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GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 1
Quando a Dívida aumenta, a Democracia encolhe (2)
Os bancos souberam:
reconverter os empresários em construtores e
gestores de imobiliário hipotecado aos bancos;
acenar às famílias com crédito para casa própria,
substituindo-se a um Estado ausente da política de
habitação;
O sistema financeiro pretende
continuar na posse do aparelho de Estado e dos
domésticos políticos culturalmente indigentes que
sequestraram a democracia;
condenar várias gerações à inanição, ao
empobrecimento, à emigração ou a uma morte
antecipada.
Sumário
1 – A neocolonização do Sul da Europa
2 – O modelo histórico do baixo salário e as suas raízes
3 - Quem financia quem?
4 – Como se forma uma espiral de dívida
5 – Dois mitos para destruição urgente
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 2
1 – A neocolonização do Sul da Europa
A trama geopolítica - já referida na primeira parte deste trabalho1
- tende a
amarrar os povos da Europa do Sul a um projeto neocolonialista de novo tipo,
em que as canhoneiras são substituídas pela dívida e pelas exigências do capital
financeiro, centralizado através de instituições globais. Assim, a Europa do Sul e
de Leste constituem zonas intermédias, de separação entre um Norte onde se
acumula a riqueza e o poder do capital financeiro, por um lado; e, por outro, o
mundo islâmico ou a esfera de influência da Rússia, incluindo aqui a Ucrânia, a
Bielorússia ou a Moldávia.
É também interessante observar-se áreas de um difuso enquadramento, como a
França e a Grã-Bretanha. A primeira, oscilará entre a consolidação de um
apagamento face à Alemanha e uma ação que oriente o país para a tentativa de
enquadramento - ou até de liderança - na Europa do Sul. No caso da Grã-
Bretanha, alicerçada no poder da City joga-se mais num contexto atlântico do
que nas disputas continentais, sendo bem conhecido o seu distanciamento face
ao voluntarismo europeísta, com particular relevo na recusa em aceitar o euro.
No fundo, ressalta uma lógica de fragmentação europeia que faz esquecer a
retórica em torno de um projeto europeu, cada vez mais messiânico; as
promessas da coesão europeia em que ninguém acredita, mesmo quando se
multiplicam, quer a criação de instrumentos políticos ou económicos de
intervenção global quer as fotografias dos sorridentes dirigentes comunitários.
Tal como no colonialismo clássico, sempre se arranjam sobas ou marajás locais
para amansar a resistência dos povos ao exercício da soberania exterior, em
troca de mordomias e honrarias. Tal como no colonialismo clássico sempre se
encontram sobas para arregimentar escravos para venda além-mar. Esses sobas
têm nomes conhecidos, como Passos, Rajoy, Samaras…
Qualquer lógica de colonização contempla uma especialização produtiva que
integra regiões diversas – a colonizadora e a colonizada - num quadro de
complementaridades entre desiguais. Essa desigualdade primordial conduz ao
enriquecimento das potências coloniais e à degradação e desestruturação das
economias colonizadas. Assim, as zonas colonizadas tendem a especializar-se
na produção e exportação de bens baseados em trabalho barato para fornecer
à potência imperial e com forte componente importada, associada à importação
de energia, matérias primas, equipamentos ou bens alimentares da metrópole
colonizadora. Essa preocupação ficou bem expressa, recentemente, por
governantes alemães2
Para que essas zonas colonizadas possam abastecer as áreas mais ricas no
quadro da UE e garantir a sua competitividade face aos designados
1
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/05/quando-divida-aumenta-democracia.html
2
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/06/apoio-alemao-empresas-portuguesas.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 3
“emergentes”, têm de concorrer com estes, em termos salariais e das condições
de trabalho; têm de gerar condições para o fornecimento de contingentes de
emigrantes, seja de gente qualificada cuja formação é paga pelos povos
subalternizados, seja de pessoas menos qualificadas destinadas a funções
socialmente pouco valorizadas. No caso português podem servir ainda de
destino aos lazeres dos ricos, oferecendo climas aprazíveis e viagens curtas de
acesso, com um grau muito aceitável de segurança no espaço público. Essas são
as funções a desempenhar pelo Sul europeu.
Nesse contexto de especialização, tende a formar-se um crónico deficit
corrente, nas regiões colonizadas, a exigir pagamentos em moeda de curso
internacional (euro, dólar…). Salazar nunca permitiu que as colónias
portuguesas tivessem a mesma moeda da “metrópole”; tinham moedas locais,
de curso interno mas, pagavam as importações provenientes da “metrópole”
em escudos, gerando-se nos últimos anos coloniais o problema dos
“atrasados”, por falta de moeda aceite pelos credores lusos. A França tinha na
Indochina a piastra e não o franco, enquanto que a rupia foi a moeda na Índia
durante toda a colonização inglesa. Hoje, o Sul da Europa é objeto de uma
especialização produtiva utilizando a moeda da potência dominante, o que
agiliza as ligações comerciais e financeiras, encobre a situação de domínio junto
das populações, sem contudo deixar de evidenciar esse domínio através do
controlo do BCE, da hierarquia instituída no Tratado de Lisboa, pela utilização
das instituições comunitárias e dos seus mentecaptos comissários, como
fachada executiva de um “projeto europeu”. A História não se repete mas os
instrumentos de dominação podem ser os mesmos, utilizados de formas
diferentes.
Uma avaliação desses desequilíbrios entre o Norte e o Sul, antes e depois do
euro, da centralização da política monetária em Frankfurt e da instituição das
decisões por maioria de países, fica pelo caminho a ideia encantatória de um
estado federado e a real substituição dessa ideia, por uma UE desigual e re-
hierarquizada, com o apagamento de qualquer poder por parte dos países mais
pequenos, enredados em diretivas e instituições onde não têm qualquer poder
de decisão. Como é evidente, os mandarins globais e os seus mandantes da alta
finança, garantem que tudo acabará em bem depois das reestruturações, das
reformas estruturais, dos necessários sacrifícios… A nomeação pelo capital
financeiro de sobas dos partidos-estados locais pretende garantir a tradução
nas línguas nacionais desses placebos, com a devida subserviência.
Balança corrente (M euros) Soma 2002-2012 (set)
Saldos positivos Saldos negativos
Alemanha 1.336.079 Espanha -611.758
Holanda 403.504 Itália -266.534
Áustria 73.947 Grécia -210.543
Finlândia 53.097 França -169.495
Bélgica 38.901 Portugal -156.035
Irlanda -29.408
Total 1.905.528 Total -1.443.773
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 4
Fonte primária: Eurostat. Retirado de
3
Não é no âmbito deste texto que iremos abordar a questão do euro; se este
desaba sozinho, por implosão interessada da Alemanha, se Portugal, pequena e
mansa periferia, é arredado do clube euro ou, se – com probabilidade
infinitesimal – o partido-estado, com ou sem os manos Dupont/Dupond4
(Passos/Seguro), decide sair da zona euro.
Convém ainda sublinhar que todo este processo de exercício do poder
tomando a dívida como um dos principais instrumentos e tendo o
empobrecimento e o genocídio como consequências se insere no âmbito da
globalização capitalista. Precisamente porque se trata de um processo global
exige uma resposta conjunta, internacionalista; e, toda e qualquer proposta de
encerramento nacionalista não passa de uma proposta reacionária que favorece
os mais altos poderes do capitalismo global.
2 – O modelo histórico do baixo salário e as suas raízes
Entre os problemas estruturais em Portugal está a fragilidade do tecido
económico e a escassa qualidade da maioria dos empresários, incapazes de
sobreviver num contexto de globalização e agressividade competitiva5
. As
empresas portuguesas têm baixos indicadores de capitais próprios, são muito
pequenas (84.5% têm menos de dez trabalhadores em 2010); são mais unidades
familiares alargadas para a exploração de um negócio, do que verdadeiros
empresas. No tempo do fascismo beneficiaram da proteção do
condicionamento, da ausência de concorrência, de fronteiras fechadas por
pautas aduaneiras, de mercados coloniais protegidos e, sobretudo dos baixos
salários. Desenvolveram, entretanto outras capacidades, como a utilização de
expedientes que tornam as empresas centros de custos para gastos pessoais; e
como a fraude e evasão fiscal, beneficiando de toda a complacência dos
governos que têm permitido assim, a sobrevivência dessas empresas por
contrapartida do subfinanciamento do Estado6
e da Segurança Social7
. A uma
tradicional cultura popular de tolerância face à corrupção juntou-se a deificação
da figura do empresário e do negócio, reabilitados poucos anos após a
normalização de novembro de 1975. Uma imagem que os baixos níveis de
investimento não confirmam tão destacados empreendedores.
