
provocada por inflação do crédito e pela especulação bolsista, 
veio agravar a situação de empresas industriais, agrícolas e 
comerciais que se debatiam com a superprodução e a 
acumulação de stocks. As falências e o desemprego tiveram, 
então, uma dimensão catastrófica e, dada a gravidade da crise, 
que foi mundial, a intervenção do Estado tornou-se imperiosa. O 
economista inglês John Keynes desempenhou, na altura, um 
papel de relevo quando afirmou que só a resolução do 
desemprego crónico permitiria relançar a procura e a produção 
de bens de consumo. Para tal, impunha-se uma política estatal de 
investimentos, de luta contra o entesouramento e de ajuda às 
empresas dinâmicas. Neste contexto de busca de soluções para a 
crise, ao Estado competiria, ainda, em articulação com a 
iniciativa privada, a fixação de taxas de produção e de salários, 
assim como a duração do trabalho. O Estado tornava-se árbitro e 
organizador da economia.
Explosão demográfica, urbanização e migrações 
O século XIX registou, por todo o Mundo, um extraordinário 
aumento demográfico, pelo qual a população da Terra, com 
excepção feita à africana mais do que duplicou no lapso de 
tempo que decorreu entre os anos de 1800 e 1913-14. Com uma 
densidade média de seis habitantes por quilómetro quadrado por 
volta de 1840, o nosso planeta registava, em 1914, um recorde 
de doze pessoas por quilómetro quadrado. Em menos de um 
século a população mundial dobrara os seus efectivos. 
Foi para designar este fenómeno, único na História até aí 
vivida, que demógrafos e historiadores utilizaram a expressão 
"explosão demográfica", significando o intenso e rápido 
crescimento populacional do nosso planeta no século XIX. 
Embora generalizado, este crescimento não se efectuou nas 
mesmas condições, nem ao mesmo ritmo, em todo o globo. Uma 
análise atenta de algumas tabelas permite-nos salientar a 
supremacia demográfica da Europa que detém, também, as 
maiores densidades populacionais. Com efeito, a despeito do 
peso quantitativo da população asiática, o ritmo de crescimento 
das populações europeias foi o mais elevado de todos e iniciou-se 
mais cedo. No começo do Século XX os europeus 
representavam cerca de um quarto dos habitantes da Terra, 
enquanto que em 1800 apenas atingiam a quinta parte. 
É certo que outras regiões, nomeadamente as do continente 
americano, conheceram taxas de crescimento iguais ou 
superiores às da Europa. Por volta de 1850, a população norte-americana 
crescia a uma média de 43,3 habitantes por cada mil. 
Contudo, esta taxa não referendava o crescimento natural das 
suas populações pois era falseada pelos enormes quantitativos 
imigratórios que a América recebia, os quais provinham, 
maioritariamente, da Europa. Na realidade, verificou-se, por 
todo este período, uma intensa diáspora europeia que abrangeu 
todo o planeta (das estepes siberianas à Ásia das monções, das 
áreas isoladas da Oceânia às ricas e inóspitas regiões do 
continente americano, do Magrebe marroquino ao Cabo e ao 
Natal) e cujo efeito colonizador foi determinante na evolução 
económica, social e cultural dessas regiões. Isto significa que
qualquer estudo sobre a evolução da população europeia desta 
época tem de ter em conta os europeus dentro e fora da Europa. 
Visto à luz destes dados, o crescimento demográfico europeu 
foi ainda mais prodigioso: a população europeia foi não só a que 
mais cresceu e mais depressa, como também a única do globo 
que cresceu por si própria, influenciando, pela sua emigração, o 
aumento populacional dos outros continentes. 
Assim se explica que muitos autores apelidem a «explosão 
demográfica» do século XIX de uma verdadeira «explosão 
branca». 
O novo comportamento demográfico dos europeus 
Colocada no topo da evolução demográfica mundial, a 
Europa evidenciou, ao longo do século XIX, comportamentos 
demográficos diferenciados e ritmos de crescimento muito 
irregulares entre as suas regiões. 
Aproximadamente até 1840, a maior parte deste continente 
continuava a apresentar características demográficas 
semelhantes às do século XVIII: natalidade e mortalidade 
elevadas (cerca de 40%o e 30%o, respectivamente); esperança 
de vida curta (entre os 30 e os 40 anos); populações jovens; e 
comportamentos demográficos em estreita dependência das 
crises de subsistência e dos cataclismos naturais (a grave 
epidemia de cólera dos anos de 1829-37 ainda causou sequelas 
idênticas às das fatídicas crises do Antigo Regime). 
Só após aquela data é possível detectar alterações 
significativas ao modelo demográfico descrito. Estas registaram-se 
primeiro nos países de maior desenvolvimento económico e 
cultural, como a Inglaterra, a Holanda e a Bélgica, seguidas de 
perto pela França do Norte e pela Alemanha renana, o que nos 
permite estabelecer relações de causa-efeito entre estes dois 
fenómenos do século XIX: a explosão demográfica e a crescente 
industrialização. 
Numa primeira fase, registou-se um alto índice de 
crescimento populacional, causado pelo recuo da mortalidade, 
enquanto a fecundidade e a natalidade permaneciam elevadas. 
Este recuo era já significativo em 1840 para as regiões mais 
favorecidas, mas só se generalizou ao conjunto do continente
europeu depois de 1890. Em 1900, a taxa de mortalidade da 
população europeia era de 18%o, o que significava um 
decréscimo de cerca de 30% em relação à taxa de 1800. 
A diminuição da mortalidade é explicado, 
fundamentalmente, pela melhoria geral das condições de vida, 
resultante dos seguintes factores: desenvolvimento económico 
produzido pela Revolução Industrial e suas implicações na 
produção agrícola, na revolução dos transportes e no 
alargamento dos mercados nacionais e internacionais. Esse 
desenvolvimento trouxe consigo a abastança financeira e de bens 
de consumo, o que permitiu pôr fim às crises de subsistência do 
Antigo Regime. Com efeito, as fomes de tipo tradicional 
desapareceram da Europa após 1860; melhoria das dietas 
alimentares, o que fortaleceu o organismo humano permitindo-lhe 
reagir com maior sucesso às doenças e às epidemias, ainda 
frequentes; desenvolvimento científico e técnico então vivido, 
que permitiu o avanço da medicina, com notáveis progressos na 
química biológica, na microbiologia, na bacteriologia, na 
farmacologia, na assepsia, na anestesia e na parasitologia. A 
utilização das análises laboratoriais facilitou o diagnóstico 
clínico; a prática da anestesia e o melhor apetrechamento dos 
hospitais desenvolveu a medicina operatória; o aparecimento das 
vacinas (contra a varíola, o carbúnculo, a raiva, o tétano, o tifo e 
a difteria) permitiu um combate mais eficaz às doenças 
endémicas altamente mortais; a prática da assepsia salvou 
inúmeras vidas, principalmente em obstetrícia e em pediatria 
reduzindo substancialmente as taxas de mortalidade infantil e 
juvenil; melhor apetrechamento social dos Estados que, 
gradualmente, foram assumindo responsabilidades para com a 
saúde pública e a assistência social, construindo mais escolas, 
asilos e hospitais; promulgando leis de protecção sanitária para 
as fábricas; lançando o saneamento público; melhores condições 
de trabalho, de habitação, de vestuário; progressos na higiene 
individual e colectiva. 
Numa segunda etapa, o facto mais significativo do novo 
comportamento demográfico do século XIX, na Europa e 
nalgumas das regiões abrangidos pela sua diáspora, foi a redução
da taxa de natalidade cujos índices baixaram de cerca de 40%o, 
em 1800, para perto de 20%o na primeira década do século XX. 
A redução da natalidade foi, contudo, uma tendência de 
implantação progressiva: atingiu primeiro os países mais 
industrializados (Inglaterra, Alemanha, Suécia, Dinamarca e, 
muito especialmente, a França e os meios burgueses e urbanos; 
na última década do século XIX, tornou-se visível também, nos 
países menos desenvolvidos como os do Sul mediterrânico e do 
Império russo; no final do século penetrou nos meios operários; 
e só no século XX se começou a registar entre os camponeses. 
Como condicionantes desta baixa da natalidade, podemos 
referir: o decréscimo da mortalidade infantil e juvenil e, 
consequentemente, o aumento da esperança de vida para os 
recém-nascidos; a atenuação dos estímulos natalistas por parte 
dos Estados; o afrouxamento dos laços familiares alargados e o 
isolamento da família nuclear (sem o suporte e a segurança da 
estrutura familiar, a nupcialidade diminuiu ou tornou-se mais 
tardia e os jovens casais não se arriscavam, tão facilmente, a 
uma fecundidade elevada); a industrialização crescente, ao 
substituir o artesanato caseiro pela fábrica e ao instituir o 
emprego maciço das mulheres, afastou as mães dos 
lares, impedindo-as de tomar conta dos filhos pequenos e 
aumentando as despesas da criação com o pagamento às amas 
(nos meios burgueses, o celibato feminino cresceu entre as 
mulheres profissionais liberais ; a aceitação da "procriação 
responsável" aumentou as obrigações dos pais quanto ao futuro 
dos filhos, através da sua educação e formação pessoal e 
profissional. Nesta perspectiva, tornou-se preferível ter menos 
filhos de modo a poder assegurar a todos uma conveniente 
formação. 
Na verdade, os problemas sociais criados pelo 
superpovoamento nos meios industrializados obrigaram muitos 
governos à adopção das primeiras medidas malthusianas. 
Por exemplo, em França, entre 1830 e 1860, os governos 
liberais incentivaram a redução da fecundidade dos casais: Jean- 
Baptiste Say escreveu que "é preciso encorajar os homens a 
fazer economias em vez de filhos"; Paul Robin criou a Liga da 
Regeneração Humana (l830) que aconselhava um planeamento
familiar responsável; e Dunoyer preconizou, em 1833, a 
supressão da assistência social aos casais necessitados com mais 
do que um filho. 
Em Inglaterra, divulgaram-se, a partir de 1820, os folhetos 
diabólicos que deram origem, em 1870, à Liga Malthusiana, a 
qual exerceu importante papel no combate à "proliferação dos 
miseráveis" nos meios operários. Na mesma época, o economista 
J. Stuart Mill culpava as famílias pobres numerosas do seu 
próprio infortúnio. 
A redução do fervor religioso de algumas populações, fruto 
do avanço do pensamento laico (a política demográfica da Igreja 
continuou populista, daí que os países de maior pendor religioso 
permanecessem com altas taxas de natalidade, até ao século 
XX). 
Estes factores actuaram como um poderoso estímulo à 
redução da fecundidade legítima dos casais, pela limitação 
voluntária das concepções. Este comportamento, pela sua 
novidade, só é totalmente compreensível face à pressão das 
conjunturas económicas e às grandes transformações 
socioculturais entretanto ocorridas. 
Em conclusão poderemos dizer que o recuo da mortalidade e 
a diminuição da natalidade foram os factores determinantes do 
novo regime demográfico evidenciado pelos europeus, ao 
iniciar-se o século XX. As suas principais características eram: 
registar as mais baixas taxas de natalidade e mortalidade do 
Mundo, com relevo para o decréscimo da mortalidade infantil e 
juvenil; apresentar a esperança de vida mais alargada do planeta 
(cerca 50 anos para a média dos países europeus) e, 
simultaneamente, um alto índice de crescimento; ser notória a 
tendência para o envelhecimento global das suas populações, 
causado pela maior proporção de adultos no conjunto 
demográfico; ter aumentado, significativamente, a sua população 
activa; e incentivar o fortalecimento fisiológico, como se 
comprova pelo crescente aumento da estatura média dos 
europeus. 
Conjugado com outros factores de ordem estrutural (maior 
mobilidade profissional e geográfica, maiores oportunidades de 
sucesso individual e transformações na mentalidade, entre
outros), o crescimento demográfico do século XIX exerceu um 
importante papel no progresso da vida no mundo ocidental. A 
abundância dos homens e o sobrepovoamento nalgumas regiões 
incentivaram, a vários níveis, o comportamento humano: 
estimularam o desenvolvimento técnico e científico, accionaram 
o crescimento económico, despoletaram grandes movimentos 
migratórios à escala mundial e favoreceram a aglomeração 
urbana. 
Progressos resultantes da expansão urbana 
O século XIX foi, também, o século do crescimento urbano. 
Após 1850, as cidades cresceram a um ritmo muito superior ao 
das outras regiões, provocando o aparecimento de gigantescas 
aglomerações populacionais. Por meados do século XIX, 
Londres havia duplicado a sua população, em apenas trinta anos, 
e Paris concentrava três milhões de habitantes, em 1880. No 
final do século, Berlim registava um crescimento de 872% em 
relação ao total da sua população em 1800; Viena de 490% e 
Sampetersburgo de 300%. 
Fora da Europa, outras cidades se evidenciavam pela 
dimensão dos seus agregados populacionais: Hong-Kong, 
Singapura, Xangai, Tóquio, Nova Iorque e Buenos Aires 
tornaram-se, neste período, grandes metrópoles, fervilhantes de 
gente. 
Fenómeno mundial na época contemporânea, o 
desenvolvimento das cidades abrangeu, no século XIX, apenas 
as zonas do globo mais cedo tocadas pelo desenvolvimento 
industrial e pelo capitalismo: as capitais políticas e/ou os grandes 
portos comerciais de imigração do continente americano (como 
Nova Iorque e Buenos Aires); as regiões mais industrializadas 
do Japão; mas sobretudo a Europa onde a urbanização teve o seu 
arranque e onde foi maior o seu impacto sobre a economia e o 
modo de vida dos habitantes. 
Ainda maioritariamente rural no início do século (em 1815, 
apenas 2% da população europeia vivia em "cidades"), a Europa 
conheceu, após 1850, um tão grande incremento urbano que, em 
1910, possuía cerca de 211 aglomerados com mais de 100 000
habitantes, os quais, no conjunto, representavam 15% da sua 
população total. 
Este crescimento privilegiou, primeiro, a Inglaterra, a 
Alemanha e os Países Baixos, e foi mais moderado e tardio nos 
países onde a industrialização penetrou mais dificilmente (caso 
da França, da Rússia e dos estados meridionais). Na Europa 
Ocidental, contudo, a urbanização foi de tal ordem que, nos 
finais do século, conseguiu inverter uma situação milenar: a taxa 
de crescimento demográfico foi, pela primeira vez, mais elevada 
nos centros urbanos que nas zonas rurais: a natalidade nos 
bairros operários chegou a ultrapassar a das comunidades 
camponesas; a densidade populacional urbana atingiu valores 
elevadíssimos (100 000 habitantes por km2, em certos bairros de 
Paris); e a população urbana alcançava, em números redondos, o 
total da população rural. 
O rápido crescimento urbano do século XIX é atribuído aos 
seguintes factores: maior crescimento natural das suas 
populações; alterações económicas e sociais provocados pela 
industrialização nas suas áreas geográficas; (com efeito, as 
cidades foram os locais preferidos pelas empresas para a 
instalação das indústrias e para sede dos seus negócios. Este 
facto deveu-se, principalmente, às seguintes razões: situação 
privilegiada da maior parte das cidades, localizadas em zonas 
portuárias ou no cruzamento das redes de transporte rodoviário 
ou ferroviário; concentração, nelas, dos organismos da 
administração pública, dos bancos, dos mercados e das feiras 
mais importantes; existência, nas cidades, de uma mão-de-obra 
mais livre e móvel, facilmente catalisável para a indústria); 
imigração vinda das zonas rurais circunstantes; imigração 
estrangeira; e, por último, o fascínio que as modernidades e 
comodidades da vida citadina exerciam sobre as populações. No 
final do século XIX, as cidades europeias eram os símbolos do 
progresso cultural, recreativo, técnico e económico da vida 
moderna, correspondendo ao ideal de promoção social de muitas 
pessoas. 
Com o tempo, a concentração progressiva das indústrias, do 
comércio e dos serviços nos espaços urbanos multiplicou todas 
as suas funções, tornando-os importantes centros de vida. Como
escreveu J. Pierre Rioux "pela via da industrialização, o 
fenómeno urbano, com a sua propensão para o poder e o 
domínio, está no centro do desenvolvimento do capitalismo". 
O rápido crescimento económico e populacional das cidades 
transformou os espaços urbanos e alterou a vida citadina de 
modo quase caótico, sem dar tempo a que as autoridades 
fizessem planeamentos prévios ou lançassem as necessárias 
infra-estruturas. 
Fechadas por cinturas de muralhas, a maior parte das cidades 
preexistentes ficou rapidamente superlotada e viu-se obrigada a 
invadir o espaço circundante. Os velhos bairros centrais - 
geralmente intramuros -, apinhados de gente, degradaram-se, 
afastando deles as classes mais favorecidas. 
