A Revolução Industrial iniciou-se no século XVIII na Inglaterra e transformou profundamente a economia, sociedade e mentalidade do mundo ocidental ao longo do século XIX. As principais transformações foram tecnológicas e econômicas, com grandes descobertas técnicas apoiadas em novas fontes de energia que permitiram a passagem da manufatura para a maquinofactura em grande escala.
1. Iniciada no século XVIII, na Inglaterra, a Revolução
Industrial traduziu-se, em "sentido lato", num processo de
modificações estruturais profundas na economia, na sociedade e
na mentalidade do mundo ocidental ao longo do século XIX.
Em "sentido estrito", as transformações tecnológicas e
económicas foram, porém, a imagem de marca da revolução
industrial. Grandes descobertas técnicas, amparadas em novas
fontes de energia, motivaram a passagem da manufactura à
maquinofactura. A palavra "indústria" passou a ser utilizada para
designar o fabrico, em grande escala, oriundo do maquinismo e
um país industrializado definiu-se pela percentagem de mão-de-obra
e pela riqueza obtidas através do sector secundário de
actividades.
Obviamente, a revolução industrial não constou de uma
única operação, tal como os diferentes países foram afectados
em épocas e a ritmos também diferentes. Assim, de 1780 a 1840-
50, distinguimos uma primeira revolução industrial, liderada
pela Inglaterra: foi a revolução do carvão, do ferro, do algodão e
da máquina a vapor, que determinou o desenvolvimento do
Capitalismo Industrial. Por volta de meados do século XIX, a
revolução industrial está em expansão. É a segunda revolução
industrial, do aço, do petróleo, do motor de explosão e da
electricidade, que se espalha pela Europa e atinge a América do
Norte e o Japão, entre 1850 e 1914. O Capitalismo
Financeiro atinge, então, um ponto alto.
O alargamento das vias de comunicação
O alargamento das vias de comunicação foi um factor e um
mecanismo da industrialização, segundo o historiador François
Caron, na medida em que constituiu um investimento de base.
Um investimento de tal modo poderoso, a partir de meados do
século XIX, que os historiadores não hesitam em falar numa
revolução dos transportes dentro da Revolução Industrial.
Embora, em 1825, o engenheiro escocês Mac Adam tenha
melhorado a qualidade dos revestimentos dos pavimentos das
estradas e, simultaneamente na França e na Inglaterra, se tenha
multiplicado a construção de canais, a revolução dos transportes
2. caracteriza-se, antes de mais, pela aplicação da máquina a vapor
à navegação e aos transportes ferroviários.
A navegação a vapor
No que se refere à navegação, procedeu-se à adaptação, e
depois substituição, dos pesados veleiros de madeira
(clippers) americanos pelos navios a
vapor(steamers), construídos em ferro e dotados de caldeiras, de
rodas de pás e de hélices.
O steamer, ou paquete, revelou-se, efectivamente, de um
enorme impacto na vida económica de então: para além do
transporte de passageiros e de correio, destinou-se também ao
comércio, pelo que a sua especialização depressa se impôs,
dando origem aos navios de carga, aos petroleiros e aos barcos -
frigoríficos.
Durante o século XIX e até à I Guerra, dois terços da
tonelagem mundial pertenciam à Europa, na qual o Reino Unido
detinha o primeiro lugar. Os próprios E.U.A., que, em termos de
crescimento económico eram os primeiros, não tinham uma frota
comercial que correspondesse ao seu poderio, pelo que
recorriam à marinha inglesa.
O progresso da navegação a vapor exigiu a organização de
grandes sociedades capitalistas. Se, no tempo da navegação à
vela, um armador negociante possuía um ou dois barcos, no
século XIX, porém, apenas as grandes companhias de navegação
podiam fazer face à compra de dezenas de barcos e à sua
manutenção. Só em carvão eram gastas vinte e cinco toneladas
por dia.
Até 1914, as mais poderosas sociedades de navegação eram
precisamente as inglesas, possuidoras de uma rede de
informações e seguros à escala mundial. Entre elas, devemos
citar a Peninsular and Oriental Company, fundada em 1837, e
a Cunard Line, criada em 1840. Entretanto, na França, ficaram
conhecidas a Les Messageries Maritimes de 1851, especializada
na distribuição de correio no Mediterrâneo, e a Compagnie
Transatlantique, nascida em 1855.
Também as condições técnicas dos portos sofreram
modificações com a navegação a vapor, que motivou instalações
3. consideráveis de drenagem e armazéns de grandes dimensões.
Nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, Londres e Nova Iorque
eram os maiores portos do mundo. Era através de Londres e do
fluxo das matérias-primas importadas e dos objectos
manufacturados exportados que a Grã-Bretanha se assumia
como oficina e balcão do mundo.
Por sua vez, o porto de Nova Iorque, que dispunha de mais
de cem quilómetros de cais naturais e da comunicação com a
zona dos Grandes Lagos desde a abertura, em 1825, do canal do
Erie, tornou-se não só um redistribuidor nacional dos cereais,
das matérias-primas industriais e de produtos fabricados, como
um enorme entreposto mundial de mercadorias, cabendo-lhe
ainda receber um dos fluxos mais apreciáveis da imigração.
Paralelamente, a navegação a vapor influenciou as condições
de circulação, o que esteve patente na construção dos canais do
Suez e do Panamá, que possibilitaram a redução do tempo de
travessia em relação à rota do Cabo e à rota do estreito de
Magalhães, respectivamente, e, por consequência, a redução dos
custos, fretes e preços dos produtos.
Podemos, assim, dizer que a navegação a vapor foi um
elemento fundamental para o progresso do comércio
internacional, favorecendo o domínio do mercado externo e o
multilateralismo das trocas.
Os caminhos-de-ferro
Os caminhos-de-ferro nasceram do encontro de duas
técnicas: o ferro e a máquina a vapor. Os carris eram já
utilizados no século XVIII para a tracção de vagonetas puxadas
por cavalos, nas minas e nas pedreiras.
Mas a grande revolução consistiu na aplicação da
«locomotiva» à tracção dessas vagonetas.
O engenheiro inglês George Stephenson, ajudado pelo filho
Robert, construiu as primeiras locomotivas entre 1814 e 1825,
aplicadas primeiro às minas e, a partir de 1825, utilizadas para
rebocar comboios. A aplicação da caldeira tubular (inventada
por Marc Seguin d'Annonay) à locomotiva Rocket de
Stephenson, em 1829, constituiu o momento-chave da história
4. dos comboios. Em 1830, a Rocket era utilizada com êxito na
linha Liverpool-Manchester.
O êxito da linha de Liverpool-Manchester desencadeou uma
febre de construção e de especulação por vezes insensatas; em
1830, os pequenos troços de vias já construídas somavam 280
quilómetros, mas as principais linhas da Inglaterra e da Escócia
foram construídas depois de 1845 por companhias particulares;
esta rede passou de 800 quilómetros em 1840 para 10 000 em
1850.
O avanço inglês foi de tal ordem que o railway (isto é, a
construção e o fornecimento de carris e de máquinas) foi, para a
Europa, pelo menos inicialmente, uma especialidade inglesa.
Depois do êxito da primeira linha Bruxelas-Malines, em 1835, a
Bélgica foi o país que mais rapidamente se dotou de uma rede de
caminhos-de-ferro. A Alemanha, apesar da sua falta de unidade,
construiu a sua primeira via também em 1835, de Nuremberga a
Fürth, e, depois, numerosos troços dispersos, frequentemente
construídos pelos governos; no total, 5800 quilómetros em 1850.
Estas ligações ferroviárias serviram também para reforçar
o Zollverein e este, por sua vez, encorajou aquelas.
A construção da rede ferroviária em França foi muito mais
lenta porque o Estado contava com o capitalismo privado e este
era retraído.
A Itália, a Áustria e a Hungria constituíram linhas que
partiam das respectivas capitais mas não iam longe. Na Rússia, a
linha Sampetersburgo-Moscovo, dispendiosamente construído
pelo Estado, ficava concluída em 1850. A partir de 1891
arrancava o Transiberiano, linha que unia Moscovo a
Vladivostoque, ultrapassando 9200 quilómetros.
A colocação de vias-férreas foi mais rápida nos Estados
Unidos (l4 000 quilómetros em 1850); eram paralelas à costa
atlântica ou penetravam no sentido do Oeste, mas tudo na maior
anarquia, do que resultaram desvios muito variados, transbordos
de umas linhas para outras. Em 1869, completou-se a primeira
ligação transcontinental, pelo encontro das companhias Union
Pacific e Central Pacific.
5. De um modo geral, na Europa ocidental e nos Estados
Unidos, o investimento nos caminhos-de-ferro conheceu três
ritmos:
Até 1850, os capitais derivaram de particulares, necessitados
de um transporte eficaz para os seus negócios industriais ou
comerciais; de grandes banqueiros, como os franceses Pereire e
Rothschild; ou da venda de acções e obrigações.
Entre 1850 e 1865-77, os investimentos privados foram
controlados pelo Estado e as concessões ferroviárias revestiram,
em consequência, um carácter provisório.
A partir da década de 70, frequentes crises financeiras fazem
dos caminhos-de-ferro um negócio menos lucrativo. As maiores
despesas cabem, então, aos Estados, que chegam a nacionalizar
muitas das companhias existentes.
Consequências dos caminhos-de-ferro
Os caminhos-de-ferro provocaram profundas implicações
económicas, sociais e até culturais:
A agricultura encontrou novos mercados e pôde vender
géneros de pequena duração em zonas distanciadas, assim como
especializar as suas produções.
Os centros urbanos foram abastecidos com regularidade,
evitando-se crises de fornecimento.
Quantidades crescentes de ferro, carvão e madeira foram
absorvidas, para o apetrechamento e consumo do novo meio de
transporte.
Impulsionou-se a siderurgia, facilitada pela invenção do
conversor Bessemer. Assim se obteve o aço, muito mais
resistente que o ferro e simultaneamente maleável.
Favoreceram-se as operações financeiras, mediante o
lançamento de acções e empréstimos por obrigações; construiu-se
o aparelho bancário moderno; criaram-se sociedades por
acções, o tipo mais aperfeiçoado de empresa capitalista no
período da segunda revolução industrial.
Facilitou-se o povoamento de vastas regiões, nos E.U.A. e
na Rússia, por exemplo.
Reduziram-se as tarifas e os custos dos transportes;
estimulou-se o consumo de massas. Em suma, pôs-se fim ao
6. isolamento de vastas regiões, integradas, desde então, numa teia
de ligações. Com efeito, a dinamização das trocas criou um
mercado unificado, o verdadeiro mercado interno com a
dimensão de um mercado nacional. Ora, um mercado unificado e
nacional é uma condição imprescindível à modernidade e ao
desenvolvimento dos Estados.
Absorveu-se, também, mão-de-obra disponível, através de
novas profissões, como ferroviários, carregadores...
Facilitou-se a correspondência, reduziu-se a metade o custo
das deslocações dos viajantes; justificou-se a produção mais
frequente de publicações periódicas.
Concluindo, as distâncias encurtaram-se, circularam ideias
novas, o Capitalismo triunfou.
Outros meios de comunicação
Os progressos da navegação a vapor e dos caminhos-de-ferro
foram acompanhados, desde fins do século XIX, pelo
surgimento de novos transportes, como o automóvel e o avião.
O desenvolvimento do automóvel remonta a 1886, quando
apareceu a primeira máquina impelida por um motor de
combustão interna. Numerosos engenheiros e técnicos
contribuíram para o surto do novo meio de transporte: na
Alemanha, Daimler, Benz, Diesel; na França, Panhard, Peugeot,
Michelin.
Nos primeiros anos do século XX, a França e a Alemanha
ocupavam a primeira posição na produção de carros. Em 1914,
porém, os Estados Unidos fabricavam já 56% do total mundial
de automóveis, a maioria dos quais pertencia à fábrica Ford,
onde a instalação de linhas de montagem favorecera o
embaratecimento e o aumento da produção.
