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Capítulo 1 - Meio Ambiente
           Bases Históricas e Conceituais da
                 Educação Ambiental

      É   a partir da década de 1970 que a Educação Ambiental dá seus
primeiros passos, embora, e exatamente por isso, os processos de
deterioração do ambiente já estivessem em pleno vapor. Como os movimentos
ambientalistas, essa modalidade de educação vai tomando forma à medida que
cresce na sociedade uma visão de que é preciso fazer alguma coisa diante da
degradação ambiental de um mundo que cada vez mais consome, concentra
riquezas e distribui seus estragos no ambiente.

                     Não há dúvidas que os meios de produção e de consumo constituem
                     o eixo de sustentação desse modelo econômico, cujo princípio é
                     aumentar o lucro a partir da compreensão de que a natureza não
                     passa de uma fonte de matéria-prima e energia (MUNDO
                     SU STENTÁVEL, ANDRÉ TRIGUEIRO, 2005).


       Assim, a escassez dos recursos naturais não renováveis, o
comprometimento da qualidade ambiental como um todo, a perda da
biodiversidade, a poluição dos solos, das águas e da atmosfera são
conseqüências indiscutíveis deste modelo de crescimento econômico. Embora
não tenhamos construído historicamente, na prática, nada que o substitua com
sucesso, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental.
       Mesmo nas décadas de 1960/70, a degradação já era evidente nos
países desenvolvidos, mas não tão disseminada e impactante como nos dias
de hoje. É certo que, os grandes acidentes ambientais que vinham ocorrendo,
desde 1952, serviram como alerta para a opinião pública reconhecer, pelo
menos no plano teórico, que esse modelo econômico precisa caminhar no
sentido de levar em conta os serviços ambientais fornecidos pela natureza viva,
pela natureza preservada.
       Esses acidentes ambientais, se é que devemos chamá-los assim, pelas
suas proporções ou significado simbólico, têm grande valor como
ensinamentos, pois mobilizam a opinião pública por se tratarem da morte
evitável, causada pela negligência e irresponsabilidade diante da vida humana.
       Minamata, no Japão, em 1952, foi cenário de um acidente que causou a
morte de 79 pessoas e lesões físicas e mentais em mais 602. A causa foi a
poluição das águas marinhas por galões de agrotóxicos abandonados no fundo
do mar. Com o tempo, o conteúdo venenoso vazou, acumulando mercúrio em
toda a cadeia alimentar marinha. A população que se alimentou do peixe
contaminado, morreu ou ainda sofre com problemas neurológicos.
       Também no mesmo ano, em Londres, uma inversão térmica, fenômeno
climático natural, provocou uma nuvem de poluição sobre a cidade. O ar de
Londres, contaminado pelos poluentes das fábricas, ao invés de se difundir nas
camadas mais altas da atmosfera, desceu sobre a cidade provocando a morte
de 1.600 pessoas, o que mobilizou a sociedade para a criação da Lei do Ar
Puro.
         Na Índia, na cidade de Bhopal, em 1988, um acidente em uma indústria
provocou o vazamento de gás venenoso (metil-isocianeto) matando duas mil
pessoas e ferindo 200 mil.
         A Ucrânia, país da antiga União Soviética, foi palco do maior acidente
nuclear do mundo, quando a explosão de um reator de Chernobyl provocou o
vazamento de combustível atômico. Essa tragédia matou cerca de dez mil
pessoas e afetou quatro milhões, dada a amplitude da área contaminada.
         De modo geral, os acidentes aqui relatados, e muitos outros que fazem
parte da longa lista das tragédias ambientais, mostram o descaso, a falta de
cuidado com a vida humana, a imprudência com a preservação do suporte
natural que sustenta a teia da vida no planeta. Essa compreensão, dos riscos
ambientais frente às escolhas das estratégias de desenvolvimento, foi sendo
construída, pouco a pouco, na sociedade. Essa compreensão é, sem dúvida,
mediada por interesses econômicos, político-ideológicos, culturais e sociais.
         Reconhece-se, hoje, a importância das contribuições de cientistas, da
mídia esclarecida, das universidades, dos formadores de opinião, que vêm
jogando um papel decisivo para que a consciência ambiental da população
avance e se consolide. A preocupação ambiental já é senso comum em muitos
países do mundo. Ele marca uma sociedade cuja arma de destruição principal
não é mais a bomba, e sim os meios que ela escolheu para viver.
         A publicação do livro “Primavera Silenciosa”, de Raquel Casson, em
1962, é uma contribuição fantástica para a formação da consciência ambiental
na sociedade Norte-americana, quiçá do mundo ocidental. O livro discute a
influência do DDT usado para o controle de pragas na agricultura na diminuição
da biodiversidade, em especial seu efeito cumulativo nas cadeias alimentares e
os riscos para extinção de várias espécies de aves e insetos. Daí se explica o
nome do livro: Primavera Silenciosa (sem o canto dos pássaros). Esse livro foi
um referencial importante na formulação e no desenvolvimento da consciência
ecológica que eclodiu no final dos anos 60.
         Antes, muito antes, essa forma de pensar era um privilégio de mentes
cultas e esclarecidas que já mostravam essa preocupação em suas obras. Aqui
no Brasil, pesquisas revelaram a existência de uma reflexão profunda e muito
consistente sobre a questão ambiental expressa nos escritos de grandes
intelectuais, ainda no Século XIX. Muito antes que os problemas ambientais se
agravassem de fato, alguns memoráveis escritores, como Batista da Silva
Lisboa, Joaquim Nabuco e José Bonifácio de Andrade e Silva, já
demonstravam preocupação clara com o meio ambiente (Pádua, 2002). O
discurso desses notáveis brasileiros, em pleno Século XIX, já defendia o uso
inteligente dos bens naturais e considerava “crime” os danos provocados pelas
queimadas das florestas, o desmatamento para a extração de pau-brasil e
outras plantas que infelizmente foram extintas pela visão imediatista e
utilitarista do colonizador português.
         A revolucionária década de 1960 criou um contexto histórico altamente
favorável aos movimentos sociais. Muitos têm aí seu nascedouro ou seu
espaço de exposição maior. O movimento negro, o feminismo, os movimentos
pacifistas contra a Guerra do Vietnã, paz e amor, o movimento homossexual e
ambientalista.
Nesse rico caldo de cultura dos anos 60, o ano de 1968, que já completa
40 anos, ainda é lembrado pela sua significância na mudança de
comportamentos e atitudes da sociedade. As manifestações estudantis de maio
de 1968 levaram para as ruas as bandeiras políticas e os anseios da juventude
por uma sociedade mais pacífica, mais justa, de direitos iguais para negros,
homossexuais, homens e mulheres.
        “Também foi em 68 que teve início uma consciência ambiental cada vez
mais popular diante do temor de que o planeta passe a ameaçar a própria
existência humana, a partir das mudanças climáticas drásticas e da escassez
dos recursos naturais.” (Jornal O Povo – Vida e Arte – Especial, dia 18 de maio
de 2008/ 68 – O Ano da Revolução).
        É interessante levar em conta, que, para muitos, a política verde é uma
espécie de celebração. É uma maneira de reconhecer a identidade do humano
com as outras formas de vida, reconhecer que fazemos parte da grande teia de
inter-relações que permite a vida no planeta. Que fazemos parte dos
problemas, mas também podemos contribuir, em muito, para a solução. Este
modo de pensar está muito bem expresso no livro Pensando Verde, onde Petra
Kelly ressalta também que o ambientalismo sinaliza para o simplificar da vida e
o viver em harmonia com valores humanos e ecológicos: “Haverá melhores
condições de vida porque nos permitimos começar...” A política verde passa
por uma reformulação de valores pessoais, uma certa revolução interior de
cada um, reconhecida como o verdejar do ser. (Manuel Castell)
        Assim, como o ano de 1968 foi histórico para o surgimento de uma nova
concepção de mundo, quando se bradava contra a sociedade de consumo, as
guerras, a injustiça social, a degradação ambiental, o preconceito racial e
sexual, o ano de 1972 foi também histórico, no sentido de marcar a primeira
grande ação dos governos do mundo que reconhecia a degradação ambiental
como resultante da opção de desenvolvimento. Trata-se da Conferência
Mundial para o Desenvolvimento Humano, mais conhecida como Conferência
de Estocolmo, promovida pela ONU. Essa reunião, de certa forma, foi realizada
ainda sob o impacto dos resultados do Relatório do Clube de Roma,
organizado por representantes do pensamento capitalista preocupados com os
limites do crescimento. O objetivo era pesquisar até quando se poderia
continuar crescendo, sem os riscos de faltarem recursos naturais, dentro de
uma orientação essencialmente voltada para o consumo.
        Celso Furtado, na época, refletindo sobre os limites do crescimento,
afirmava: “A qualidade e os padrões de consumo dos países desenvolvidos
não podem ser estendidos a todos os países do planeta, pois, se isso
ocorresse, a pressão sobre os recursos naturais e/ou o controle da poluição
seria de tal ordem que o sistema econômico mundial entraria em colapso”, ou
seja, quebraria. O que isso significa? Que o planeta Terra, da forma como está
sendo explorado, só pode manter o consumo desenfreado de poucos. Essa
forma de exploração dos bens naturais é por natureza segregadora. Portanto,
para que existam os grandes consumidores, é necessário que existam os
excluídos do mercado, os excluídos do consumo, os excluídos dos bens da
natureza.
        Desenvolver sem descuidar do meio ambiente foi uma grande orientação
da Conferência de Estocolmo. A Educação Ambiental aparece nas
recomendações dessa reunião como uma estratégia para que a sociedade crie
mecanismos de convivência com o meio ambiente que levem a uma redução
dos efeitos danosos do desenvolvimento. É somente 20 anos depois, na
Reunião Rio-92, mais conhecida como ECO- 92, que a comunidade planetária
expressa um sentimento profundo de desconforto com as opções de
desenvolvimento trilhadas pelo mundo moderno.
       Note-se que, nessas alturas, já se vivia claramente um tempo de
globalização. O muro de Berlim já havia caído, já se discutia, no seio dos
movimentos ambientalistas e no mundo acadêmico, as propostas de
Desenvolvimento Sustentável. O capitalismo se mostrava hegemônico, no
sentido das alternativas de desenvolvimento. O clima na ECO- 92 já estava
minado pelas idéias do Desenvolvimento Sustentável, aquele que promove o
desenvolvimento sem comprometer a capacidade de suporte dos
ecossistemas, nem a possibilidade de vida das futuras gerações. Segundo
Ignacy Sachs:
                    A aposta num desenvolvimento econômico e social contínuo,
                    harmonizada com a gestão racional do meio ambiente, passa pela
                    redefinição de todos os objetivos e de todas as modalidades de ação.
                    O ambiente é, na realidade, uma dimensão do desenvolvimento; ele
                    deve ser, portanto, internalizado em todos os níveis de tomada de
                    decisão. De fato, os problemas de uso dos recursos naturais, de
                    suprimento energético, de meio ambiente, de controle demográfico e
                    de desenvolvimento só poderão ser corretamente percebidos quando
                    examinados em suas relações mútuas, o que implica num quadro
                    conceitual unificado de planejamento. Para os países pobres, a
                    alternativa se coloca em termos de projetos de civilização originais ou
                    de não desenvolvimento, não mais parecendo possível e, sobretudo
                    tampouco desejável, a repetição dos caminhos percorridos pelos
                    países industrializados.