O primeiro problema foi o da habitação, ou melhor, da sua 
falta. Desenvolveu-se, então, a construção em altura e as velhas 
mansões familiares transformaram-se em prédios de rendimento, 
subdivididas em vários apartamentos unifamiliares. Enquanto 
isso, o preço dos arrendamentos dos terrenos e da construção 
subiu em flecha, favorecendo a especulação e a agiotagem. 
Afastadas dos centros urbanos pelo seu alto custo, as classes 
mais pobres e as recém-chegadas ocuparam os subúrbios ou 
arredores das cidades, onde os bairros novos se desenvolveram 
ao sabor das necessidades do momento e na proximidade das 
fábricas ou das centrais de transporte ferroviário ou rodoviário 
(as gares ou estações, normalmente colocadas fora dos centros, 
foram importantes núcleos de crescimento de novos bairros 
suburbanos). 
Erguidos à pressa, os novos bairros reflectiam todas as 
carências: uma deficiente construção em série, descaracterizada 
e monótona, sem conforto nem estética; ruas lamacentas e 
imundas, sem pavimento e sem passeios; ausência de esgotos, de 
saneamento e de iluminação pública. 
Aos problemas com a habitação vieram somar-se os 
problemas de circulação. Com efeito, o superpovoamento 
atravancou as ruas, tanto mais que o alargamento do espaço 
urbano impôs e desenvolveu os transportes públicos. 
A aglomeração populacional nas cidades levantou, também, 
problemas de abastecimento, já que aumentaram os consumos
internos de vários produtos: de bens alimentares cuja 
distribuição se passou a fazer através dos grandes mercados 
centrais; de água, cujo alto consumo exigiu novos sistemas de 
captação, tratamento e distribuição; e de combustíveis como o 
carvão, o gás e o petróleo, usados na iluminação e no 
aquecimento. 
Mas a sobrelotação citadina trouxe, sobretudo, problemas de 
saneamento e de saúde pública (a densidade populacional e a 
falta de infraestruturas de higiene e saneamento faziam proliferar 
as epidemias) e problemas sociais e psicológicos causados pela 
degradação das suas condições de vida e pelo crescimento da 
miséria, da marginalidade, do alcoolismo e da prostituição na 
maioria dos seus bairros. 
Foi a agudização de todos estes problemas que fez nascer, 
pelos finais do século XIX, uma nova disciplina social - 
o urbanismo - cujo objectivo era a organização planeada da área 
habitável das cidades, de modo a resolver, de forma eficaz e 
agradável, os problemas gerados pela convivência entre os 
homens nos espaços urbanos. 
Foram preocupações desta ordem que nortearam as 
primeiras grandes reparações de renovação urbana que 
ocorreram nas principais capitais europeias, na segunda metade 
do século XIX e marcam os primeiros progressos do urbanismo 
no Ocidente. Essas reparações privilegiaram sobretudo os 
bairros centrais, concebidos pelos governos como a "sala de 
visitas" das cidades. 
Erradicaram-se daí as oficinas e as habitações degradadas; 
rasgaram-se novas e grandes praças; lançaram-se os 
fundamentos do saneamento urbano; as ruas foram 
pavimentadas, possuíam passeios e iluminação (a gás, primeiro, 
e só no final do século a electricidade); e ergueram-se grandes 
edifícios em pedra, de fachadas alinhadas e austeras, de feição 
neoclássica, usados para a administração pública ou 
transformados nas sedes sociais da burguesia: os bancos, as 
bolsas, os grandes armazéns, os escritórios. Por isso, o centro 
urbano tornou-se o espaço exclusivo do poder económico e 
político.
A partir do centro (a cidade velha), e à sua volta, foram 
surgindo largas avenidas e novas vias circulares por onde se 
espraiaram os bairros burgueses com as suas elegantes mansões 
residenciais: os boulevards de Paris, longas avenidas bordejadas 
de árvores criadas pela reforma urbana do Barão Haussman; o 
Ringstrasse em Viena, moderna via de circulação que rodeava a 
cidade primitiva como um «anel», exterior às muralhas; ou 
o gracht de Amesterdão, uma rede de pequenos canais que 
circundavam a zona urbana central. 
A partir daí, os novos bairros suburbanos obedeciam a uma 
forte compartimentação social e até profissional. Instalados em 
zonas novas, não possuíam quaisquer infra-estruturas, 
delineando-se ao sabor do crescimento. Neles generalizou-se a 
habitação por andares, doravante morada típica das classes 
menos favorecidas: média e baixa burguesias, serviçais, 
operários. 
De entre estes, os bairros operários foram, sem dúvida, os 
mais carenciados. Erguidos nas zonas industriais, envoltos no 
fumo das fábricas, possuíam habitações pequenas, mal divididas 
e insalubres, e encontravam-se geralmente superlotados. Estas 
condições contribuíram grandemente para a degradação da 
qualidade de vida e dos costumes das classes urbanas, no século 
XIX. 
Assim, o próprio crescimento urbano acentuou os desníveis 
sociais existentes através duma «curiosa segregação geográfica» 
dos espaços dos ricos e dos pobres no seio das cidades. 
Migrações 
O século XIX produziu, em todo o mundo desenvolvido, 
impressionantes fluxos migratórios - os maiores da História. 
A Europa foi o continente que registou maior mobilidade 
populacional, quer dentro quer para fora das suas fronteiras. 
Favorecido por múltiplos factores (crescimento demográfico, 
transformações económicas, progressos nos transportes terrestres 
e marítimos este dinamismo migratório europeu teve 
consequências importantes a nível interno e mundial: provocou 
grandes alterações na geografia humana; favoreceu os encontros 
étnicos e culturais; exerceu fortes influências no
desenvolvimento económico e sociocultural das regiões 
(estagnação em certas zonas de origem, crescimento acelerado 
nas áreas de destino, povoamento em áreas vazias, etc.). 
As pequenas migrações regionais movimentaram a crescente 
mão-de-obra flutuante dos campos, em épocas de crise 
económica ou de descanso sazonal de uma dada actividade rural, 
segundo hábitos tradicionais. Nesta época, transferiram, 
também, mão-de-obra do trabalho agrícola para o trabalho 
industrial (como aconteceu em certas aldeias francesas, das quais 
saíam, todos os anos, entre Março e Outubro, cerca de 30 000 a 
50 000 operários para a construção civil nas grandes cidades). 
Realizadas, frequentemente, em colectivo, foram quase 
sempre temporárias, não provocando, por isso grandes alterações 
demográficas. 
O êxodo rural em direcção aos centros urbanos foi 
consequência das impiedosas mudanças introduzidas no mundo 
rural pela crescente industrialização, pelo impacto da vida 
urbana e pelas transformações mentais entretanto ocorridas. 
Iniciou-se muito cedo nos países do Noroeste europeu 
(Inglaterra, Holanda, Alemanha, Irlanda ... ), mas só se 
generalizou ao resto da Europa após 1870. 
Fruto da miséria rural, o êxodo do camponês em direcção à 
cidade reflectiu, igualmente, o desejo individual de promoção 
social, de "mudar de vida" ou "fazer carreira" suscitado pelas 
oportunidades que a vida urbana oferecia. Por isso, a migração 
para as grandes cidades foi, normalmente, uma migração 
definitiva e envolveu sobretudo as camadas jovens - daí as suas 
enormes implicações: diminuição da população rural, decadência 
da agricultura, envelhecimento da população camponesa, atraso 
e estagnação do mundo campesino... 
Os quantitativos destas migrações são difíceis de calcular 
para todos os países. Os campos irlandeses lançaram no mundo 
urbano perto de cinco milhões de indivíduos entre 1840 e 1914; 
as populações rurais da Inglaterra registaram uma notável 
redução nos seus efectivos que representavam, em 1914, apenas 
um décimo da população activa total; na Alemanha, 30 milhões 
de indivíduos abandonaram os campos entre 1855 e 1914; na 
França, a partir de 1900, a emigração para as cidades atingiu as
proporções de uma verdadeira "sangria humana" - aldeias houve 
que se despovoaram totalmente. 
A emigração foi também um fenómeno relevante dos 
séculos XIX e XX, nomeadamente entre os vários países 
europeus. Neste período, a Europa conheceu importantes 
transferências migratórias entre as suas nações, motivadas pelos 
desníveis económicos e pelas crises de desenvolvimento, ou por 
guerras e instabilidades políticas. 
Uma das mais fortes ocorreu de leste para oeste, envolvendo 
polacos e checos a caminho do Ocidente industrializado 
(Alemanha e França, sobretudo). No final do século XIX, vagas 
de eslovenos, sérvios e gregos entraram no Império Austro- 
Húngaro, fugidos à guerra. A Catalunha e o país Basco espanhol 
exportaram gente para o Sueste francês. Mas, a corrente mais 
importante foi a dos italianos, a partir de 1861: em 1914, perto 
de sete milhões haviam trocado a sua pátria pela Suíça, pela 
Alemanha e pela França. 
De grande importância foi, também a corrente migratória 
para fora da Europa. Em 1845, a emigração europeia era ainda 
modesta. Contudo, daí até vésperas da Primeira Guerra Mundial, 
as saídas efectuaram-se a um ritmo crescente, ultrapassando, em 
alguns períodos, 1% da população total, o que afectou o ritmo 
geral de crescimento. 
Genericamente, os emigrantes fugiam às crises económicas 
conjunturais que assolaram as zonas industrializadas da Europa, 
por meados do século. Ocasionalmente, factores políticos e 
religiosos influíram também. No final do século XIX, grande 
parte da emigração saída do Império Russo era constituída por 
judeus que fugiam aos progroms generalizados pelo Estatuto 
Nacional de 1882. 
Os períodos de maior intensidade emigratória coincidiram 
com: a grande crise económica e política de 1845-53, para os 
países do Noroeste; as graves crises agrícolas do último quartel 
do século, para a Europa Central e Oriental; e a agitação social 
da primeira década do século XX, para os países mediterrânicos. 
As primeiras vagas migratórias, registadas entre 1840 e 
1880, foram as dos países anglo-saxónicos (Inglaterra, Irlanda, 
Alemanha e Suécia) em direcção à América (Estados Unidos,
Canadá e Argentina) e às regiões coloniais da Austrália, da Nova 
Zelândia, da África Austral e da Índia. 
Após 1880, a emigração anglo-saxónica foi suplantada pela 
dos franceses em direcção ao Canadá e à Argélia, pela dos países 
orientais (Rússia, Polónia e Império Austro-Húngaro), e pela dos 
povos mediterrânicos (Portugal, Espanha, Itália e Grécia), 
canalizada maioritariamente para o Brasil e Argentina, no que 
diz respeito às nações ibéricas. 
Por finais do século, a emigração europeia reflectiu, ainda, 
estímulos novos: o apelo lançado pelos governos europeus para 
o povoamento e desenvolvimento económico das suas áreas 
coloniais; a propaganda levada a efeito pelos novos países além- 
Atlântico, necessitados de braços para a colonização das suas 
extensas áreas incultas (o exemplo mais típico é o dos Estados 
Unidos, na época de avanço para oeste); e o fascínio exercido 
pelos progressos económicos dos novos países americanos que 
apresentavam um alto nível de vida e ofereciam oportunidades 
fáceis e rápidas de ascensão económica e social. Em 1860, a 
renda per capita nos EUA era de 430 dólares, enquanto, na 
mesma época, as da Inglaterra, Alemanha e Itália não iam além 
dos 260, 160 e 115 dólares, respectivamente. 
Situação da burguesia e do proletariado na 
sociedade de classes do século XIX 
A Classe burguesa 
As transformações político-económicas ocorridas na Europa 
ao longo do século XIX alteraram profundamente as estruturas 
sociais das nações, sobretudo no mundo ocidental. 
O liberalismo político, triunfante na maior parte dos países 
aquém e além-Atlântico até finais do século, aboliu de vez os 
antigos estatutos das ordens; acabou com os velhos privilégios 
de nascimento e reconheceu constitucionalmente a igualdade 
jurídica de todos perante a lei (pondo fim ao predomínio social e 
político da aristocracia), ao mesmo tempo que institucionalizou, 
pelo direito ao voto, a soberania popular, a liberdade dos
partidos e a isenção política dos governos através do 
funcionamento tripartido dos órgãos de soberania. 
A institucionalização destes preceitos marcou o fim jurídico 
da sociedade de ordens que caracterizara o Antigo Regime 
(séculos XV-XVIII), dando origem a uma sociedade mais 
flexível e dinâmica onde, pelo menos teoricamente, todos os 
cargos e todas as funções estavam abertos a todos os cidadãos 
que os merecessem. 
Ficaram, assim, criadas as condições para a extrema 
mobilidade social (ascendente e descendente) que caracterizou 
as sociedades burguesas e capitalistas do mundo contemporâneo, 
ditas "de classes". 
O respeito pelas liberdades individuais, apanágio do 
liberalismo, aliado ao individualismo ideológico predominante 
nas letras, na política e na economia da época, ajudaram a 
implementar este facto com a convicção de que, tendo os 
homens nascido iguais em direitos e deveres, as diferenças 
existentes entre eles resultavam apenas das diferenças 
individuais naturais. Por outras palavras, essas diferenças 
provinham dos méritos próprios de cada um: das suas 
capacidades inatas, como a inteligência, a sagacidade, a coragem 
e o talento; das suas virtudes morais como a honra, a probidade, 
o trabalho e a disciplina. 
Em suma, da competência pessoal dependia a fortuna e a 
importância de cada um e, consequentemente, a sua posição 
pessoal. 
Estas teorias sociais, que tão bem caracterizaram o 
liberalismo oitocentista, pareciam amplamente comprovadas 
pelos "acasos" da época. De facto, foram numerosos os 
exemplos de indivíduos de origem humilde que, graças aos seus 
méritos pessoais e aos bafejos da sorte, conseguiram subir os 
degraus da hierarquia social para se elevarem aos mais altos 
cargos económicos e políticos, transformando-se em 
verdadeiros mitos para as sociedades que os geraram. 
Contudo, numa época em que a industrialização crescente, 
bem como o desenvolvimento intelectual e tecnológico 
desestabilizavam o mercado de trabalho e o tornavam cada vez 
mais exigente quanto à preparação profissional dos
trabalhadores, a igualdade face às oportunidades de vida e à 
ascensão social estava longe de ser uma realidade. Na verdade, 
os casos de ascensão social fulgurante privilegiavam mais 
frequentemente aqueles que, a despeito das suas capacidades 
inatas, possuíam, à partida, melhores condições sócio-económicas: 
fortuna patrimonial ou própria, protecção familiar 
ou outros apoios, formação escolar e intelectual. E esses 
provinham, indubitavelmente, dos meios mais prósperos e 
dinâmicos da época - a burguesia dos negócios, das letras, da 
política. 
Assim, era da burguesia que nascia a nova burguesia. 
Alimentando-se constantemente de si própria, ela bloqueava aos 
outros estratos sociais a possibilidade de a ela ascenderem. Este 
facto real constituiu o maior obstáculo à igualdade de facto e 
transformou-se num real entrave à mobilidade social e à 
ascensão das classes economicamente desfavorecidas. 
Sendo assim, a riqueza fornecida pelo desenvolvimento 
económico e pela industrialização distribuiu-se muito 
desigualmente entre os cidadãos, originando profundas clivagens 
sociais em que o principal critério de diferenciação era o 
económico. Nas sociedades do século XIX, os ricos continuaram 
uma elite, cada vez mais restrita em número, mas mais rica em 
bens; todavia, o grosso da população pouco ou nada possuía. Em 
1910, enquanto o milionário americano Rockefeller era senhor 
de uma fortuna avaliada em 100 milhões de dólares anuais, mais 
de cinquenta por cento da população morria sem um único bem 
para legar em testamento. 
Deste modo, as sociedades oitocentistas viveram entre dois 
extremos: os que, tendo acesso à propriedade dos bens, 
usufruíam de maior poder económico e mais prestígio social - 
burguesia, e aqueles que, nada tendo, sobreviviam 
exclusivamente do trabalho - os proletários. 
No século XIX, o sucesso do liberalismo político e 
económico traduziu-se no sucesso da burguesia que, com ele, viu 
legislados e institucionalizados os seus ideais: políticos - os da 
democracia parlamentar e representativa, também chamada de 
democracia burguesa; sociais - os de uma sociedade sem ordens 
e sem privilégios de nascimento ou função, liderada pelos
princípios da igualdade e da liberdade individual; 
comportamentais - a consciência do mérito próprio e da 
competência pessoal; a crença no trabalho e na poupança, o 
respeito pela propriedade, o desejo de progresso e bem-estar 
material. 
Assim, o modo de vida burguês - o do individualismo liberal 
- sobrepôs-se ao da aristocracia, generalizando-se e 
consubstanciando-se na imagem divulgada doself-made-man, 
isto é, do homem que se faz a si próprio apoiado no esforço 
individual. 