Quanto à aviação, e após decénios de ensaios com balões e
dirigíveis, coube, em 1903, a Orville Wright a proeza de voar
com um motor de gasolina e hélice. Em 1909, os irmãos Voisin
desenharam um biplano e o seu sócio L. Blériot um monoplano,
com que atravessou o Canal da Mancha. Estava, então, alterada a
relação do Homem com o espaço e consagrada a conquista do ar.
7. A indústria aeronáutica conheceu um impulso notável
durante o período de 1914-18, quando posta ao serviço de
interesses militares.
Mas o progresso das comunicações não se limitou ao invento
de novos transportes, significando também novos processos para
a transmissão de notícias O telégrafo, o telefone e a rádio foram
tão importantes para a criação de um mercado mundial, próprio
do Capitalismo, como a União Postal e o sistema métrico que
facilitaram as transacções internacionais. Efectivamente, os
inventos de Morse, Bell, Hertz e Marconi permitiram regular
preços, compras e vendas a nível económico, ao mesmo tempo
que revolucionaram os sistemas de informação da imprensa e
dos governos.
A exploração capitalista dos campos
Concomitantemente à industrialização, os campos
transformaram-se. Vimo-lo já no caso da Inglaterra, cuja
revolução agrícola é, para muitos autores, um factor indesligável
do processo de industrialização.
A modernização agrícola espalhou-se pela França, pela
Alemanha, pela Rússia e E.U.A. Um passo decisivo foi dado
com a abolição da servidão na França, em 1789, o que, na
Rússia, só viria a acontecer em 1861. A partir de então, e em
toda a Europa, a mão-de-obra agrícola passou a trabalhar por um
salário ou a cultivar a sua própria propriedade. A emancipação
da terra e dos trabalhadores encorajou os investimentos
capitalistas e possibilitou a adopção de novos métodos de
cultivo. Entretanto, das fábricas saíam os engenhos responsáveis
pela modernização agrícola, ao mesmo tempo que os caminhos-de-
ferro abriam aos produtos da terra o mercado em expansão
das cidades. Tudo concorria para o aumento da produção e da
produtividade, passando-se da agricultura de subsistência para a
agricultura de mercado.
Na Europa Ocidental, a revolução agrícola passou pela
prática de uma agricultura intensiva, assente em grandes
explorações, onde se praticava a adubagem, a mecanização
(ceifeira, debulhadora, enfeixadora, etc.) e se enveredava pela
alternância ou pela especialização de culturas, amparadas
8. frequentemente na selecção de espécies vegetais. Algumas
regiões adoptaram a monocultura, como o Languedoc, que, na
França, se tornou vinhateiro, com os riscos daí resultantes:
superprodução e variações de preços. Entretanto, noutros locais,
a horticultura e a produção especializada de frutos ofereciam
uma alternativa ao cultivo de cereais. Por toda a parte, o pousio
estava em regressão.
Outro elemento característico da revolução agrícola foi o
aumento da criação de gado ligada ao desenvolvimento das
pastagens. Na Grã-Bretanha, a manada de bovinos passa de 9
para 17 milhões; na Alemanha, de 14 para 20 milhões. A criação
de gado assume mesmo um carácter selectivo, na medida em que
tinha como objectivo o aparecimento de raças altamente
produtivas (certos carneiros e vacas leiteiras), cujos exemplares
eram exportados para todo o mundo. A Austrália, por exemplo,
constituiu um terreno fértil para a propagação do carneiro
merino.
Na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda, na Suíça, na
Bélgica, houve também a preocupação de unir a agricultura à
ciência: em quintas-piloto, utilizam-se maciçamente processos
científicos e adubos químicos, que se saldam na supressão quase
completa dos pousios e na melhoria geral da produção.
Incontestavelmente, a produção aumentou: na Grã-Bretanha,
no que respeita ao trigo, passou de cerca de 14 quintais por
hectare, em meados do século XIX, para 22 em 1914; nesta
última data, a Alemanha atingiu 19 a 20 quintais por hectare; os
Países Baixos e a Dinamarca 26 e 29 quintais, respectivamente.
Quanto à superfície cultivada, registaram-se tendências
diversas: na França houve, em primeiro lugar, um grande esforço
para recuperar terrenos, mercê de arroteamentos,
desarborizações e drenagens. Também na Alemanha, as
superfícies cultivadas aumentaram, entre 1870 e 1914, cerca de
um milhão de hectares na Região Leste. Entretanto, na
Inglaterra, depois das reformas económicas de 1846 a 1850, os
terrenos de sementeira registaram até uma redução pelo que a
produção, embora de qualidade, só alimentava a população
quatro meses em doze.
9. Nos países temperados novos, como o Canadá, os E.U.A., a
Argentina, a Austrália, a África do Sul, uma agricultura
extensiva e mecanizada (o primeiro tractor agrícola aparece nos
E.U.A.), em grandes explorações, aliada a grandes pastagens,
permitiu elevadas produções em todos os domínios tradicionais.
Com efeito, a abertura de novos terrenos além-mar, sejam
nas planícies norte-americanas, nas pampas sul-americanas, ou
nas regiões temperadas da Austrália, contribuiu para o aumento
da produção mundial de alimentos. No que respeita ao trigo,
entre 1850 e 1914, os E.U.A. aumentaram quatro vezes a
superfície a ele consagrada, o Canadá seis vezes e a Argentina
oitenta e nove vezes. A produção, para o conjunto destes países,
passou de 75 milhões de quintais para 400 milhões.
Quanto às outras produções, observa-se o mesmo progresso,
quer se trate de milho, de cevada, de batata, de beterraba para
açúcar.
No que se refere à criação de gado, esta atingiu também um
ponto alto nos novos países, que se tornaram grandes
fornecedores de carne e de lã ao continente europeu.
Na verdade, graças aos progressos resultantes, quer da
circulação ferroviária e da navegação a vapor transatlântica que
reduziram os custos dos transportes, quer da própria
transformação dos alimentos através do enlatamento e da
conservação frigorífica, o comércio internacional de produtos
alimentares animou-se, gerando-se uma concorrência perigosa
para os produtores europeus, que reclamaram dos Estados
medidas proteccionistas contra a implacável baixa dos preços
gerada nas últimas décadas do século XIX.
Entretanto, na Europa Central ainda se mantinham traços das
antigas estruturas feudais: na Rússia, apesar das reformas, o
sistema agrário baseava-se numa mão-de-obra barata e pouco
produtiva. Na Europa do Sul perpetuava-se a policultura de
subsistência.
Progressos cumulativos da técnica e da investigação
científica
Nos finais do século XIX verifica-se uma aceleração no
ritmo das descobertas científicas: a Física, a Química e as
10. Ciências Naturais registam avanços prodigiosos. O trabalho em
equipa de sábios está na ordem do dia e, frequentemente,
desenrola-se em laboratórios ou em institutos subsidiados pelos
Estados e pela indústria privada. Enquanto que o trabalho dos
cientistas teve um papel limitado na primeira revolução
industrial, pelo contrário, desde as últimas décadas do século
XIX, o desenvolvimento da indústria é fomentado pelas
descobertas da ciência.
A crescente concorrência entre empresas e países, aliada à
conjuntura de baixa dos preços no fim do século XIX, exigiram
a redução dos custos, alicerçada na pesquisa técnica e científica.
Deste modo, a segunda industrialização surge-nos como o
resultado da estreita ligação da ciência e da técnica, do
laboratório e da fábrica. Sábios, nos laboratórios, procuram
responder a problemas postos pelos avanços tecnológicos; nas
fábricas, entretanto, os engenheiros implementam as novas
técnicas e métodos de produção baseados na ciência. Daí falar-se
em progressos cumulativos para caracterizar as inovações da
segunda revolução industrial.
Uma nova fonte energética, o petróleo, produzido
comercialmente pela primeira vez na Pensilvânia, permitiu a
utilização dos óleos minerais seus derivados, primeiro na
iluminação (sob a forma de lamparinas de parafina), no
aquecimento e em usos domésticos e, em seguida, como
combustível.
O petróleo e a gasolina tornaram possível o motor de
combustão interna, descoberta do alemão Gottlieb Daimler em
1886, também conhecido por motor de explosão. Este esteve na
origem do automóvel, de pequenos motores portáteis adequados
a toda a espécie de trabalhos, de turbinas utilizadas nos navios e
de motores suficientemente potentes e leves para uso na aviação.
Em 1897, outro alemão, Rudolf Diesel, conseguiria a
aplicação do óleo pesado ao motor de combustão, dando origem
ao motor-diesel, hoje utilizado na maioria dos transportes
pesados.
A electricidade, uma forma energética nobre, revolucionou a
iluminação, os transportes e a indústria. No mesmo ano (l879)
em que o americano Thomas Edison produziu a lâmpada de
11. incandescência, que possibilitou a iluminação eléctrica de
cidades e interiores, Ernst Siemens construía, em Berlim, a
primeira locomotiva eléctrica. Entretanto, nas grandes cidades,
difundia-se o carro eléctrico.
No que se refere à indústria, a electricidade esteve na origem
da criação de grandes empresas, onde se tornou possível o
funcionamento nocturno, assim como a reorganização das fases
do trabalho, assentes no automatismo.
Acrescente-se que progressos como o telefone, a rádio, o
telégrafo e o próprio cinema não teriam existido sem a indústria
eléctrica.
A siderurgia transformou-se no sector de ponta da segunda
industrialização: é a base da indústria pesada que, de futuro,
define os padrões do desenvolvimento.
O aço, cuja produção aumentou em flecha enquanto o
respectivo preço registou um abaixamento: converteu-se no
material essencial da grande construção e da maquinaria; com
ele foi possível projectar arrojadas obras de engenharia (pontes,
arranha-céus, túneis), carris, armamento. Com os seus 300
metros de altura e 7500 toneladas de ferro e aço, a Torre Eiffel,
erigida em Paris para a exposição de 1889, é bem o monumento
ao aço.
A metalurgia distinguiu-se na produção de ligas e utilizou
crescentemente diversos materiais:
O cobre, isolado dos metais ferrosos por processos
electrolíticos, que se revelou insubstituível como condutor
eléctrico;
O chumbo, utilizado em tubagens, condutas de água e de
gás, na pintura, baterias, etc.;
O zinco, utilizado em pinturas e para a galvanização do aço;
O alumínio, apreciado pela sua leveza, condutibilidade do
calor e resistência à oxidação;
O estanho, o níquel, o manganés, o crómio e o tungsténio.
A indústria química, largamente apoiada na pesquisa
científica, produziu:
Fertilizantes e insecticidas; a borracha vulcanizada,
fundamental no ciclismo, automobilismo, calçado, indústria
eléctrica; explosivos, perfumes, medicamentos e produtos
12. fotográficos; corantes sintéticos e fibras artificiais, que
revolucionaram a indústria têxtil.
O comércio internacional: trocas multilaterais e efeitos
de arrastamento
Ao longo do século XIX o crescimento do comércio mundial
foi notável. Tirando proveito das maiores disponibilidades
agrícolas, industriais e de transporte, o volume do comércio
mundial triplicou, de 1876-1888 a 1911-1913.
As trocas mundiais são multilaterais e podem decompor-se
do seguinte modo: 40% dizem respeito ao comércio intra-europeu;
21,5% dirigem-se dos países não europeus para a
Europa; 15,2% são da Europa para os outros
continentes; 23.3% abrangem as trocas no mundo não europeu.
No contexto do comércio internacional, dois terços das
trocas são controladas, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, pelos
países desenvolvidos da Europa, Estados Unidos, Canadá e
Austrália. Tal hegemonia resulta, segundo o historiador François
Caron, «do desenvolvimento de um esquema que inclui, por um
lado, trocas de matérias-primas minerais e produtos agrícolas por
produtos industriais manufacturados e, por outro, trocas de
produtos manufacturados entre países industrializados».