       O Relatório Planeta Vivo, de 2006, do Fundo Mundial para Natureza, nos
oferece um dado muito mais preocupante: diz ele que, se as coisas
continuarem seguindo esse mesmo ritmo, ou seja, o tipo de desenvolvimento
econômico continuar com a mesma voracidade atual, antes do ano de 2050,
precisaremos de mais de duas Terras para suprir a demanda de recursos
naturais da humanidade. É importante prestar atenção que nessa conta os
pobres vão continuar pobres. E é claro que é sobre eles que recai o maior
custo da degradação ambiental: aumento da fome, agravo das condições de
saúde, saneamento e moradia, configurando-se assim uma grande questão de
justiça ambiental.
       Não é sem razão que neste inicio de século vivencia-se um expressivo
desequilíbrio da economia mundial, provocado, entre outros fatores, pelo
aumento progressivo do nível de consumo de parte da população mundial, até
então excluída do mercado, como é o caso da China, da Índia e do Brasil.
       Um dos papéis primordiais da educação ambiental, referenciado em
todos os documentos, desde a Carta de Tbilise, é promover a capacitação dos
atores sociais para perceberem os problemas ambientais de seu espaço de
vida. Compreendê-los e relacioná-los com suas múltiplas dimensões: social,
ecológica, econômica, política, cultural, científica, tecnológica e ética.
       Leonardo Boff, em artigo de 2006, reflete sobre a necessidade de uma
educação que promova a aprendizagem do pensamento sistêmico, integrado.
Diz ele: “Aprender a pensar é decisivo para nos situar autonomamente no
interior da sociedade do conhecimento e da informação [...]. Para pensar de
verdade precisamos ser críticos, criativos e cuidantes.”
        Assim, é tarefa dos educadores ambientais criar situações pedagógicas
que estimulem a visão sistêmica, a reflexão crítica sobre os problemas
ambientais e suas formas racionais e criativas de superação, para formar
pessoas capazes de cuidar dos seus espaços de vida antenadas com as
questões ecológicas do planeta.
        É importante ressaltar que a percepção da realidade deve contemplar
não só os aspectos problemáticos, mas também as potencialidades das
cidades, dos ecossistemas locais, suas vocações naturais, muitas vezes
adormecidas na comunidade. Potencialidades que podem constituir-se em
possíveis caminhos em busca da sustentabilidade econômica, socioambiental e
cultural do lugar.
        A percepção do meio ambiente é parte do processo de formação de
conhecimentos e, conseqüentemente, informada por um sistema de valores
socialmente construído. Ela afere significados à realidade que cada um
percebe como membro do grupo social ou como indivíduo. A realidade é,
portanto, re-construída mentalmente no cotidiano das pessoas.
        Um dos grandes desafios, no plano da educação, é a percepção dos
problemas ambientais, uma vez que eles têm múltiplas dimensões que se inter-
relacionam fortemente. Os métodos tradicionais de pensar os problemas do
mundo, a partir de saberes fragmentados, não mais dão conta das realidades
multidimensionais e da complexidade da questão ambiental, com suas
múltiplas facetas. Assim, o desafio é entender o contexto e reconhecer a
complexidade inerente à natureza do conhecimento.
        “O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente.
É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que eles
adquiram sentido... A educação deve promover a ‘inteligência geral’ apta a
referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da sua
concepção global” (EDGAR MORIN).
        O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global, produzido pelos participantes do ECO- 92, no Rio de
Janeiro, reforça esse princípio quando afirma que:

                     A Educação Ambiental deve tratar de questões globais críticas, suas
                     causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu
                     contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados com o
                     desenvolvimento e o meio ambiente, tais como população, saúde,
                     paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e
                     fauna devem ser abordados dessa maneira (ECO- 92).


       Assim, reconhece-se que a Educação Ambiental pode contribuir para um
salto qualitativo no processo da educação tradicional, pois se atribui a tarefa de
construir novos sentidos e práticas que não são comumente cultivados no
espaço da escola.
       A natureza complexa da temática ambiental impõe ao educador a tarefa
de, junto aos educandos, tecer redes de significados que alimentem uma
análise crítica da realidade a ser re-construída pelo grupo, a partir das
experiências pessoais de seus participantes e das ações vivenciadas no
processo educativo.
        É, portanto, um desafio constante o trato com o enfoque inter e
transdisciplinar, exigência fundamental para construção das redes de
significados próprias da temática ecológico-ambiental. Daí a necessidade de
uma postura dialógica, tolerante e participativa.
        Um exemplo interessante deste processo de formação de redes é
sugerido por Mauro Guimarães no livro “A Dimensão Ambiental da Educação”,
em que tomamos a liberdade de introduzir algumas modificações:

   •   Retirem do lixo um pedaço de papel. De onde ele veio?
   •   Que acontece com a floresta e com a atmosfera quando as árvores são
       cortadas?
   •   Se esse desmatamento tiver ocorrido próximo a rios e riachos, o que
       pode acontecer?
   •   O que pode ocorrer com o solo quando as próximas chuvas caírem
       sobre a área desmatada?
   •   As inundações podem trazer doenças? Que tipos? Por quê?
   •   Para onde vão as toras de madeira?
   •   Como é feito o papel?
   •   Que produtos químicos são usados no processo?
   •   Como esses produtos afetam o meio ambiente e a saúde?
   •   Para onde foi o papel produzido pela fábrica?
   •   De que forma esse papel chegou a você?
   •   Como o papel foi usado?
   •   Poderia ter sido reutilizado?
   •   Para onde irá o papel jogado no lixo?
   •   Que acontecerá com o papel?
   •   Que forma sua cidade destina o lixo? Queima, aterro sanitário ou usina
       de reciclagem?
   •   Quais as conseqüências destes processos para o meio ambiente e a
       saúde da comunidade?

      Essa formulação é apenas um exemplo para mostrar que as ações em
Educação Ambiental exigem uma pedagogia amparada na comunicação, onde
o monólogo cede lugar às práticas dialógicas. A construção coletiva dessas
cadeias de relações promove a discussão, o processamento e análise do
conhecimento, de maneira compartilhada entre educadores e educandos, para
que, juntos, encontrem soluções que conduzam à melhoria da qualidade do
ambiente e da saúde.
      Opta-se assim, por entender a interdisciplinaridade como um processo
que só pode ser vivenciado com o outro, a partir de várias verdades
fragmentadas, a realidade é reconstruída passando pelo olho crítico do grupo.
Além do conhecimento, a Educação Ambiental busca a criação da
consciência ecológica, que é o saber-se e sentir-se parte da natureza. A
consciência de habitar, com todos os seres mortais, a mesma Terra. A
consciência de saber-se parte de uma cadeia alimentar e da complexa teia de
relações que une todos os seres vivos.
        Finalmente, perceber que nossa união com a biosfera deve conduzir ao
abandono do sonho de dominar o mundo natural, para dar lugar ao desejo de
conviver com a natureza, aprender com ela e assim criar caminhos
sustentáveis para viver (Capra, A Teia da Vida). Essa nova ética deve ser
perseguida e renovada ao longo de todo o trabalho de educação já que a visão
antropocêntrica é dominante na nossa cultura ocidental e permeia toda a nossa
praxis. Daí a necessidade de ações educativas voltadas para cultivar o
sentimento de pertencimento à natureza, sem, no entanto, esquecer que
somos capazes de nos pensarmos assim porque produzimos cultura.
Exercícios práticos de construção de cadeias alimentares, com a presença do
homem como consumidor contribuem bastante para clarear essa visão.
        É fundamental criar situações que possibilitem o desenvolvimento de
uma nova atitude diante do mundo, coerente com a consciência ecológica. O
filósofo Edgar Morin chama atenção para a cadeia trófica lembrando que:

                    “[...] toda podridão se converte em alimento, que todo resíduo se
                    converte em ingrediente, que todo subproduto se converte em
                    matéria-prima, que todo resíduo morto é reintroduzido no ciclo da
                    vida. As decomposições são festins dum fervilhar de insetos e
                    microrganismos, que adubam e remineralizam os solos e alimentam a
                    vegetação”.
      Sentir-se parte e dependente desse processo natural, dessa grande
aventura da vida é um princípio da Educação Ambiental preconizado em todos
os documentos históricos e, mais recentemente, trabalhado e difundido pelo
Centro de Eco-alfabetização de Berkeley, dirigido pelo físico Fritjof Capra:

                    É no contexto da própria crise existencial, material e ambiental que o
                    ser humano resgatará a sua condição sistêmica. Ou seja, a partir de
                    efeitos deletérios de sua práxis antropocêntrica, o homem passa a
                    saber que é um ser vivo inserido na grande teia biológica da vida e
                    que, como todas as criaturas dessa teia depende da
                    complementaridade existente entre as partes que compõem o
                    universo (CAPRA, 1997).