A exaltação do trabalho e da poupança como único meio de 
alcançar o êxito individual e o progresso geral, transformou-se 
num dos pilares básicos do século XIX. Contrariando a antiga 
nobreza - defensora do ócio, improdutiva e esbanjadora -, a 
burguesia reconheceu a dignidade do trabalho e do esforço 
individual como processo de libertação do homem em relação às 
suas limitações naturais e condições de origem. As competências 
e os méritos próprios marcavam o êxito ou o fracasso do 
trabalho pessoal. «Cada um tem a sorte que merece», escrevia-se 
amiúde, nesta época. 
A liberdade em que se desenrolou o individualismo 
oitocentista se, por um lado, veio "soltar" o indivíduo do grupo a 
que, por nascimento ou função, pertencia, por outro, 
responsabilizou-o, unicamente a ele, pelo sucesso ou pelo 
fracasso do seu esforço individual. Sendo assim, é lógico que a 
riqueza e o poder fossem considerados como o prémio pelos 
méritos e capacidades de alguns; enquanto a pobreza e a miséria 
sociais eram frequentemente interpretadas como o resultado 
deplorável do desmazelo, da indolência, dos vícios e da 
incapacidade de muitos. 
A burguesia do século XIX utilizou diversos caminhos para 
a obtenção do êxito individual: A carreira das armas, meio 
tradicional e aristocrático para alcançar fortuna; os estudos, 
universitários ou não, agora valorizados como o único meio de 
adquirir as competências necessárias ao desempenho de certas 
funções como: as profissões liberais, algumas das quais 
resultantes do desenvolvimento científico e tecnológico da época 
e altamente prestigiadas pelo seu contributo para o progresso
económico e para o bem-estar social. Estavam neste caso os 
médicos, os advogados, os juízes e os engenheiros, os mais 
prósperos profissionais de entre as classes médias; o 
funcionalismo público e privado, em crescimento ao longo do 
século, devido à contínua burocratização da organização estatal e 
das empresas económicas (a admissão nos vários quadros do 
funcionalismo exigia, como hoje, um concurso documental ou 
um exame que demonstrasse as competências dos candidatos 
para a execução dos cargos, por isso, conferiam posição e 
prestígio a quem os desempenhasse, e eram muito procurados 
pela fixidez dos salários, pela segurança do emprego e pela 
relativa facilidade física das tarefas); o professorado, também em 
crescimento (sobretudo o primário) devido à importância que a 
instrução e o ensino adquiriram na estrutura do Estado e da 
sociedade; e até o sacerdócio, cujo prestígio continuava 
significativo. 
Todavia, as portas das instituições de ensino não estavam ao 
alcance de todos: os cursos eram longos e trabalhosos, exigiam 
excepcionais dotes intelectuais pelo seu carácter selectivo e 
ficavam extraordinariamente dispendiosos. 
Os negócios mostravam-se mais atractivos: o 
desenvolvimento demográfico, técnico e económico abrira-lhes 
inúmeras oportunidades; requeriam uma preparação menos 
especializada e menos longa; e ofereciam, a priori, garantias de 
um rendimento maior e mais rápido. 
Apesar disso, pediam também aptidões pessoais e condições 
técnicas e financeiras nem sempre à mão de qualquer um; e 
comportavam uma grande dose de risco e de sorte, impossíveis 
de prever. Assim, tão depressa elevavam simples operários à 
categoria de prósperos industriais, como, com a mesma 
facilidade. arruinavam sólidas empresas. 
O desenvolvimento sociocultural da época trouxe consigo 
outros meios de triunfo: as artes (música, canto, pintura ... ), o 
estrelato teatral, o jornalismo e a política. 
Nesta época de individualismo, a variedade dos caminhos de 
vida e o nível de sucesso neles atingido ditavam a diversidade 
das situações sociais dentro da burguesia, no seio da qual era 
possível assinalar a existência de grupos demarcados pela
profissão, pelo nível sociocultural e, principalmente, pelo poder 
económico que detinham. A este propósito escreveu Robert 
Schnerb: «No século XIX, é o dinheiro que diferencia o 
indivíduo em relação à burguesia e dentro dela. É ele que 
confere a posição social e a respeitabilidade.» 
Todos estes grupos burgueses detiveram, no século XIX, 
uma extrema mobilidade social, ascensional e descensional, no 
seu seio e entre si. Este facto torna difícil definir o 
escalonamento social desta época, em «constante rearrumação», 
como o afirmou Yves Lequin. 
Nos lugares cimeiros, encontramos um grupo muito restrito 
de famílias: as que melhor souberam aproveitar as oportunidades 
económicas da nova era. Dedicavam-se a actividades altamente 
lucrativas - indústrias, bancos, bolsas, companhias comerciais e 
agrícolas - e à política, controlando, assim, os mecanismos 
económicos da produção e do poder. Apelidavam-nas de alta 
burguesia, mas, não raro, nelas se misturavam antigos 
aristocratas. 
Num plano inferior, situava-se um conjunto numeroso e 
heterogéneo de indivíduos, espalhados por várias camadas 
sociais e profissionais que ocupavam todos os degraus da 
hierarquia económica: da quase miséria dos mais humildes 
funcionários e dos pequenos lojistas, à prosperidade dos patrões 
de pequenas e médias empresas industriais ou comerciais. Eram 
as classes médias. 
Difíceis de delimitar pela sua extrema mobilidade, elas 
possuíram de comum «o viverem, total ou parcialmente, de outra 
coisa que não o trabalho braçal» (Yves Lequin). Nelas se 
incluíam as tradicionais categorias burguesas, mas também todas 
as novas profissões nascidas do alargamento da divisão do 
trabalho que a industrialização e a vida moderna operaram. Aqui 
se alojaram, igualmente, os quadros da sociedade tradicional 
sem lugar específico nas novas hierarquias, como a média e a 
pequena nobrezas rurais. 
Arriscando uma classificação, alguns historiadores dividem 
estas classes médias em dois grupos: o da média burguesia (a 
midle, midle class), composto pelos pequenos patrões de 
empresas, os profissionais liberais e o alto funcionalismo dos
chefes de escritório, gente que auferia de vencimento, ou de 
rendimento, entre 300 e 800 libras por ano; e a pequena 
burguesia (a lower midle class) a que pertenciam os lojistas e 
outros pequenos comerciantes, os mestres de ofícios, os 
empregados bancários e do comércio, o pequeno funcionalismo. 
A sua situação económica era menos desafogada, rondando, por 
vezes, o nível da pobreza. 
Inicialmente minoritárias, as classes médias aumentaram 
bastante o seu número durante o século XIX,. Este facto deveu-se 
principalmente a quatro factores: ao crescimento natural da 
população, sobretudo a urbana (as classes médias oitocentistas 
foram fundamentalmente urbanas); ao desenvolvimento técnico 
dos meios e processos de produção agrícola e industrial que, 
assim, libertaram mão-de-obra para os serviços (sector terciário); 
ao alargamento dos sectores administrativos das grandes 
empresas industriais e comerciais (o funcionalismo privado foi o 
que mais contribuiu para o crescimento das classes médias, nesta 
época); à modernização e à complexidade dos aparelhos 
administrativos dos Estados (polícias, correios, ferroviários, 
professores e amanuenses, entre outros). 
Este aumento do sector terciário alterou a estrutura da 
população activa nos vários estados europeus e condicionou 
comportamentos e mentalidades. 
O crescimento numérico trouxe para os colarinhos brancos, 
uma nova importância: política porque, pelo seu número, pela 
sua relativa ilustração e pela sua posição económica, dominavam 
a opinião pública e constituíam a maioria votante; económica 
pelo poder de consumo de que dispunham e/ou que 
representavam, e pelo seu dinamismo produtivo. 
Comportamentos e mentalidades 
No século XIX, encontramos no topo das hierarquias 
burguesas os grandes negociantes, os maiores industriais, os 
banqueiros de nomeada e os altos financeiros, à mistura com 
políticos e estadistas, pois era com estas elites que geralmente se 
preenchiam os altos postos do aparelho dos Estados. Estes 
homens constituíam uma espécie de nobreza entre a burguesia, 
uma oligarquia minoritária mas poderosa cujo dinheiro
controlava todas as actividades lucrativas, dominava a vida 
política e imperava socialmente. 
Predominavam, entre eles, os grandes empresários, homens 
que se orgulhavam da sua capacidade de gestão e espírito de 
negócio, perseguindo com sagacidade, audácia e prudência o 
lucro e o poder. As suas capacidades de trabalho, de iniciativa e 
de inovação estiveram na base do crescimento de prósperas 
empresas comerciais, industriais, agrícolas ou mineiras, a partir 
das quais construíram o seu enriquecimento pessoal e 
contribuíram para o desenvolvimento económico que 
acompanhou o evoluir da industrialização e do capitalismo ao 
longo do século XIX. 
Após as primeiras gerações - geralmente constituídas 
por self-made men - os grandes magnatas da época apareciam 
enquadrados no seio de importantes organizações ou grupos 
económicos que tinham como núcleo a família. Numa época de 
impiedosa livre concorrência e de graves crises periódicas de 
crescimento económico, a coesão e solidez dos laços de sangue, 
bem como a solidariedade e entreajuda que espontaneamente se 
gera na família, fizeram da estrutura familiar a melhor armadura 
para as redes de negócios que então se estabeleciam. Assim se 
formaram importantes dinastias de homens de negócio, como a 
dos Rothschild, cujo génio empresarial surpreendeu o século 
XIX. 
Senhora de enormes fortunas mobiliárias e imobiliárias, a 
alta burguesia desta época soube, pouco a pouco, construir para 
si um estilo de vida sumptuoso: morava em belas residências 
apalaçadas, na cidade e no campo, mobiladas com luxo, 
ostentação e pormenor, rodeadas de belos jardins e parques, 
servidas por batalhões de serviçais de todas as categorias; 
possuía inúmeras propriedades e comprava solares aristocráticos 
que usava como moradias de saison; cultivava as aparências, 
vestia-se com elegância, de acordo com a moda, preocupava-se 
com a reputação e evitava o escândalo; era metódica e 
organizada, tanto nos negócios como na vida quotidiana (as 
mulheres ocupavam-se da gestão da casa, dos criados, da 
educação dos filhos pequenos, das obras de caridade ... ; os 
homens dividiam o seu tempo entre o escritório ou a empresa, o
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R.i.

  • 1. Iniciada no século XVIII, na Inglaterra, a Revolução Industrial traduziu-se, em "sentido lato", num processo de modificações estruturais profundas na economia, na sociedade e na mentalidade do mundo ocidental ao longo do século XIX. Em "sentido estrito", as transformações tecnológicas e económicas foram, porém, a imagem de marca da revolução industrial. Grandes descobertas técnicas, amparadas em novas fontes de energia, motivaram a passagem da manufactura à maquinofactura. A palavra "indústria" passou a ser utilizada para designar o fabrico, em grande escala, oriundo do maquinismo e um país industrializado definiu-se pela percentagem de mão-de-obra e pela riqueza obtidas através do sector secundário de actividades. Obviamente, a revolução industrial não constou de uma única operação, tal como os diferentes países foram afectados em épocas e a ritmos também diferentes. Assim, de 1780 a 1840- 50, distinguimos uma primeira revolução industrial, liderada pela Inglaterra: foi a revolução do carvão, do ferro, do algodão e da máquina a vapor, que determinou o desenvolvimento do Capitalismo Industrial. Por volta de meados do século XIX, a revolução industrial está em expansão. É a segunda revolução industrial, do aço, do petróleo, do motor de explosão e da electricidade, que se espalha pela Europa e atinge a América do Norte e o Japão, entre 1850 e 1914. O Capitalismo Financeiro atinge, então, um ponto alto. O alargamento das vias de comunicação O alargamento das vias de comunicação foi um factor e um mecanismo da industrialização, segundo o historiador François Caron, na medida em que constituiu um investimento de base. Um investimento de tal modo poderoso, a partir de meados do século XIX, que os historiadores não hesitam em falar numa revolução dos transportes dentro da Revolução Industrial. Embora, em 1825, o engenheiro escocês Mac Adam tenha melhorado a qualidade dos revestimentos dos pavimentos das estradas e, simultaneamente na França e na Inglaterra, se tenha multiplicado a construção de canais, a revolução dos transportes
  • 2. caracteriza-se, antes de mais, pela aplicação da máquina a vapor à navegação e aos transportes ferroviários. A navegação a vapor No que se refere à navegação, procedeu-se à adaptação, e depois substituição, dos pesados veleiros de madeira (clippers) americanos pelos navios a vapor(steamers), construídos em ferro e dotados de caldeiras, de rodas de pás e de hélices. O steamer, ou paquete, revelou-se, efectivamente, de um enorme impacto na vida económica de então: para além do transporte de passageiros e de correio, destinou-se também ao comércio, pelo que a sua especialização depressa se impôs, dando origem aos navios de carga, aos petroleiros e aos barcos - frigoríficos. Durante o século XIX e até à I Guerra, dois terços da tonelagem mundial pertenciam à Europa, na qual o Reino Unido detinha o primeiro lugar. Os próprios E.U.A., que, em termos de crescimento económico eram os primeiros, não tinham uma frota comercial que correspondesse ao seu poderio, pelo que recorriam à marinha inglesa. O progresso da navegação a vapor exigiu a organização de grandes sociedades capitalistas. Se, no tempo da navegação à vela, um armador negociante possuía um ou dois barcos, no século XIX, porém, apenas as grandes companhias de navegação podiam fazer face à compra de dezenas de barcos e à sua manutenção. Só em carvão eram gastas vinte e cinco toneladas por dia. Até 1914, as mais poderosas sociedades de navegação eram precisamente as inglesas, possuidoras de uma rede de informações e seguros à escala mundial. Entre elas, devemos citar a Peninsular and Oriental Company, fundada em 1837, e a Cunard Line, criada em 1840. Entretanto, na França, ficaram conhecidas a Les Messageries Maritimes de 1851, especializada na distribuição de correio no Mediterrâneo, e a Compagnie Transatlantique, nascida em 1855. Também as condições técnicas dos portos sofreram modificações com a navegação a vapor, que motivou instalações
  • 3. consideráveis de drenagem e armazéns de grandes dimensões. Nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, Londres e Nova Iorque eram os maiores portos do mundo. Era através de Londres e do fluxo das matérias-primas importadas e dos objectos manufacturados exportados que a Grã-Bretanha se assumia como oficina e balcão do mundo. Por sua vez, o porto de Nova Iorque, que dispunha de mais de cem quilómetros de cais naturais e da comunicação com a zona dos Grandes Lagos desde a abertura, em 1825, do canal do Erie, tornou-se não só um redistribuidor nacional dos cereais, das matérias-primas industriais e de produtos fabricados, como um enorme entreposto mundial de mercadorias, cabendo-lhe ainda receber um dos fluxos mais apreciáveis da imigração. Paralelamente, a navegação a vapor influenciou as condições de circulação, o que esteve patente na construção dos canais do Suez e do Panamá, que possibilitaram a redução do tempo de travessia em relação à rota do Cabo e à rota do estreito de Magalhães, respectivamente, e, por consequência, a redução dos custos, fretes e preços dos produtos. Podemos, assim, dizer que a navegação a vapor foi um elemento fundamental para o progresso do comércio internacional, favorecendo o domínio do mercado externo e o multilateralismo das trocas. Os caminhos-de-ferro Os caminhos-de-ferro nasceram do encontro de duas técnicas: o ferro e a máquina a vapor. Os carris eram já utilizados no século XVIII para a tracção de vagonetas puxadas por cavalos, nas minas e nas pedreiras. Mas a grande revolução consistiu na aplicação da «locomotiva» à tracção dessas vagonetas. O engenheiro inglês George Stephenson, ajudado pelo filho Robert, construiu as primeiras locomotivas entre 1814 e 1825, aplicadas primeiro às minas e, a partir de 1825, utilizadas para rebocar comboios. A aplicação da caldeira tubular (inventada por Marc Seguin d'Annonay) à locomotiva Rocket de Stephenson, em 1829, constituiu o momento-chave da história
  • 4. dos comboios. Em 1830, a Rocket era utilizada com êxito na linha Liverpool-Manchester. O êxito da linha de Liverpool-Manchester desencadeou uma febre de construção e de especulação por vezes insensatas; em 1830, os pequenos troços de vias já construídas somavam 280 quilómetros, mas as principais linhas da Inglaterra e da Escócia foram construídas depois de 1845 por companhias particulares; esta rede passou de 800 quilómetros em 1840 para 10 000 em 1850. O avanço inglês foi de tal ordem que o railway (isto é, a construção e o fornecimento de carris e de máquinas) foi, para a Europa, pelo menos inicialmente, uma especialidade inglesa. Depois do êxito da primeira linha Bruxelas-Malines, em 1835, a Bélgica foi o país que mais rapidamente se dotou de uma rede de caminhos-de-ferro. A Alemanha, apesar da sua falta de unidade, construiu a sua primeira via também em 1835, de Nuremberga a Fürth, e, depois, numerosos troços dispersos, frequentemente construídos pelos governos; no total, 5800 quilómetros em 1850. Estas ligações ferroviárias serviram também para reforçar o Zollverein e este, por sua vez, encorajou aquelas. A construção da rede ferroviária em França foi muito mais lenta porque o Estado contava com o capitalismo privado e este era retraído. A Itália, a Áustria e a Hungria constituíram linhas que partiam das respectivas capitais mas não iam longe. Na Rússia, a linha Sampetersburgo-Moscovo, dispendiosamente construído pelo Estado, ficava concluída em 1850. A partir de 1891 arrancava o Transiberiano, linha que unia Moscovo a Vladivostoque, ultrapassando 9200 quilómetros. A colocação de vias-férreas foi mais rápida nos Estados Unidos (l4 000 quilómetros em 1850); eram paralelas à costa atlântica ou penetravam no sentido do Oeste, mas tudo na maior anarquia, do que resultaram desvios muito variados, transbordos de umas linhas para outras. Em 1869, completou-se a primeira ligação transcontinental, pelo encontro das companhias Union Pacific e Central Pacific.