À medida que essas vias tradicionais se tornam insuficientes ou não disponíveis,
como resultado da globalização e dos normativos comunitários (anulação de
política monetária própria, nomeadamente) a precária sobrevivência do
empresariato luso fica dependente do baixo salário, como aliás, constitui uma
3
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html
4
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/01/normal-0-21-false-false-false_1783.html
5
http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros
6
http://www.slideshare.net/durgarrai/dvida-pblica-os-principais-tipos-de-gasto-pblico-2-parte
http://www.slideshare.net/durgarrai/segurana-social-processos-de-descapitalizao-1
7
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 5
constante na história de Portugal, nos últimos séculos, com a exploração do
trabalho escravo no Brasil ou do tráfego de escravos no Atlântico, da mão de
obra “indígena” nas colónias africanas, das receitas da emigração no século XX
e que, agora se pretende repetir. À medida que Portugal foi perdendo um papel
relevante na História, a inerente subalternização da burguesia portuguesa não
lhe permite ter um caráter industrioso e apenas um papel de intermediário em
pequenos negócios de caráter local. Veja-se a figura do Oliveira de Figueira,
comerciante português nas histórias do Tim-Tim, a função dos retalhistas de
Caracas ou da África do Sul, muito lestos a explorar os mais pobres, aliando-se
aos poderes mais reacionários da corrupta elite venezuelana pré-Chavez ou aos
racistas sul-africanos, ultrapassados claramente em virulência pelos merceeiros
portugueses em tempos de apartheid.
O modelo do baixo salário que constitui a actual vocação imposta a Portugal,
no quadro da zona euro é o mesmo que foi aplicado historicamente, no tempo
em que a burguesia portuguesa tinha alguns laivos de soberania. E, não parece
que uma eventual saída do euro, com desvalorizações frequentes da moeda
própria, inflação - e repressão para a manutenção de “contenção” salarial para
garantir a sagrada competitividade externa - altere em grande coisa o modelo
social político, económico e social actual, com raízes no baixo salário. Não
consideramos que o véu monetário (moeda própria, manipulação das taxas de
câmbio e de juros) vá para além disso mesmo, em termos sociais, no quadro da
globalização.
O gráfico seguinte evidencia as fraquezas financeiras referidas, a enorme
dependência do crédito ou, de outro modo, como é baixa a autonomia
financeira, a parcela de capitais próprios nas empresas portuguesas. E aí está
sem dúvida uma “desvantagem competitiva”. Essa fragilidade habilita o capital
alemão a querer investir na Península na compra ou na geração de dependência
através do crédito, dada a penúria de meios dos bancos portugueses8
.
8
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/06/apoio-alemao-empresas-portuguesas.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 6
Taxa de endividamento líquido, após impostos, das sociedades não
financeiras/Taux d'endettement net, après impôt, des entreprises non-
financières (%)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1100
1200
1300
1400
1500
1600
1700
1800
1900
2000
2100
2200
2300
1999 
2000 
2001 
2002 
2003 
2004 
2005 
2006 
2007 
2008 
2009 
2010 
Alemanha Espanha França Irlanda Itália Portugal
Fonte: Eurostat (já não disponível)
Entre 1991 e 2010 a evolução do elenco das empresas portuguesas não é
auspicioso, aumentando substancialmente o número de muito pequenas
empresas e o seu peso no total, revelando assim um acréscimo nas fragilidades
do conjunto das empresas portuguesas.
Assiste-se a uma pulverização de constituição de empresas, à segmentação das
atividades por várias empresas dentro de um mesmo grupo, o que corresponde
a uma tendência resultante da possibilidade material do funcionamento
integrado possibilitado pelas novas tecnologias de computação e informação;
para além de alguma presunção de uma empresa se considerar como incluída
num “grupo”, associada a uma reabilitação e exibição da figura do patrão
(atualmente designado por empreendedor, investidor ou empregador) depois
do seu descrédito observado depois de 25 de Abril de 1974.
Empresas em Portugal (Continente)
1991 2010 Variação
nº % nº % %
Total 142587 100 282050 100 97,8
< 4 trab 75506 53,0 186322 66,1 146,8
1/9 trab 32619 22,9 51885 18,4 59,1
< 10 trab 34462 24,2 43843 15,5 27,2
MTSS - Quadros de pessoal
O número calculado de “não-TCO” nos quadros das empresas é
esmagadoramente (96.2% em 2010) constituído por “empregadores”. E o
volume desses “não-TCO” cresce regularmente de 131.9 mil em 1991 para 248.4
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 7
mil em 2002, reduzindo-se ligeiramente até 2009 para decair até aos 179.6 mil
em 2010; em todo o período 1991/2010 o número de “não-TCO” terá crescido
36.1%. Isto revela precisamente a autonomia relativa de unidades de custo sob
a forma empresarial, num contexto de centralização de capital e não uma
explosão do acesso de pessoas ao mundo empresarial; embora o volume de
TCO no mesmo período tenha crescido menos (28.2% do que o conjunto dos
“não-TCO”. (TCO=trabalhadores por conta de outrém)
Por outro lado, na indústria transformadora – principal veículo da exportação -
o número de empresas cresceu apenas 6.6% no periodo e foi submergido pelo
elevado crescimento das empresas de construção, comércio e serviços. Esta
evolução, reflete os desequilíbrios externos essenciais; redução do peso relativo
das empresas (e trabalhadores) nas áreas de produção material dirigidas para o
mercado interno como para a exportação e um reforço substancial da produção
de bens (construção) e serviços não transacionáveis, bem como da distribuição
de bens importados, com a manutenção de uma pulverizada área de comércio e
restauração, constituída por muito pequenas empresas de gestão familiar.
Empresas por sector de atividade em Portugal (Continente)
1991 2010 Variação
nº % nº % %
Total 142587 100 282050 100 97,8
Ind. Transf. 33114 23,2 35297 12,5 6,6
Construção 14668 10,3 36101 12,8 146,1
Comercio e hotelaria 59375 41,6 110148 39,1 85,5
Serviços 17052 12,0 72533 25,7 325,4
Outras 18378 12,9 27971 9,9 52,2
MTSS - Quadros de pessoal
A dívida média das empresas à banca, recentemente, é da ordem dos € 490000,
sabendo-se, porém, que para 61.1% daquelas que têm crédito concedido, o
valor desses débitos é inferior a € 50000 e que somente 11.5% das empresas
devedoras da banca tem uma dívida superior à média global 9
.
Finalmente, refira-se que 54.1% das empresas têm uma faturação anual inferior
a €150000 (€ 12500/mês) e quase ¼ têm um volume médio de vendas mensais
da ordem dos € 2100. Esta situação reveladora de escassa dimensão e
fragilidade, é muito sensível à imensa quebra do consumo interno e às
restrições de crédito, estas inerentes ao risco bancário na concessão de crédito
bem como à própria penúria de capitais dos bancos. Neste contexto, os bancos
mostram-se muito relutantes a fornecer novos créditos e são obrigados ainda -
a braços com créditos de recuperação difícil, pelo menos nos prazos
inicialmente propostos - a aceitar reescalonamentos, bem claros no aumento
substancial do crédito a mais de cinco anos. Em todas estas dificuldades
transparece a irracionalidade do capitalismo, dos bancos, ao terem afunilado os
9
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/05/divida-portuguesa-total-canibalizacao.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 8
seus créditos na especulação imobiliária e no crédito a muito longo prazo
(habitação), desestruturando totalmente a economia portuguesa.
3 - Quem financia quem?
Em 2007, a dívida das empresas privadas (excluindo o financiamento junto de
outras empresas) correspondia a 113.2% do PIB, o que se eleva a 132.1% em
fevereiro de 2013 (159.7% e 185.8%, respetivamente se se não proceder à
exclusão referida).