       A concepção de meio ambiente, dentro da visão sistêmica, abarca
múltiplas dimensões. Reconhecem-se aspectos inerentes à Biologia, Química,
Física, Sociologia, Ecologia, Geomorfologia, Política, Economia, Psicologia,
História, dentre muitos outros. Há que se reconhecer também que o público
alvo das ações educativas poderá ser bastante diversificado, quanto ao nível
de conhecimentos básicos. No entanto, essa característica que poderia ser
vista como uma ameaça ao sucesso do trabalho poderá ser revertida em uma
oportunidade para compartilhar diversidade de conhecimentos e experiências
dentro das “comunidades de aprendizagens”.
       O essencial é que os momentos de encontro, oficinas e
acompanhamento dos projetos sejam oportunidade de troca de experiências,
descobertas novas, construção de inter-relações entre saberes sempre
voltados para uma ação transformadora do espaço de vida de cada um,
melhorando a qualidade do ambiente e da saúde da comunidade.
        Grupos bem integrados e consolidados ao longo do processo educativo
podem criar elos fortes que os conduzam à formulação de projetos que possam
incorporar valor e melhorar o capital social da comunidade.
        É também recomendável estimular futuros projetos, alavancados pelo
Onda Verde, cujo foco seja o desenvolvimento de ações de Educação
Ambiental associadas às atividades econômicas que afiram ganhos financeiros
com a conservação dos ecossistemas, ou do patrimônio construído da cidade.
Neste sentido, é importante estar atento para idéias de projetos que promovam
a renda da comunidade. A agricultura ecológica, farmácias vivas, hortos,
jardinagem, floricultura, paisagismo, ecoturismo e proteção do patrimônio
histórico são sugestões já experimentadas que obtiveram sucesso. São
experiências pontuais, mas muito significativas na vida de jovens tão
fragilizados pelos efeitos desestruturantes da globalização, que têm como
expressão clara o crescimento do individualismo, da violência, da insegurança
da sobrevivência e o enfraquecimento dos laços de solidariedade.
        Os educadores ambientais têm, por um lado, a tarefa de resgatar valores
e comportamentos como confiança, respeito mútuo, responsabilidade,
compromisso, solidariedade e iniciativa e, por outro lado, propiciar o
desenvolvimento de habilidades individuais capazes de conquistar espaços
para a geração de renda e empregos que fomentem e sejam fomentados por
uma economia voltada para a construção de comunidades sustentáveis.
        Um dos principais marcos da Educação Ambiental foi formulado na
conferência de Tbilise, em 1977, conforme as decisões tomadas em
Estocolmo, em 1972, por ocasião na Conferência da ONU sobre Meio
Ambiente Humano. Quando ainda não se falava em desenvolvimento
sustentável os pensadores da Educação Ambiental de Tbilise já declaravam:

                     [...] desenvolvimento e meio ambiente não são conceitos opostos; ao
                     contrário, podem complementar-se perfeitamente. O meio ambiente é
                     um elemento que deve ser considerado mas, em primeiro lugar,
                     constitui uma fonte de possibilidades a serem exploradas com
                     imaginação e racionalidade. Analogamente, se o desenvolvimento
                     harmonioso deve levar em conta as necessidades da população,
                     deve também incorporar suas riquezas culturais e seus
                     conhecimento. O congraçamento entre o meio ambiente e o
                     desenvolvimento não vacilará em transformar a natureza, porém
                     respeitando as leis que regem o funcionamento dos ecossistemas. O
                     processo de desenvolvimento que leve em consideração o meio
                     ambiente atenderá, evidentemente, às necessidades fundamentais da
                     população; rejeitará o crescimento econômico que vise apenas ao
                     benefício de um setor privilegiado da população mundial, evitando a
                     exploração abusiva de determinados ecossistemas e os danos
                     causados a outros pela poluição. (Carta de Tbilize)


     Nota-se claramente que as concepções teóricas sobre Educação
Ambiental já mostravam forte tendência para alternativas de desenvolvimento
moduladas pela capacidade de suporte dos sistemas ecológicos do Planeta.
O Programa de Educação Ambiental do Estado do Ceará (PEACE), ao
longo de seu processo de produção coletiva e na sua expressão final, como
documento, também reafirmou as orientações fundamentais da carta de Tbilise,
e do Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA) e contribuiu com
novas estratégias, colocando a Educação Ambiental como um caminho
profícuo em busca da sociedade sustentável.
        Em que pesem todas as indefinições e a falta de estratégias mundiais
que conduzam realmente à sustentabilidade, há de se reconhecer a
importância moral deste apelo ético de responsabilidade entre gerações. A
busca da sustentabilidade passa a ser um caminho de mudança, um estímulo à
busca de alternativas locais de desenvolvimento, como compromisso ético de
conduta entre as nações. É ai, que se define a sua dimensão educativa que
postula o respeito às diversidades culturais, a proteção e o uso cauteloso dos
recursos naturais e, finalmente, propõe medidas que conduzam a uma
sociedade ecologicamente equilibrada e socialmente justa.
        O mundo atual está carente de uma Educação Ambiental que tenha
conseqüências aqui e agora, no sentido de trazer respostas mais emergenciais
aos problemas contemporâneos e não uma Educação Ambiental voltada
apenas para um futuro remoto. No sentido de apostar nos desenvolvimento de
hábitos e atitudes de longo prazo que permitam uma vida melhor, é
fundamental conceber a educação como um processo que ocorra no dia-a-dia,
de modo que implique em uma nova inserção do cotidiano. Conhecer a
legislação, comparar as práticas vivenciadas na cidade, por exemplo, com o
que deveria ser de acordo com a lei e os bons costumes, ambientalmente
corretos.
        Educar-se ambientalmente é também estar atento para as diversas
dimensões dos problemas ambientais, sejam elas de caráter legal, ecológico,
científico, cultural, social, político, econômico, ético, etc., de modo a trabalhar
os temas de Educação Ambiental, começando da formulação de um
diagnóstico participativo, na tentativa de buscar compreender as formas de
intervenção da sociedade para melhorar um aspecto que incomoda o grupo ou
trabalhar a partir do diagnóstico, a priorização das questões fundamentais no
olhar do grupo, promovido por alunos de escolas, comunidade, associações,
grupos de bairros, igrejas ou demais grupos mistos.
        É muito importante criar sugestões de aprendizagem pautadas na
realidade local, de modo a facilitar o entendimento dos conflitos de interesses
que emergem das formas de uso e ocupação do espaço urbano, como
estratégia para compreensão e desenvolvimento de práticas socioambientais
contextualizadas na realidade local.
        Estimular o diálogo sobre a complexidade dessas questões, tentando
sempre desvendar todos os diferentes interesses que se encontram em jogo,
no conflito de interesses manifestado no cotidiano é uma estratégia de grande
valor educativo. Podem ser casos comuns e correntes, tais como a ocupação
indevida de uma área de entorno de uma lagoa, a coleta seletiva de lixo,
organização dos catadores em associações, arborização de uma praça,
conservação de uma área de manguezal, licenciamentos ambientais de
construção em áreas de dunas ou em Área de Preservação Permanente (APP),
conservação de lagoas ou rios envolvendo a população local. Todas essas
situações de aprendizagem, de vivência em grupos, de embates de idéias são
momentos de construção de novos conhecimentos, de evidenciação do
contraditório. São, essencialmente, situações de vida propícias ao exercício da
cidadania e à criação compartilhada de soluções inteligentes de interesse
coletivo.
       Leonardo Boff, já citado nesse texto, diz que é preciso ser crítico, criativo
e cuidante para viver na sociedade do conhecimento. O ser crítico possibilita
desvendar as conexões ocultas que ligam coisas e fatos aparentemente
desvinculados, pensar sobre o complexo. O ser criativo propicia a construção
de idéias e soluções concretas, capazes de dirimir conflitos e enfrentar
desafios. O ser cuidante se relaciona com o desenvolvimento de princípios,
valores e atitudes que expressem o cuidado com as pessoas, com os animais,
com as plantas, com os ecossistemas, com a cidade, enfim, com a nossa
grande casa comum: a Terra.
       Como ressalta Boff: É no cuidado que mora a dimensão do humano”. E
a Educação Ambiental é uma forma delicada, prazerosa, lúdica, combativa e às
vezes irreverente e revolucionária de resgatar esse cuidado tão