O comércio de produtos primários relacionou-se com a
industrialização da Europa, que exigiu a importação de matérias-primas
e de produtos alimentares. Entre as primeiras, devemos
destacar: o carvão, de que a Bélgica, a Alemanha e a Grã-
Bretanha eram grandes fornecedoras: o cobre, a borracha e o
petróleo, cujo fornecimento se tornou um dos fluxos
fundamentais do comércio mundial: o algodão bruto, que
representava 2/3 do valor das exportações dos Estados Unidos,
em 1860; a lã, fornecida pela Austrália, Nova Zelândia,
Argentina e África do Sul.
Quanto aos produtos alimentares, a sua importação foi um
dos principais factores do crescimento das trocas internacionais.
Quer os Estados Unidos, quer a Rússia, por exemplo, foram
grandes exportadores de trigo, de que o Reino Unido era um
bom cliente.
13. Outro comércio intercontinental de alimentos foi o da carne
e produtos lácteos, favorecido pela criação, nos anos 1880, das
cadeias de transporte frigorífico, que permitiram o
abastecimento de carne da América do Norte, da Argentina, da
Austrália e da Nova Zelândia.
O esquema de trocas que acabámos de descrever (produtos
primários contra produtos manufacturados) fazia do Noroeste
europeu e dos Estados Unidos as «oficinas do mundo» e
consagrava uma autêntica divisão internacional do trabalho.
Como atrás referimos, havia também uma rede de trocas de
produtos industriais entre os diversos países industrializados. Por
exemplo, o principal cliente da Alemanha era a Grã-Bretanha,
que comprava 14% das suas exportações, e o melhor cliente da
Grã-Bretanha era a Alemanha. Nem o coro dos protestos
daqueles que temiam a concorrência era suficiente para destruir
a rede de solidariedade que se estabelecia entre os países
industrializados.
Claro que os mercados coloniais eram importantes para os
europeus mas, como F. Caron conclui, «não constituíam para as
suas exportações mais do que uma componente entre muitas
outras».
A complementaridade existente nas trocas multilaterais pode
também ser analisada a partir da situação das balanças
comerciais. Em 1910, por exemplo, o défice do Reino Unido
para com a Europa continental e a América do Norte era pago
com os excedentes retirados da Turquia, das colónias de África
da Índia, da Austrália. Muitos desses excedentes provinham dos
rendimentos obtidos com a exportação de capitais.
Por sua vez, o forte excedente dos Estados Unidos
relativamente à Grã-Bretanha era contrabalançado pelo seu
défice em relação à Europa continental industrial e ao resto do
mundo, com excepção do Canadá e da Austrália.
Comentando o fenómeno do multilateralismo das trocas, o
historiador F. Caron alerta também para a boa posição da Rússia
que, a partir dos seus excedentes sobre a Europa Ocidental,
regularizava as suas dívidas e os seus défices para com os
Estados Unidos, a China e a Índia. Também o défice da Itália era
14. anulado pelos rendimentos proporcionados pelo turismo e pelas
remessas dos emigrantes.
Além do multilateralismo das trocas, o comércio
internacional, no século XV, caracterizava-se pelos
chamados efeitos de arrastamento, especialmente visíveis nas
economias menos desenvolvidas. De facto, ao mesmo tempo que
se forneciam mercados a sectores-guias, submetia-se o conjunto
da economia às normas da concorrência internacional.
Nos três quartos de século que antecederam a 1ª Guerra
Mundial, o comércio internacional foi, efectivamente, um motor
do crescimento, ao incrementar as exportações de produtos
primários e de produtos industriais. Um exemplo é-nos dado
pelas economias da Austrália, da Nova Zelândia, do Canadá e da
África do Sul, onde o desenvolvimento foi provocado e
incentivado por: procura externa dos seus produtos primários;
imigração e investimentos externos; progresso técnico exigido
pelo custo elevado do trabalho.
Outro exemplo é-nos fornecido pelo Japão e pelos países
escandinavos, que souberam orientar as suas produções em
função das suas necessidades e adaptar-se ao crescimento da
procura mundial.
Políticas comerciais: livre-cambismo e proteccionismo
Face à expansão económica operada pela revolução
industrial, os Estados adoptaram, para a regulamentação das
trocas comerciais, políticas que oscilaram entre o
proteccionismo e o livre-cambismo.
O livre-cambismo fez-se sentir sensivelmente até ao terceiro
quartel do século XIX e esteve relacionado com a preeminência
industrial e comercial da Grã-Bretanha (maior produtora de
tecidos de algodão, de ferro e de hulha; detentora da maior rede
ferroviária europeia), que se esforçou por impor as livres trocas
às economias subordinadas.
A França, ferozmente proteccionista em virtude de não
possuir uma indústria especializada que aguentasse a
concorrência, enveredou, em 1860, com Napoleão III, pelo livre-cambismo,
mas as forjas e a metalurgia ressentiram-se, de um
modo geral.
15. Por sua vez, a Alemanha, na sequência da união aduaneira
do Zollverein, efectuada entre 1820 e 1834, que aboliu as
barreiras entre os Estados alemães, iniciou um processo de
aproximação com outros países europeus, tendo assinado, em
1862, um tratado de livre-cambismo com a França.
Outros países, como a Bélgica, os Países Baixos, os países
escandinavos, a Suíça, a Itália, a Espanha e Portugal,
enveredaram, também, pela liberalização das trocas; até na
Rússia, em 1851, as tarifas aduaneiras foram ligeiramente
atenuadas.
Os próprios Estados Unidos, depois de terem sido
proteccionistas, fizeram baixar as suas tarifas, nos anos que
antecederam a Guerra de Secessão.
No terceiro quartel do século XIX, assistimos à passagem do
livre-cambismo ao proteccionismo num contexto de crises
económicas.
Na origem do movimento de regresso ao proteccionismo
esteve a Alemanha de Bismarck, que, depois de um período de
livre-cambismo, estabeleceu tarifas proteccionistas para os
cereais, petróleo e ferro. Também a Itália, Espanha, Portugal e
Rússia protegem a sua agricultura e as indústrias nascentes. De
igual modo, a Suíça e a Suécia, apesar de altamente
industrializadas, se tornaram proteccionistas.
Quanto à Grã-Bretanha, experimentava sérias dificuldades
conforme o testemunha o Inquérito sobre o declínio do comércio
britânico de 1885-86. Assim, entre outros aspectos, sofria a
concorrência de belgas, americanos e alemães em sectores
habitualmente liderados por ela e via fecharem-se-lhe os
mercados dos Estados Unidos, do Canadá, da França e da
Rússia.
Todavia, apesar da concorrência, a Grã-Bretanha continuou
livre-cambista: a sua produção atingia tal volume que precisava
de ser exportada a todo o custo.
Produção capitalista e organização do trabalho
Segundo J.-P. Rioux, a revolução industrial determina o
triunfo do modo de produção capitalista, pautado por: separação
entre uma burguesia que possui os meios de produção e os
16. assalariados; capitais mobilizados na intenção de um lucro;
progresso técnico contínuo; aceleração constante da produção e,
se possível, dos produtos.
No que se refere à indústria, o progresso técnico leva a
manufactura a ceder lugar à maquinofactura, do mesmo modo
que o trabalho domiciliário e oficinal(domestic system) é
ultrapassado pelo trabalho na fábrica (factory system).
Foi precisamente devido a factores oriundos da mecanização
e do controlo da rendibilidade do trabalho operário que a fábrica
se distinguiu e se impôs sobre a oficina. Por um lado, o esforço
de implantar ou de criar um parque de máquinas tecnicamente
actualizadas (os chamados «conjuntos mecânicos») exigiu
instalações consideráveis, assim como uma elevada capacidade
financeira que ultrapassava em muito as possibilidades dos
pequenos proprietários das oficinas. Como diz J. P Rioux,
«montar uma cadeia de teares, pôr a funcionar um conversor
Bessemer que absorve 1000 toneladas de gusa por dia, já não
está ao alcance de um qualquer industrial de algodão ou de
fundição». Por outro lado, só no ambiente da fábrica, onde o
trabalhador é obrigado à pontualidade e a trabalhar ao ritmo das
máquinas, é possível tirar partido e explorar lucrativamente a
divisão do trabalho operário: «a fábrica torna rendível,
selecciona, hierarquiza o trabalho com vista a um maior lucro»
(J. P. Rioux).
Os historiadores definem a fábrica como um estabelecimento
industrial de grande dimensão, que agrupa uma mão-de-obra
numerosa. Mas a fábrica não foi regra geral e não conduziu
forçosamente ao gigantismo. Por exemplo, na França, em 1906,
as pequenas oficinas ocupavam ainda 27% da população activa.
Por sua vez, 60% dos assalariados fabris trabalhavam em
estabelecimentos que empregavam menos de 100 pessoas
(considera-se que a verdadeira fábrica deve ter 100 trabalhadores
no mínimo). Também segundo as estatísticas industriais alemãs
de 1907, 55% da mão-de-obra fabril trabalhava em
estabelecimentos com menos de 50 pessoas; isto verificava-se,
sobretudo, nos sectores da alimentação, vestuário, calçado,
madeira, couro e em artigos metálicos.
17. Da sociedade familiar à sociedade anónima
De pequena ou de grande dimensão, a fábrica é um local de
concentração de forças produtivas (matérias-primas, máquinas,
homens) e surge-nos como uma empresa capitalista típica da
nova era industrial. Isto é, nela, aqueles que fornecem o trabalho
(trabalho) não são os mesmos que fornecem os capitais (capital)
e nisso se distingue da oficina, empresa individual do artesão,
que contribuía com os utensílios e com a sua própria força de
trabalho.
Durante a primeira revolução industrial, são comuns as
empresas pertencentes a um só indivíduo ou a pessoas unidas
por laços familiares e/ou de amizade. Ou seja, estamos perante
pequenas e médias empresas, cujos capitais provêm do fundo
individual e familiar. Nestas empresas, os capitais investidos são
limitados e os lucros conseguidos investem-se até atingir o seu
autofinanciamento sistemático. A responsabilidade dos seus
membros é total, pois respondem com a sua fortuna em caso de
falência.
Com o avanço da industrialização e em virtude dos vastos
meios financeiros exigidos, tornaram-se cada vez mais raras às
empresas familiares. Apareceu a sociedade por acções, empresa
de vários proprietários também conhecida por joint-stock
company, que oferecia uma série de vantagens, especialmente se
revestisse a forma de sociedade anónima: permitia uma maior
disponibilidade de capital, através da venda de acções ao
público, processada pelos bancos; garantia a continuidade da
empresa, que deixava de estar dependente dos seus fundadores;
libertava os dirigentes do peso da responsabilidade, repartida
pela assembleia geral dos accionistas da empresa, os quais
elegem o conselho de administração - em caso de falência, os
accionistas apenas respondiam pelo valor investido, pelo que a
sua fortuna pessoal não ficava em jogo (responsabilidade
limitada); possibilitava a negociação das acções ou títulos em
mercados abertos (bolsas) e, com isso, ganhos especulativos.
As sociedades por acções encontravam-se bastante
difundidas na Inglaterra, especialmente ligadas às minas, aos
serviços públicos (canais, estradas, água, gás), à construção
18. naval, à siderurgia e mecânica, assim como aos caminhos-de-ferro.
Desde o último terço do século XIX, a organização
industrial regista uma tendência e uma necessidade para a
concentração, o que parecia contradizer o princípio inicial da
livre concorrência entre os produtores. Por um lado, o
equipamento (máquinas, instalações) era cada vez mais
dispendioso; os stocks de matérias-primas e os salários dos
trabalhadores obrigavam também a grandes despesas, tal como o
apoio técnico proveniente dos laboratórios, dos serviços de
vendas, propaganda e transporte. Por outro lado, as flutuações do
mercado e a concorrência crescente exigiam uma produção a
baixo custo, pelo que só as grandes empresas se encontravam em
condições de fazer frente a estas necessidades.