Os grandes grupos estatísticos que financiam as empresas privadas são o setor
financeiro e outras empresas, com valores, no conjunto de € 270400 M em
dezembro de 2007 e € 307300 M em fevereiro último, mantendo-se este
número praticamente estável desde 2010, evidenciando um crescimento de
apenas 13.7% em todo o período. Sinteticamente, o crescimento observado
para a dívida do conjunto das empresas privadas foi de € 37000 M, com quase €
25000 M somente entre 2007 e 2008.
Financiadores das empresas privadas
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Administrações públicas Setor financeiro
Empresas Particulares
Exterior
Fonte primária: Banco de Portugal
A quase única variação estrutural observada no conjunto dos financiadores das
empresas privadas consiste na redução da dívida ao setor financeiro (menos €
4000 M entre 2007 e 2013-fev) compensado pelo forte aumento da dívida ao
exterior (mais € 25000 M no mesmo período). A incapacidade financeira dos
bancos aliada aos riscos inerentes à quebra da atividade económica no seio de
empresas com frágeis estruturas financeiras, conduziu a que as empresas de
maiores dimensões ou mais ligadas ao exterior tenham substituído a banca
portuguesa por financiadores externos. Por outro lado, observa-se também um
aumento da dívida junto de outras empresas e particulares, no âmbito de
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 9
lógicas de grupo ou de suprimentos de sócios para reforço das necessidades
financeiras que os bancos não conseguem prover e que também não terão
acesso a crédito obtido no exterior.
Associadas às empresas privadas, neste contexto de dívida estão as empresas
públicas para as quais se detém uma informação semelhante. As suas dívidas
orçavam € 29700 M em 2007 e € 46700 M em fevereiro deste ano, mantendo-se
nesta ordem de grandeza desde 2010. No período considerado, a dívida das
empresas pública cresceu 57.3%.
No quadro desse crescimento verifica-se uma substituição do financiamento
direto do exterior pelo crédito fornecido pelo Estado que, irrelevante em 2007
atinge a quinta parte do total este ano. Em valores absolutos o financiamento
externo estagnou em 2009/2011, para se reduzir posteriormente, acompanhado
de modo mais ténue pelo apoio do sistema financeiro interno.
A dívida das empresas públicas ao Estado orça os € 9300 M em fevereiro último,
depois do grande crescimento observado em 2010/2012. Em 2007 este
conjunto de empresas tinha uma dívida correspondente a 17.5% do PIB, que se
elevou para 22.6% em fevereiro (28.2% se se considerar a dívida “interna” ao
Estado).
Financiadores das empresas públicas
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Administrações públicas Setor financeiro
Empresas Particulares
Exterior
Conhece-se bem o processo. Perante a cotação dada pelas agências de “rating”
à dívida pública, o financiamento externo retraiu-se, os bancos adquiriram
financiamento barato junto do BCE que posteriormente canalizaram para a
compra de títulos da dívida pública… entregues ao BCE como garantia dos
empréstimos aos bancos. O Estado – impedido por lei de recorrer diretamente
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 10
ao BCE - colocou esses meios no apoio às empresas públicas, cobrando os
bancos diferenciais apreciáveis entre as taxas de juro pagas ao BCE (1%) e as
conseguidas na emissão de dívida pública, substancialmente mais elevadas,
dada a cotação de “lixo” fornecida pelas prestimáveis agências de “rating” à
dívida pública. A banca como máquina de sucção, sem riscos; o “mercado” de
que os banqueiros gostam.
No contexto das suas fragilidades estruturais, os bancos tenderão a preferir
aplicar capitais em dívida pública também porque o Estado não vai à falência,
como as empresas, pois detém o sagrado direito de extorsão sobre a
população; o Estado detém o privilégio de cobrar tributo sem qualquer
contrapartida inerente, nem justificação acurada, bastando para o efeito decisão
do gang governamental, com ou sem o conforto de aprovação parlamentar
mas, sempre com o discreto e dirimente apoio da suserania da troika. E,
entretanto, recorde-se que o sistema financeiro define ou influencia fortemente
as decisões dos mandarins, como se observou, recentemente a propósito do
caso dos swaps. Caso esse que já deveria ter conduzido à indiciação de alguns
gestores do partido-estado por gestão danosa, com direito a pulseira
eletrónica, no mínimo.
4 – Como se forma uma espiral de dívida
O fluxo dos fundos comunitários a partir de 1985, a liberalização dos
movimentos de capitais e o euro, constituíram a alegria do sistema financeiro
luso. Os fundos oleavam as disponibilidades dos bancos e dos construtores
civis; a liberalização baixava as taxas de juro e facilitava a procura de crédito; e o
euro eliminava o risco cambial, enquanto se reduziam drasticamente os
entraves ao recurso aos capitais externos. A liberalização dos movimentos de
capitais foi aprovada através da diretiva n.º 88/61/CEE do Conselho, de 24 de
Junho de 1988 e cuja doutrina foi posteriormente integrada no Tratado da
Comunidade Europeia (Tratado CE) pelo Tratado da União Europeia (Tratado de
Maastricht).
As novas facilidades para a captação de capitais externos animavam os
pequenos e médios banqueiros portugueses embora tivessem de ceder parte
do mercado a uma forte participação em Portugal de grandes bancos
espanhóis. Recordamos Roquete ao funcionar no Totta como testa de ferro do
Santander por imposição do governo e do Ricardo Salgado; como lembramos
Salgado ter retirado a possibilidade da intervenção espontânea a Durão na
campanha eleitoral de 2002, depois do ignorante ter proposto a privatização da
CGD.
Por outro lado, a economia produtiva, devido ao seu endividamento, aos largos
prazos de recuperação dos investimentos inerentes a essas atividades, bem
como aos riscos e dificuldades surgidas do alargamento da UE a Leste e ainda
do desarmamento aduaneiro face aos produtos dos países “emergentes”,
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 11
mormente a China (acordo Multifibras), não eram áreas que interessassem os
bancos.
Para os bancos, o crédito concedido a empresas descapitalizadas ou inviáveis
no novo contexto de liberalização das trocas comerciais, geridas por
empresários manhosos e incapazes10
, não era prioritário. A não ser que
pudessem oferecer como garantia bens reais e com valorização garantida com a
passagem do tempo, como é o caso das empresas imobiliárias, de construção
ou de promoção turística. E daí que a construção e o imobiliário
representassem 12% do crédito concedido em 1996 e 40% em 2012.
Estas distorsões promovidas pela política de crédito têm também impactos
evidentes no emprego. Em 2010, a indústria transformadora que correspondia a
22% do pessoal ao serviço das empresas, beneficiava de 13% crédito;
inversamente a construção e o imobiliário com quotas, respetivamente, de 11%
e 1% no pessoal ao serviço das empresas, absorviam 22% e 14% do crédito
total.
Em 1993/95 há um período de forte recessão que promoveu a fim do
cavaquismo em cujos bastidores já se observava a maléfica presença do
António Borges, do Vítor Gaspar, géneros de agente laranja, embora só um
pateta como o Catroga tenha chegado a ministro.
Com o regresso do PS ao governo em 1995 foi lançada com mais fulgor a orgia
do imobiliário/turismo/construção em detrimento da economia produtiva. Os
empreiteiros pequenos ou grandes, com larga utilização de mão de obra
imigrada passaram da construção para o imobiliário comercial e turístico; e
foram seguidos por muitos industriais possuidores de terrenos com boa
localização para erigir supermercados, centros comerciais, condomínios ou
descaraterizados subúrbios. As facilidades de concessão de crédito abriram
“oportunidades de negócio” a um vasto leque de parasitas que adoptaram a
designação de promotores imobiliários. Os bancos emprestavam facilmente, as
câmaras aprovavam loteamentos, partidos e autarcas eram destinos do
pagamento de favores e os governos continuaram sem uma política de
habitação.11
Os bancos e o seu Estado criaram uma verdadeira cadeia de
montagem; empréstimos ao sector imobiliário, este paga aos bancos com a
venda das habitações financiadas pelo sistema bancário, que fica feliz fechando
o circuito com uma enorme faixa da população endividada por décadas.
10
http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros
11
A dívida de pessoas e empresas – a dependência eterna
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/09/v-behaviorurldefaultvmlo_15.html
Sobre a (não) política de habitação dos governos portugueses
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/12/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi-1.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 12
Evolução (1979=100)
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
5500
6000
65001979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
Crédito concedido rend. trabalho rend. empresa PIB FBCF
Fonte primária: Banco de Portugal
Para facilitar um destino final para tanta habitação (e também lojas e
escritórios), os governos deram vários e bons contributos.
• Avançaram com bonificações de juros para compra de habitação e Durão
Barroso extinguiu-as ainda se não adivinhava a crise actual; por seu
turno, Sócrates reviu as situações já em vigor12
;
• O partido-estado facilitou também deduções de juros em sede de IRS.