       Texto extraído do Onda Verde – Programa de Educação Ambiental de
Fortaleza – Marília Lopes Brandão

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Educação Ambiental e os primeiros passos para a consciência ecológica

  • 1. Capítulo 1 - Meio Ambiente Bases Históricas e Conceituais da Educação Ambiental É a partir da década de 1970 que a Educação Ambiental dá seus primeiros passos, embora, e exatamente por isso, os processos de deterioração do ambiente já estivessem em pleno vapor. Como os movimentos ambientalistas, essa modalidade de educação vai tomando forma à medida que cresce na sociedade uma visão de que é preciso fazer alguma coisa diante da degradação ambiental de um mundo que cada vez mais consome, concentra riquezas e distribui seus estragos no ambiente. Não há dúvidas que os meios de produção e de consumo constituem o eixo de sustentação desse modelo econômico, cujo princípio é aumentar o lucro a partir da compreensão de que a natureza não passa de uma fonte de matéria-prima e energia (MUNDO SU STENTÁVEL, ANDRÉ TRIGUEIRO, 2005). Assim, a escassez dos recursos naturais não renováveis, o comprometimento da qualidade ambiental como um todo, a perda da biodiversidade, a poluição dos solos, das águas e da atmosfera são conseqüências indiscutíveis deste modelo de crescimento econômico. Embora não tenhamos construído historicamente, na prática, nada que o substitua com sucesso, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental. Mesmo nas décadas de 1960/70, a degradação já era evidente nos países desenvolvidos, mas não tão disseminada e impactante como nos dias de hoje. É certo que, os grandes acidentes ambientais que vinham ocorrendo, desde 1952, serviram como alerta para a opinião pública reconhecer, pelo menos no plano teórico, que esse modelo econômico precisa caminhar no sentido de levar em conta os serviços ambientais fornecidos pela natureza viva, pela natureza preservada. Esses acidentes ambientais, se é que devemos chamá-los assim, pelas suas proporções ou significado simbólico, têm grande valor como ensinamentos, pois mobilizam a opinião pública por se tratarem da morte evitável, causada pela negligência e irresponsabilidade diante da vida humana. Minamata, no Japão, em 1952, foi cenário de um acidente que causou a morte de 79 pessoas e lesões físicas e mentais em mais 602. A causa foi a poluição das águas marinhas por galões de agrotóxicos abandonados no fundo do mar. Com o tempo, o conteúdo venenoso vazou, acumulando mercúrio em toda a cadeia alimentar marinha. A população que se alimentou do peixe contaminado, morreu ou ainda sofre com problemas neurológicos. Também no mesmo ano, em Londres, uma inversão térmica, fenômeno climático natural, provocou uma nuvem de poluição sobre a cidade. O ar de Londres, contaminado pelos poluentes das fábricas, ao invés de se difundir nas camadas mais altas da atmosfera, desceu sobre a cidade provocando a morte
  • 2. de 1.600 pessoas, o que mobilizou a sociedade para a criação da Lei do Ar Puro. Na Índia, na cidade de Bhopal, em 1988, um acidente em uma indústria provocou o vazamento de gás venenoso (metil-isocianeto) matando duas mil pessoas e ferindo 200 mil. A Ucrânia, país da antiga União Soviética, foi palco do maior acidente nuclear do mundo, quando a explosão de um reator de Chernobyl provocou o vazamento de combustível atômico. Essa tragédia matou cerca de dez mil pessoas e afetou quatro milhões, dada a amplitude da área contaminada. De modo geral, os acidentes aqui relatados, e muitos outros que fazem parte da longa lista das tragédias ambientais, mostram o descaso, a falta de cuidado com a vida humana, a imprudência com a preservação do suporte natural que sustenta a teia da vida no planeta. Essa compreensão, dos riscos ambientais frente às escolhas das estratégias de desenvolvimento, foi sendo construída, pouco a pouco, na sociedade. Essa compreensão é, sem dúvida, mediada por interesses econômicos, político-ideológicos, culturais e sociais. Reconhece-se, hoje, a importância das contribuições de cientistas, da mídia esclarecida, das universidades, dos formadores de opinião, que vêm jogando um papel decisivo para que a consciência ambiental da população avance e se consolide. A preocupação ambiental já é senso comum em muitos países do mundo. Ele marca uma sociedade cuja arma de destruição principal não é mais a bomba, e sim os meios que ela escolheu para viver. A publicação do livro “Primavera Silenciosa”, de Raquel Casson, em 1962, é uma contribuição fantástica para a formação da consciência ambiental na sociedade Norte-americana, quiçá do mundo ocidental. O livro discute a influência do DDT usado para o controle de pragas na agricultura na diminuição da biodiversidade, em especial seu efeito cumulativo nas cadeias alimentares e os riscos para extinção de várias espécies de aves e insetos. Daí se explica o nome do livro: Primavera Silenciosa (sem o canto dos pássaros). Esse livro foi um referencial importante na formulação e no desenvolvimento da consciência ecológica que eclodiu no final dos anos 60. Antes, muito antes, essa forma de pensar era um privilégio de mentes cultas e esclarecidas que já mostravam essa preocupação em suas obras. Aqui no Brasil, pesquisas revelaram a existência de uma reflexão profunda e muito consistente sobre a questão ambiental expressa nos escritos de grandes intelectuais, ainda no Século XIX. Muito antes que os problemas ambientais se agravassem de fato, alguns memoráveis escritores, como Batista da Silva Lisboa, Joaquim Nabuco e José Bonifácio de Andrade e Silva, já demonstravam preocupação clara com o meio ambiente (Pádua, 2002). O discurso desses notáveis brasileiros, em pleno Século XIX, já defendia o uso inteligente dos bens naturais e considerava “crime” os danos provocados pelas queimadas das florestas, o desmatamento para a extração de pau-brasil e outras plantas que infelizmente foram extintas pela visão imediatista e utilitarista do colonizador português. A revolucionária década de 1960 criou um contexto histórico altamente favorável aos movimentos sociais. Muitos têm aí seu nascedouro ou seu espaço de exposição maior. O movimento negro, o feminismo, os movimentos pacifistas contra a Guerra do Vietnã, paz e amor, o movimento homossexual e ambientalista.