Frequentemente, o processo de concentração industrial
verificava-se na sequência das crises cíclicas do capitalismo,
quando os estabelecimentos em situação difícil, incapazes de
competir, eram absorvidos pela empresa de maior dimensão.
De um modo geral, a concentração industrial foi mais forte
nos países que iniciaram mais tardiamente o arranque industrial,
constituindo, assim, um meio de defesa contra a concorrência.
Foram os casos da Alemanha, dos Estados Unidos e do Japão.
Existiram dois tipos de concentração industrial, a vertical e a
horizontal, embora frequentemente se tenha verificado a
combinação de ambas. A concentração vertical consistiu na
integração, numa mesma empresa, de todas as fases da
produção, desde a obtenção da matéria-prima à venda do
produto. Este tipo de concentração, que assumiu um carácter
monopolista, foi mais usual na metalurgia, apresentando-se,
como exemplo, os grupos siderúrgicos dos Krupp, Thyssen,
Schneider, Skode, Carnegie, que possuíam altos-fornos, fábricas
de construção metálica de maquinaria, vagões e frotas de
transporte.
Por sua vez, a concentração horizontal consistiu numa
associação de empresas que controlavam uma das fases da
produção, geralmente a última. O objectivo era evitar a
concorrência e a consequente eliminação de umas empresas
19. pelas outras, muito embora se tendesse para formas
monopolistas de domínio do mercado.
Este tipo de associação, em que as empresas, apesar de uma
gerência comum tendo em vista os fins propostos, mantinham
uma autonomia técnica e jurídica, ficou conhecida pelo nome de
cartel e difundiu-se bastante na Alemanha.
A associação e fusão de empresas, consagrada nas
concentrações verticais e horizontais, depressa ultrapassou o
quadro nacional, dando origem a poderosas concentrações
internacionais, autênticas multinacionais.
A indústria e o capital financeiro
O aprofundamento tecnológico e a extensão dos mercados,
verificados no último terço do século XIX, induziram à indústria
necessidades de financiamento a que os bancos e a bolsa de
valores procuraram responder.
O capital financeiro e a indústria passaram a correlacionar-se
de um modo estreito. Os bancos lançavam acções indispensáveis
à criação de sociedades anónimas e chegavam mesmo a comprar
acções às empresas com necessidade de capitais; entretanto, a
cotação das acções, na bolsa, reflectia a capacidade de produção
e venda das empresas.
Frequentemente, os bancos eram o "patrão" real das
empresas: controlavam os seus capitais, regulamentavam e
dirigiam as suas actividades, gerando, inclusive, concentrações
monopolistas. Com propriedade, se fala na era do capitalismo
financeiro.
Aproveitando a autorização do Estado para se constituírem
como sociedades por acções (joint stock banks), os bancos
particulares proliferam no século XIX. Coube-lhes: a concessão
de crédito a curto e longo prazo; a aceitação de depósitos; o
desconto de letras e efeitos comerciais; a prática de
transferências por conta dos seus clientes; a emissão de notas.
Entre os bancos particulares, destacaram-se os bancos
provinciais, tão importantes na dinamização agrícola e industrial
da Inglaterra na primeira metade do século XIX, assim como
os merchant bankers e a haute banque (esta na França),
20. especializados na subscrição de empréstimos públicos e nas
explorações ferroviárias.
Todos estes bancos viriam a ser ultrapassados, no último
quartel do século XIX, pelos bancos de depósito e desconto
(bancos comerciais) e pelos bancos de negócio ou de
investimento.
Vocacionados para os depósitos (praticaram a abertura de
contas-correntes à vista), para os descontos e empréstimos a
curto prazo sobre garantias sólidas, os bancos comerciais
serviram de intermediários entre os depositantes e os contraentes
de empréstimos. O seu lucro consistia na diferença entre o juro
que recebiam pelo desconto de efeitos e a importância paga aos
depositantes.
Neste tipo de bancos, salientam-se, na Inglaterra: o London
and Westminster Bank, fundado em 1834, e, na França, o Crédit
Lyonnais, estabelecido em 1836, que, além das operações
bancárias usuais, interveio em negócios financeiros reservados
à haute banque.
Quanto aos bancos de negócio ou de investimento,
especializados no crédito a longo prazo, podemos dizer que
tiveram um bom exemplo de funcionamento noCrédit Mobilier,
fundado em 1857 pelos irmãos Péreire. Orientado para o
fomento da industrialização da França, o Crédit
Mobilier praticava empréstimos a longo prazo, mediante a
emissão de títulos (acções e obrigações) que constituíam o
capital de fundação das empresas por ele financiadas e que lhe
ficavam vinculadas como filiais.
Ao lado dos bancos particulares, assumem papel de relevo
os bancos centrais, destacando-se a Inglaterra com a sua
precocidade habitual. Na verdade e na sequência de repetidas
falências dos bancos provinciais, os economistas e homens de
governo britânicos decidiram-se a regulamentar a política de
créditos do país, reservando ao Banco de Inglaterra, em 1847, o
privilégio exclusivo das emissões de papel-moeda. Foram, então,
criados dois departamentos: um bancário (Banking department),
encarregado de efectuar as operações correntes (descontos,
adiantamentos, depósitos, etc.) e outro de emissão (Issue
department) que vigiava a circulação de notas.
21. Também na França, o Banco de França obteve em 1848 o
privilégio exclusivo de emissão, convertendo-se em banco
central.
No século XIX a nota de banco (moeda fiduciária) divulga-se
como instrumento monetário, especialmente após os bancos
centrais chamarem a si o exclusivo da circulação fiduciária. É
também a partir do século XIX que o valor facial do papel-moeda
deixa de corresponder ao valor em metal depositado nas
instituições bancárias, ultrapassando-o largamente.
Embora, em finais do século XVIII, a Inglaterra declarasse
pela primeira vez a não convertibilidade das notas do Bank of
England, a experiência foi pouco animadora, tendo esse país
retomado, como todos os outros, a anterior convertibilidade das
notas em metal precioso.
Limitada, de início, ao grande comércio, a nota bancária
desloca-se, como meio de pagamento, para outras camadas
económicas e sociais, baseando-se a sua circulação
exclusivamente na confiança (fides) dos agentes económicas nos
poderes públicos e na garantia, por parte das autoridades
monetárias, da existência de reservas que representem
parcialmente as emissões. As pessoas sabem e confiam que
outros aceitarão o papel como meio de pagamento, uma vez que
tem curso legal. Por exemplo, na França, a "democratização" da
nota de banco foi determinada pela lei de 3 de Agosto de 1875
que declarou o curso legal das notas. Foi precisamente a
imposição por parte dos Estados da força liberatória e do curso
forçado das notas que dispensou as instituições emissoras de
procederem ao reembolso em metal do papel-moeda.
Entre as principais moedas fiduciárias em circulação,
contavam-se a libra esterlina, o dólar, o franco, o marco, a lira, o
florim, o iene e o rublo.
Eram também as reservas de ouro de cada país que
garantiam a convertibilidade da sua moeda face às moedas
estrangeiras, assim como as trocas de mercadorias e de capitais
com o exterior. Uma vez que o grande mercado central do
comércio do ouro se situava em Londres, a libra esterlina
funcionava praticamente como moeda internacional, papel que,
22. após a primeira guerra mundial, passou a ser desempenhado pelo
dólar americano.
Automatização e estandardização: o consumo de massa
Preocupados com a adaptação do operário à máquina e ao
trabalho da fábrica, assim como com a gestão das empresas,
alguns economistas do século XIX, como Babbage, Saint-Simon
e Say, desenvolveram o tema do aproveitamento racional do
trabalho humano. Este assunto tornou-se verdadeiramente
candente quando, sob o signo da maturidade industrial e da
concorrência de finais do século XIX, o espectro da baixa dos
lucros levantou o problema do custo do trabalho humano, do
qual se procurou tirar a máxima rendibilidade. Neste contexto,
impunha-se a formação de operários especializados que
soubessem manejar com eficácia as máquinas, adaptando-se à
complexidade das ferramentas e à variedade dos processos de
produção.
Tendo por berço a Alemanha e beneficiando dos estudos da
psicologia aplicada, os métodos da racionalização do trabalho
propagaram-se aos Estados Unidos, onde Frederick Taylor
(1856-1915), engenheiro da Bethleem Steel, foi uma figura
emblemática. Na sua obra principal, Princípios de Direcção
Científica da Empresa, publicado em 1911, Taylor propunha-se
substituir a rotina pelos métodos científicos e racionais de
trabalho, aquilo a que chamou o scientific management e que
ficou conhecido por taylorisino.
Baseava-se este na execução, pelo operário, de pequenas
tarefas estandardizadas, num tempo também estandardizado (o
menor tempo possível), pelo que, mediante um automatismo
rigoroso, o homem unia-se à máquina com que trabalhava e a
produtividade crescia. Aquilo que se produzia em 100 horas, em
1889, levava 74 horas e 42 horas a obter, em 1919 e em 1929,
respectivamente.
As ideias de Taylor foram bem acolhidas pelas empresas
industriais, sendo a casa Ford a que mais prontamente as
aplicou. Com efeito, a pensar na produção em massa destinada a
um consumo de massa, Henry Ford montou em 1911, na sua
fábrica de Detroit, uma linha de produção para o «Modelo T»,
23. um carro mais barato do que qualquer outro construído até então.
Em 1915, já Ford produzia um milhão de carros por ano e, até
1929, o tempo requerido para a construção de um «chassis» de
automóvel baixou de 12 horas para 1 hora e meia, enquanto o
«Modelo T» viu o seu preço ser reduzido a um terço do valor
inicial. Desta forma, um objecto anteriormente considerado de
luxo, transformava-se num artigo de uso diário.
A linha de produção de H. Ford deu origem a uma autêntica
revolução social e técnica, que se perpetua nas linhas de
montagem hoje utilizadas no fabrico em série de muitos bens de
consumo.
Uma das finalidades do taylorismo era o estabelecimento do
salário em função do rendimento do operário, pelo que o nível
de vida do trabalhador eficiente se elevaria. Procurava-se, assim,
compensar o trabalho monótono dos operários, escravos das
linhas de montagem, favorecendo-se, simultaneamente, o seu
poder de compra e, com ele, a procura que estimularia a
prosperidade económica.
Todavia, a American Federation of Labour pronunciou-se
contra os métodos do taylorismo, no que foi acompanhada pelos
sindicatos operários da Europa, que os consideravam um
instrumento do capitalismo.
As crises do capitalismo ao longo do século XIX
O desenvolvimento do capitalismo industrial foi, no entanto,
acompanhado por uma grande instabilidade: crises violentas
alteraram o ritmo do processo económico, pelo que, a períodos
de prosperidade, se sucederam outros de depressão.
Desde o século XIX que historiadores e economistas se
dedicam ao estudo destas oscilações no sentido de lhes encontrar
uma explicação. A partir de índices como os preços, as
produções, os salários, descobriram na actividade económica
uma série de movimentos cíclicos de ritmo e características
distintas. São os ciclos económicos e neles se inscrevem as
crises. Estas crises da era industrial são crises do capitalismo,
distinguindo-se das crises de Antigo Regime, que eram crises de
subprodução ocasionadas por: más colheitas, especialmente
gravosas numa época em que 80% da população se entregava à
24. agricultura e o pão constituía o alimento e a despesa essenciais;
guerras, que dificultavam a produção das subsistências e os
abastecimentos; aumento da população, sem que a produção,
onde o progresso técnico estava ausente, lhe correspondesse.
Qualquer uma destas situações acarretava a alta dos preços
dos cereais e, na maior parte dos lares, a miséria sobrevinha.