Relativamente a 2011 a dedução máxima era de € 591, correspondente a
30% de um juro anual pago de € 1970 (ou superior), admissível para
alguém que tivesse uma prestação mensal elevada, de uns €750/800
(cálculo baseado em caso concreto). Para o último ano de entrega de
declaração de IRS (2012) o agente laranja Gaspar manteve os € 591 de
dedução mas, este máximo terá de corresponder apenas a 15% do valor
total dos juros pagos; neste caso, o contribuinte terá de ter pago de juros
pelo crédito à habitação mais de € 3940 devendo a prestação mensal ser,
pelo menos, da ordem dos € 1550! Para uma benesse fiscal anual de €
591, o Estado que tanto incentivou a população a endividar-se para
comprar casa exige que o endividado pague de prestações um valor
anual de € 18500/19000 que, como se pode observar, não é possível de
arcar pela esmagadora maioria da população;
• Em 2009/2011 as deduções dos juros na coleta de IRS relativas a juros de
empréstimos para habitação situaram-se numa média de € 560/580 M,
abrangendo cerca de 1.1M de famílias; com a alteração introduzida para
12
http://www.publico.pt/economia/noticia/credito-bonificado-a-habitacao-e-extinto-hoje-181073
http://dre.pt/pdf1s/2008/04/08000/0238302388.pdf
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 13
2012 o Estado retira às famílias uns € 280 M que havia deduzido da carga
fiscal para facilitar o endividamento das pessoas. É o que se chama
mudar as regras do jogo antes de ele ter acabado; é o comportamento
que se tornou habitual no ilegítimo e cleptocrático Estado português;
• Outro exemplo está nas isenções de Contribuição Autárquica/IMI, com a
correspondente perda de receita fiscal a qual, não impediu a passagem
de uma cobrança de € 695 M em 2003 para cerca de € 1100 M no último
triénio conhecido (2008/2010);
• Para incentivar a compra de habitação, foram dadas isenções de dez
anos, atualmente restritas a cinco anos, estando em curso um programa
de aumentos substanciais do imposto através de enormes reavaliações
do património para os próximos anos. Tendo em conta a grande quebra
do poder de compra em Portugal vai tornar-se difícil muitas famílias
manterem as suas casas, sendo de esperar um forte incentivo
governamental para a sua venda a pensionistas dos países do norte da
Europa. Uma vez mais se levantam aqui questões de responsabilização
do atual sistema político-partidário e dos bancos pela situação
desastrosa de muitas famílias com dificuldades para pagar os
empréstimos.
O gráfico seguinte revela o desenvolvimento do desastre. Numa primeira fase
predomina o crédito às empresas e a partir de meados da década de 90 o
reforço do peso do imobiliário aliado ao apagamento relativo de outros setores
acaba por desembocar numa segunda fase do ciclo, quando o crédito bancário
se concentra nas famílias, nomeadamente para financiamento de habitação
própria, não sendo dispiciendo o empenho dos bancos em criar novas
dependências para as pessoas, financiando consumos supérfluos ou
sumptuários. De facto, os bancos consideravam mais seguro aplicar os seus
capitais em empréstimos de muito longo prazo, com garantias reais e sabendo
que só em caso extremo as famílias deixariam de pagar as prestações. Daí que o
crédito às empresas tenha crescido 30 vezes desde 1979 mas, 311 vezes no que
se refere às famílias.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 14
Repartição do crédito - empresas e famílias
0%
25%
50%
75%
100%
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
Empresas Famílias
Fonte primária: Banco de Portugal
O sistema bancário criava assim uma grande imobilização de capitais, com
empréstimos sem risco, em vigor durante várias décadas tornando-se, na
realidade rentista. Ora o rentismo não é a vocação dos bancos; a especulação
de câmbios, as operações de titularização e derivados rendem muito mais do
que os spreads no crédito à habitação.
5 – Dois mitos para destruição urgente
O marketing político e a superficialidade dos media divulgam falsidades e
geram mitos.
É fácil ver que o funcionamento do mercado é uma treta e nada tem de
virtuoso. Os bancos lançaram-se na obtenção de créditos sobre créditos,
imaginando que a esponja lusitana absorveria toda a colocação dessa dívida, ad
eternum; os construtores pensavam poder erigir novo imobiliário sempre com
preços em “valorização”; a classe política, nomeadamente a ligada aos
loteamentos ia arrecadando luvas dos loteadores e endividando as câmaras. E
muita gente acreditava que uma casa de praia a somar ao habitáculo de cidade
era quase uma obrigação, dadas as vantagens de crédito oferecidas pelos
bancos.
O funcionamento do mercado, que se pretende desregulamentado, “livre”,
como expressão de acordos entre entes livres e “iguais”, como empresas
poderosas e uma família de trabalhadores, não seria possível sem o dedicado
apoio do Estado; sem a utilização do aparelho de Estado, as suas imposições e
coerções face ao povo, o mercado não seria veículo essencial para a
acumulação capitalista.
Para colmatar os chamados desajustamentos do mercado – a palavra
desajustamento pretende apontar para um desvio conjuntural, ocultando a real
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 15
tragédia estrutural - o Estado e os governos ao serviço da troika entraram em
cena do modo habitual, ajudando os bancos com muitos milhares de milhões,
sem sequer aventar uma hipótese de fusões entre eles13
. Em contrapartida, às
famílias endividadas e sem recursos, muitas vezes resultantes do desemprego e
da austeridade, o Estado anula os benefícios fiscais que havia dado para compra
de habitação e fornece, de má vontade e com limitações, subsídios de
desemprego que acabarão muito antes que surja um novo emprego ou,
encarrega a Jonet de fornecer uns quilos de açúcar para adoçar um despejo que
venha a caminho.
A existência em Portugal de 1.4 M de pessoas disponíveis para o trabalho, sem
o conseguirem, só pode ser considerado como resultado de um
desajustamento do mercado de trabalho para quem seja idiota ou beneficie de
algum modo, com o capitalismo, excludente e genocida.
No fim – mesmo com os apoios estatais - o infalível “mercado” produziu um
enorme desequilíbrio de 5.9 M de casas para 4 M de famílias; e, mesmo entre
estas, muitas, acossadas pelo desemprego, não as conseguem pagar nem
vender, a não ser com perdas brutais. Como se referiu mais acima somente 1.1
M de agregados familiares está a pagar empréstimos pela compra de habitação
e, entre os restantes, muitos não têm sequer capacidade para pagar um
arrendamento.
Para terminar esta peça centrada na dívida privada, convirá destruir a
propaganda criminalizadora das famílias portuguesas, acusadas pelo poder de
“viverem acima das suas posses”. Esta mensagem junta-se à pose conformista e
reacionária de pessoas que se preocupam com a dívida pública ou ao exterior
porque “não queremos ser caloteiros”, assumindo assim uma honra ofendida
resultante de um espírito patrioteiro, conveniente para a direita e defendido por
parte importante da esquerda do sistema.
A dívida acumulada pelo conjunto das famílias apresenta grande estabilidade
no período que se inicia em 2007, com um valor em torno de € 165000 M (99%
do PIB). No total dos financiadores das famílias pesa, substancialmente o
sistema financeiro com quase 90% do total em todo o período considerado.
A dívida média, em 2012, com a compra de habitação era pouco superior a €
48000, a pagar em 20 ou mais anos. As famílias quando se endividaram para
este efeito não foram, em regra, levianas nos seus cálculos, levando em linha de
conta, os seus encargos habituais, a dimensão da família e os rendimentos
percebidos; assumiram a dívida, num quadro de extrapolação das suas vidas até
ao momento, assumindo também uma estabilidade laboral, uma vez que em
caso de morte de um cônjuge, a ativação do seguro de vida imposto pelo
banco credor, não atiraria o cônjuge sobrevivo para a miséria, pelo menos
tendo em conta a amortização da casa. Por outro lado, os bancos e as
vantagens fiscais oferecidas pelo Estado constituíam um elemento indutor de
13
Temos conhecimento que a troika tem, há dois anos, um plano de contingência que
contempla fusões de bancos portugueses
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 16
confiança para as pessoas e que as empurrava para o endividamento para
aquisição de casa, uma vez que o partido-estado jamais teve a política de
habitação imposta na Constituição.