  • 3. Nesse rico caldo de cultura dos anos 60, o ano de 1968, que já completa 40 anos, ainda é lembrado pela sua significância na mudança de comportamentos e atitudes da sociedade. As manifestações estudantis de maio de 1968 levaram para as ruas as bandeiras políticas e os anseios da juventude por uma sociedade mais pacífica, mais justa, de direitos iguais para negros, homossexuais, homens e mulheres. “Também foi em 68 que teve início uma consciência ambiental cada vez mais popular diante do temor de que o planeta passe a ameaçar a própria existência humana, a partir das mudanças climáticas drásticas e da escassez dos recursos naturais.” (Jornal O Povo – Vida e Arte – Especial, dia 18 de maio de 2008/ 68 – O Ano da Revolução). É interessante levar em conta, que, para muitos, a política verde é uma espécie de celebração. É uma maneira de reconhecer a identidade do humano com as outras formas de vida, reconhecer que fazemos parte da grande teia de inter-relações que permite a vida no planeta. Que fazemos parte dos problemas, mas também podemos contribuir, em muito, para a solução. Este modo de pensar está muito bem expresso no livro Pensando Verde, onde Petra Kelly ressalta também que o ambientalismo sinaliza para o simplificar da vida e o viver em harmonia com valores humanos e ecológicos: “Haverá melhores condições de vida porque nos permitimos começar...” A política verde passa por uma reformulação de valores pessoais, uma certa revolução interior de cada um, reconhecida como o verdejar do ser. (Manuel Castell) Assim, como o ano de 1968 foi histórico para o surgimento de uma nova concepção de mundo, quando se bradava contra a sociedade de consumo, as guerras, a injustiça social, a degradação ambiental, o preconceito racial e sexual, o ano de 1972 foi também histórico, no sentido de marcar a primeira grande ação dos governos do mundo que reconhecia a degradação ambiental como resultante da opção de desenvolvimento. Trata-se da Conferência Mundial para o Desenvolvimento Humano, mais conhecida como Conferência de Estocolmo, promovida pela ONU. Essa reunião, de certa forma, foi realizada ainda sob o impacto dos resultados do Relatório do Clube de Roma, organizado por representantes do pensamento capitalista preocupados com os limites do crescimento. O objetivo era pesquisar até quando se poderia continuar crescendo, sem os riscos de faltarem recursos naturais, dentro de uma orientação essencialmente voltada para o consumo. Celso Furtado, na época, refletindo sobre os limites do crescimento, afirmava: “A qualidade e os padrões de consumo dos países desenvolvidos não podem ser estendidos a todos os países do planeta, pois, se isso ocorresse, a pressão sobre os recursos naturais e/ou o controle da poluição seria de tal ordem que o sistema econômico mundial entraria em colapso”, ou seja, quebraria. O que isso significa? Que o planeta Terra, da forma como está sendo explorado, só pode manter o consumo desenfreado de poucos. Essa forma de exploração dos bens naturais é por natureza segregadora. Portanto, para que existam os grandes consumidores, é necessário que existam os excluídos do mercado, os excluídos do consumo, os excluídos dos bens da natureza. Desenvolver sem descuidar do meio ambiente foi uma grande orientação da Conferência de Estocolmo. A Educação Ambiental aparece nas recomendações dessa reunião como uma estratégia para que a sociedade crie
  • 4. mecanismos de convivência com o meio ambiente que levem a uma redução dos efeitos danosos do desenvolvimento. É somente 20 anos depois, na Reunião Rio-92, mais conhecida como ECO- 92, que a comunidade planetária expressa um sentimento profundo de desconforto com as opções de desenvolvimento trilhadas pelo mundo moderno. Note-se que, nessas alturas, já se vivia claramente um tempo de globalização. O muro de Berlim já havia caído, já se discutia, no seio dos movimentos ambientalistas e no mundo acadêmico, as propostas de Desenvolvimento Sustentável. O capitalismo se mostrava hegemônico, no sentido das alternativas de desenvolvimento. O clima na ECO- 92 já estava minado pelas idéias do Desenvolvimento Sustentável, aquele que promove o desenvolvimento sem comprometer a capacidade de suporte dos ecossistemas, nem a possibilidade de vida das futuras gerações. Segundo Ignacy Sachs: A aposta num desenvolvimento econômico e social contínuo, harmonizada com a gestão racional do meio ambiente, passa pela redefinição de todos os objetivos e de todas as modalidades de ação. O ambiente é, na realidade, uma dimensão do desenvolvimento; ele deve ser, portanto, internalizado em todos os níveis de tomada de decisão. De fato, os problemas de uso dos recursos naturais, de suprimento energético, de meio ambiente, de controle demográfico e de desenvolvimento só poderão ser corretamente percebidos quando examinados em suas relações mútuas, o que implica num quadro conceitual unificado de planejamento. Para os países pobres, a alternativa se coloca em termos de projetos de civilização originais ou de não desenvolvimento, não mais parecendo possível e, sobretudo tampouco desejável, a repetição dos caminhos percorridos pelos países industrializados. O Relatório Planeta Vivo, de 2006, do Fundo Mundial para Natureza, nos oferece um dado muito mais preocupante: diz ele que, se as coisas continuarem seguindo esse mesmo ritmo, ou seja, o tipo de desenvolvimento econômico continuar com a mesma voracidade atual, antes do ano de 2050, precisaremos de mais de duas Terras para suprir a demanda de recursos naturais da humanidade. É importante prestar atenção que nessa conta os pobres vão continuar pobres. E é claro que é sobre eles que recai o maior custo da degradação ambiental: aumento da fome, agravo das condições de saúde, saneamento e moradia, configurando-se assim uma grande questão de justiça ambiental. Não é sem razão que neste inicio de século vivencia-se um expressivo desequilíbrio da economia mundial, provocado, entre outros fatores, pelo aumento progressivo do nível de consumo de parte da população mundial, até então excluída do mercado, como é o caso da China, da Índia e do Brasil. Um dos papéis primordiais da educação ambiental, referenciado em todos os documentos, desde a Carta de Tbilise, é promover a capacitação dos atores sociais para perceberem os problemas ambientais de seu espaço de vida. Compreendê-los e relacioná-los com suas múltiplas dimensões: social, ecológica, econômica, política, cultural, científica, tecnológica e ética. Leonardo Boff, em artigo de 2006, reflete sobre a necessidade de uma educação que promova a aprendizagem do pensamento sistêmico, integrado. Diz ele: “Aprender a pensar é decisivo para nos situar autonomamente no
  • 5. interior da sociedade do conhecimento e da informação [...]. Para pensar de verdade precisamos ser críticos, criativos e cuidantes.” Assim, é tarefa dos educadores ambientais criar situações pedagógicas que estimulem a visão sistêmica, a reflexão crítica sobre os problemas ambientais e suas formas racionais e criativas de superação, para formar pessoas capazes de cuidar dos seus espaços de vida antenadas com as questões ecológicas do planeta. É importante ressaltar que a percepção da realidade deve contemplar não só os aspectos problemáticos, mas também as potencialidades das cidades, dos ecossistemas locais, suas vocações naturais, muitas vezes adormecidas na comunidade. Potencialidades que podem constituir-se em possíveis caminhos em busca da sustentabilidade econômica, socioambiental e cultural do lugar. A percepção do meio ambiente é parte do processo de formação de conhecimentos e, conseqüentemente, informada por um sistema de valores socialmente construído. Ela afere significados à realidade que cada um percebe como membro do grupo social ou como indivíduo. A realidade é, portanto, re-construída mentalmente no cotidiano das pessoas. Um dos grandes desafios, no plano da educação, é a percepção dos problemas ambientais, uma vez que eles têm múltiplas dimensões que se inter- relacionam fortemente. Os métodos tradicionais de pensar os problemas do