Entretanto, sendo o orçamento familiar gasto, na quase
totalidade, com a alimentação, o artesanato ressentia-se da
menor procura e a mão-de-obra ficava frequentemente
desempregada.
As crises capitalistas relacionam-se, de um modo geral, com
a superprodução industrial e com a especulação financeira, o que
não invalida que se verificassem ainda sobrevivências das crises
agrícolas de Antigo Regime.
Segundo Lesourd e Gérard, as crises de superprodução têm,
na sua origem, erros de cálculo e de previsão, quer no que se
refere aos orçamentos, que não chegam para terminar os
empreendimentos, levando às falências e ao desemprego, quer
no que respeita aos lucros, obrigando as empresas que não
vendem a recorrerem ao crédito e a endividarem-se. Então: face
à acumulação de stocks que os industriais não escoam
(superprodução), as empresas suspendem a produção e lançam
os operários para o desemprego; os preços baixam com violência
- a fim de dar maior saída aos stocks, os industriais baixam os
preços, preferindo vender com fracos lucros ou até sem lucro a
nada vender; destroem-se stocks para evitar que os preços
baixem demasiado; a persistência do desemprego impede o
consumo, pelo que a procura se extingue.
A crise de 1825 foi uma crise de superprodução industrial,
que afectou a Inglaterra, os Estados Unidos e os novos países da
América do Sul, em cujo relançamento económico os Britânicos
se tinham empenhado. Aí exploravam minas, canais, caminhos-de-
ferro, bancos e, claro, escoavam a produção da sua próspera
indústria têxtil. Todavia, dificuldades económicas e políticas dos
novos países, devidas quer ao processo da descolonização, quer
aos próprios governos que não utilizaram adequadamente os
investimentos, estiveram na origem da baixa dos lucros. As
novas economias afundam-se, o desemprego instala-se e a
25. Inglaterra, que perdeu 10 000 milhões de libras investidos, deixa
de vender a sua produção industrial a uma população em
dificuldades.
A superprodução e a baixa de lucros provocam uma forte
baixa na bolsa.
Esta crise alastrou-se aos Estados Unidos, onde o preço do
algodão, com menor procura por parte da Inglaterra, baixou
brutalmente.
Por sua vez, a crise dos anos de 1846-47 foi, na sua origem,
uma crise agrícola que, ao coincidir com uma revolução político-social,
se tornou numa das mais graves crises da primeira época
capitalista. Epidemias, flagelos climáticos e más colheitas
sucederam-se por toda a Europa, provocando uma alta no preço
dos cereais. Na Inglaterra, a crise agrícola, que fez restringir o
consumo, foi simultânea à baixa da rendibilidade das acções
ferroviárias, originando uma crise de bolsa e bancária. As
falências na Inglaterra puseram o Banco de França em grande
aperto e o desemprego, entretanto instalado neste país, facilitou a
Revolução de 1848.
A crise de 1866 foi puramente financeira. Surgiu na
Inglaterra, na sequência da guerra civil americana, que fez
diminuir as importações inglesas de algodão. A indústria
britânica teve, então, de se abastecer na Índia, no Egipto e no
Brasil, mas, visto a balança comercial britânica com estes países
ser deficitária, o excesso era pago em prata. A baixa de reservas
metálicas provocou dificuldades no Banco de Inglaterra e
conduziu à falência entidades bancárias até então sólidas. A
redução do crédito bancário contribuiu, por sua vez, para a
diminuição da actividade industrial e comercial.
De variada natureza e amplitude, as crises da era industrial
são o testemunho de uma vasta rede de solidariedades: ao nível
das actividades económicas, quando, por exemplo, as
dificuldades nos caminhos-de-ferro atingem as fábricas de aço,
ou quando os excessos de investimento prejudicam os bancos e a
futura dinamização económica, ou ainda quando o desemprego
faz diminuir o consumo e, posteriormente, a produção; ao nível
da economia, da sociedade e da política, quando as dificuldades
económicas suscitam a quebra demográfica, a criminalidade, as
26. greves e as revoluções; ao nível das nações, quando a crise se
propaga a vários países, em virtude das ligações financeiras,
comerciais e industriais anteriormente estabelecidas.
Consideradas, pelos marxistas, como um sintoma de
desagregação da economia capitalista, as crises cíclicas resultam,
antes de mais, do facto de o século XIX ser um século de
crescimento económico segundo os novos parâmetros do
capitalismo concorrencial, baseado no lucro, na especulação, na
ausência de equilíbrio entre a oferta e a procura de bens.
Acreditava-se na livre iniciativa e na livre concorrência, capazes
de prodigalizarem a riqueza social, pelo que se achava
desnecessária a regulação das actividades económicas por parte
do Estado.
A violência das crises cíclicas e as calamidades sociais que
as acompanharam mostraram, porém, os excessos do liberalismo
económico. As adaptações e os reajustes tiveram forçosamente
de se verificar e os mecanismos de resposta às crises passaram
pela adopção de medidas proteccionistas e por uma maior
intervenção dos Estados na vida económica, submetida
doravante a critérios de planificação.
Especialmente após a grande crise de 1929, o capitalismo
liberal foi posto em causa, quando uma crise financeira,
provocada por inflação do crédito e pela especulação bolsista,
veio agravar a situação de empresas industriais, agrícolas e
comerciais que se debatiam com a superprodução e a
acumulação de stocks. As falências e o desemprego tiveram,
então, uma dimensão catastrófica e, dada a gravidade da crise,
que foi mundial, a intervenção do Estado tornou-se imperiosa. O
economista inglês John Keynes desempenhou, na altura, um
papel de relevo quando afirmou que só a resolução do
desemprego crónico permitiria relançar a procura e a produção
de bens de consumo. Para tal, impunha-se uma política estatal de
investimentos, de luta contra o entesouramento e de ajuda às
empresas dinâmicas. Neste contexto de busca de soluções para a
crise, ao Estado competiria, ainda, em articulação com a
iniciativa privada, a fixação de taxas de produção e de salários,
assim como a duração do trabalho. O Estado tornava-se árbitro e
organizador da economia.
27. Explosão demográfica, urbanização e migrações
O século XIX registou, por todo o Mundo, um extraordinário
aumento demográfico, pelo qual a população da Terra, com
excepção feita à africana mais do que duplicou no lapso de
tempo que decorreu entre os anos de 1800 e 1913-14. Com uma
densidade média de seis habitantes por quilómetro quadrado por
volta de 1840, o nosso planeta registava, em 1914, um recorde
de doze pessoas por quilómetro quadrado. Em menos de um
século a população mundial dobrara os seus efectivos.
Foi para designar este fenómeno, único na História até aí
vivida, que demógrafos e historiadores utilizaram a expressão
"explosão demográfica", significando o intenso e rápido
crescimento populacional do nosso planeta no século XIX.
Embora generalizado, este crescimento não se efectuou nas
mesmas condições, nem ao mesmo ritmo, em todo o globo. Uma
análise atenta de algumas tabelas permite-nos salientar a
supremacia demográfica da Europa que detém, também, as
maiores densidades populacionais. Com efeito, a despeito do
peso quantitativo da população asiática, o ritmo de crescimento
das populações europeias foi o mais elevado de todos e iniciou-se
mais cedo. No começo do Século XX os europeus
representavam cerca de um quarto dos habitantes da Terra,
enquanto que em 1800 apenas atingiam a quinta parte.
É certo que outras regiões, nomeadamente as do continente
americano, conheceram taxas de crescimento iguais ou
superiores às da Europa. Por volta de 1850, a população norte-americana
crescia a uma média de 43,3 habitantes por cada mil.
Contudo, esta taxa não referendava o crescimento natural das
suas populações pois era falseada pelos enormes quantitativos
imigratórios que a América recebia, os quais provinham,
maioritariamente, da Europa. Na realidade, verificou-se, por
todo este período, uma intensa diáspora europeia que abrangeu
todo o planeta (das estepes siberianas à Ásia das monções, das
áreas isoladas da Oceânia às ricas e inóspitas regiões do
continente americano, do Magrebe marroquino ao Cabo e ao
Natal) e cujo efeito colonizador foi determinante na evolução
económica, social e cultural dessas regiões. Isto significa que
28. qualquer estudo sobre a evolução da população europeia desta
época tem de ter em conta os europeus dentro e fora da Europa.
Visto à luz destes dados, o crescimento demográfico europeu
foi ainda mais prodigioso: a população europeia foi não só a que
mais cresceu e mais depressa, como também a única do globo
que cresceu por si própria, influenciando, pela sua emigração, o
aumento populacional dos outros continentes.
Assim se explica que muitos autores apelidem a «explosão
demográfica» do século XIX de uma verdadeira «explosão
branca».
O novo comportamento demográfico dos europeus
Colocada no topo da evolução demográfica mundial, a
Europa evidenciou, ao longo do século XIX, comportamentos
demográficos diferenciados e ritmos de crescimento muito
irregulares entre as suas regiões.
Aproximadamente até 1840, a maior parte deste continente
continuava a apresentar características demográficas
semelhantes às do século XVIII: natalidade e mortalidade
elevadas (cerca de 40%o e 30%o, respectivamente); esperança
de vida curta (entre os 30 e os 40 anos); populações jovens; e
comportamentos demográficos em estreita dependência das
crises de subsistência e dos cataclismos naturais (a grave
epidemia de cólera dos anos de 1829-37 ainda causou sequelas
idênticas às das fatídicas crises do Antigo Regime).
Só após aquela data é possível detectar alterações
significativas ao modelo demográfico descrito. Estas registaram-se
primeiro nos países de maior desenvolvimento económico e
cultural, como a Inglaterra, a Holanda e a Bélgica, seguidas de
perto pela França do Norte e pela Alemanha renana, o que nos
permite estabelecer relações de causa-efeito entre estes dois
fenómenos do século XIX: a explosão demográfica e a crescente
industrialização.
Numa primeira fase, registou-se um alto índice de
crescimento populacional, causado pelo recuo da mortalidade,
enquanto a fecundidade e a natalidade permaneciam elevadas.
Este recuo era já significativo em 1840 para as regiões mais
favorecidas, mas só se generalizou ao conjunto do continente
29. europeu depois de 1890. Em 1900, a taxa de mortalidade da
população europeia era de 18%o, o que significava um
decréscimo de cerca de 30% em relação à taxa de 1800.
A diminuição da mortalidade é explicado,
fundamentalmente, pela melhoria geral das condições de vida,
resultante dos seguintes factores: desenvolvimento económico
produzido pela Revolução Industrial e suas implicações na
produção agrícola, na revolução dos transportes e no
alargamento dos mercados nacionais e internacionais. Esse
desenvolvimento trouxe consigo a abastança financeira e de bens
de consumo, o que permitiu pôr fim às crises de subsistência do
Antigo Regime. Com efeito, as fomes de tipo tradicional
desapareceram da Europa após 1860; melhoria das dietas
alimentares, o que fortaleceu o organismo humano permitindo-lhe
reagir com maior sucesso às doenças e às epidemias, ainda
frequentes; desenvolvimento científico e técnico então vivido,
que permitiu o avanço da medicina, com notáveis progressos na
química biológica, na microbiologia, na bacteriologia, na
farmacologia, na assepsia, na anestesia e na parasitologia. A
utilização das análises laboratoriais facilitou o diagnóstico
clínico; a prática da anestesia e o melhor apetrechamento dos
hospitais desenvolveu a medicina operatória; o aparecimento das
vacinas (contra a varíola, o carbúnculo, a raiva, o tétano, o tifo e
a difteria) permitiu um combate mais eficaz às doenças
endémicas altamente mortais; a prática da assepsia salvou
inúmeras vidas, principalmente em obstetrícia e em pediatria
reduzindo substancialmente as taxas de mortalidade infantil e
juvenil; melhor apetrechamento social dos Estados que,
gradualmente, foram assumindo responsabilidades para com a
saúde pública e a assistência social, construindo mais escolas,
asilos e hospitais; promulgando leis de protecção sanitária para
as fábricas; lançando o saneamento público; melhores condições
de trabalho, de habitação, de vestuário; progressos na higiene
individual e colectiva.