As dificuldades atuais das famílias para pagar a mensalidade da habitação não
se devem a cálculos errados mas, à sabotagem que o partido-estado procedeu
nas suas vidas, promovendo o desemprego, o empobrecimento, a perda de
rendimentos e direitos, desestabilizando a vida da esmagadora maioria da
população. Tudo isso como resultado de décadas de desestruturação da
economia, de canibalização do dinheiro dos impostos para gerar negócios às
empresas do regime, do aumento do domínio do capital financeiro, do
desenvolvimento de uma economia mafiosa incrustrada no Estado.
Este e outros documentos em:
http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://grazia-tanta.blogspot.com/

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Quando a dívida aumenta a democracia encolhe 2-

  • 1. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 1 Quando a Dívida aumenta, a Democracia encolhe (2) Os bancos souberam: reconverter os empresários em construtores e gestores de imobiliário hipotecado aos bancos; acenar às famílias com crédito para casa própria, substituindo-se a um Estado ausente da política de habitação; O sistema financeiro pretende continuar na posse do aparelho de Estado e dos domésticos políticos culturalmente indigentes que sequestraram a democracia; condenar várias gerações à inanição, ao empobrecimento, à emigração ou a uma morte antecipada. Sumário 1 – A neocolonização do Sul da Europa 2 – O modelo histórico do baixo salário e as suas raízes 3 - Quem financia quem? 4 – Como se forma uma espiral de dívida 5 – Dois mitos para destruição urgente
  • 2. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 2 1 – A neocolonização do Sul da Europa A trama geopolítica - já referida na primeira parte deste trabalho1 - tende a amarrar os povos da Europa do Sul a um projeto neocolonialista de novo tipo, em que as canhoneiras são substituídas pela dívida e pelas exigências do capital financeiro, centralizado através de instituições globais. Assim, a Europa do Sul e de Leste constituem zonas intermédias, de separação entre um Norte onde se acumula a riqueza e o poder do capital financeiro, por um lado; e, por outro, o mundo islâmico ou a esfera de influência da Rússia, incluindo aqui a Ucrânia, a Bielorússia ou a Moldávia. É também interessante observar-se áreas de um difuso enquadramento, como a França e a Grã-Bretanha. A primeira, oscilará entre a consolidação de um apagamento face à Alemanha e uma ação que oriente o país para a tentativa de enquadramento - ou até de liderança - na Europa do Sul. No caso da Grã- Bretanha, alicerçada no poder da City joga-se mais num contexto atlântico do que nas disputas continentais, sendo bem conhecido o seu distanciamento face ao voluntarismo europeísta, com particular relevo na recusa em aceitar o euro. No fundo, ressalta uma lógica de fragmentação europeia que faz esquecer a retórica em torno de um projeto europeu, cada vez mais messiânico; as promessas da coesão europeia em que ninguém acredita, mesmo quando se multiplicam, quer a criação de instrumentos políticos ou económicos de intervenção global quer as fotografias dos sorridentes dirigentes comunitários. Tal como no colonialismo clássico, sempre se arranjam sobas ou marajás locais para amansar a resistência dos povos ao exercício da soberania exterior, em troca de mordomias e honrarias. Tal como no colonialismo clássico sempre se encontram sobas para arregimentar escravos para venda além-mar. Esses sobas têm nomes conhecidos, como Passos, Rajoy, Samaras… Qualquer lógica de colonização contempla uma especialização produtiva que integra regiões diversas – a colonizadora e a colonizada - num quadro de complementaridades entre desiguais. Essa desigualdade primordial conduz ao enriquecimento das potências coloniais e à degradação e desestruturação das economias colonizadas. Assim, as zonas colonizadas tendem a especializar-se na produção e exportação de bens baseados em trabalho barato para fornecer à potência imperial e com forte componente importada, associada à importação de energia, matérias primas, equipamentos ou bens alimentares da metrópole colonizadora. Essa preocupação ficou bem expressa, recentemente, por governantes alemães2 Para que essas zonas colonizadas possam abastecer as áreas mais ricas no quadro da UE e garantir a sua competitividade face aos designados 1 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/05/quando-divida-aumenta-democracia.html 2 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/06/apoio-alemao-empresas-portuguesas.html
  • 3. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 3 “emergentes”, têm de concorrer com estes, em termos salariais e das condições de trabalho; têm de gerar condições para o fornecimento de contingentes de emigrantes, seja de gente qualificada cuja formação é paga pelos povos subalternizados, seja de pessoas menos qualificadas destinadas a funções socialmente pouco valorizadas. No caso português podem servir ainda de destino aos lazeres dos ricos, oferecendo climas aprazíveis e viagens curtas de acesso, com um grau muito aceitável de segurança no espaço público. Essas são as funções a desempenhar pelo Sul europeu. Nesse contexto de especialização, tende a formar-se um crónico deficit corrente, nas regiões colonizadas, a exigir pagamentos em moeda de curso internacional (euro, dólar…). Salazar nunca permitiu que as colónias portuguesas tivessem a mesma moeda da “metrópole”; tinham moedas locais, de curso interno mas, pagavam as importações provenientes da “metrópole” em escudos, gerando-se nos últimos anos coloniais o problema dos “atrasados”, por falta de moeda aceite pelos credores lusos. A França tinha na Indochina a piastra e não o franco, enquanto que a rupia foi a moeda na Índia durante toda a colonização inglesa. Hoje, o Sul da Europa é objeto de uma especialização produtiva utilizando a moeda da potência dominante, o que agiliza as ligações comerciais e financeiras, encobre a situação de domínio junto das populações, sem contudo deixar de evidenciar esse domínio através do controlo do BCE, da hierarquia instituída no Tratado de Lisboa, pela utilização das instituições comunitárias e dos seus mentecaptos comissários, como fachada executiva de um “projeto europeu”. A História não se repete mas os instrumentos de dominação podem ser os mesmos, utilizados de formas diferentes. Uma avaliação desses desequilíbrios entre o Norte e o Sul, antes e depois do euro, da centralização da política monetária em Frankfurt e da instituição das decisões por maioria de países, fica pelo caminho a ideia encantatória de um estado federado e a real substituição dessa ideia, por uma UE desigual e re- hierarquizada, com o apagamento de qualquer poder por parte dos países mais pequenos, enredados em diretivas e instituições onde não têm qualquer poder de decisão. Como é evidente, os mandarins globais e os seus mandantes da alta finança, garantem que tudo acabará em bem depois das reestruturações, das reformas estruturais, dos necessários sacrifícios… A nomeação pelo capital financeiro de sobas dos partidos-estados locais pretende garantir a tradução nas línguas nacionais desses placebos, com a devida subserviência. Balança corrente (M euros) Soma 2002-2012 (set) Saldos positivos Saldos negativos Alemanha 1.336.079 Espanha -611.758 Holanda 403.504 Itália -266.534 Áustria 73.947 Grécia -210.543 Finlândia 53.097 França -169.495 Bélgica 38.901 Portugal -156.035 Irlanda -29.408 Total 1.905.528 Total -1.443.773
  • 4. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 4 Fonte primária: Eurostat. Retirado de 3 Não é no âmbito deste texto que iremos abordar a questão do euro; se este desaba sozinho, por implosão interessada da Alemanha, se Portugal, pequena e mansa periferia, é arredado do clube euro ou, se – com probabilidade infinitesimal – o partido-estado, com ou sem os manos Dupont/Dupond4 (Passos/Seguro), decide sair da zona euro. Convém ainda sublinhar que todo este processo de exercício do poder tomando a dívida como um dos principais instrumentos e tendo o empobrecimento e o genocídio como consequências se insere no âmbito da globalização capitalista. Precisamente porque se trata de um processo global exige uma resposta conjunta, internacionalista; e, toda e qualquer proposta de encerramento nacionalista não passa de uma proposta reacionária que favorece os mais altos poderes do capitalismo global. 