mundo, a partir de saberes fragmentados, não mais dão conta das realidades multidimensionais e da complexidade da questão ambiental, com suas múltiplas facetas. Assim, o desafio é entender o contexto e reconhecer a complexidade inerente à natureza do conhecimento. “O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que eles adquiram sentido... A educação deve promover a ‘inteligência geral’ apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da sua concepção global” (EDGAR MORIN). O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, produzido pelos participantes do ECO- 92, no Rio de Janeiro, reforça esse princípio quando afirma que: A Educação Ambiental deve tratar de questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados com o desenvolvimento e o meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e fauna devem ser abordados dessa maneira (ECO- 92). Assim, reconhece-se que a Educação Ambiental pode contribuir para um salto qualitativo no processo da educação tradicional, pois se atribui a tarefa de construir novos sentidos e práticas que não são comumente cultivados no espaço da escola. A natureza complexa da temática ambiental impõe ao educador a tarefa de, junto aos educandos, tecer redes de significados que alimentem uma análise crítica da realidade a ser re-construída pelo grupo, a partir das
  • 6. experiências pessoais de seus participantes e das ações vivenciadas no processo educativo. É, portanto, um desafio constante o trato com o enfoque inter e transdisciplinar, exigência fundamental para construção das redes de significados próprias da temática ecológico-ambiental. Daí a necessidade de uma postura dialógica, tolerante e participativa. Um exemplo interessante deste processo de formação de redes é sugerido por Mauro Guimarães no livro “A Dimensão Ambiental da Educação”, em que tomamos a liberdade de introduzir algumas modificações: • Retirem do lixo um pedaço de papel. De onde ele veio? • Que acontece com a floresta e com a atmosfera quando as árvores são cortadas? • Se esse desmatamento tiver ocorrido próximo a rios e riachos, o que pode acontecer? • O que pode ocorrer com o solo quando as próximas chuvas caírem sobre a área desmatada? • As inundações podem trazer doenças? Que tipos? Por quê? • Para onde vão as toras de madeira? • Como é feito o papel? • Que produtos químicos são usados no processo? • Como esses produtos afetam o meio ambiente e a saúde? • Para onde foi o papel produzido pela fábrica? • De que forma esse papel chegou a você? • Como o papel foi usado? • Poderia ter sido reutilizado? • Para onde irá o papel jogado no lixo? • Que acontecerá com o papel? • Que forma sua cidade destina o lixo? Queima, aterro sanitário ou usina de reciclagem? • Quais as conseqüências destes processos para o meio ambiente e a saúde da comunidade? Essa formulação é apenas um exemplo para mostrar que as ações em Educação Ambiental exigem uma pedagogia amparada na comunicação, onde o monólogo cede lugar às práticas dialógicas. A construção coletiva dessas cadeias de relações promove a discussão, o processamento e análise do conhecimento, de maneira compartilhada entre educadores e educandos, para que, juntos, encontrem soluções que conduzam à melhoria da qualidade do ambiente e da saúde. Opta-se assim, por entender a interdisciplinaridade como um processo que só pode ser vivenciado com o outro, a partir de várias verdades fragmentadas, a realidade é reconstruída passando pelo olho crítico do grupo.
  • 7. Além do conhecimento, a Educação Ambiental busca a criação da consciência ecológica, que é o saber-se e sentir-se parte da natureza. A consciência de habitar, com todos os seres mortais, a mesma Terra. A consciência de saber-se parte de uma cadeia alimentar e da complexa teia de relações que une todos os seres vivos. Finalmente, perceber que nossa união com a biosfera deve conduzir ao abandono do sonho de dominar o mundo natural, para dar lugar ao desejo de conviver com a natureza, aprender com ela e assim criar caminhos sustentáveis para viver (Capra, A Teia da Vida). Essa nova ética deve ser perseguida e renovada ao longo de todo o trabalho de educação já que a visão antropocêntrica é dominante na nossa cultura ocidental e permeia toda a nossa praxis. Daí a necessidade de ações educativas voltadas para cultivar o sentimento de pertencimento à natureza, sem, no entanto, esquecer que somos capazes de nos pensarmos assim porque produzimos cultura. Exercícios práticos de construção de cadeias alimentares, com a presença do homem como consumidor contribuem bastante para clarear essa visão. É fundamental criar situações que possibilitem o desenvolvimento de uma nova atitude diante do mundo, coerente com a consciência ecológica. O filósofo Edgar Morin chama atenção para a cadeia trófica lembrando que: “[...] toda podridão se converte em alimento, que todo resíduo se converte em ingrediente, que todo subproduto se converte em matéria-prima, que todo resíduo morto é reintroduzido no ciclo da vida. As decomposições são festins dum fervilhar de insetos e microrganismos, que adubam e remineralizam os solos e alimentam a vegetação”. Sentir-se parte e dependente desse processo natural, dessa grande aventura da vida é um princípio da Educação Ambiental preconizado em todos os documentos históricos e, mais recentemente, trabalhado e difundido pelo Centro de Eco-alfabetização de Berkeley, dirigido pelo físico Fritjof Capra: É no contexto da própria crise existencial, material e ambiental que o ser humano resgatará a sua condição sistêmica. Ou seja, a partir de efeitos deletérios de sua práxis antropocêntrica, o homem passa a saber que é um ser vivo inserido na grande teia biológica da vida e que, como todas as criaturas dessa teia depende da complementaridade existente entre as partes que compõem o universo (CAPRA, 1997). A concepção de meio ambiente, dentro da visão sistêmica, abarca múltiplas dimensões. Reconhecem-se aspectos inerentes à Biologia, Química, Física, Sociologia, Ecologia, Geomorfologia, Política, Economia, Psicologia, História, dentre muitos outros. Há que se reconhecer também que o público alvo das ações educativas poderá ser bastante diversificado, quanto ao nível de conhecimentos básicos. No entanto, essa característica que poderia ser vista como uma ameaça ao sucesso do trabalho poderá ser revertida em uma oportunidade para compartilhar diversidade de conhecimentos e experiências dentro das “comunidades de aprendizagens”. O essencial é que os momentos de encontro, oficinas e acompanhamento dos projetos sejam oportunidade de troca de experiências,