  • 5. De um modo geral, na Europa ocidental e nos Estados Unidos, o investimento nos caminhos-de-ferro conheceu três ritmos: Até 1850, os capitais derivaram de particulares, necessitados de um transporte eficaz para os seus negócios industriais ou comerciais; de grandes banqueiros, como os franceses Pereire e Rothschild; ou da venda de acções e obrigações. Entre 1850 e 1865-77, os investimentos privados foram controlados pelo Estado e as concessões ferroviárias revestiram, em consequência, um carácter provisório. A partir da década de 70, frequentes crises financeiras fazem dos caminhos-de-ferro um negócio menos lucrativo. As maiores despesas cabem, então, aos Estados, que chegam a nacionalizar muitas das companhias existentes. Consequências dos caminhos-de-ferro Os caminhos-de-ferro provocaram profundas implicações económicas, sociais e até culturais: A agricultura encontrou novos mercados e pôde vender géneros de pequena duração em zonas distanciadas, assim como especializar as suas produções. Os centros urbanos foram abastecidos com regularidade, evitando-se crises de fornecimento. Quantidades crescentes de ferro, carvão e madeira foram absorvidas, para o apetrechamento e consumo do novo meio de transporte. Impulsionou-se a siderurgia, facilitada pela invenção do conversor Bessemer. Assim se obteve o aço, muito mais resistente que o ferro e simultaneamente maleável. Favoreceram-se as operações financeiras, mediante o lançamento de acções e empréstimos por obrigações; construiu-se o aparelho bancário moderno; criaram-se sociedades por acções, o tipo mais aperfeiçoado de empresa capitalista no período da segunda revolução industrial. Facilitou-se o povoamento de vastas regiões, nos E.U.A. e na Rússia, por exemplo. Reduziram-se as tarifas e os custos dos transportes; estimulou-se o consumo de massas. Em suma, pôs-se fim ao
  • 6. isolamento de vastas regiões, integradas, desde então, numa teia de ligações. Com efeito, a dinamização das trocas criou um mercado unificado, o verdadeiro mercado interno com a dimensão de um mercado nacional. Ora, um mercado unificado e nacional é uma condição imprescindível à modernidade e ao desenvolvimento dos Estados. Absorveu-se, também, mão-de-obra disponível, através de novas profissões, como ferroviários, carregadores... Facilitou-se a correspondência, reduziu-se a metade o custo das deslocações dos viajantes; justificou-se a produção mais frequente de publicações periódicas. Concluindo, as distâncias encurtaram-se, circularam ideias novas, o Capitalismo triunfou. Outros meios de comunicação Os progressos da navegação a vapor e dos caminhos-de-ferro foram acompanhados, desde fins do século XIX, pelo surgimento de novos transportes, como o automóvel e o avião. O desenvolvimento do automóvel remonta a 1886, quando apareceu a primeira máquina impelida por um motor de combustão interna. Numerosos engenheiros e técnicos contribuíram para o surto do novo meio de transporte: na Alemanha, Daimler, Benz, Diesel; na França, Panhard, Peugeot, Michelin. Nos primeiros anos do século XX, a França e a Alemanha ocupavam a primeira posição na produção de carros. Em 1914, porém, os Estados Unidos fabricavam já 56% do total mundial de automóveis, a maioria dos quais pertencia à fábrica Ford, onde a instalação de linhas de montagem favorecera o embaratecimento e o aumento da produção. Quanto à aviação, e após decénios de ensaios com balões e dirigíveis, coube, em 1903, a Orville Wright a proeza de voar com um motor de gasolina e hélice. Em 1909, os irmãos Voisin desenharam um biplano e o seu sócio L. Blériot um monoplano, com que atravessou o Canal da Mancha. Estava, então, alterada a relação do Homem com o espaço e consagrada a conquista do ar.
  • 7. A indústria aeronáutica conheceu um impulso notável durante o período de 1914-18, quando posta ao serviço de interesses militares. Mas o progresso das comunicações não se limitou ao invento de novos transportes, significando também novos processos para a transmissão de notícias O telégrafo, o telefone e a rádio foram tão importantes para a criação de um mercado mundial, próprio do Capitalismo, como a União Postal e o sistema métrico que facilitaram as transacções internacionais. Efectivamente, os inventos de Morse, Bell, Hertz e Marconi permitiram regular preços, compras e vendas a nível económico, ao mesmo tempo que revolucionaram os sistemas de informação da imprensa e dos governos. A exploração capitalista dos campos Concomitantemente à industrialização, os campos transformaram-se. Vimo-lo já no caso da Inglaterra, cuja revolução agrícola é, para muitos autores, um factor indesligável do processo de industrialização. A modernização agrícola espalhou-se pela França, pela Alemanha, pela Rússia e E.U.A. Um passo decisivo foi dado com a abolição da servidão na França, em 1789, o que, na Rússia, só viria a acontecer em 1861. A partir de então, e em toda a Europa, a mão-de-obra agrícola passou a trabalhar por um salário ou a cultivar a sua própria propriedade. A emancipação da terra e dos trabalhadores encorajou os investimentos capitalistas e possibilitou a adopção de novos métodos de cultivo. Entretanto, das fábricas saíam os engenhos responsáveis pela modernização agrícola, ao mesmo tempo que os caminhos-de- ferro abriam aos produtos da terra o mercado em expansão das cidades. Tudo concorria para o aumento da produção e da produtividade, passando-se da agricultura de subsistência para a agricultura de mercado. Na Europa Ocidental, a revolução agrícola passou pela prática de uma agricultura intensiva, assente em grandes explorações, onde se praticava a adubagem, a mecanização (ceifeira, debulhadora, enfeixadora, etc.) e se enveredava pela alternância ou pela especialização de culturas, amparadas
  • 8. frequentemente na selecção de espécies vegetais. Algumas regiões adoptaram a monocultura, como o Languedoc, que, na França, se tornou vinhateiro, com os riscos daí resultantes: superprodução e variações de preços. Entretanto, noutros locais, a horticultura e a produção especializada de frutos ofereciam uma alternativa ao cultivo de cereais. Por toda a parte, o pousio estava em regressão. Outro elemento característico da revolução agrícola foi o aumento da criação de gado ligada ao desenvolvimento das pastagens. Na Grã-Bretanha, a manada de bovinos passa de 9 para 17 milhões; na Alemanha, de 14 para 20 milhões. A criação de gado assume mesmo um carácter selectivo, na medida em que tinha como objectivo o aparecimento de raças altamente produtivas (certos carneiros e vacas leiteiras), cujos exemplares eram exportados para todo o mundo. A Austrália, por exemplo, constituiu um terreno fértil para a propagação do carneiro merino. Na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda, na Suíça, na Bélgica, houve também a preocupação de unir a agricultura à ciência: em quintas-piloto, utilizam-se maciçamente processos científicos e adubos químicos, que se saldam na supressão quase completa dos pousios e na melhoria geral da produção. Incontestavelmente, a produção aumentou: na Grã-Bretanha, no que respeita ao trigo, passou de cerca de 14 quintais por hectare, em meados do século XIX, para 22 em 1914; nesta última data, a Alemanha atingiu 19 a 20 quintais por hectare; os Países Baixos e a Dinamarca 26 e 29 quintais, respectivamente. Quanto à superfície cultivada, registaram-se tendências diversas: na França houve, em primeiro lugar, um grande esforço para recuperar terrenos, mercê de arroteamentos, desarborizações e drenagens. Também na Alemanha, as superfícies cultivadas aumentaram, entre 1870 e 1914, cerca de um milhão de hectares na Região Leste. Entretanto, na Inglaterra, depois das reformas económicas de 1846 a 1850, os terrenos de sementeira registaram até uma redução pelo que a produção, embora de qualidade, só alimentava a população quatro meses em doze.
  • 9. Nos países temperados novos, como o Canadá, os E.U.A., a Argentina, a Austrália, a África do Sul, uma agricultura extensiva e mecanizada (o primeiro tractor agrícola aparece nos E.U.A.), em grandes explorações, aliada a grandes pastagens, permitiu elevadas produções em todos os domínios tradicionais. Com efeito, a abertura de novos terrenos além-mar, sejam nas planícies norte-americanas, nas pampas sul-americanas, ou nas regiões temperadas da Austrália, contribuiu para o aumento da produção mundial de alimentos. No que respeita ao trigo, entre 1850 e 1914, os E.U.A. aumentaram quatro vezes a superfície a ele consagrada, o Canadá seis vezes e a Argentina oitenta e nove vezes. A produção, para o conjunto destes países, passou de 75 milhões de quintais para 400 milhões. Quanto às outras produções, observa-se o mesmo progresso, quer se trate de milho, de cevada, de batata, de beterraba para açúcar. No que se refere à criação de gado, esta atingiu também um ponto alto nos novos países, que se tornaram grandes fornecedores de carne e de lã ao continente europeu. Na verdade, graças aos progressos resultantes, quer da circulação ferroviária e da navegação a vapor transatlântica que reduziram os custos dos transportes, quer da própria transformação dos alimentos através do enlatamento e da conservação frigorífica, o comércio internacional de produtos alimentares animou-se, gerando-se uma concorrência perigosa para os produtores europeus, que reclamaram dos Estados medidas proteccionistas contra a implacável baixa dos preços gerada nas últimas décadas do século XIX. Entretanto, na Europa Central ainda se mantinham traços das antigas estruturas feudais: na Rússia, apesar das reformas, o sistema agrário baseava-se numa mão-de-obra barata e pouco produtiva. Na Europa do Sul perpetuava-se a policultura de subsistência. Progressos cumulativos da técnica e da investigação científica Nos finais do século XIX verifica-se uma aceleração no ritmo das descobertas científicas: a Física, a Química e as
  • 10. Ciências Naturais registam avanços prodigiosos. O trabalho em equipa de sábios está na ordem do dia e, frequentemente, desenrola-se em laboratórios ou em institutos subsidiados pelos Estados e pela indústria privada. Enquanto que o trabalho dos cientistas teve um papel limitado na primeira revolução industrial, pelo contrário, desde as últimas décadas do século XIX, o desenvolvimento da indústria é fomentado pelas descobertas da ciência. A crescente concorrência entre empresas e países, aliada à conjuntura de baixa dos preços no fim do século XIX, exigiram a redução dos custos, alicerçada na pesquisa técnica e científica. Deste modo, a segunda industrialização surge-nos como o resultado da estreita ligação da ciência e da técnica, do laboratório e da fábrica. Sábios, nos laboratórios, procuram responder a problemas postos pelos avanços tecnológicos; nas fábricas, entretanto, os engenheiros implementam as novas técnicas e métodos de produção baseados na ciência. Daí falar-se em progressos cumulativos para caracterizar as inovações da segunda revolução industrial. Uma nova fonte energética, o petróleo, produzido comercialmente pela primeira vez na Pensilvânia, permitiu a utilização dos óleos minerais seus derivados, primeiro na iluminação (sob a forma de lamparinas de parafina), no aquecimento e em usos domésticos e, em seguida, como combustível. O petróleo e a gasolina tornaram possível o motor de combustão interna, descoberta do alemão Gottlieb Daimler em 1886, também conhecido por motor de explosão. Este esteve na origem do automóvel, de pequenos motores portáteis adequados a toda a espécie de trabalhos, de turbinas utilizadas nos navios e de motores suficientemente potentes e leves para uso na aviação. Em 1897, outro alemão, Rudolf Diesel, conseguiria a aplicação do óleo pesado ao motor de combustão, dando origem ao motor-diesel, hoje utilizado na maioria dos transportes pesados. A electricidade, uma forma energética nobre, revolucionou a iluminação, os transportes e a indústria. No mesmo ano (l879) em que o americano Thomas Edison produziu a lâmpada de
  • 11. incandescência, que possibilitou a iluminação eléctrica de cidades e interiores, Ernst Siemens construía, em Berlim, a primeira locomotiva eléctrica. Entretanto, nas grandes cidades, difundia-se o carro eléctrico. No que se refere à indústria, a electricidade esteve na origem da criação de grandes empresas, onde se tornou possível o funcionamento nocturno, assim como a reorganização das fases do trabalho, assentes no automatismo. Acrescente-se que progressos como o telefone, a rádio, o telégrafo e o próprio cinema não teriam existido sem a indústria eléctrica. A siderurgia transformou-se no sector de ponta da segunda industrialização: é a base da indústria pesada que, de futuro, define os padrões do desenvolvimento. O aço, cuja produção aumentou em flecha enquanto o respectivo preço registou um abaixamento: converteu-se no material essencial da grande construção e da maquinaria; com ele foi possível projectar arrojadas obras de engenharia (pontes, arranha-céus, túneis), carris, armamento. Com os seus 300 metros de altura e 7500 toneladas de ferro e aço, a Torre Eiffel, erigida em Paris para a exposição de 1889, é bem o monumento ao aço. A metalurgia distinguiu-se na produção de ligas e utilizou crescentemente diversos materiais: O cobre, isolado dos metais ferrosos por processos electrolíticos, que se revelou insubstituível como condutor eléctrico; O chumbo, utilizado em tubagens, condutas de água e de gás, na pintura, baterias, etc.; O zinco, utilizado em pinturas e para a galvanização do aço; O alumínio, apreciado pela sua leveza, condutibilidade do calor e resistência à oxidação; O estanho, o níquel, o manganés, o crómio e o tungsténio. A indústria química, largamente apoiada na pesquisa científica, produziu: Fertilizantes e insecticidas; a borracha vulcanizada, fundamental no ciclismo, automobilismo, calçado, indústria eléctrica; explosivos, perfumes, medicamentos e produtos
  • 12. fotográficos; corantes sintéticos e fibras artificiais, que revolucionaram a indústria têxtil. O comércio internacional: trocas multilaterais e efeitos de arrastamento Ao longo do século XIX o crescimento do comércio mundial foi notável. Tirando proveito das maiores disponibilidades agrícolas, industriais e de transporte, o volume do comércio mundial triplicou, de 1876-1888 a 1911-1913. As trocas mundiais são multilaterais e podem decompor-se do seguinte modo: 40% dizem respeito ao comércio intra-europeu; 21,5% dirigem-se dos países não europeus para a Europa; 15,2% são da Europa para os outros continentes; 23.3% abrangem as trocas no mundo não europeu. No contexto do comércio internacional, dois terços das trocas são controladas, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, pelos países desenvolvidos da Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Tal hegemonia resulta, segundo o historiador François Caron, «do desenvolvimento de um esquema que inclui, por um lado, trocas de matérias-primas minerais e produtos agrícolas por produtos industriais manufacturados e, por outro, trocas de produtos manufacturados entre países industrializados». O comércio de produtos primários relacionou-se com a industrialização da Europa, que exigiu a importação de matérias-primas e de produtos alimentares. Entre as primeiras, devemos destacar: o carvão, de que a Bélgica, a Alemanha e a Grã- Bretanha eram grandes fornecedoras: o cobre, a borracha e o petróleo, cujo fornecimento se tornou um dos fluxos fundamentais do comércio mundial: o algodão bruto, que representava 2/3 do valor das exportações dos Estados Unidos, em 1860; a lã, fornecida pela Austrália, Nova Zelândia, Argentina e África do Sul. Quanto aos produtos alimentares, a sua importação foi um dos principais factores do crescimento das trocas internacionais. Quer os Estados Unidos, quer a Rússia, por exemplo, foram grandes exportadores de trigo, de que o Reino Unido era um bom cliente.