2 – O modelo histórico do baixo salário e as suas raízes Entre os problemas estruturais em Portugal está a fragilidade do tecido económico e a escassa qualidade da maioria dos empresários, incapazes de sobreviver num contexto de globalização e agressividade competitiva5 . As empresas portuguesas têm baixos indicadores de capitais próprios, são muito pequenas (84.5% têm menos de dez trabalhadores em 2010); são mais unidades familiares alargadas para a exploração de um negócio, do que verdadeiros empresas. No tempo do fascismo beneficiaram da proteção do condicionamento, da ausência de concorrência, de fronteiras fechadas por pautas aduaneiras, de mercados coloniais protegidos e, sobretudo dos baixos salários. Desenvolveram, entretanto outras capacidades, como a utilização de expedientes que tornam as empresas centros de custos para gastos pessoais; e como a fraude e evasão fiscal, beneficiando de toda a complacência dos governos que têm permitido assim, a sobrevivência dessas empresas por contrapartida do subfinanciamento do Estado6 e da Segurança Social7 . A uma tradicional cultura popular de tolerância face à corrupção juntou-se a deificação da figura do empresário e do negócio, reabilitados poucos anos após a normalização de novembro de 1975. Uma imagem que os baixos níveis de investimento não confirmam tão destacados empreendedores. À medida que essas vias tradicionais se tornam insuficientes ou não disponíveis, como resultado da globalização e dos normativos comunitários (anulação de política monetária própria, nomeadamente) a precária sobrevivência do empresariato luso fica dependente do baixo salário, como aliás, constitui uma 3 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html 4 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/01/normal-0-21-false-false-false_1783.html 5 http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros 6 http://www.slideshare.net/durgarrai/dvida-pblica-os-principais-tipos-de-gasto-pblico-2-parte http://www.slideshare.net/durgarrai/segurana-social-processos-de-descapitalizao-1 7 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
  • 5. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 5 constante na história de Portugal, nos últimos séculos, com a exploração do trabalho escravo no Brasil ou do tráfego de escravos no Atlântico, da mão de obra “indígena” nas colónias africanas, das receitas da emigração no século XX e que, agora se pretende repetir. À medida que Portugal foi perdendo um papel relevante na História, a inerente subalternização da burguesia portuguesa não lhe permite ter um caráter industrioso e apenas um papel de intermediário em pequenos negócios de caráter local. Veja-se a figura do Oliveira de Figueira, comerciante português nas histórias do Tim-Tim, a função dos retalhistas de Caracas ou da África do Sul, muito lestos a explorar os mais pobres, aliando-se aos poderes mais reacionários da corrupta elite venezuelana pré-Chavez ou aos racistas sul-africanos, ultrapassados claramente em virulência pelos merceeiros portugueses em tempos de apartheid. O modelo do baixo salário que constitui a actual vocação imposta a Portugal, no quadro da zona euro é o mesmo que foi aplicado historicamente, no tempo em que a burguesia portuguesa tinha alguns laivos de soberania. E, não parece que uma eventual saída do euro, com desvalorizações frequentes da moeda própria, inflação - e repressão para a manutenção de “contenção” salarial para garantir a sagrada competitividade externa - altere em grande coisa o modelo social político, económico e social actual, com raízes no baixo salário. Não consideramos que o véu monetário (moeda própria, manipulação das taxas de câmbio e de juros) vá para além disso mesmo, em termos sociais, no quadro da globalização. O gráfico seguinte evidencia as fraquezas financeiras referidas, a enorme dependência do crédito ou, de outro modo, como é baixa a autonomia financeira, a parcela de capitais próprios nas empresas portuguesas. E aí está sem dúvida uma “desvantagem competitiva”. Essa fragilidade habilita o capital alemão a querer investir na Península na compra ou na geração de dependência através do crédito, dada a penúria de meios dos bancos portugueses8 . 8 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/06/apoio-alemao-empresas-portuguesas.html
  • 6. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 6 Taxa de endividamento líquido, após impostos, das sociedades não financeiras/Taux d'endettement net, après impôt, des entreprises non- financières (%) 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200 1300 1400 1500 1600 1700 1800 1900 2000 2100 2200 2300 1999  2000  2001  2002  2003  2004  2005  2006  2007  2008  2009  2010  Alemanha Espanha França Irlanda Itália Portugal Fonte: Eurostat (já não disponível) Entre 1991 e 2010 a evolução do elenco das empresas portuguesas não é auspicioso, aumentando substancialmente o número de muito pequenas empresas e o seu peso no total, revelando assim um acréscimo nas fragilidades do conjunto das empresas portuguesas. Assiste-se a uma pulverização de constituição de empresas, à segmentação das atividades por várias empresas dentro de um mesmo grupo, o que corresponde a uma tendência resultante da possibilidade material do funcionamento integrado possibilitado pelas novas tecnologias de computação e informação; para além de alguma presunção de uma empresa se considerar como incluída num “grupo”, associada a uma reabilitação e exibição da figura do patrão (atualmente designado por empreendedor, investidor ou empregador) depois do seu descrédito observado depois de 25 de Abril de 1974. Empresas em Portugal (Continente) 1991 2010 Variação nº % nº % % Total 142587 100 282050 100 97,8 < 4 trab 75506 53,0 186322 66,1 146,8 1/9 trab 32619 22,9 51885 18,4 59,1 < 10 trab 34462 24,2 43843 15,5 27,2 MTSS - Quadros de pessoal O número calculado de “não-TCO” nos quadros das empresas é esmagadoramente (96.2% em 2010) constituído por “empregadores”. E o volume desses “não-TCO” cresce regularmente de 131.9 mil em 1991 para 248.4
  • 7. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 7 mil em 2002, reduzindo-se ligeiramente até 2009 para decair até aos 179.6 mil em 2010; em todo o período 1991/2010 o número de “não-TCO” terá crescido 36.1%. Isto revela precisamente a autonomia relativa de unidades de custo sob a forma empresarial, num contexto de centralização de capital e não uma explosão do acesso de pessoas ao mundo empresarial; embora o volume de TCO no mesmo período tenha crescido menos (28.2% do que o conjunto dos “não-TCO”. (TCO=trabalhadores por conta de outrém) Por outro lado, na indústria transformadora – principal veículo da exportação - o número de empresas cresceu apenas 6.6% no periodo e foi submergido pelo elevado crescimento das empresas de construção, comércio e serviços. Esta evolução, reflete os desequilíbrios externos essenciais; redução do peso relativo das empresas (e trabalhadores) nas áreas de produção material dirigidas para o mercado interno como para a exportação e um reforço substancial da produção de bens (construção) e serviços não transacionáveis, bem como da distribuição de bens importados, com a manutenção de uma pulverizada área de comércio e restauração, constituída por muito pequenas empresas de gestão familiar. Empresas por sector de atividade em Portugal (Continente) 1991 2010 Variação nº % nº % % Total 142587 100 282050 100 97,8 Ind. Transf. 33114 23,2 35297 12,5 6,6 Construção 14668 10,3 36101 12,8 146,1 Comercio e hotelaria 59375 41,6 110148 39,1 85,5 Serviços 17052 12,0 72533 25,7 325,4 Outras 18378 12,9 27971 9,9 52,2 MTSS - Quadros de pessoal A dívida média das empresas à banca, recentemente, é da ordem dos € 490000, sabendo-se, porém, que para 61.1% daquelas que têm crédito concedido, o valor desses débitos é inferior a € 50000 e que somente 11.5% das empresas devedoras da banca tem uma dívida superior à média global 9 . Finalmente, refira-se que 54.1% das empresas têm uma faturação anual inferior a €150000 (€ 12500/mês) e quase ¼ têm um volume médio de vendas mensais da ordem dos € 2100. Esta situação reveladora de escassa dimensão e fragilidade, é muito sensível à imensa quebra do consumo interno e às restrições de crédito, estas inerentes ao risco bancário na concessão de crédito bem como à própria penúria de capitais dos bancos. Neste contexto, os bancos mostram-se muito relutantes a fornecer novos créditos e são obrigados ainda - a braços com créditos de recuperação difícil, pelo menos nos prazos inicialmente propostos - a aceitar reescalonamentos, bem claros no aumento substancial do crédito a mais de cinco anos. Em todas estas dificuldades transparece a irracionalidade do capitalismo, dos bancos, ao terem afunilado os 9 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/05/divida-portuguesa-total-canibalizacao.html
  • 8. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 8 seus créditos na especulação imobiliária e no crédito a muito longo prazo (habitação), desestruturando totalmente a economia portuguesa. 3 - Quem financia quem? Em 2007, a dívida das empresas privadas (excluindo o financiamento junto de outras empresas) correspondia a 113.2% do PIB, o que se eleva a 132.1% em fevereiro de 2013 (159.7% e 185.8%, respetivamente se se não proceder à exclusão referida). Os grandes grupos estatísticos que financiam as empresas privadas são o setor financeiro e outras empresas, com valores, no conjunto de € 270400 M em dezembro de 2007 e € 307300 M em fevereiro último, mantendo-se este número praticamente estável desde 2010, evidenciando um crescimento de apenas 13.7% em todo o período. Sinteticamente, o crescimento observado para a dívida do conjunto das empresas privadas foi de € 37000 M, com quase € 25000 M somente entre 2007 e 2008. Financiadores das empresas privadas 0% 20% 40% 60% 80% 100% 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Administrações públicas Setor financeiro Empresas Particulares Exterior Fonte primária: Banco de Portugal A quase única variação estrutural observada no conjunto dos financiadores das empresas privadas consiste na redução da dívida ao setor financeiro (menos € 4000 M entre 2007 e 2013-fev) compensado pelo forte aumento da dívida ao exterior (mais € 25000 M no mesmo período). A incapacidade financeira dos bancos aliada aos riscos inerentes à quebra da atividade económica no seio de empresas com frágeis estruturas financeiras, conduziu a que as empresas de maiores dimensões ou mais ligadas ao exterior tenham substituído a banca portuguesa por financiadores externos. Por outro lado, observa-se também um aumento da dívida junto de outras empresas e particulares, no âmbito de