Numa segunda etapa, o facto mais significativo do novo
comportamento demográfico do século XIX, na Europa e
nalgumas das regiões abrangidos pela sua diáspora, foi a redução
30. da taxa de natalidade cujos índices baixaram de cerca de 40%o,
em 1800, para perto de 20%o na primeira década do século XX.
A redução da natalidade foi, contudo, uma tendência de
implantação progressiva: atingiu primeiro os países mais
industrializados (Inglaterra, Alemanha, Suécia, Dinamarca e,
muito especialmente, a França e os meios burgueses e urbanos;
na última década do século XIX, tornou-se visível também, nos
países menos desenvolvidos como os do Sul mediterrânico e do
Império russo; no final do século penetrou nos meios operários;
e só no século XX se começou a registar entre os camponeses.
Como condicionantes desta baixa da natalidade, podemos
referir: o decréscimo da mortalidade infantil e juvenil e,
consequentemente, o aumento da esperança de vida para os
recém-nascidos; a atenuação dos estímulos natalistas por parte
dos Estados; o afrouxamento dos laços familiares alargados e o
isolamento da família nuclear (sem o suporte e a segurança da
estrutura familiar, a nupcialidade diminuiu ou tornou-se mais
tardia e os jovens casais não se arriscavam, tão facilmente, a
uma fecundidade elevada); a industrialização crescente, ao
substituir o artesanato caseiro pela fábrica e ao instituir o
emprego maciço das mulheres, afastou as mães dos
lares, impedindo-as de tomar conta dos filhos pequenos e
aumentando as despesas da criação com o pagamento às amas
(nos meios burgueses, o celibato feminino cresceu entre as
mulheres profissionais liberais ; a aceitação da "procriação
responsável" aumentou as obrigações dos pais quanto ao futuro
dos filhos, através da sua educação e formação pessoal e
profissional. Nesta perspectiva, tornou-se preferível ter menos
filhos de modo a poder assegurar a todos uma conveniente
formação.
Na verdade, os problemas sociais criados pelo
superpovoamento nos meios industrializados obrigaram muitos
governos à adopção das primeiras medidas malthusianas.
Por exemplo, em França, entre 1830 e 1860, os governos
liberais incentivaram a redução da fecundidade dos casais: Jean-
Baptiste Say escreveu que "é preciso encorajar os homens a
fazer economias em vez de filhos"; Paul Robin criou a Liga da
Regeneração Humana (l830) que aconselhava um planeamento
31. familiar responsável; e Dunoyer preconizou, em 1833, a
supressão da assistência social aos casais necessitados com mais
do que um filho.
Em Inglaterra, divulgaram-se, a partir de 1820, os folhetos
diabólicos que deram origem, em 1870, à Liga Malthusiana, a
qual exerceu importante papel no combate à "proliferação dos
miseráveis" nos meios operários. Na mesma época, o economista
J. Stuart Mill culpava as famílias pobres numerosas do seu
próprio infortúnio.
A redução do fervor religioso de algumas populações, fruto
do avanço do pensamento laico (a política demográfica da Igreja
continuou populista, daí que os países de maior pendor religioso
permanecessem com altas taxas de natalidade, até ao século
XX).
Estes factores actuaram como um poderoso estímulo à
redução da fecundidade legítima dos casais, pela limitação
voluntária das concepções. Este comportamento, pela sua
novidade, só é totalmente compreensível face à pressão das
conjunturas económicas e às grandes transformações
socioculturais entretanto ocorridas.
Em conclusão poderemos dizer que o recuo da mortalidade e
a diminuição da natalidade foram os factores determinantes do
novo regime demográfico evidenciado pelos europeus, ao
iniciar-se o século XX. As suas principais características eram:
registar as mais baixas taxas de natalidade e mortalidade do
Mundo, com relevo para o decréscimo da mortalidade infantil e
juvenil; apresentar a esperança de vida mais alargada do planeta
(cerca 50 anos para a média dos países europeus) e,
simultaneamente, um alto índice de crescimento; ser notória a
tendência para o envelhecimento global das suas populações,
causado pela maior proporção de adultos no conjunto
demográfico; ter aumentado, significativamente, a sua população
activa; e incentivar o fortalecimento fisiológico, como se
comprova pelo crescente aumento da estatura média dos
europeus.
Conjugado com outros factores de ordem estrutural (maior
mobilidade profissional e geográfica, maiores oportunidades de
sucesso individual e transformações na mentalidade, entre
32. outros), o crescimento demográfico do século XIX exerceu um
importante papel no progresso da vida no mundo ocidental. A
abundância dos homens e o sobrepovoamento nalgumas regiões
incentivaram, a vários níveis, o comportamento humano:
estimularam o desenvolvimento técnico e científico, accionaram
o crescimento económico, despoletaram grandes movimentos
migratórios à escala mundial e favoreceram a aglomeração
urbana.
Progressos resultantes da expansão urbana
O século XIX foi, também, o século do crescimento urbano.
Após 1850, as cidades cresceram a um ritmo muito superior ao
das outras regiões, provocando o aparecimento de gigantescas
aglomerações populacionais. Por meados do século XIX,
Londres havia duplicado a sua população, em apenas trinta anos,
e Paris concentrava três milhões de habitantes, em 1880. No
final do século, Berlim registava um crescimento de 872% em
relação ao total da sua população em 1800; Viena de 490% e
Sampetersburgo de 300%.
Fora da Europa, outras cidades se evidenciavam pela
dimensão dos seus agregados populacionais: Hong-Kong,
Singapura, Xangai, Tóquio, Nova Iorque e Buenos Aires
tornaram-se, neste período, grandes metrópoles, fervilhantes de
gente.
Fenómeno mundial na época contemporânea, o
desenvolvimento das cidades abrangeu, no século XIX, apenas
as zonas do globo mais cedo tocadas pelo desenvolvimento
industrial e pelo capitalismo: as capitais políticas e/ou os grandes
portos comerciais de imigração do continente americano (como
Nova Iorque e Buenos Aires); as regiões mais industrializadas
do Japão; mas sobretudo a Europa onde a urbanização teve o seu
arranque e onde foi maior o seu impacto sobre a economia e o
modo de vida dos habitantes.
Ainda maioritariamente rural no início do século (em 1815,
apenas 2% da população europeia vivia em "cidades"), a Europa
conheceu, após 1850, um tão grande incremento urbano que, em
1910, possuía cerca de 211 aglomerados com mais de 100 000
33. habitantes, os quais, no conjunto, representavam 15% da sua
população total.
Este crescimento privilegiou, primeiro, a Inglaterra, a
Alemanha e os Países Baixos, e foi mais moderado e tardio nos
países onde a industrialização penetrou mais dificilmente (caso
da França, da Rússia e dos estados meridionais). Na Europa
Ocidental, contudo, a urbanização foi de tal ordem que, nos
finais do século, conseguiu inverter uma situação milenar: a taxa
de crescimento demográfico foi, pela primeira vez, mais elevada
nos centros urbanos que nas zonas rurais: a natalidade nos
bairros operários chegou a ultrapassar a das comunidades
camponesas; a densidade populacional urbana atingiu valores
elevadíssimos (100 000 habitantes por km2, em certos bairros de
Paris); e a população urbana alcançava, em números redondos, o
total da população rural.
O rápido crescimento urbano do século XIX é atribuído aos
seguintes factores: maior crescimento natural das suas
populações; alterações económicas e sociais provocados pela
industrialização nas suas áreas geográficas; (com efeito, as
cidades foram os locais preferidos pelas empresas para a
instalação das indústrias e para sede dos seus negócios. Este
facto deveu-se, principalmente, às seguintes razões: situação
privilegiada da maior parte das cidades, localizadas em zonas
portuárias ou no cruzamento das redes de transporte rodoviário
ou ferroviário; concentração, nelas, dos organismos da
administração pública, dos bancos, dos mercados e das feiras
mais importantes; existência, nas cidades, de uma mão-de-obra
mais livre e móvel, facilmente catalisável para a indústria);
imigração vinda das zonas rurais circunstantes; imigração
estrangeira; e, por último, o fascínio que as modernidades e
comodidades da vida citadina exerciam sobre as populações. No
final do século XIX, as cidades europeias eram os símbolos do
progresso cultural, recreativo, técnico e económico da vida
moderna, correspondendo ao ideal de promoção social de muitas
pessoas.
Com o tempo, a concentração progressiva das indústrias, do
comércio e dos serviços nos espaços urbanos multiplicou todas
as suas funções, tornando-os importantes centros de vida. Como
34. escreveu J. Pierre Rioux "pela via da industrialização, o
fenómeno urbano, com a sua propensão para o poder e o
domínio, está no centro do desenvolvimento do capitalismo".
O rápido crescimento económico e populacional das cidades
transformou os espaços urbanos e alterou a vida citadina de
modo quase caótico, sem dar tempo a que as autoridades
fizessem planeamentos prévios ou lançassem as necessárias
infra-estruturas.
Fechadas por cinturas de muralhas, a maior parte das cidades
preexistentes ficou rapidamente superlotada e viu-se obrigada a
invadir o espaço circundante. Os velhos bairros centrais -
geralmente intramuros -, apinhados de gente, degradaram-se,
afastando deles as classes mais favorecidas.
O primeiro problema foi o da habitação, ou melhor, da sua
falta. Desenvolveu-se, então, a construção em altura e as velhas
mansões familiares transformaram-se em prédios de rendimento,
subdivididas em vários apartamentos unifamiliares. Enquanto
isso, o preço dos arrendamentos dos terrenos e da construção
subiu em flecha, favorecendo a especulação e a agiotagem.
Afastadas dos centros urbanos pelo seu alto custo, as classes
mais pobres e as recém-chegadas ocuparam os subúrbios ou
arredores das cidades, onde os bairros novos se desenvolveram
ao sabor das necessidades do momento e na proximidade das
fábricas ou das centrais de transporte ferroviário ou rodoviário
(as gares ou estações, normalmente colocadas fora dos centros,
foram importantes núcleos de crescimento de novos bairros
suburbanos).
Erguidos à pressa, os novos bairros reflectiam todas as
carências: uma deficiente construção em série, descaracterizada
e monótona, sem conforto nem estética; ruas lamacentas e
imundas, sem pavimento e sem passeios; ausência de esgotos, de
saneamento e de iluminação pública.
Aos problemas com a habitação vieram somar-se os
problemas de circulação. Com efeito, o superpovoamento
atravancou as ruas, tanto mais que o alargamento do espaço
urbano impôs e desenvolveu os transportes públicos.
A aglomeração populacional nas cidades levantou, também,
problemas de abastecimento, já que aumentaram os consumos
35. internos de vários produtos: de bens alimentares cuja
distribuição se passou a fazer através dos grandes mercados
centrais; de água, cujo alto consumo exigiu novos sistemas de
captação, tratamento e distribuição; e de combustíveis como o
carvão, o gás e o petróleo, usados na iluminação e no
aquecimento.
Mas a sobrelotação citadina trouxe, sobretudo, problemas de
saneamento e de saúde pública (a densidade populacional e a
falta de infraestruturas de higiene e saneamento faziam proliferar
as epidemias) e problemas sociais e psicológicos causados pela
degradação das suas condições de vida e pelo crescimento da
miséria, da marginalidade, do alcoolismo e da prostituição na
maioria dos seus bairros.
Foi a agudização de todos estes problemas que fez nascer,
pelos finais do século XIX, uma nova disciplina social -
o urbanismo - cujo objectivo era a organização planeada da área
habitável das cidades, de modo a resolver, de forma eficaz e
agradável, os problemas gerados pela convivência entre os
homens nos espaços urbanos.