  • 13. Outro comércio intercontinental de alimentos foi o da carne e produtos lácteos, favorecido pela criação, nos anos 1880, das cadeias de transporte frigorífico, que permitiram o abastecimento de carne da América do Norte, da Argentina, da Austrália e da Nova Zelândia. O esquema de trocas que acabámos de descrever (produtos primários contra produtos manufacturados) fazia do Noroeste europeu e dos Estados Unidos as «oficinas do mundo» e consagrava uma autêntica divisão internacional do trabalho. Como atrás referimos, havia também uma rede de trocas de produtos industriais entre os diversos países industrializados. Por exemplo, o principal cliente da Alemanha era a Grã-Bretanha, que comprava 14% das suas exportações, e o melhor cliente da Grã-Bretanha era a Alemanha. Nem o coro dos protestos daqueles que temiam a concorrência era suficiente para destruir a rede de solidariedade que se estabelecia entre os países industrializados. Claro que os mercados coloniais eram importantes para os europeus mas, como F. Caron conclui, «não constituíam para as suas exportações mais do que uma componente entre muitas outras». A complementaridade existente nas trocas multilaterais pode também ser analisada a partir da situação das balanças comerciais. Em 1910, por exemplo, o défice do Reino Unido para com a Europa continental e a América do Norte era pago com os excedentes retirados da Turquia, das colónias de África da Índia, da Austrália. Muitos desses excedentes provinham dos rendimentos obtidos com a exportação de capitais. Por sua vez, o forte excedente dos Estados Unidos relativamente à Grã-Bretanha era contrabalançado pelo seu défice em relação à Europa continental industrial e ao resto do mundo, com excepção do Canadá e da Austrália. Comentando o fenómeno do multilateralismo das trocas, o historiador F. Caron alerta também para a boa posição da Rússia que, a partir dos seus excedentes sobre a Europa Ocidental, regularizava as suas dívidas e os seus défices para com os Estados Unidos, a China e a Índia. Também o défice da Itália era
  • 14. anulado pelos rendimentos proporcionados pelo turismo e pelas remessas dos emigrantes. Além do multilateralismo das trocas, o comércio internacional, no século XV, caracterizava-se pelos chamados efeitos de arrastamento, especialmente visíveis nas economias menos desenvolvidas. De facto, ao mesmo tempo que se forneciam mercados a sectores-guias, submetia-se o conjunto da economia às normas da concorrência internacional. Nos três quartos de século que antecederam a 1ª Guerra Mundial, o comércio internacional foi, efectivamente, um motor do crescimento, ao incrementar as exportações de produtos primários e de produtos industriais. Um exemplo é-nos dado pelas economias da Austrália, da Nova Zelândia, do Canadá e da África do Sul, onde o desenvolvimento foi provocado e incentivado por: procura externa dos seus produtos primários; imigração e investimentos externos; progresso técnico exigido pelo custo elevado do trabalho. Outro exemplo é-nos fornecido pelo Japão e pelos países escandinavos, que souberam orientar as suas produções em função das suas necessidades e adaptar-se ao crescimento da procura mundial. Políticas comerciais: livre-cambismo e proteccionismo Face à expansão económica operada pela revolução industrial, os Estados adoptaram, para a regulamentação das trocas comerciais, políticas que oscilaram entre o proteccionismo e o livre-cambismo. O livre-cambismo fez-se sentir sensivelmente até ao terceiro quartel do século XIX e esteve relacionado com a preeminência industrial e comercial da Grã-Bretanha (maior produtora de tecidos de algodão, de ferro e de hulha; detentora da maior rede ferroviária europeia), que se esforçou por impor as livres trocas às economias subordinadas. A França, ferozmente proteccionista em virtude de não possuir uma indústria especializada que aguentasse a concorrência, enveredou, em 1860, com Napoleão III, pelo livre-cambismo, mas as forjas e a metalurgia ressentiram-se, de um modo geral.
  • 15. Por sua vez, a Alemanha, na sequência da união aduaneira do Zollverein, efectuada entre 1820 e 1834, que aboliu as barreiras entre os Estados alemães, iniciou um processo de aproximação com outros países europeus, tendo assinado, em 1862, um tratado de livre-cambismo com a França. Outros países, como a Bélgica, os Países Baixos, os países escandinavos, a Suíça, a Itália, a Espanha e Portugal, enveredaram, também, pela liberalização das trocas; até na Rússia, em 1851, as tarifas aduaneiras foram ligeiramente atenuadas. Os próprios Estados Unidos, depois de terem sido proteccionistas, fizeram baixar as suas tarifas, nos anos que antecederam a Guerra de Secessão. No terceiro quartel do século XIX, assistimos à passagem do livre-cambismo ao proteccionismo num contexto de crises económicas. Na origem do movimento de regresso ao proteccionismo esteve a Alemanha de Bismarck, que, depois de um período de livre-cambismo, estabeleceu tarifas proteccionistas para os cereais, petróleo e ferro. Também a Itália, Espanha, Portugal e Rússia protegem a sua agricultura e as indústrias nascentes. De igual modo, a Suíça e a Suécia, apesar de altamente industrializadas, se tornaram proteccionistas. Quanto à Grã-Bretanha, experimentava sérias dificuldades conforme o testemunha o Inquérito sobre o declínio do comércio britânico de 1885-86. Assim, entre outros aspectos, sofria a concorrência de belgas, americanos e alemães em sectores habitualmente liderados por ela e via fecharem-se-lhe os mercados dos Estados Unidos, do Canadá, da França e da Rússia. Todavia, apesar da concorrência, a Grã-Bretanha continuou livre-cambista: a sua produção atingia tal volume que precisava de ser exportada a todo o custo. Produção capitalista e organização do trabalho Segundo J.-P. Rioux, a revolução industrial determina o triunfo do modo de produção capitalista, pautado por: separação entre uma burguesia que possui os meios de produção e os
  • 16. assalariados; capitais mobilizados na intenção de um lucro; progresso técnico contínuo; aceleração constante da produção e, se possível, dos produtos. No que se refere à indústria, o progresso técnico leva a manufactura a ceder lugar à maquinofactura, do mesmo modo que o trabalho domiciliário e oficinal(domestic system) é ultrapassado pelo trabalho na fábrica (factory system). Foi precisamente devido a factores oriundos da mecanização e do controlo da rendibilidade do trabalho operário que a fábrica se distinguiu e se impôs sobre a oficina. Por um lado, o esforço de implantar ou de criar um parque de máquinas tecnicamente actualizadas (os chamados «conjuntos mecânicos») exigiu instalações consideráveis, assim como uma elevada capacidade financeira que ultrapassava em muito as possibilidades dos pequenos proprietários das oficinas. Como diz J. P Rioux, «montar uma cadeia de teares, pôr a funcionar um conversor Bessemer que absorve 1000 toneladas de gusa por dia, já não está ao alcance de um qualquer industrial de algodão ou de fundição». Por outro lado, só no ambiente da fábrica, onde o trabalhador é obrigado à pontualidade e a trabalhar ao ritmo das máquinas, é possível tirar partido e explorar lucrativamente a divisão do trabalho operário: «a fábrica torna rendível, selecciona, hierarquiza o trabalho com vista a um maior lucro» (J. P. Rioux). Os historiadores definem a fábrica como um estabelecimento industrial de grande dimensão, que agrupa uma mão-de-obra numerosa. Mas a fábrica não foi regra geral e não conduziu forçosamente ao gigantismo. Por exemplo, na França, em 1906, as pequenas oficinas ocupavam ainda 27% da população activa. Por sua vez, 60% dos assalariados fabris trabalhavam em estabelecimentos que empregavam menos de 100 pessoas (considera-se que a verdadeira fábrica deve ter 100 trabalhadores no mínimo). Também segundo as estatísticas industriais alemãs de 1907, 55% da mão-de-obra fabril trabalhava em estabelecimentos com menos de 50 pessoas; isto verificava-se, sobretudo, nos sectores da alimentação, vestuário, calçado, madeira, couro e em artigos metálicos.
  • 17. Da sociedade familiar à sociedade anónima De pequena ou de grande dimensão, a fábrica é um local de concentração de forças produtivas (matérias-primas, máquinas, homens) e surge-nos como uma empresa capitalista típica da nova era industrial. Isto é, nela, aqueles que fornecem o trabalho (trabalho) não são os mesmos que fornecem os capitais (capital) e nisso se distingue da oficina, empresa individual do artesão, que contribuía com os utensílios e com a sua própria força de trabalho. Durante a primeira revolução industrial, são comuns as empresas pertencentes a um só indivíduo ou a pessoas unidas por laços familiares e/ou de amizade. Ou seja, estamos perante pequenas e médias empresas, cujos capitais provêm do fundo individual e familiar. Nestas empresas, os capitais investidos são limitados e os lucros conseguidos investem-se até atingir o seu autofinanciamento sistemático. A responsabilidade dos seus membros é total, pois respondem com a sua fortuna em caso de falência. Com o avanço da industrialização e em virtude dos vastos meios financeiros exigidos, tornaram-se cada vez mais raras às empresas familiares. Apareceu a sociedade por acções, empresa de vários proprietários também conhecida por joint-stock company, que oferecia uma série de vantagens, especialmente se revestisse a forma de sociedade anónima: permitia uma maior disponibilidade de capital, através da venda de acções ao público, processada pelos bancos; garantia a continuidade da empresa, que deixava de estar dependente dos seus fundadores; libertava os dirigentes do peso da responsabilidade, repartida pela assembleia geral dos accionistas da empresa, os quais elegem o conselho de administração - em caso de falência, os accionistas apenas respondiam pelo valor investido, pelo que a sua fortuna pessoal não ficava em jogo (responsabilidade limitada); possibilitava a negociação das acções ou títulos em mercados abertos (bolsas) e, com isso, ganhos especulativos. As sociedades por acções encontravam-se bastante difundidas na Inglaterra, especialmente ligadas às minas, aos serviços públicos (canais, estradas, água, gás), à construção
  • 18. naval, à siderurgia e mecânica, assim como aos caminhos-de-ferro. Desde o último terço do século XIX, a organização industrial regista uma tendência e uma necessidade para a concentração, o que parecia contradizer o princípio inicial da livre concorrência entre os produtores. Por um lado, o equipamento (máquinas, instalações) era cada vez mais dispendioso; os stocks de matérias-primas e os salários dos trabalhadores obrigavam também a grandes despesas, tal como o apoio técnico proveniente dos laboratórios, dos serviços de vendas, propaganda e transporte. Por outro lado, as flutuações do mercado e a concorrência crescente exigiam uma produção a baixo custo, pelo que só as grandes empresas se encontravam em condições de fazer frente a estas necessidades. Frequentemente, o processo de concentração industrial verificava-se na sequência das crises cíclicas do capitalismo, quando os estabelecimentos em situação difícil, incapazes de competir, eram absorvidos pela empresa de maior dimensão. De um modo geral, a concentração industrial foi mais forte nos países que iniciaram mais tardiamente o arranque industrial, constituindo, assim, um meio de defesa contra a concorrência. Foram os casos da Alemanha, dos Estados Unidos e do Japão. Existiram dois tipos de concentração industrial, a vertical e a horizontal, embora frequentemente se tenha verificado a combinação de ambas. A concentração vertical consistiu na integração, numa mesma empresa, de todas as fases da produção, desde a obtenção da matéria-prima à venda do produto. Este tipo de concentração, que assumiu um carácter monopolista, foi mais usual na metalurgia, apresentando-se, como exemplo, os grupos siderúrgicos dos Krupp, Thyssen, Schneider, Skode, Carnegie, que possuíam altos-fornos, fábricas de construção metálica de maquinaria, vagões e frotas de transporte. Por sua vez, a concentração horizontal consistiu numa associação de empresas que controlavam uma das fases da produção, geralmente a última. O objectivo era evitar a concorrência e a consequente eliminação de umas empresas
  • 19. pelas outras, muito embora se tendesse para formas monopolistas de domínio do mercado. Este tipo de associação, em que as empresas, apesar de uma gerência comum tendo em vista os fins propostos, mantinham uma autonomia técnica e jurídica, ficou conhecida pelo nome de cartel e difundiu-se bastante na Alemanha. A associação e fusão de empresas, consagrada nas concentrações verticais e horizontais, depressa ultrapassou o quadro nacional, dando origem a poderosas concentrações internacionais, autênticas multinacionais. A indústria e o capital financeiro O aprofundamento tecnológico e a extensão dos mercados, verificados no último terço do século XIX, induziram à indústria necessidades de financiamento a que os bancos e a bolsa de valores procuraram responder. O capital financeiro e a indústria passaram a correlacionar-se de um modo estreito. Os bancos lançavam acções indispensáveis à criação de sociedades anónimas e chegavam mesmo a comprar acções às empresas com necessidade de capitais; entretanto, a cotação das acções, na bolsa, reflectia a capacidade de produção e venda das empresas. Frequentemente, os bancos eram o "patrão" real das empresas: controlavam os seus capitais, regulamentavam e dirigiam as suas actividades, gerando, inclusive, concentrações monopolistas. Com propriedade, se fala na era do capitalismo financeiro. Aproveitando a autorização do Estado para se constituírem como sociedades por acções (joint stock banks), os bancos particulares proliferam no século XIX. Coube-lhes: a concessão de crédito a curto e longo prazo; a aceitação de depósitos; o desconto de letras e efeitos comerciais; a prática de transferências por conta dos seus clientes; a emissão de notas. Entre os bancos particulares, destacaram-se os bancos provinciais, tão importantes na dinamização agrícola e industrial da Inglaterra na primeira metade do século XIX, assim como os merchant bankers e a haute banque (esta na França),
  • 20. especializados na subscrição de empréstimos públicos e nas explorações ferroviárias. Todos estes bancos viriam a ser ultrapassados, no último quartel do século XIX, pelos bancos de depósito e desconto (bancos comerciais) e pelos bancos de negócio ou de investimento. Vocacionados para os depósitos (praticaram a abertura de contas-correntes à vista), para os descontos e empréstimos a curto prazo sobre garantias sólidas, os bancos comerciais serviram de intermediários entre os depositantes e os contraentes de empréstimos. O seu lucro consistia na diferença entre o juro que recebiam pelo desconto de efeitos e a importância paga aos depositantes. Neste tipo de bancos, salientam-se, na Inglaterra: o London and Westminster Bank, fundado em 1834, e, na França, o Crédit Lyonnais, estabelecido em 1836, que, além das operações bancárias usuais, interveio em negócios financeiros reservados à haute banque. Quanto aos bancos de negócio ou de investimento, especializados no crédito a longo prazo, podemos dizer que tiveram um bom exemplo de funcionamento noCrédit Mobilier, fundado em 1857 pelos irmãos Péreire. Orientado para o fomento da industrialização da França, o Crédit Mobilier praticava empréstimos a longo prazo, mediante a emissão de títulos (acções e obrigações) que constituíam o capital de fundação das empresas por ele financiadas e que lhe ficavam vinculadas como filiais. Ao lado dos bancos particulares, assumem papel de relevo os bancos centrais, destacando-se a Inglaterra com a sua precocidade habitual. Na verdade e na sequência de repetidas falências dos bancos provinciais, os economistas e homens de governo britânicos decidiram-se a regulamentar a política de créditos do país, reservando ao Banco de Inglaterra, em 1847, o privilégio exclusivo das emissões de papel-moeda. Foram, então, criados dois departamentos: um bancário (Banking department), encarregado de efectuar as operações correntes (descontos, adiantamentos, depósitos, etc.) e outro de emissão (Issue department) que vigiava a circulação de notas.