  • 9. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 9 lógicas de grupo ou de suprimentos de sócios para reforço das necessidades financeiras que os bancos não conseguem prover e que também não terão acesso a crédito obtido no exterior. Associadas às empresas privadas, neste contexto de dívida estão as empresas públicas para as quais se detém uma informação semelhante. As suas dívidas orçavam € 29700 M em 2007 e € 46700 M em fevereiro deste ano, mantendo-se nesta ordem de grandeza desde 2010. No período considerado, a dívida das empresas pública cresceu 57.3%. No quadro desse crescimento verifica-se uma substituição do financiamento direto do exterior pelo crédito fornecido pelo Estado que, irrelevante em 2007 atinge a quinta parte do total este ano. Em valores absolutos o financiamento externo estagnou em 2009/2011, para se reduzir posteriormente, acompanhado de modo mais ténue pelo apoio do sistema financeiro interno. A dívida das empresas públicas ao Estado orça os € 9300 M em fevereiro último, depois do grande crescimento observado em 2010/2012. Em 2007 este conjunto de empresas tinha uma dívida correspondente a 17.5% do PIB, que se elevou para 22.6% em fevereiro (28.2% se se considerar a dívida “interna” ao Estado). Financiadores das empresas públicas 0% 20% 40% 60% 80% 100% 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Administrações públicas Setor financeiro Empresas Particulares Exterior Conhece-se bem o processo. Perante a cotação dada pelas agências de “rating” à dívida pública, o financiamento externo retraiu-se, os bancos adquiriram financiamento barato junto do BCE que posteriormente canalizaram para a compra de títulos da dívida pública… entregues ao BCE como garantia dos empréstimos aos bancos. O Estado – impedido por lei de recorrer diretamente
  • 10. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 10 ao BCE - colocou esses meios no apoio às empresas públicas, cobrando os bancos diferenciais apreciáveis entre as taxas de juro pagas ao BCE (1%) e as conseguidas na emissão de dívida pública, substancialmente mais elevadas, dada a cotação de “lixo” fornecida pelas prestimáveis agências de “rating” à dívida pública. A banca como máquina de sucção, sem riscos; o “mercado” de que os banqueiros gostam. No contexto das suas fragilidades estruturais, os bancos tenderão a preferir aplicar capitais em dívida pública também porque o Estado não vai à falência, como as empresas, pois detém o sagrado direito de extorsão sobre a população; o Estado detém o privilégio de cobrar tributo sem qualquer contrapartida inerente, nem justificação acurada, bastando para o efeito decisão do gang governamental, com ou sem o conforto de aprovação parlamentar mas, sempre com o discreto e dirimente apoio da suserania da troika. E, entretanto, recorde-se que o sistema financeiro define ou influencia fortemente as decisões dos mandarins, como se observou, recentemente a propósito do caso dos swaps. Caso esse que já deveria ter conduzido à indiciação de alguns gestores do partido-estado por gestão danosa, com direito a pulseira eletrónica, no mínimo. 4 – Como se forma uma espiral de dívida O fluxo dos fundos comunitários a partir de 1985, a liberalização dos movimentos de capitais e o euro, constituíram a alegria do sistema financeiro luso. Os fundos oleavam as disponibilidades dos bancos e dos construtores civis; a liberalização baixava as taxas de juro e facilitava a procura de crédito; e o euro eliminava o risco cambial, enquanto se reduziam drasticamente os entraves ao recurso aos capitais externos. A liberalização dos movimentos de capitais foi aprovada através da diretiva n.º 88/61/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988 e cuja doutrina foi posteriormente integrada no Tratado da Comunidade Europeia (Tratado CE) pelo Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht). As novas facilidades para a captação de capitais externos animavam os pequenos e médios banqueiros portugueses embora tivessem de ceder parte do mercado a uma forte participação em Portugal de grandes bancos espanhóis. Recordamos Roquete ao funcionar no Totta como testa de ferro do Santander por imposição do governo e do Ricardo Salgado; como lembramos Salgado ter retirado a possibilidade da intervenção espontânea a Durão na campanha eleitoral de 2002, depois do ignorante ter proposto a privatização da CGD. Por outro lado, a economia produtiva, devido ao seu endividamento, aos largos prazos de recuperação dos investimentos inerentes a essas atividades, bem como aos riscos e dificuldades surgidas do alargamento da UE a Leste e ainda do desarmamento aduaneiro face aos produtos dos países “emergentes”,
  • 11. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 11 mormente a China (acordo Multifibras), não eram áreas que interessassem os bancos. Para os bancos, o crédito concedido a empresas descapitalizadas ou inviáveis no novo contexto de liberalização das trocas comerciais, geridas por empresários manhosos e incapazes10 , não era prioritário. A não ser que pudessem oferecer como garantia bens reais e com valorização garantida com a passagem do tempo, como é o caso das empresas imobiliárias, de construção ou de promoção turística. E daí que a construção e o imobiliário representassem 12% do crédito concedido em 1996 e 40% em 2012. Estas distorsões promovidas pela política de crédito têm também impactos evidentes no emprego. Em 2010, a indústria transformadora que correspondia a 22% do pessoal ao serviço das empresas, beneficiava de 13% crédito; inversamente a construção e o imobiliário com quotas, respetivamente, de 11% e 1% no pessoal ao serviço das empresas, absorviam 22% e 14% do crédito total. Em 1993/95 há um período de forte recessão que promoveu a fim do cavaquismo em cujos bastidores já se observava a maléfica presença do António Borges, do Vítor Gaspar, géneros de agente laranja, embora só um pateta como o Catroga tenha chegado a ministro. Com o regresso do PS ao governo em 1995 foi lançada com mais fulgor a orgia do imobiliário/turismo/construção em detrimento da economia produtiva. Os empreiteiros pequenos ou grandes, com larga utilização de mão de obra imigrada passaram da construção para o imobiliário comercial e turístico; e foram seguidos por muitos industriais possuidores de terrenos com boa localização para erigir supermercados, centros comerciais, condomínios ou descaraterizados subúrbios. As facilidades de concessão de crédito abriram “oportunidades de negócio” a um vasto leque de parasitas que adoptaram a designação de promotores imobiliários. Os bancos emprestavam facilmente, as câmaras aprovavam loteamentos, partidos e autarcas eram destinos do pagamento de favores e os governos continuaram sem uma política de habitação.11 Os bancos e o seu Estado criaram uma verdadeira cadeia de montagem; empréstimos ao sector imobiliário, este paga aos bancos com a venda das habitações financiadas pelo sistema bancário, que fica feliz fechando o circuito com uma enorme faixa da população endividada por décadas. 10 http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros 11 A dívida de pessoas e empresas – a dependência eterna http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/09/v-behaviorurldefaultvmlo_15.html Sobre a (não) política de habitação dos governos portugueses http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/12/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi-1.html http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi.html