Foram preocupações desta ordem que nortearam as
primeiras grandes reparações de renovação urbana que
ocorreram nas principais capitais europeias, na segunda metade
do século XIX e marcam os primeiros progressos do urbanismo
no Ocidente. Essas reparações privilegiaram sobretudo os
bairros centrais, concebidos pelos governos como a "sala de
visitas" das cidades.
Erradicaram-se daí as oficinas e as habitações degradadas;
rasgaram-se novas e grandes praças; lançaram-se os
fundamentos do saneamento urbano; as ruas foram
pavimentadas, possuíam passeios e iluminação (a gás, primeiro,
e só no final do século a electricidade); e ergueram-se grandes
edifícios em pedra, de fachadas alinhadas e austeras, de feição
neoclássica, usados para a administração pública ou
transformados nas sedes sociais da burguesia: os bancos, as
bolsas, os grandes armazéns, os escritórios. Por isso, o centro
urbano tornou-se o espaço exclusivo do poder económico e
político.
36. A partir do centro (a cidade velha), e à sua volta, foram
surgindo largas avenidas e novas vias circulares por onde se
espraiaram os bairros burgueses com as suas elegantes mansões
residenciais: os boulevards de Paris, longas avenidas bordejadas
de árvores criadas pela reforma urbana do Barão Haussman; o
Ringstrasse em Viena, moderna via de circulação que rodeava a
cidade primitiva como um «anel», exterior às muralhas; ou
o gracht de Amesterdão, uma rede de pequenos canais que
circundavam a zona urbana central.
A partir daí, os novos bairros suburbanos obedeciam a uma
forte compartimentação social e até profissional. Instalados em
zonas novas, não possuíam quaisquer infra-estruturas,
delineando-se ao sabor do crescimento. Neles generalizou-se a
habitação por andares, doravante morada típica das classes
menos favorecidas: média e baixa burguesias, serviçais,
operários.
De entre estes, os bairros operários foram, sem dúvida, os
mais carenciados. Erguidos nas zonas industriais, envoltos no
fumo das fábricas, possuíam habitações pequenas, mal divididas
e insalubres, e encontravam-se geralmente superlotados. Estas
condições contribuíram grandemente para a degradação da
qualidade de vida e dos costumes das classes urbanas, no século
XIX.
Assim, o próprio crescimento urbano acentuou os desníveis
sociais existentes através duma «curiosa segregação geográfica»
dos espaços dos ricos e dos pobres no seio das cidades.
Migrações
O século XIX produziu, em todo o mundo desenvolvido,
impressionantes fluxos migratórios - os maiores da História.
A Europa foi o continente que registou maior mobilidade
populacional, quer dentro quer para fora das suas fronteiras.
Favorecido por múltiplos factores (crescimento demográfico,
transformações económicas, progressos nos transportes terrestres
e marítimos este dinamismo migratório europeu teve
consequências importantes a nível interno e mundial: provocou
grandes alterações na geografia humana; favoreceu os encontros
étnicos e culturais; exerceu fortes influências no
37. desenvolvimento económico e sociocultural das regiões
(estagnação em certas zonas de origem, crescimento acelerado
nas áreas de destino, povoamento em áreas vazias, etc.).
As pequenas migrações regionais movimentaram a crescente
mão-de-obra flutuante dos campos, em épocas de crise
económica ou de descanso sazonal de uma dada actividade rural,
segundo hábitos tradicionais. Nesta época, transferiram,
também, mão-de-obra do trabalho agrícola para o trabalho
industrial (como aconteceu em certas aldeias francesas, das quais
saíam, todos os anos, entre Março e Outubro, cerca de 30 000 a
50 000 operários para a construção civil nas grandes cidades).
Realizadas, frequentemente, em colectivo, foram quase
sempre temporárias, não provocando, por isso grandes alterações
demográficas.
O êxodo rural em direcção aos centros urbanos foi
consequência das impiedosas mudanças introduzidas no mundo
rural pela crescente industrialização, pelo impacto da vida
urbana e pelas transformações mentais entretanto ocorridas.
Iniciou-se muito cedo nos países do Noroeste europeu
(Inglaterra, Holanda, Alemanha, Irlanda ... ), mas só se
generalizou ao resto da Europa após 1870.
Fruto da miséria rural, o êxodo do camponês em direcção à
cidade reflectiu, igualmente, o desejo individual de promoção
social, de "mudar de vida" ou "fazer carreira" suscitado pelas
oportunidades que a vida urbana oferecia. Por isso, a migração
para as grandes cidades foi, normalmente, uma migração
definitiva e envolveu sobretudo as camadas jovens - daí as suas
enormes implicações: diminuição da população rural, decadência
da agricultura, envelhecimento da população camponesa, atraso
e estagnação do mundo campesino...
Os quantitativos destas migrações são difíceis de calcular
para todos os países. Os campos irlandeses lançaram no mundo
urbano perto de cinco milhões de indivíduos entre 1840 e 1914;
as populações rurais da Inglaterra registaram uma notável
redução nos seus efectivos que representavam, em 1914, apenas
um décimo da população activa total; na Alemanha, 30 milhões
de indivíduos abandonaram os campos entre 1855 e 1914; na
França, a partir de 1900, a emigração para as cidades atingiu as
38. proporções de uma verdadeira "sangria humana" - aldeias houve
que se despovoaram totalmente.
A emigração foi também um fenómeno relevante dos
séculos XIX e XX, nomeadamente entre os vários países
europeus. Neste período, a Europa conheceu importantes
transferências migratórias entre as suas nações, motivadas pelos
desníveis económicos e pelas crises de desenvolvimento, ou por
guerras e instabilidades políticas.
Uma das mais fortes ocorreu de leste para oeste, envolvendo
polacos e checos a caminho do Ocidente industrializado
(Alemanha e França, sobretudo). No final do século XIX, vagas
de eslovenos, sérvios e gregos entraram no Império Austro-
Húngaro, fugidos à guerra. A Catalunha e o país Basco espanhol
exportaram gente para o Sueste francês. Mas, a corrente mais
importante foi a dos italianos, a partir de 1861: em 1914, perto
de sete milhões haviam trocado a sua pátria pela Suíça, pela
Alemanha e pela França.
De grande importância foi, também a corrente migratória
para fora da Europa. Em 1845, a emigração europeia era ainda
modesta. Contudo, daí até vésperas da Primeira Guerra Mundial,
as saídas efectuaram-se a um ritmo crescente, ultrapassando, em
alguns períodos, 1% da população total, o que afectou o ritmo
geral de crescimento.
Genericamente, os emigrantes fugiam às crises económicas
conjunturais que assolaram as zonas industrializadas da Europa,
por meados do século. Ocasionalmente, factores políticos e
religiosos influíram também. No final do século XIX, grande
parte da emigração saída do Império Russo era constituída por
judeus que fugiam aos progroms generalizados pelo Estatuto
Nacional de 1882.
Os períodos de maior intensidade emigratória coincidiram
com: a grande crise económica e política de 1845-53, para os
países do Noroeste; as graves crises agrícolas do último quartel
do século, para a Europa Central e Oriental; e a agitação social
da primeira década do século XX, para os países mediterrânicos.
As primeiras vagas migratórias, registadas entre 1840 e
1880, foram as dos países anglo-saxónicos (Inglaterra, Irlanda,
Alemanha e Suécia) em direcção à América (Estados Unidos,
39. Canadá e Argentina) e às regiões coloniais da Austrália, da Nova
Zelândia, da África Austral e da Índia.
Após 1880, a emigração anglo-saxónica foi suplantada pela
dos franceses em direcção ao Canadá e à Argélia, pela dos países
orientais (Rússia, Polónia e Império Austro-Húngaro), e pela dos
povos mediterrânicos (Portugal, Espanha, Itália e Grécia),
canalizada maioritariamente para o Brasil e Argentina, no que
diz respeito às nações ibéricas.
Por finais do século, a emigração europeia reflectiu, ainda,
estímulos novos: o apelo lançado pelos governos europeus para
o povoamento e desenvolvimento económico das suas áreas
coloniais; a propaganda levada a efeito pelos novos países além-
Atlântico, necessitados de braços para a colonização das suas
extensas áreas incultas (o exemplo mais típico é o dos Estados
Unidos, na época de avanço para oeste); e o fascínio exercido
pelos progressos económicos dos novos países americanos que
apresentavam um alto nível de vida e ofereciam oportunidades
fáceis e rápidas de ascensão económica e social. Em 1860, a
renda per capita nos EUA era de 430 dólares, enquanto, na
mesma época, as da Inglaterra, Alemanha e Itália não iam além
dos 260, 160 e 115 dólares, respectivamente.
Situação da burguesia e do proletariado na
sociedade de classes do século XIX
A Classe burguesa
As transformações político-económicas ocorridas na Europa
ao longo do século XIX alteraram profundamente as estruturas
sociais das nações, sobretudo no mundo ocidental.
O liberalismo político, triunfante na maior parte dos países
aquém e além-Atlântico até finais do século, aboliu de vez os
antigos estatutos das ordens; acabou com os velhos privilégios
de nascimento e reconheceu constitucionalmente a igualdade
jurídica de todos perante a lei (pondo fim ao predomínio social e
político da aristocracia), ao mesmo tempo que institucionalizou,
pelo direito ao voto, a soberania popular, a liberdade dos
40. partidos e a isenção política dos governos através do
funcionamento tripartido dos órgãos de soberania.
A institucionalização destes preceitos marcou o fim jurídico
da sociedade de ordens que caracterizara o Antigo Regime
(séculos XV-XVIII), dando origem a uma sociedade mais
flexível e dinâmica onde, pelo menos teoricamente, todos os
cargos e todas as funções estavam abertos a todos os cidadãos
que os merecessem.
Ficaram, assim, criadas as condições para a extrema
mobilidade social (ascendente e descendente) que caracterizou
as sociedades burguesas e capitalistas do mundo contemporâneo,
ditas "de classes".
O respeito pelas liberdades individuais, apanágio do
liberalismo, aliado ao individualismo ideológico predominante
nas letras, na política e na economia da época, ajudaram a
implementar este facto com a convicção de que, tendo os
homens nascido iguais em direitos e deveres, as diferenças
existentes entre eles resultavam apenas das diferenças
individuais naturais. Por outras palavras, essas diferenças
provinham dos méritos próprios de cada um: das suas
capacidades inatas, como a inteligência, a sagacidade, a coragem
e o talento; das suas virtudes morais como a honra, a probidade,
o trabalho e a disciplina.
Em suma, da competência pessoal dependia a fortuna e a
importância de cada um e, consequentemente, a sua posição
pessoal.
Estas teorias sociais, que tão bem caracterizaram o
liberalismo oitocentista, pareciam amplamente comprovadas
pelos "acasos" da época. De facto, foram numerosos os
exemplos de indivíduos de origem humilde que, graças aos seus
méritos pessoais e aos bafejos da sorte, conseguiram subir os
degraus da hierarquia social para se elevarem aos mais altos
cargos económicos e políticos, transformando-se em
verdadeiros mitos para as sociedades que os geraram.
Contudo, numa época em que a industrialização crescente,
bem como o desenvolvimento intelectual e tecnológico
desestabilizavam o mercado de trabalho e o tornavam cada vez
mais exigente quanto à preparação profissional dos
41. trabalhadores, a igualdade face às oportunidades de vida e à
ascensão social estava longe de ser uma realidade. Na verdade,
os casos de ascensão social fulgurante privilegiavam mais
frequentemente aqueles que, a despeito das suas capacidades
inatas, possuíam, à partida, melhores condições sócio-económicas:
fortuna patrimonial ou própria, protecção familiar
ou outros apoios, formação escolar e intelectual. E esses
provinham, indubitavelmente, dos meios mais prósperos e
dinâmicos da época - a burguesia dos negócios, das letras, da
política.
Assim, era da burguesia que nascia a nova burguesia.