  • 21. Também na França, o Banco de França obteve em 1848 o privilégio exclusivo de emissão, convertendo-se em banco central. No século XIX a nota de banco (moeda fiduciária) divulga-se como instrumento monetário, especialmente após os bancos centrais chamarem a si o exclusivo da circulação fiduciária. É também a partir do século XIX que o valor facial do papel-moeda deixa de corresponder ao valor em metal depositado nas instituições bancárias, ultrapassando-o largamente. Embora, em finais do século XVIII, a Inglaterra declarasse pela primeira vez a não convertibilidade das notas do Bank of England, a experiência foi pouco animadora, tendo esse país retomado, como todos os outros, a anterior convertibilidade das notas em metal precioso. Limitada, de início, ao grande comércio, a nota bancária desloca-se, como meio de pagamento, para outras camadas económicas e sociais, baseando-se a sua circulação exclusivamente na confiança (fides) dos agentes económicas nos poderes públicos e na garantia, por parte das autoridades monetárias, da existência de reservas que representem parcialmente as emissões. As pessoas sabem e confiam que outros aceitarão o papel como meio de pagamento, uma vez que tem curso legal. Por exemplo, na França, a "democratização" da nota de banco foi determinada pela lei de 3 de Agosto de 1875 que declarou o curso legal das notas. Foi precisamente a imposição por parte dos Estados da força liberatória e do curso forçado das notas que dispensou as instituições emissoras de procederem ao reembolso em metal do papel-moeda. Entre as principais moedas fiduciárias em circulação, contavam-se a libra esterlina, o dólar, o franco, o marco, a lira, o florim, o iene e o rublo. Eram também as reservas de ouro de cada país que garantiam a convertibilidade da sua moeda face às moedas estrangeiras, assim como as trocas de mercadorias e de capitais com o exterior. Uma vez que o grande mercado central do comércio do ouro se situava em Londres, a libra esterlina funcionava praticamente como moeda internacional, papel que,
  • 22. após a primeira guerra mundial, passou a ser desempenhado pelo dólar americano. Automatização e estandardização: o consumo de massa Preocupados com a adaptação do operário à máquina e ao trabalho da fábrica, assim como com a gestão das empresas, alguns economistas do século XIX, como Babbage, Saint-Simon e Say, desenvolveram o tema do aproveitamento racional do trabalho humano. Este assunto tornou-se verdadeiramente candente quando, sob o signo da maturidade industrial e da concorrência de finais do século XIX, o espectro da baixa dos lucros levantou o problema do custo do trabalho humano, do qual se procurou tirar a máxima rendibilidade. Neste contexto, impunha-se a formação de operários especializados que soubessem manejar com eficácia as máquinas, adaptando-se à complexidade das ferramentas e à variedade dos processos de produção. Tendo por berço a Alemanha e beneficiando dos estudos da psicologia aplicada, os métodos da racionalização do trabalho propagaram-se aos Estados Unidos, onde Frederick Taylor (1856-1915), engenheiro da Bethleem Steel, foi uma figura emblemática. Na sua obra principal, Princípios de Direcção Científica da Empresa, publicado em 1911, Taylor propunha-se substituir a rotina pelos métodos científicos e racionais de trabalho, aquilo a que chamou o scientific management e que ficou conhecido por taylorisino. Baseava-se este na execução, pelo operário, de pequenas tarefas estandardizadas, num tempo também estandardizado (o menor tempo possível), pelo que, mediante um automatismo rigoroso, o homem unia-se à máquina com que trabalhava e a produtividade crescia. Aquilo que se produzia em 100 horas, em 1889, levava 74 horas e 42 horas a obter, em 1919 e em 1929, respectivamente. As ideias de Taylor foram bem acolhidas pelas empresas industriais, sendo a casa Ford a que mais prontamente as aplicou. Com efeito, a pensar na produção em massa destinada a um consumo de massa, Henry Ford montou em 1911, na sua fábrica de Detroit, uma linha de produção para o «Modelo T»,
  • 23. um carro mais barato do que qualquer outro construído até então. Em 1915, já Ford produzia um milhão de carros por ano e, até 1929, o tempo requerido para a construção de um «chassis» de automóvel baixou de 12 horas para 1 hora e meia, enquanto o «Modelo T» viu o seu preço ser reduzido a um terço do valor inicial. Desta forma, um objecto anteriormente considerado de luxo, transformava-se num artigo de uso diário. A linha de produção de H. Ford deu origem a uma autêntica revolução social e técnica, que se perpetua nas linhas de montagem hoje utilizadas no fabrico em série de muitos bens de consumo. Uma das finalidades do taylorismo era o estabelecimento do salário em função do rendimento do operário, pelo que o nível de vida do trabalhador eficiente se elevaria. Procurava-se, assim, compensar o trabalho monótono dos operários, escravos das linhas de montagem, favorecendo-se, simultaneamente, o seu poder de compra e, com ele, a procura que estimularia a prosperidade económica. Todavia, a American Federation of Labour pronunciou-se contra os métodos do taylorismo, no que foi acompanhada pelos sindicatos operários da Europa, que os consideravam um instrumento do capitalismo. As crises do capitalismo ao longo do século XIX O desenvolvimento do capitalismo industrial foi, no entanto, acompanhado por uma grande instabilidade: crises violentas alteraram o ritmo do processo económico, pelo que, a períodos de prosperidade, se sucederam outros de depressão. Desde o século XIX que historiadores e economistas se dedicam ao estudo destas oscilações no sentido de lhes encontrar uma explicação. A partir de índices como os preços, as produções, os salários, descobriram na actividade económica uma série de movimentos cíclicos de ritmo e características distintas. São os ciclos económicos e neles se inscrevem as crises. Estas crises da era industrial são crises do capitalismo, distinguindo-se das crises de Antigo Regime, que eram crises de subprodução ocasionadas por: más colheitas, especialmente gravosas numa época em que 80% da população se entregava à
  • 24. agricultura e o pão constituía o alimento e a despesa essenciais; guerras, que dificultavam a produção das subsistências e os abastecimentos; aumento da população, sem que a produção, onde o progresso técnico estava ausente, lhe correspondesse. Qualquer uma destas situações acarretava a alta dos preços dos cereais e, na maior parte dos lares, a miséria sobrevinha. Entretanto, sendo o orçamento familiar gasto, na quase totalidade, com a alimentação, o artesanato ressentia-se da menor procura e a mão-de-obra ficava frequentemente desempregada. As crises capitalistas relacionam-se, de um modo geral, com a superprodução industrial e com a especulação financeira, o que não invalida que se verificassem ainda sobrevivências das crises agrícolas de Antigo Regime. Segundo Lesourd e Gérard, as crises de superprodução têm, na sua origem, erros de cálculo e de previsão, quer no que se refere aos orçamentos, que não chegam para terminar os empreendimentos, levando às falências e ao desemprego, quer no que respeita aos lucros, obrigando as empresas que não vendem a recorrerem ao crédito e a endividarem-se. Então: face à acumulação de stocks que os industriais não escoam (superprodução), as empresas suspendem a produção e lançam os operários para o desemprego; os preços baixam com violência - a fim de dar maior saída aos stocks, os industriais baixam os preços, preferindo vender com fracos lucros ou até sem lucro a nada vender; destroem-se stocks para evitar que os preços baixem demasiado; a persistência do desemprego impede o consumo, pelo que a procura se extingue. A crise de 1825 foi uma crise de superprodução industrial, que afectou a Inglaterra, os Estados Unidos e os novos países da América do Sul, em cujo relançamento económico os Britânicos se tinham empenhado. Aí exploravam minas, canais, caminhos-de- ferro, bancos e, claro, escoavam a produção da sua próspera indústria têxtil. Todavia, dificuldades económicas e políticas dos novos países, devidas quer ao processo da descolonização, quer aos próprios governos que não utilizaram adequadamente os investimentos, estiveram na origem da baixa dos lucros. As novas economias afundam-se, o desemprego instala-se e a
  • 25. Inglaterra, que perdeu 10 000 milhões de libras investidos, deixa de vender a sua produção industrial a uma população em dificuldades. A superprodução e a baixa de lucros provocam uma forte baixa na bolsa. Esta crise alastrou-se aos Estados Unidos, onde o preço do algodão, com menor procura por parte da Inglaterra, baixou brutalmente. Por sua vez, a crise dos anos de 1846-47 foi, na sua origem, uma crise agrícola que, ao coincidir com uma revolução político-social, se tornou numa das mais graves crises da primeira época capitalista. Epidemias, flagelos climáticos e más colheitas sucederam-se por toda a Europa, provocando uma alta no preço dos cereais. Na Inglaterra, a crise agrícola, que fez restringir o consumo, foi simultânea à baixa da rendibilidade das acções ferroviárias, originando uma crise de bolsa e bancária. As falências na Inglaterra puseram o Banco de França em grande aperto e o desemprego, entretanto instalado neste país, facilitou a Revolução de 1848. A crise de 1866 foi puramente financeira. Surgiu na Inglaterra, na sequência da guerra civil americana, que fez diminuir as importações inglesas de algodão. A indústria britânica teve, então, de se abastecer na Índia, no Egipto e no Brasil, mas, visto a balança comercial britânica com estes países ser deficitária, o excesso era pago em prata. A baixa de reservas metálicas provocou dificuldades no Banco de Inglaterra e conduziu à falência entidades bancárias até então sólidas. A redução do crédito bancário contribuiu, por sua vez, para a diminuição da actividade industrial e comercial. De variada natureza e amplitude, as crises da era industrial são o testemunho de uma vasta rede de solidariedades: ao nível das actividades económicas, quando, por exemplo, as dificuldades nos caminhos-de-ferro atingem as fábricas de aço, ou quando os excessos de investimento prejudicam os bancos e a futura dinamização económica, ou ainda quando o desemprego faz diminuir o consumo e, posteriormente, a produção; ao nível da economia, da sociedade e da política, quando as dificuldades económicas suscitam a quebra demográfica, a criminalidade, as
  • 26. greves e as revoluções; ao nível das nações, quando a crise se propaga a vários países, em virtude das ligações financeiras, comerciais e industriais anteriormente estabelecidas. Consideradas, pelos marxistas, como um sintoma de desagregação da economia capitalista, as crises cíclicas resultam, antes de mais, do facto de o século XIX ser um século de crescimento económico segundo os novos parâmetros do capitalismo concorrencial, baseado no lucro, na especulação, na ausência de equilíbrio entre a oferta e a procura de bens. Acreditava-se na livre iniciativa e na livre concorrência, capazes de prodigalizarem a riqueza social, pelo que se achava desnecessária a regulação das actividades económicas por parte do Estado. A violência das crises cíclicas e as calamidades sociais que as acompanharam mostraram, porém, os excessos do liberalismo económico. As adaptações e os reajustes tiveram forçosamente de se verificar e os mecanismos de resposta às crises passaram pela adopção de medidas proteccionistas e por uma maior intervenção dos Estados na vida económica, submetida doravante a critérios de planificação. Especialmente após a grande crise de 1929, o capitalismo liberal foi posto em causa, quando uma crise financeira, provocada por inflação do crédito e pela especulação bolsista, veio agravar a situação de empresas industriais, agrícolas e comerciais que se debatiam com a superprodução e a acumulação de stocks. As falências e o desemprego tiveram, então, uma dimensão catastrófica e, dada a gravidade da crise, que foi mundial, a intervenção do Estado tornou-se imperiosa. O economista inglês John Keynes desempenhou, na altura, um papel de relevo quando afirmou que só a resolução do desemprego crónico permitiria relançar a procura e a produção de bens de consumo. Para tal, impunha-se uma política estatal de investimentos, de luta contra o entesouramento e de ajuda às empresas dinâmicas. Neste contexto de busca de soluções para a crise, ao Estado competiria, ainda, em articulação com a iniciativa privada, a fixação de taxas de produção e de salários, assim como a duração do trabalho. O Estado tornava-se árbitro e organizador da economia.
  • 27. Explosão demográfica, urbanização e migrações O século XIX registou, por todo o Mundo, um extraordinário aumento demográfico, pelo qual a população da Terra, com excepção feita à africana mais do que duplicou no lapso de tempo que decorreu entre os anos de 1800 e 1913-14. Com uma densidade média de seis habitantes por quilómetro quadrado por volta de 1840, o nosso planeta registava, em 1914, um recorde de doze pessoas por quilómetro quadrado. Em menos de um século a população mundial dobrara os seus efectivos. Foi para designar este fenómeno, único na História até aí vivida, que demógrafos e historiadores utilizaram a expressão "explosão demográfica", significando o intenso e rápido crescimento populacional do nosso planeta no século XIX. Embora generalizado, este crescimento não se efectuou nas mesmas condições, nem ao mesmo ritmo, em todo o globo. Uma análise atenta de algumas tabelas permite-nos salientar a supremacia demográfica da Europa que detém, também, as maiores densidades populacionais. Com efeito, a despeito do peso quantitativo da população asiática, o ritmo de crescimento das populações europeias foi o mais elevado de todos e iniciou-se mais cedo. No começo do Século XX os europeus representavam cerca de um quarto dos habitantes da Terra, enquanto que em 1800 apenas atingiam a quinta parte. É certo que outras regiões, nomeadamente as do continente americano, conheceram taxas de crescimento iguais ou superiores às da Europa. Por volta de 1850, a população norte-americana crescia a uma média de 43,3 habitantes por cada mil. Contudo, esta taxa não referendava o crescimento natural das suas populações pois era falseada pelos enormes quantitativos imigratórios que a América recebia, os quais provinham, maioritariamente, da Europa. Na realidade, verificou-se, por todo este período, uma intensa diáspora europeia que abrangeu todo o planeta (das estepes siberianas à Ásia das monções, das áreas isoladas da Oceânia às ricas e inóspitas regiões do continente americano, do Magrebe marroquino ao Cabo e ao Natal) e cujo efeito colonizador foi determinante na evolução económica, social e cultural dessas regiões. Isto significa que