  • 8. descobertas novas, construção de inter-relações entre saberes sempre voltados para uma ação transformadora do espaço de vida de cada um, melhorando a qualidade do ambiente e da saúde da comunidade. Grupos bem integrados e consolidados ao longo do processo educativo podem criar elos fortes que os conduzam à formulação de projetos que possam incorporar valor e melhorar o capital social da comunidade. É também recomendável estimular futuros projetos, alavancados pelo Onda Verde, cujo foco seja o desenvolvimento de ações de Educação Ambiental associadas às atividades econômicas que afiram ganhos financeiros com a conservação dos ecossistemas, ou do patrimônio construído da cidade. Neste sentido, é importante estar atento para idéias de projetos que promovam a renda da comunidade. A agricultura ecológica, farmácias vivas, hortos, jardinagem, floricultura, paisagismo, ecoturismo e proteção do patrimônio histórico são sugestões já experimentadas que obtiveram sucesso. São experiências pontuais, mas muito significativas na vida de jovens tão fragilizados pelos efeitos desestruturantes da globalização, que têm como expressão clara o crescimento do individualismo, da violência, da insegurança da sobrevivência e o enfraquecimento dos laços de solidariedade. Os educadores ambientais têm, por um lado, a tarefa de resgatar valores e comportamentos como confiança, respeito mútuo, responsabilidade, compromisso, solidariedade e iniciativa e, por outro lado, propiciar o desenvolvimento de habilidades individuais capazes de conquistar espaços para a geração de renda e empregos que fomentem e sejam fomentados por uma economia voltada para a construção de comunidades sustentáveis. Um dos principais marcos da Educação Ambiental foi formulado na conferência de Tbilise, em 1977, conforme as decisões tomadas em Estocolmo, em 1972, por ocasião na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente Humano. Quando ainda não se falava em desenvolvimento sustentável os pensadores da Educação Ambiental de Tbilise já declaravam: [...] desenvolvimento e meio ambiente não são conceitos opostos; ao contrário, podem complementar-se perfeitamente. O meio ambiente é um elemento que deve ser considerado mas, em primeiro lugar, constitui uma fonte de possibilidades a serem exploradas com imaginação e racionalidade. Analogamente, se o desenvolvimento harmonioso deve levar em conta as necessidades da população, deve também incorporar suas riquezas culturais e seus conhecimento. O congraçamento entre o meio ambiente e o desenvolvimento não vacilará em transformar a natureza, porém respeitando as leis que regem o funcionamento dos ecossistemas. O processo de desenvolvimento que leve em consideração o meio ambiente atenderá, evidentemente, às necessidades fundamentais da população; rejeitará o crescimento econômico que vise apenas ao benefício de um setor privilegiado da população mundial, evitando a exploração abusiva de determinados ecossistemas e os danos causados a outros pela poluição. (Carta de Tbilize) Nota-se claramente que as concepções teóricas sobre Educação Ambiental já mostravam forte tendência para alternativas de desenvolvimento moduladas pela capacidade de suporte dos sistemas ecológicos do Planeta.
  • 9. O Programa de Educação Ambiental do Estado do Ceará (PEACE), ao longo de seu processo de produção coletiva e na sua expressão final, como documento, também reafirmou as orientações fundamentais da carta de Tbilise, e do Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA) e contribuiu com novas estratégias, colocando a Educação Ambiental como um caminho profícuo em busca da sociedade sustentável. Em que pesem todas as indefinições e a falta de estratégias mundiais que conduzam realmente à sustentabilidade, há de se reconhecer a importância moral deste apelo ético de responsabilidade entre gerações. A busca da sustentabilidade passa a ser um caminho de mudança, um estímulo à busca de alternativas locais de desenvolvimento, como compromisso ético de conduta entre as nações. É ai, que se define a sua dimensão educativa que postula o respeito às diversidades culturais, a proteção e o uso cauteloso dos recursos naturais e, finalmente, propõe medidas que conduzam a uma sociedade ecologicamente equilibrada e socialmente justa. O mundo atual está carente de uma Educação Ambiental que tenha conseqüências aqui e agora, no sentido de trazer respostas mais emergenciais aos problemas contemporâneos e não uma Educação Ambiental voltada apenas para um futuro remoto. No sentido de apostar nos desenvolvimento de hábitos e atitudes de longo prazo que permitam uma vida melhor, é fundamental conceber a educação como um processo que ocorra no dia-a-dia, de modo que implique em uma nova inserção do cotidiano. Conhecer a legislação, comparar as práticas vivenciadas na cidade, por exemplo, com o que deveria ser de acordo com a lei e os bons costumes, ambientalmente corretos. Educar-se ambientalmente é também estar atento para as diversas dimensões dos problemas ambientais, sejam elas de caráter legal, ecológico, científico, cultural, social, político, econômico, ético, etc., de modo a trabalhar os temas de Educação Ambiental, começando da formulação de um diagnóstico participativo, na tentativa de buscar compreender as formas de intervenção da sociedade para melhorar um aspecto que incomoda o grupo ou trabalhar a partir do diagnóstico, a priorização das questões fundamentais no olhar do grupo, promovido por alunos de escolas, comunidade, associações, grupos de bairros, igrejas ou demais grupos mistos. É muito importante criar sugestões de aprendizagem pautadas na realidade local, de modo a facilitar o entendimento dos conflitos de interesses que emergem das formas de uso e ocupação do espaço urbano, como estratégia para compreensão e desenvolvimento de práticas socioambientais contextualizadas na realidade local. Estimular o diálogo sobre a complexidade dessas questões, tentando sempre desvendar todos os diferentes interesses que se encontram em jogo, no conflito de interesses manifestado no cotidiano é uma estratégia de grande valor educativo. Podem ser casos comuns e correntes, tais como a ocupação indevida de uma área de entorno de uma lagoa, a coleta seletiva de lixo, organização dos catadores em associações, arborização de uma praça, conservação de uma área de manguezal, licenciamentos ambientais de construção em áreas de dunas ou em Área de Preservação Permanente (APP), conservação de lagoas ou rios envolvendo a população local. Todas essas situações de aprendizagem, de vivência em grupos, de embates de idéias são
  • 10. momentos de construção de novos conhecimentos, de evidenciação do contraditório. São, essencialmente, situações de vida propícias ao exercício da cidadania e à criação compartilhada de soluções inteligentes de interesse coletivo. Leonardo Boff, já citado nesse texto, diz que é preciso ser crítico, criativo e cuidante para viver na sociedade do conhecimento. O ser crítico possibilita desvendar as conexões ocultas que ligam coisas e fatos aparentemente desvinculados, pensar sobre o complexo. O ser criativo propicia a construção de idéias e soluções concretas, capazes de dirimir conflitos e enfrentar desafios. O ser cuidante se relaciona com o desenvolvimento de princípios, valores e atitudes que expressem o cuidado com as pessoas, com os animais, com as plantas, com os ecossistemas, com a cidade, enfim, com a nossa grande casa comum: a Terra. Como ressalta Boff: É no cuidado que mora a dimensão do humano”. E a Educação Ambiental é uma forma delicada, prazerosa, lúdica, combativa e às vezes irreverente e revolucionária de resgatar esse cuidado tão Texto extraído do Onda Verde – Programa de Educação Ambiental de Fortaleza – Marília Lopes Brandão