Alimentando-se constantemente de si própria, ela bloqueava aos
outros estratos sociais a possibilidade de a ela ascenderem. Este
facto real constituiu o maior obstáculo à igualdade de facto e
transformou-se num real entrave à mobilidade social e à
ascensão das classes economicamente desfavorecidas.
Sendo assim, a riqueza fornecida pelo desenvolvimento
económico e pela industrialização distribuiu-se muito
desigualmente entre os cidadãos, originando profundas clivagens
sociais em que o principal critério de diferenciação era o
económico. Nas sociedades do século XIX, os ricos continuaram
uma elite, cada vez mais restrita em número, mas mais rica em
bens; todavia, o grosso da população pouco ou nada possuía. Em
1910, enquanto o milionário americano Rockefeller era senhor
de uma fortuna avaliada em 100 milhões de dólares anuais, mais
de cinquenta por cento da população morria sem um único bem
para legar em testamento.
Deste modo, as sociedades oitocentistas viveram entre dois
extremos: os que, tendo acesso à propriedade dos bens,
usufruíam de maior poder económico e mais prestígio social -
burguesia, e aqueles que, nada tendo, sobreviviam
exclusivamente do trabalho - os proletários.
No século XIX, o sucesso do liberalismo político e
económico traduziu-se no sucesso da burguesia que, com ele, viu
legislados e institucionalizados os seus ideais: políticos - os da
democracia parlamentar e representativa, também chamada de
democracia burguesa; sociais - os de uma sociedade sem ordens
e sem privilégios de nascimento ou função, liderada pelos
42. princípios da igualdade e da liberdade individual;
comportamentais - a consciência do mérito próprio e da
competência pessoal; a crença no trabalho e na poupança, o
respeito pela propriedade, o desejo de progresso e bem-estar
material.
Assim, o modo de vida burguês - o do individualismo liberal
- sobrepôs-se ao da aristocracia, generalizando-se e
consubstanciando-se na imagem divulgada doself-made-man,
isto é, do homem que se faz a si próprio apoiado no esforço
individual.
A exaltação do trabalho e da poupança como único meio de
alcançar o êxito individual e o progresso geral, transformou-se
num dos pilares básicos do século XIX. Contrariando a antiga
nobreza - defensora do ócio, improdutiva e esbanjadora -, a
burguesia reconheceu a dignidade do trabalho e do esforço
individual como processo de libertação do homem em relação às
suas limitações naturais e condições de origem. As competências
e os méritos próprios marcavam o êxito ou o fracasso do
trabalho pessoal. «Cada um tem a sorte que merece», escrevia-se
amiúde, nesta época.
A liberdade em que se desenrolou o individualismo
oitocentista se, por um lado, veio "soltar" o indivíduo do grupo a
que, por nascimento ou função, pertencia, por outro,
responsabilizou-o, unicamente a ele, pelo sucesso ou pelo
fracasso do seu esforço individual. Sendo assim, é lógico que a
riqueza e o poder fossem considerados como o prémio pelos
méritos e capacidades de alguns; enquanto a pobreza e a miséria
sociais eram frequentemente interpretadas como o resultado
deplorável do desmazelo, da indolência, dos vícios e da
incapacidade de muitos.
A burguesia do século XIX utilizou diversos caminhos para
a obtenção do êxito individual: A carreira das armas, meio
tradicional e aristocrático para alcançar fortuna; os estudos,
universitários ou não, agora valorizados como o único meio de
adquirir as competências necessárias ao desempenho de certas
funções como: as profissões liberais, algumas das quais
resultantes do desenvolvimento científico e tecnológico da época
e altamente prestigiadas pelo seu contributo para o progresso
43. económico e para o bem-estar social. Estavam neste caso os
médicos, os advogados, os juízes e os engenheiros, os mais
prósperos profissionais de entre as classes médias; o
funcionalismo público e privado, em crescimento ao longo do
século, devido à contínua burocratização da organização estatal e
das empresas económicas (a admissão nos vários quadros do
funcionalismo exigia, como hoje, um concurso documental ou
um exame que demonstrasse as competências dos candidatos
para a execução dos cargos, por isso, conferiam posição e
prestígio a quem os desempenhasse, e eram muito procurados
pela fixidez dos salários, pela segurança do emprego e pela
relativa facilidade física das tarefas); o professorado, também em
crescimento (sobretudo o primário) devido à importância que a
instrução e o ensino adquiriram na estrutura do Estado e da
sociedade; e até o sacerdócio, cujo prestígio continuava
significativo.
Todavia, as portas das instituições de ensino não estavam ao
alcance de todos: os cursos eram longos e trabalhosos, exigiam
excepcionais dotes intelectuais pelo seu carácter selectivo e
ficavam extraordinariamente dispendiosos.
Os negócios mostravam-se mais atractivos: o
desenvolvimento demográfico, técnico e económico abrira-lhes
inúmeras oportunidades; requeriam uma preparação menos
especializada e menos longa; e ofereciam, a priori, garantias de
um rendimento maior e mais rápido.
Apesar disso, pediam também aptidões pessoais e condições
técnicas e financeiras nem sempre à mão de qualquer um; e
comportavam uma grande dose de risco e de sorte, impossíveis
de prever. Assim, tão depressa elevavam simples operários à
categoria de prósperos industriais, como, com a mesma
facilidade. arruinavam sólidas empresas.
O desenvolvimento sociocultural da época trouxe consigo
outros meios de triunfo: as artes (música, canto, pintura ... ), o
estrelato teatral, o jornalismo e a política.
Nesta época de individualismo, a variedade dos caminhos de
vida e o nível de sucesso neles atingido ditavam a diversidade
das situações sociais dentro da burguesia, no seio da qual era
possível assinalar a existência de grupos demarcados pela
44. profissão, pelo nível sociocultural e, principalmente, pelo poder
económico que detinham. A este propósito escreveu Robert
Schnerb: «No século XIX, é o dinheiro que diferencia o
indivíduo em relação à burguesia e dentro dela. É ele que
confere a posição social e a respeitabilidade.»
Todos estes grupos burgueses detiveram, no século XIX,
uma extrema mobilidade social, ascensional e descensional, no
seu seio e entre si. Este facto torna difícil definir o
escalonamento social desta época, em «constante rearrumação»,
como o afirmou Yves Lequin.
Nos lugares cimeiros, encontramos um grupo muito restrito
de famílias: as que melhor souberam aproveitar as oportunidades
económicas da nova era. Dedicavam-se a actividades altamente
lucrativas - indústrias, bancos, bolsas, companhias comerciais e
agrícolas - e à política, controlando, assim, os mecanismos
económicos da produção e do poder. Apelidavam-nas de alta
burguesia, mas, não raro, nelas se misturavam antigos
aristocratas.
Num plano inferior, situava-se um conjunto numeroso e
heterogéneo de indivíduos, espalhados por várias camadas
sociais e profissionais que ocupavam todos os degraus da
hierarquia económica: da quase miséria dos mais humildes
funcionários e dos pequenos lojistas, à prosperidade dos patrões
de pequenas e médias empresas industriais ou comerciais. Eram
as classes médias.
Difíceis de delimitar pela sua extrema mobilidade, elas
possuíram de comum «o viverem, total ou parcialmente, de outra
coisa que não o trabalho braçal» (Yves Lequin). Nelas se
incluíam as tradicionais categorias burguesas, mas também todas
as novas profissões nascidas do alargamento da divisão do
trabalho que a industrialização e a vida moderna operaram. Aqui
se alojaram, igualmente, os quadros da sociedade tradicional
sem lugar específico nas novas hierarquias, como a média e a
pequena nobrezas rurais.
Arriscando uma classificação, alguns historiadores dividem
estas classes médias em dois grupos: o da média burguesia (a
midle, midle class), composto pelos pequenos patrões de
empresas, os profissionais liberais e o alto funcionalismo dos
45. chefes de escritório, gente que auferia de vencimento, ou de
rendimento, entre 300 e 800 libras por ano; e a pequena
burguesia (a lower midle class) a que pertenciam os lojistas e
outros pequenos comerciantes, os mestres de ofícios, os
empregados bancários e do comércio, o pequeno funcionalismo.
A sua situação económica era menos desafogada, rondando, por
vezes, o nível da pobreza.
Inicialmente minoritárias, as classes médias aumentaram
bastante o seu número durante o século XIX,. Este facto deveu-se
principalmente a quatro factores: ao crescimento natural da
população, sobretudo a urbana (as classes médias oitocentistas
foram fundamentalmente urbanas); ao desenvolvimento técnico
dos meios e processos de produção agrícola e industrial que,
assim, libertaram mão-de-obra para os serviços (sector terciário);
ao alargamento dos sectores administrativos das grandes
empresas industriais e comerciais (o funcionalismo privado foi o
que mais contribuiu para o crescimento das classes médias, nesta
época); à modernização e à complexidade dos aparelhos
administrativos dos Estados (polícias, correios, ferroviários,
professores e amanuenses, entre outros).
Este aumento do sector terciário alterou a estrutura da
população activa nos vários estados europeus e condicionou
comportamentos e mentalidades.
O crescimento numérico trouxe para os colarinhos brancos,
uma nova importância: política porque, pelo seu número, pela
sua relativa ilustração e pela sua posição económica, dominavam
a opinião pública e constituíam a maioria votante; económica
pelo poder de consumo de que dispunham e/ou que
representavam, e pelo seu dinamismo produtivo.
Comportamentos e mentalidades
No século XIX, encontramos no topo das hierarquias
burguesas os grandes negociantes, os maiores industriais, os
banqueiros de nomeada e os altos financeiros, à mistura com
políticos e estadistas, pois era com estas elites que geralmente se
preenchiam os altos postos do aparelho dos Estados. Estes
homens constituíam uma espécie de nobreza entre a burguesia,
uma oligarquia minoritária mas poderosa cujo dinheiro
46. controlava todas as actividades lucrativas, dominava a vida
política e imperava socialmente.
Predominavam, entre eles, os grandes empresários, homens
que se orgulhavam da sua capacidade de gestão e espírito de
negócio, perseguindo com sagacidade, audácia e prudência o
lucro e o poder. As suas capacidades de trabalho, de iniciativa e
de inovação estiveram na base do crescimento de prósperas
empresas comerciais, industriais, agrícolas ou mineiras, a partir
das quais construíram o seu enriquecimento pessoal e
contribuíram para o desenvolvimento económico que
acompanhou o evoluir da industrialização e do capitalismo ao
longo do século XIX.
Após as primeiras gerações - geralmente constituídas
por self-made men - os grandes magnatas da época apareciam
enquadrados no seio de importantes organizações ou grupos
económicos que tinham como núcleo a família. Numa época de
impiedosa livre concorrência e de graves crises periódicas de
crescimento económico, a coesão e solidez dos laços de sangue,
bem como a solidariedade e entreajuda que espontaneamente se
gera na família, fizeram da estrutura familiar a melhor armadura
para as redes de negócios que então se estabeleciam. Assim se
formaram importantes dinastias de homens de negócio, como a
dos Rothschild, cujo génio empresarial surpreendeu o século
XIX.
Senhora de enormes fortunas mobiliárias e imobiliárias, a
alta burguesia desta época soube, pouco a pouco, construir para
si um estilo de vida sumptuoso: morava em belas residências
apalaçadas, na cidade e no campo, mobiladas com luxo,
ostentação e pormenor, rodeadas de belos jardins e parques,
servidas por batalhões de serviçais de todas as categorias;
possuía inúmeras propriedades e comprava solares aristocráticos
que usava como moradias de saison; cultivava as aparências,
vestia-se com elegância, de acordo com a moda, preocupava-se
com a reputação e evitava o escândalo; era metódica e
organizada, tanto nos negócios como na vida quotidiana (as
mulheres ocupavam-se da gestão da casa, dos criados, da
educação dos filhos pequenos, das obras de caridade ... ; os
homens dividiam o seu tempo entre o escritório ou a empresa, o