  • 28. qualquer estudo sobre a evolução da população europeia desta época tem de ter em conta os europeus dentro e fora da Europa. Visto à luz destes dados, o crescimento demográfico europeu foi ainda mais prodigioso: a população europeia foi não só a que mais cresceu e mais depressa, como também a única do globo que cresceu por si própria, influenciando, pela sua emigração, o aumento populacional dos outros continentes. Assim se explica que muitos autores apelidem a «explosão demográfica» do século XIX de uma verdadeira «explosão branca». O novo comportamento demográfico dos europeus Colocada no topo da evolução demográfica mundial, a Europa evidenciou, ao longo do século XIX, comportamentos demográficos diferenciados e ritmos de crescimento muito irregulares entre as suas regiões. Aproximadamente até 1840, a maior parte deste continente continuava a apresentar características demográficas semelhantes às do século XVIII: natalidade e mortalidade elevadas (cerca de 40%o e 30%o, respectivamente); esperança de vida curta (entre os 30 e os 40 anos); populações jovens; e comportamentos demográficos em estreita dependência das crises de subsistência e dos cataclismos naturais (a grave epidemia de cólera dos anos de 1829-37 ainda causou sequelas idênticas às das fatídicas crises do Antigo Regime). Só após aquela data é possível detectar alterações significativas ao modelo demográfico descrito. Estas registaram-se primeiro nos países de maior desenvolvimento económico e cultural, como a Inglaterra, a Holanda e a Bélgica, seguidas de perto pela França do Norte e pela Alemanha renana, o que nos permite estabelecer relações de causa-efeito entre estes dois fenómenos do século XIX: a explosão demográfica e a crescente industrialização. Numa primeira fase, registou-se um alto índice de crescimento populacional, causado pelo recuo da mortalidade, enquanto a fecundidade e a natalidade permaneciam elevadas. Este recuo era já significativo em 1840 para as regiões mais favorecidas, mas só se generalizou ao conjunto do continente
  • 29. europeu depois de 1890. Em 1900, a taxa de mortalidade da população europeia era de 18%o, o que significava um decréscimo de cerca de 30% em relação à taxa de 1800. A diminuição da mortalidade é explicado, fundamentalmente, pela melhoria geral das condições de vida, resultante dos seguintes factores: desenvolvimento económico produzido pela Revolução Industrial e suas implicações na produção agrícola, na revolução dos transportes e no alargamento dos mercados nacionais e internacionais. Esse desenvolvimento trouxe consigo a abastança financeira e de bens de consumo, o que permitiu pôr fim às crises de subsistência do Antigo Regime. Com efeito, as fomes de tipo tradicional desapareceram da Europa após 1860; melhoria das dietas alimentares, o que fortaleceu o organismo humano permitindo-lhe reagir com maior sucesso às doenças e às epidemias, ainda frequentes; desenvolvimento científico e técnico então vivido, que permitiu o avanço da medicina, com notáveis progressos na química biológica, na microbiologia, na bacteriologia, na farmacologia, na assepsia, na anestesia e na parasitologia. A utilização das análises laboratoriais facilitou o diagnóstico clínico; a prática da anestesia e o melhor apetrechamento dos hospitais desenvolveu a medicina operatória; o aparecimento das vacinas (contra a varíola, o carbúnculo, a raiva, o tétano, o tifo e a difteria) permitiu um combate mais eficaz às doenças endémicas altamente mortais; a prática da assepsia salvou inúmeras vidas, principalmente em obstetrícia e em pediatria reduzindo substancialmente as taxas de mortalidade infantil e juvenil; melhor apetrechamento social dos Estados que, gradualmente, foram assumindo responsabilidades para com a saúde pública e a assistência social, construindo mais escolas, asilos e hospitais; promulgando leis de protecção sanitária para as fábricas; lançando o saneamento público; melhores condições de trabalho, de habitação, de vestuário; progressos na higiene individual e colectiva. Numa segunda etapa, o facto mais significativo do novo comportamento demográfico do século XIX, na Europa e nalgumas das regiões abrangidos pela sua diáspora, foi a redução
  • 30. da taxa de natalidade cujos índices baixaram de cerca de 40%o, em 1800, para perto de 20%o na primeira década do século XX. A redução da natalidade foi, contudo, uma tendência de implantação progressiva: atingiu primeiro os países mais industrializados (Inglaterra, Alemanha, Suécia, Dinamarca e, muito especialmente, a França e os meios burgueses e urbanos; na última década do século XIX, tornou-se visível também, nos países menos desenvolvidos como os do Sul mediterrânico e do Império russo; no final do século penetrou nos meios operários; e só no século XX se começou a registar entre os camponeses. Como condicionantes desta baixa da natalidade, podemos referir: o decréscimo da mortalidade infantil e juvenil e, consequentemente, o aumento da esperança de vida para os recém-nascidos; a atenuação dos estímulos natalistas por parte dos Estados; o afrouxamento dos laços familiares alargados e o isolamento da família nuclear (sem o suporte e a segurança da estrutura familiar, a nupcialidade diminuiu ou tornou-se mais tardia e os jovens casais não se arriscavam, tão facilmente, a uma fecundidade elevada); a industrialização crescente, ao substituir o artesanato caseiro pela fábrica e ao instituir o emprego maciço das mulheres, afastou as mães dos lares, impedindo-as de tomar conta dos filhos pequenos e aumentando as despesas da criação com o pagamento às amas (nos meios burgueses, o celibato feminino cresceu entre as mulheres profissionais liberais ; a aceitação da "procriação responsável" aumentou as obrigações dos pais quanto ao futuro dos filhos, através da sua educação e formação pessoal e profissional. Nesta perspectiva, tornou-se preferível ter menos filhos de modo a poder assegurar a todos uma conveniente formação. Na verdade, os problemas sociais criados pelo superpovoamento nos meios industrializados obrigaram muitos governos à adopção das primeiras medidas malthusianas. Por exemplo, em França, entre 1830 e 1860, os governos liberais incentivaram a redução da fecundidade dos casais: Jean- Baptiste Say escreveu que "é preciso encorajar os homens a fazer economias em vez de filhos"; Paul Robin criou a Liga da Regeneração Humana (l830) que aconselhava um planeamento
  • 31. familiar responsável; e Dunoyer preconizou, em 1833, a supressão da assistência social aos casais necessitados com mais do que um filho. Em Inglaterra, divulgaram-se, a partir de 1820, os folhetos diabólicos que deram origem, em 1870, à Liga Malthusiana, a qual exerceu importante papel no combate à "proliferação dos miseráveis" nos meios operários. Na mesma época, o economista J. Stuart Mill culpava as famílias pobres numerosas do seu próprio infortúnio. A redução do fervor religioso de algumas populações, fruto do avanço do pensamento laico (a política demográfica da Igreja continuou populista, daí que os países de maior pendor religioso permanecessem com altas taxas de natalidade, até ao século XX). Estes factores actuaram como um poderoso estímulo à redução da fecundidade legítima dos casais, pela limitação voluntária das concepções. Este comportamento, pela sua novidade, só é totalmente compreensível face à pressão das conjunturas económicas e às grandes transformações socioculturais entretanto ocorridas. Em conclusão poderemos dizer que o recuo da mortalidade e a diminuição da natalidade foram os factores determinantes do novo regime demográfico evidenciado pelos europeus, ao iniciar-se o século XX. As suas principais características eram: registar as mais baixas taxas de natalidade e mortalidade do Mundo, com relevo para o decréscimo da mortalidade infantil e juvenil; apresentar a esperança de vida mais alargada do planeta (cerca 50 anos para a média dos países europeus) e, simultaneamente, um alto índice de crescimento; ser notória a tendência para o envelhecimento global das suas populações, causado pela maior proporção de adultos no conjunto demográfico; ter aumentado, significativamente, a sua população activa; e incentivar o fortalecimento fisiológico, como se comprova pelo crescente aumento da estatura média dos europeus. Conjugado com outros factores de ordem estrutural (maior mobilidade profissional e geográfica, maiores oportunidades de sucesso individual e transformações na mentalidade, entre
  • 32. outros), o crescimento demográfico do século XIX exerceu um importante papel no progresso da vida no mundo ocidental. A abundância dos homens e o sobrepovoamento nalgumas regiões incentivaram, a vários níveis, o comportamento humano: estimularam o desenvolvimento técnico e científico, accionaram o crescimento económico, despoletaram grandes movimentos migratórios à escala mundial e favoreceram a aglomeração urbana. Progressos resultantes da expansão urbana O século XIX foi, também, o século do crescimento urbano. Após 1850, as cidades cresceram a um ritmo muito superior ao das outras regiões, provocando o aparecimento de gigantescas aglomerações populacionais. Por meados do século XIX, Londres havia duplicado a sua população, em apenas trinta anos, e Paris concentrava três milhões de habitantes, em 1880. No final do século, Berlim registava um crescimento de 872% em relação ao total da sua população em 1800; Viena de 490% e Sampetersburgo de 300%. Fora da Europa, outras cidades se evidenciavam pela dimensão dos seus agregados populacionais: Hong-Kong, Singapura, Xangai, Tóquio, Nova Iorque e Buenos Aires tornaram-se, neste período, grandes metrópoles, fervilhantes de gente. Fenómeno mundial na época contemporânea, o desenvolvimento das cidades abrangeu, no século XIX, apenas as zonas do globo mais cedo tocadas pelo desenvolvimento industrial e pelo capitalismo: as capitais políticas e/ou os grandes portos comerciais de imigração do continente americano (como Nova Iorque e Buenos Aires); as regiões mais industrializadas do Japão; mas sobretudo a Europa onde a urbanização teve o seu arranque e onde foi maior o seu impacto sobre a economia e o modo de vida dos habitantes. Ainda maioritariamente rural no início do século (em 1815, apenas 2% da população europeia vivia em "cidades"), a Europa conheceu, após 1850, um tão grande incremento urbano que, em 1910, possuía cerca de 211 aglomerados com mais de 100 000
  • 33. habitantes, os quais, no conjunto, representavam 15% da sua população total. Este crescimento privilegiou, primeiro, a Inglaterra, a Alemanha e os Países Baixos, e foi mais moderado e tardio nos países onde a industrialização penetrou mais dificilmente (caso da França, da Rússia e dos estados meridionais). Na Europa Ocidental, contudo, a urbanização foi de tal ordem que, nos finais do século, conseguiu inverter uma situação milenar: a taxa de crescimento demográfico foi, pela primeira vez, mais elevada nos centros urbanos que nas zonas rurais: a natalidade nos bairros operários chegou a ultrapassar a das comunidades camponesas; a densidade populacional urbana atingiu valores elevadíssimos (100 000 habitantes por km2, em certos bairros de Paris); e a população urbana alcançava, em números redondos, o total da população rural. O rápido crescimento urbano do século XIX é atribuído aos seguintes factores: maior crescimento natural das suas populações; alterações económicas e sociais provocados pela industrialização nas suas áreas geográficas; (com efeito, as cidades foram os locais preferidos pelas empresas para a instalação das indústrias e para sede dos seus negócios. Este facto deveu-se, principalmente, às seguintes razões: situação privilegiada da maior parte das cidades, localizadas em zonas portuárias ou no cruzamento das redes de transporte rodoviário ou ferroviário; concentração, nelas, dos organismos da administração pública, dos bancos, dos mercados e das feiras mais importantes; existência, nas cidades, de uma mão-de-obra mais livre e móvel, facilmente catalisável para a indústria); imigração vinda das zonas rurais circunstantes; imigração estrangeira; e, por último, o fascínio que as modernidades e comodidades da vida citadina exerciam sobre as populações. No final do século XIX, as cidades europeias eram os símbolos do progresso cultural, recreativo, técnico e económico da vida moderna, correspondendo ao ideal de promoção social de muitas pessoas. Com o tempo, a concentração progressiva das indústrias, do comércio e dos serviços nos espaços urbanos multiplicou todas as suas funções, tornando-os importantes centros de vida. Como
  • 34. escreveu J. Pierre Rioux "pela via da industrialização, o fenómeno urbano, com a sua propensão para o poder e o domínio, está no centro do desenvolvimento do capitalismo". O rápido crescimento económico e populacional das cidades transformou os espaços urbanos e alterou a vida citadina de modo quase caótico, sem dar tempo a que as autoridades fizessem planeamentos prévios ou lançassem as necessárias infra-estruturas. Fechadas por cinturas de muralhas, a maior parte das cidades preexistentes ficou rapidamente superlotada e viu-se obrigada a invadir o espaço circundante. Os velhos bairros centrais - geralmente intramuros -, apinhados de gente, degradaram-se, afastando deles as classes mais favorecidas. O primeiro problema foi o da habitação, ou melhor, da sua falta. Desenvolveu-se, então, a construção em altura e as velhas mansões familiares transformaram-se em prédios de rendimento, subdivididas em vários apartamentos unifamiliares. Enquanto isso, o preço dos arrendamentos dos terrenos e da construção subiu em flecha, favorecendo a especulação e a agiotagem. Afastadas dos centros urbanos pelo seu alto custo, as classes mais pobres e as recém-chegadas ocuparam os subúrbios ou arredores das cidades, onde os bairros novos se desenvolveram ao sabor das necessidades do momento e na proximidade das fábricas ou das centrais de transporte ferroviário ou rodoviário (as gares ou estações, normalmente colocadas fora dos centros, foram importantes núcleos de crescimento de novos bairros suburbanos). Erguidos à pressa, os novos bairros reflectiam todas as carências: uma deficiente construção em série, descaracterizada e monótona, sem conforto nem estética; ruas lamacentas e imundas, sem pavimento e sem passeios; ausência de esgotos, de saneamento e de iluminação pública. Aos problemas com a habitação vieram somar-se os problemas de circulação. Com efeito, o superpovoamento atravancou as ruas, tanto mais que o alargamento do espaço urbano impôs e desenvolveu os transportes públicos. A aglomeração populacional nas cidades levantou, também, problemas de abastecimento, já que aumentaram os consumos
  • 35. internos de vários produtos: de bens alimentares cuja distribuição se passou a fazer através dos grandes mercados centrais; de água, cujo alto consumo exigiu novos sistemas de captação, tratamento e distribuição; e de combustíveis como o carvão, o gás e o petróleo, usados na iluminação e no aquecimento. Mas a sobrelotação citadina trouxe, sobretudo, problemas de saneamento e de saúde pública (a densidade populacional e a falta de infraestruturas de higiene e saneamento faziam proliferar as epidemias) e problemas sociais e psicológicos causados pela degradação das suas condições de vida e pelo crescimento da miséria, da marginalidade, do alcoolismo e da prostituição na maioria dos seus bairros. Foi a agudização de todos estes problemas que fez nascer, pelos finais do século XIX, uma nova disciplina social - o urbanismo - cujo objectivo era a organização planeada da área habitável das cidades, de modo a resolver, de forma eficaz e agradável, os problemas gerados pela convivência entre os homens nos espaços urbanos. Foram preocupações desta ordem que nortearam as primeiras grandes reparações de renovação urbana que ocorreram nas principais capitais europeias, na segunda metade do século XIX e marcam os primeiros progressos do urbanismo no Ocidente. Essas reparações privilegiaram sobretudo os bairros centrais, concebidos pelos governos como a "sala de visitas" das cidades. Erradicaram-se daí as oficinas e as habitações degradadas; rasgaram-se novas e grandes praças; lançaram-se os fundamentos do saneamento urbano; as ruas foram pavimentadas, possuíam passeios e iluminação (a gás, primeiro, e só no final do século a electricidade); e ergueram-se grandes edifícios em pedra, de fachadas alinhadas e austeras, de feição neoclássica, usados para a administração pública ou transformados nas sedes sociais da burguesia: os bancos, as bolsas, os grandes armazéns, os escritórios. Por isso, o centro urbano tornou-se o espaço exclusivo do poder económico e político.