  • 12. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 12 Evolução (1979=100) 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 5500 6000 65001979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 Crédito concedido rend. trabalho rend. empresa PIB FBCF Fonte primária: Banco de Portugal Para facilitar um destino final para tanta habitação (e também lojas e escritórios), os governos deram vários e bons contributos. • Avançaram com bonificações de juros para compra de habitação e Durão Barroso extinguiu-as ainda se não adivinhava a crise actual; por seu turno, Sócrates reviu as situações já em vigor12 ; • O partido-estado facilitou também deduções de juros em sede de IRS. Relativamente a 2011 a dedução máxima era de € 591, correspondente a 30% de um juro anual pago de € 1970 (ou superior), admissível para alguém que tivesse uma prestação mensal elevada, de uns €750/800 (cálculo baseado em caso concreto). Para o último ano de entrega de declaração de IRS (2012) o agente laranja Gaspar manteve os € 591 de dedução mas, este máximo terá de corresponder apenas a 15% do valor total dos juros pagos; neste caso, o contribuinte terá de ter pago de juros pelo crédito à habitação mais de € 3940 devendo a prestação mensal ser, pelo menos, da ordem dos € 1550! Para uma benesse fiscal anual de € 591, o Estado que tanto incentivou a população a endividar-se para comprar casa exige que o endividado pague de prestações um valor anual de € 18500/19000 que, como se pode observar, não é possível de arcar pela esmagadora maioria da população; • Em 2009/2011 as deduções dos juros na coleta de IRS relativas a juros de empréstimos para habitação situaram-se numa média de € 560/580 M, abrangendo cerca de 1.1M de famílias; com a alteração introduzida para 12 http://www.publico.pt/economia/noticia/credito-bonificado-a-habitacao-e-extinto-hoje-181073 http://dre.pt/pdf1s/2008/04/08000/0238302388.pdf
  • 13. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 13 2012 o Estado retira às famílias uns € 280 M que havia deduzido da carga fiscal para facilitar o endividamento das pessoas. É o que se chama mudar as regras do jogo antes de ele ter acabado; é o comportamento que se tornou habitual no ilegítimo e cleptocrático Estado português; • Outro exemplo está nas isenções de Contribuição Autárquica/IMI, com a correspondente perda de receita fiscal a qual, não impediu a passagem de uma cobrança de € 695 M em 2003 para cerca de € 1100 M no último triénio conhecido (2008/2010); • Para incentivar a compra de habitação, foram dadas isenções de dez anos, atualmente restritas a cinco anos, estando em curso um programa de aumentos substanciais do imposto através de enormes reavaliações do património para os próximos anos. Tendo em conta a grande quebra do poder de compra em Portugal vai tornar-se difícil muitas famílias manterem as suas casas, sendo de esperar um forte incentivo governamental para a sua venda a pensionistas dos países do norte da Europa. Uma vez mais se levantam aqui questões de responsabilização do atual sistema político-partidário e dos bancos pela situação desastrosa de muitas famílias com dificuldades para pagar os empréstimos. O gráfico seguinte revela o desenvolvimento do desastre. Numa primeira fase predomina o crédito às empresas e a partir de meados da década de 90 o reforço do peso do imobiliário aliado ao apagamento relativo de outros setores acaba por desembocar numa segunda fase do ciclo, quando o crédito bancário se concentra nas famílias, nomeadamente para financiamento de habitação própria, não sendo dispiciendo o empenho dos bancos em criar novas dependências para as pessoas, financiando consumos supérfluos ou sumptuários. De facto, os bancos consideravam mais seguro aplicar os seus capitais em empréstimos de muito longo prazo, com garantias reais e sabendo que só em caso extremo as famílias deixariam de pagar as prestações. Daí que o crédito às empresas tenha crescido 30 vezes desde 1979 mas, 311 vezes no que se refere às famílias.
  • 14. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 14 Repartição do crédito - empresas e famílias 0% 25% 50% 75% 100% 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 Empresas Famílias Fonte primária: Banco de Portugal O sistema bancário criava assim uma grande imobilização de capitais, com empréstimos sem risco, em vigor durante várias décadas tornando-se, na realidade rentista. Ora o rentismo não é a vocação dos bancos; a especulação de câmbios, as operações de titularização e derivados rendem muito mais do que os spreads no crédito à habitação. 5 – Dois mitos para destruição urgente O marketing político e a superficialidade dos media divulgam falsidades e geram mitos. É fácil ver que o funcionamento do mercado é uma treta e nada tem de virtuoso. Os bancos lançaram-se na obtenção de créditos sobre créditos, imaginando que a esponja lusitana absorveria toda a colocação dessa dívida, ad eternum; os construtores pensavam poder erigir novo imobiliário sempre com preços em “valorização”; a classe política, nomeadamente a ligada aos loteamentos ia arrecadando luvas dos loteadores e endividando as câmaras. E muita gente acreditava que uma casa de praia a somar ao habitáculo de cidade era quase uma obrigação, dadas as vantagens de crédito oferecidas pelos bancos. O funcionamento do mercado, que se pretende desregulamentado, “livre”, como expressão de acordos entre entes livres e “iguais”, como empresas poderosas e uma família de trabalhadores, não seria possível sem o dedicado apoio do Estado; sem a utilização do aparelho de Estado, as suas imposições e coerções face ao povo, o mercado não seria veículo essencial para a acumulação capitalista. Para colmatar os chamados desajustamentos do mercado – a palavra desajustamento pretende apontar para um desvio conjuntural, ocultando a real
  • 15. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 15 tragédia estrutural - o Estado e os governos ao serviço da troika entraram em cena do modo habitual, ajudando os bancos com muitos milhares de milhões, sem sequer aventar uma hipótese de fusões entre eles13 . Em contrapartida, às famílias endividadas e sem recursos, muitas vezes resultantes do desemprego e da austeridade, o Estado anula os benefícios fiscais que havia dado para compra de habitação e fornece, de má vontade e com limitações, subsídios de desemprego que acabarão muito antes que surja um novo emprego ou, encarrega a Jonet de fornecer uns quilos de açúcar para adoçar um despejo que venha a caminho. A existência em Portugal de 1.4 M de pessoas disponíveis para o trabalho, sem o conseguirem, só pode ser considerado como resultado de um desajustamento do mercado de trabalho para quem seja idiota ou beneficie de algum modo, com o capitalismo, excludente e genocida. No fim – mesmo com os apoios estatais - o infalível “mercado” produziu um enorme desequilíbrio de 5.9 M de casas para 4 M de famílias; e, mesmo entre estas, muitas, acossadas pelo desemprego, não as conseguem pagar nem vender, a não ser com perdas brutais. Como se referiu mais acima somente 1.1 M de agregados familiares está a pagar empréstimos pela compra de habitação e, entre os restantes, muitos não têm sequer capacidade para pagar um arrendamento. Para terminar esta peça centrada na dívida privada, convirá destruir a propaganda criminalizadora das famílias portuguesas, acusadas pelo poder de “viverem acima das suas posses”. Esta mensagem junta-se à pose conformista e reacionária de pessoas que se preocupam com a dívida pública ou ao exterior porque “não queremos ser caloteiros”, assumindo assim uma honra ofendida resultante de um espírito patrioteiro, conveniente para a direita e defendido por parte importante da esquerda do sistema. A dívida acumulada pelo conjunto das famílias apresenta grande estabilidade no período que se inicia em 2007, com um valor em torno de € 165000 M (99% do PIB). No total dos financiadores das famílias pesa, substancialmente o sistema financeiro com quase 90% do total em todo o período considerado. A dívida média, em 2012, com a compra de habitação era pouco superior a € 48000, a pagar em 20 ou mais anos. As famílias quando se endividaram para este efeito não foram, em regra, levianas nos seus cálculos, levando em linha de conta, os seus encargos habituais, a dimensão da família e os rendimentos percebidos; assumiram a dívida, num quadro de extrapolação das suas vidas até ao momento, assumindo também uma estabilidade laboral, uma vez que em caso de morte de um cônjuge, a ativação do seguro de vida imposto pelo banco credor, não atiraria o cônjuge sobrevivo para a miséria, pelo menos tendo em conta a amortização da casa. Por outro lado, os bancos e as vantagens fiscais oferecidas pelo Estado constituíam um elemento indutor de 13 Temos conhecimento que a troika tem, há dois anos, um plano de contingência que contempla fusões de bancos portugueses
  • 16. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13-6-2013 16 confiança para as pessoas e que as empurrava para o endividamento para aquisição de casa, uma vez que o partido-estado jamais teve a política de habitação imposta na Constituição. As dificuldades atuais das famílias para pagar a mensalidade da habitação não se devem a cálculos errados mas, à sabotagem que o partido-estado procedeu nas suas vidas, promovendo o desemprego, o empobrecimento, a perda de rendimentos e direitos, desestabilizando a vida da esmagadora maioria da população. Tudo isso como resultado de décadas de desestruturação da economia, de canibalização do dinheiro dos impostos para gerar negócios às empresas do regime, do aumento do domínio do capital financeiro, do desenvolvimento de uma economia mafiosa incrustrada no Estado. Este e outros documentos em: http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1 http://www.slideshare.net/durgarrai/documents http://grazia-tanta.blogspot.com/