  • 36. A partir do centro (a cidade velha), e à sua volta, foram surgindo largas avenidas e novas vias circulares por onde se espraiaram os bairros burgueses com as suas elegantes mansões residenciais: os boulevards de Paris, longas avenidas bordejadas de árvores criadas pela reforma urbana do Barão Haussman; o Ringstrasse em Viena, moderna via de circulação que rodeava a cidade primitiva como um «anel», exterior às muralhas; ou o gracht de Amesterdão, uma rede de pequenos canais que circundavam a zona urbana central. A partir daí, os novos bairros suburbanos obedeciam a uma forte compartimentação social e até profissional. Instalados em zonas novas, não possuíam quaisquer infra-estruturas, delineando-se ao sabor do crescimento. Neles generalizou-se a habitação por andares, doravante morada típica das classes menos favorecidas: média e baixa burguesias, serviçais, operários. De entre estes, os bairros operários foram, sem dúvida, os mais carenciados. Erguidos nas zonas industriais, envoltos no fumo das fábricas, possuíam habitações pequenas, mal divididas e insalubres, e encontravam-se geralmente superlotados. Estas condições contribuíram grandemente para a degradação da qualidade de vida e dos costumes das classes urbanas, no século XIX. Assim, o próprio crescimento urbano acentuou os desníveis sociais existentes através duma «curiosa segregação geográfica» dos espaços dos ricos e dos pobres no seio das cidades. Migrações O século XIX produziu, em todo o mundo desenvolvido, impressionantes fluxos migratórios - os maiores da História. A Europa foi o continente que registou maior mobilidade populacional, quer dentro quer para fora das suas fronteiras. Favorecido por múltiplos factores (crescimento demográfico, transformações económicas, progressos nos transportes terrestres e marítimos este dinamismo migratório europeu teve consequências importantes a nível interno e mundial: provocou grandes alterações na geografia humana; favoreceu os encontros étnicos e culturais; exerceu fortes influências no
  • 37. desenvolvimento económico e sociocultural das regiões (estagnação em certas zonas de origem, crescimento acelerado nas áreas de destino, povoamento em áreas vazias, etc.). As pequenas migrações regionais movimentaram a crescente mão-de-obra flutuante dos campos, em épocas de crise económica ou de descanso sazonal de uma dada actividade rural, segundo hábitos tradicionais. Nesta época, transferiram, também, mão-de-obra do trabalho agrícola para o trabalho industrial (como aconteceu em certas aldeias francesas, das quais saíam, todos os anos, entre Março e Outubro, cerca de 30 000 a 50 000 operários para a construção civil nas grandes cidades). Realizadas, frequentemente, em colectivo, foram quase sempre temporárias, não provocando, por isso grandes alterações demográficas. O êxodo rural em direcção aos centros urbanos foi consequência das impiedosas mudanças introduzidas no mundo rural pela crescente industrialização, pelo impacto da vida urbana e pelas transformações mentais entretanto ocorridas. Iniciou-se muito cedo nos países do Noroeste europeu (Inglaterra, Holanda, Alemanha, Irlanda ... ), mas só se generalizou ao resto da Europa após 1870. Fruto da miséria rural, o êxodo do camponês em direcção à cidade reflectiu, igualmente, o desejo individual de promoção social, de "mudar de vida" ou "fazer carreira" suscitado pelas oportunidades que a vida urbana oferecia. Por isso, a migração para as grandes cidades foi, normalmente, uma migração definitiva e envolveu sobretudo as camadas jovens - daí as suas enormes implicações: diminuição da população rural, decadência da agricultura, envelhecimento da população camponesa, atraso e estagnação do mundo campesino... Os quantitativos destas migrações são difíceis de calcular para todos os países. Os campos irlandeses lançaram no mundo urbano perto de cinco milhões de indivíduos entre 1840 e 1914; as populações rurais da Inglaterra registaram uma notável redução nos seus efectivos que representavam, em 1914, apenas um décimo da população activa total; na Alemanha, 30 milhões de indivíduos abandonaram os campos entre 1855 e 1914; na França, a partir de 1900, a emigração para as cidades atingiu as
  • 38. proporções de uma verdadeira "sangria humana" - aldeias houve que se despovoaram totalmente. A emigração foi também um fenómeno relevante dos séculos XIX e XX, nomeadamente entre os vários países europeus. Neste período, a Europa conheceu importantes transferências migratórias entre as suas nações, motivadas pelos desníveis económicos e pelas crises de desenvolvimento, ou por guerras e instabilidades políticas. Uma das mais fortes ocorreu de leste para oeste, envolvendo polacos e checos a caminho do Ocidente industrializado (Alemanha e França, sobretudo). No final do século XIX, vagas de eslovenos, sérvios e gregos entraram no Império Austro- Húngaro, fugidos à guerra. A Catalunha e o país Basco espanhol exportaram gente para o Sueste francês. Mas, a corrente mais importante foi a dos italianos, a partir de 1861: em 1914, perto de sete milhões haviam trocado a sua pátria pela Suíça, pela Alemanha e pela França. De grande importância foi, também a corrente migratória para fora da Europa. Em 1845, a emigração europeia era ainda modesta. Contudo, daí até vésperas da Primeira Guerra Mundial, as saídas efectuaram-se a um ritmo crescente, ultrapassando, em alguns períodos, 1% da população total, o que afectou o ritmo geral de crescimento. Genericamente, os emigrantes fugiam às crises económicas conjunturais que assolaram as zonas industrializadas da Europa, por meados do século. Ocasionalmente, factores políticos e religiosos influíram também. No final do século XIX, grande parte da emigração saída do Império Russo era constituída por judeus que fugiam aos progroms generalizados pelo Estatuto Nacional de 1882. Os períodos de maior intensidade emigratória coincidiram com: a grande crise económica e política de 1845-53, para os países do Noroeste; as graves crises agrícolas do último quartel do século, para a Europa Central e Oriental; e a agitação social da primeira década do século XX, para os países mediterrânicos. As primeiras vagas migratórias, registadas entre 1840 e 1880, foram as dos países anglo-saxónicos (Inglaterra, Irlanda, Alemanha e Suécia) em direcção à América (Estados Unidos,
  • 39. Canadá e Argentina) e às regiões coloniais da Austrália, da Nova Zelândia, da África Austral e da Índia. Após 1880, a emigração anglo-saxónica foi suplantada pela dos franceses em direcção ao Canadá e à Argélia, pela dos países orientais (Rússia, Polónia e Império Austro-Húngaro), e pela dos povos mediterrânicos (Portugal, Espanha, Itália e Grécia), canalizada maioritariamente para o Brasil e Argentina, no que diz respeito às nações ibéricas. Por finais do século, a emigração europeia reflectiu, ainda, estímulos novos: o apelo lançado pelos governos europeus para o povoamento e desenvolvimento económico das suas áreas coloniais; a propaganda levada a efeito pelos novos países além- Atlântico, necessitados de braços para a colonização das suas extensas áreas incultas (o exemplo mais típico é o dos Estados Unidos, na época de avanço para oeste); e o fascínio exercido pelos progressos económicos dos novos países americanos que apresentavam um alto nível de vida e ofereciam oportunidades fáceis e rápidas de ascensão económica e social. Em 1860, a renda per capita nos EUA era de 430 dólares, enquanto, na mesma época, as da Inglaterra, Alemanha e Itália não iam além dos 260, 160 e 115 dólares, respectivamente. Situação da burguesia e do proletariado na sociedade de classes do século XIX A Classe burguesa As transformações político-económicas ocorridas na Europa ao longo do século XIX alteraram profundamente as estruturas sociais das nações, sobretudo no mundo ocidental. O liberalismo político, triunfante na maior parte dos países aquém e além-Atlântico até finais do século, aboliu de vez os antigos estatutos das ordens; acabou com os velhos privilégios de nascimento e reconheceu constitucionalmente a igualdade jurídica de todos perante a lei (pondo fim ao predomínio social e político da aristocracia), ao mesmo tempo que institucionalizou, pelo direito ao voto, a soberania popular, a liberdade dos
  • 40. partidos e a isenção política dos governos através do funcionamento tripartido dos órgãos de soberania. A institucionalização destes preceitos marcou o fim jurídico da sociedade de ordens que caracterizara o Antigo Regime (séculos XV-XVIII), dando origem a uma sociedade mais flexível e dinâmica onde, pelo menos teoricamente, todos os cargos e todas as funções estavam abertos a todos os cidadãos que os merecessem. Ficaram, assim, criadas as condições para a extrema mobilidade social (ascendente e descendente) que caracterizou as sociedades burguesas e capitalistas do mundo contemporâneo, ditas "de classes". O respeito pelas liberdades individuais, apanágio do liberalismo, aliado ao individualismo ideológico predominante nas letras, na política e na economia da época, ajudaram a implementar este facto com a convicção de que, tendo os homens nascido iguais em direitos e deveres, as diferenças existentes entre eles resultavam apenas das diferenças individuais naturais. Por outras palavras, essas diferenças provinham dos méritos próprios de cada um: das suas capacidades inatas, como a inteligência, a sagacidade, a coragem e o talento; das suas virtudes morais como a honra, a probidade, o trabalho e a disciplina. Em suma, da competência pessoal dependia a fortuna e a importância de cada um e, consequentemente, a sua posição pessoal. Estas teorias sociais, que tão bem caracterizaram o liberalismo oitocentista, pareciam amplamente comprovadas pelos "acasos" da época. De facto, foram numerosos os exemplos de indivíduos de origem humilde que, graças aos seus méritos pessoais e aos bafejos da sorte, conseguiram subir os degraus da hierarquia social para se elevarem aos mais altos cargos económicos e políticos, transformando-se em verdadeiros mitos para as sociedades que os geraram. Contudo, numa época em que a industrialização crescente, bem como o desenvolvimento intelectual e tecnológico desestabilizavam o mercado de trabalho e o tornavam cada vez mais exigente quanto à preparação profissional dos
  • 41. trabalhadores, a igualdade face às oportunidades de vida e à ascensão social estava longe de ser uma realidade. Na verdade, os casos de ascensão social fulgurante privilegiavam mais frequentemente aqueles que, a despeito das suas capacidades inatas, possuíam, à partida, melhores condições sócio-económicas: fortuna patrimonial ou própria, protecção familiar ou outros apoios, formação escolar e intelectual. E esses provinham, indubitavelmente, dos meios mais prósperos e dinâmicos da época - a burguesia dos negócios, das letras, da política. Assim, era da burguesia que nascia a nova burguesia. Alimentando-se constantemente de si própria, ela bloqueava aos outros estratos sociais a possibilidade de a ela ascenderem. Este facto real constituiu o maior obstáculo à igualdade de facto e transformou-se num real entrave à mobilidade social e à ascensão das classes economicamente desfavorecidas. Sendo assim, a riqueza fornecida pelo desenvolvimento económico e pela industrialização distribuiu-se muito desigualmente entre os cidadãos, originando profundas clivagens sociais em que o principal critério de diferenciação era o económico. Nas sociedades do século XIX, os ricos continuaram uma elite, cada vez mais restrita em número, mas mais rica em bens; todavia, o grosso da população pouco ou nada possuía. Em 1910, enquanto o milionário americano Rockefeller era senhor de uma fortuna avaliada em 100 milhões de dólares anuais, mais de cinquenta por cento da população morria sem um único bem para legar em testamento. Deste modo, as sociedades oitocentistas viveram entre dois extremos: os que, tendo acesso à propriedade dos bens, usufruíam de maior poder económico e mais prestígio social - burguesia, e aqueles que, nada tendo, sobreviviam exclusivamente do trabalho - os proletários. No século XIX, o sucesso do liberalismo político e económico traduziu-se no sucesso da burguesia que, com ele, viu legislados e institucionalizados os seus ideais: políticos - os da democracia parlamentar e representativa, também chamada de democracia burguesa; sociais - os de uma sociedade sem ordens e sem privilégios de nascimento ou função, liderada pelos
  • 42. princípios da igualdade e da liberdade individual; comportamentais - a consciência do mérito próprio e da competência pessoal; a crença no trabalho e na poupança, o respeito pela propriedade, o desejo de progresso e bem-estar material. Assim, o modo de vida burguês - o do individualismo liberal - sobrepôs-se ao da aristocracia, generalizando-se e consubstanciando-se na imagem divulgada doself-made-man, isto é, do homem que se faz a si próprio apoiado no esforço individual. A exaltação do trabalho e da poupança como único meio de alcançar o êxito individual e o progresso geral, transformou-se num dos pilares básicos do século XIX. Contrariando a antiga nobreza - defensora do ócio, improdutiva e esbanjadora -, a burguesia reconheceu a dignidade do trabalho e do esforço individual como processo de libertação do homem em relação às suas limitações naturais e condições de origem. As competências e os méritos próprios marcavam o êxito ou o fracasso do trabalho pessoal. «Cada um tem a sorte que merece», escrevia-se amiúde, nesta época. A liberdade em que se desenrolou o individualismo oitocentista se, por um lado, veio "soltar" o indivíduo do grupo a que, por nascimento ou função, pertencia, por outro, responsabilizou-o, unicamente a ele, pelo sucesso ou pelo fracasso do seu esforço individual. Sendo assim, é lógico que a riqueza e o poder fossem considerados como o prémio pelos méritos e capacidades de alguns; enquanto a pobreza e a miséria sociais eram frequentemente interpretadas como o resultado deplorável do desmazelo, da indolência, dos vícios e da incapacidade de muitos. A burguesia do século XIX utilizou diversos caminhos para a obtenção do êxito individual: A carreira das armas, meio tradicional e aristocrático para alcançar fortuna; os estudos, universitários ou não, agora valorizados como o único meio de adquirir as competências necessárias ao desempenho de certas funções como: as profissões liberais, algumas das quais resultantes do desenvolvimento científico e tecnológico da época e altamente prestigiadas pelo seu contributo para o progresso
  • 43. económico e para o bem-estar social. Estavam neste caso os médicos, os advogados, os juízes e os engenheiros, os mais prósperos profissionais de entre as classes médias; o funcionalismo público e privado, em crescimento ao longo do século, devido à contínua burocratização da organização estatal e das empresas económicas (a admissão nos vários quadros do funcionalismo exigia, como hoje, um concurso documental ou um exame que demonstrasse as competências dos candidatos para a execução dos cargos, por isso, conferiam posição e prestígio a quem os desempenhasse, e eram muito procurados pela fixidez dos salários, pela segurança do emprego e pela relativa facilidade física das tarefas); o professorado, também em crescimento (sobretudo o primário) devido à importância que a instrução e o ensino adquiriram na estrutura do Estado e da sociedade; e até o sacerdócio, cujo prestígio continuava significativo. Todavia, as portas das instituições de ensino não estavam ao alcance de todos: os cursos eram longos e trabalhosos, exigiam excepcionais dotes intelectuais pelo seu carácter selectivo e ficavam extraordinariamente dispendiosos. Os negócios mostravam-se mais atractivos: o desenvolvimento demográfico, técnico e económico abrira-lhes inúmeras oportunidades; requeriam uma preparação menos especializada e menos longa; e ofereciam, a priori, garantias de um rendimento maior e mais rápido. Apesar disso, pediam também aptidões pessoais e condições técnicas e financeiras nem sempre à mão de qualquer um; e comportavam uma grande dose de risco e de sorte, impossíveis de prever. Assim, tão depressa elevavam simples operários à categoria de prósperos industriais, como, com a mesma facilidade. arruinavam sólidas empresas. O desenvolvimento sociocultural da época trouxe consigo outros meios de triunfo: as artes (música, canto, pintura ... ), o estrelato teatral, o jornalismo e a política. Nesta época de individualismo, a variedade dos caminhos de vida e o nível de sucesso neles atingido ditavam a diversidade das situações sociais dentro da burguesia, no seio da qual era possível assinalar a existência de grupos demarcados pela
  • 44. profissão, pelo nível sociocultural e, principalmente, pelo poder económico que detinham. A este propósito escreveu Robert Schnerb: «No século XIX, é o dinheiro que diferencia o indivíduo em relação à burguesia e dentro dela. É ele que confere a posição social e a respeitabilidade.» Todos estes grupos burgueses detiveram, no século XIX, uma extrema mobilidade social, ascensional e descensional, no seu seio e entre si. Este facto torna difícil definir o escalonamento social desta época, em «constante rearrumação», como o afirmou Yves Lequin. Nos lugares cimeiros, encontramos um grupo muito restrito de famílias: as que melhor souberam aproveitar as oportunidades económicas da nova era. Dedicavam-se a actividades altamente lucrativas - indústrias, bancos, bolsas, companhias comerciais e agrícolas - e à política, controlando, assim, os mecanismos económicos da produção e do poder. Apelidavam-nas de alta burguesia, mas, não raro, nelas se misturavam antigos aristocratas. Num plano inferior, situava-se um conjunto numeroso e heterogéneo de indivíduos, espalhados por várias camadas sociais e profissionais que ocupavam todos os degraus da hierarquia económica: da quase miséria dos mais humildes funcionários e dos pequenos lojistas, à prosperidade dos patrões de pequenas e médias empresas industriais ou comerciais. Eram as classes médias. Difíceis de delimitar pela sua extrema mobilidade, elas possuíram de comum «o viverem, total ou parcialmente, de outra coisa que não o trabalho braçal» (Yves Lequin). Nelas se incluíam as tradicionais categorias burguesas, mas também todas as novas profissões nascidas do alargamento da divisão do trabalho que a industrialização e a vida moderna operaram. Aqui se alojaram, igualmente, os quadros da sociedade tradicional sem lugar específico nas novas hierarquias, como a média e a pequena nobrezas rurais. Arriscando uma classificação, alguns historiadores dividem estas classes médias em dois grupos: o da média burguesia (a midle, midle class), composto pelos pequenos patrões de empresas, os profissionais liberais e o alto funcionalismo dos
  • 45. chefes de escritório, gente que auferia de vencimento, ou de rendimento, entre 300 e 800 libras por ano; e a pequena burguesia (a lower midle class) a que pertenciam os lojistas e outros pequenos comerciantes, os mestres de ofícios, os empregados bancários e do comércio, o pequeno funcionalismo. A sua situação económica era menos desafogada, rondando, por vezes, o nível da pobreza. Inicialmente minoritárias, as classes médias aumentaram bastante o seu número durante o século XIX,. Este facto deveu-se principalmente a quatro factores: ao crescimento natural da população, sobretudo a urbana (as classes médias oitocentistas foram fundamentalmente urbanas); ao desenvolvimento técnico dos meios e processos de produção agrícola e industrial que, assim, libertaram mão-de-obra para os serviços (sector terciário); ao alargamento dos sectores administrativos das grandes empresas industriais e comerciais (o funcionalismo privado foi o que mais contribuiu para o crescimento das classes médias, nesta época); à modernização e à complexidade dos aparelhos administrativos dos Estados (polícias, correios, ferroviários, professores e amanuenses, entre outros). Este aumento do sector terciário alterou a estrutura da população activa nos vários estados europeus e condicionou comportamentos e mentalidades. O crescimento numérico trouxe para os colarinhos brancos, uma nova importância: política porque, pelo seu número, pela sua relativa ilustração e pela sua posição económica, dominavam a opinião pública e constituíam a maioria votante; económica pelo poder de consumo de que dispunham e/ou que representavam, e pelo seu dinamismo produtivo. Comportamentos e mentalidades No século XIX, encontramos no topo das hierarquias burguesas os grandes negociantes, os maiores industriais, os banqueiros de nomeada e os altos financeiros, à mistura com políticos e estadistas, pois era com estas elites que geralmente se preenchiam os altos postos do aparelho dos Estados. Estes homens constituíam uma espécie de nobreza entre a burguesia, uma oligarquia minoritária mas poderosa cujo dinheiro
  • 46. controlava todas as actividades lucrativas, dominava a vida política e imperava socialmente. Predominavam, entre eles, os grandes empresários, homens que se orgulhavam da sua capacidade de gestão e espírito de negócio, perseguindo com sagacidade, audácia e prudência o lucro e o poder. As suas capacidades de trabalho, de iniciativa e de inovação estiveram na base do crescimento de prósperas empresas comerciais, industriais, agrícolas ou mineiras, a partir das quais construíram o seu enriquecimento pessoal e contribuíram para o desenvolvimento económico que acompanhou o evoluir da industrialização e do capitalismo ao longo do século XIX. Após as primeiras gerações - geralmente constituídas por self-made men - os grandes magnatas da época apareciam enquadrados no seio de importantes organizações ou grupos económicos que tinham como núcleo a família. Numa época de impiedosa livre concorrência e de graves crises periódicas de crescimento económico, a coesão e solidez dos laços de sangue, bem como a solidariedade e entreajuda que espontaneamente se gera na família, fizeram da estrutura familiar a melhor armadura para as redes de negócios que então se estabeleciam. Assim se formaram importantes dinastias de homens de negócio, como a dos Rothschild, cujo génio empresarial surpreendeu o século XIX. Senhora de enormes fortunas mobiliárias e imobiliárias, a alta burguesia desta época soube, pouco a pouco, construir para si um estilo de vida sumptuoso: morava em belas residências apalaçadas, na cidade e no campo, mobiladas com luxo, ostentação e pormenor, rodeadas de belos jardins e parques, servidas por batalhões de serviçais de todas as categorias; possuía inúmeras propriedades e comprava solares aristocráticos que usava como moradias de saison; cultivava as aparências, vestia-se com elegância, de acordo com a moda, preocupava-se com a reputação e evitava o escândalo; era metódica e organizada, tanto nos negócios como na vida quotidiana (as mulheres ocupavam-se da gestão da casa, dos criados, da educação dos filhos pequenos, das obras de caridade ... ; os homens dividiam o seu tempo entre o escritório ou a empresa, o