1. A maior parte do investimento direto estrangeiro (IDE) em Portugal vem de países da União Europeia, especialmente Holanda, Bélgica e Espanha.
2. Uma percentagem significativa do IDE holandês e belga realmente corresponde à fuga fiscal de grandes empresas portuguesas para esses países.
3. O IDE proveniente de fora da Europa tem tido um peso menor e mais volátil em Portugal, enquanto o proveniente de offshores tem vindo a diminuir.
Investimento estrangeiro em Portugal - Entre o mito e a propaganda (2ª parte)
1. Investimento estrangeiro em Portugal - Entre o mito e a propaganda
2ª parte
Na primeira parte deste texto1 abordou-se a evolução, a dimensão e a
distribuição dos consolidados do IDE (investimento direto no estrangeiro) nos
países da UE, com relevo para Portugal, para o qual se procedeu a uma
avaliação do perfil setorial do IDE instalado no país.
Sumário
Conclusões
1 - Origens geográficas do IDE em Portugal
1.1 – Visão global
1.2 – IDE com origem na UE
1.3 – IDE com outras origens
2 - Investimento e desinvestimento em Portugal
3 - O IDE e a época da crise (2008/2013)
4 – Notas finais
Conclusões
•
•
O que é considerado IDE não é o investimento pensado e maturado para
uma longa duração dado que o capitalismo financeiro prefere muitas
aplicações de curta duração e rápida rendabilidade, não ter capital
empatado durante longos períodos;
•
Para combater essa volatilidade os Estados desdobram-se em isenções
fiscais e outras facilidades à custa do erário público para atrair e fixar os
chamados investidores;
•
1
O crescimento do IDE consolidado em Portugal deve-se essencialmente
a capitais provenientes da UE e, até 2011, também dos off-shores;
Os países da UE apresentam uma grande parcela no valor consolidado
do IDE em Portugal e que atinge a maior expressão em 2012. Entre
aqueles, 68.7% provêm da Holanda, de Espanha e da BélgicaLuxemburgo, sublinhando-se a representatividade secundária do IDE
alemão;
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/10/investimento-estrangeiro-em-portugal.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM
7/1/2014
1
2. •
Grande parte da relevância da Holanda e Bélgica-Luxemburgo não é um
verdadeiro investimento estrangeiro pois corresponde à fuga fiscal de
grandes empresas portuguesas;
•
O IDE em Portugal tende a basear-se numa natural complementaridade
face à Espanha, principal preferência das multinacionais na Península;
Entre as proveniências não comunitárias avulta a relevância da Suiça e o
curioso caso do IDE proveniente de Angola por se enquadrar na
harmonia mafiosa existente entre a nomenklatura angolana e os
cleptocratas lusos do PSD/PS;
•
•
O IDE vindo de off-shores não tem tido um peso muito grande no total e
decresce em 2012, porventura devido a alterações estratégicas
protagonizadas por grandes capitalistas portugueses. Sublinhe-se que a
passagem por off-shores é uma forma de branqueamento de capitais
obtidos através do crime, no mínimo, de caráter fiscal;
•
A maior relevância dos fluxos de investimento/desinvestimento,
comparados com as variáveis da balança corrente e com o PIB revelam
uma maior integração da economia portuguesa na esfera do capital
global e no acentuar da sua subalternidade;
•
A crise da dívida actual mais não é que parte do processo de
subalternidade da periferia sul da Europa dentro da matriz de
desigualdades europeias, típicas de qualquer desenvolvimento
capitalista.
•
O maior crescimento das exportações e rendimentos obtidos no exterior
a partir de 2001 não conduzem a um impacto significativo no PIB, ao
contrário da propaganda do regime. Por outro lado, a redução dos
rendimentos e da atividade económica reduz as importações;
•
A brusca e substancial redução do deficit da balança corrente no último
período é conseguida através de uma brutal recessão económica e de
custos sociais imensos;
•
Não se considera ser possível um fluxo de capitais decididos a investir no
consumo de um povo em empobrecimento acelerado e com empresas
altamente endividadas, como em Portugal;
1 - Origens geográficas do IDE em Portugal
1.1 – Visão global
O IDE acumulado em Portugal, na sua totalidade, viu-se atrás, cresceu 5.5 vezes
entre 1996 e 2012. Porém, segmentando essa totalidade em grandes áreas
geográficas observa-se que no caso da UE aumentou 6.2 vezes mas, apenas 2 e
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM
7/1/2014
2
3. 2.4 vezes, respetivamente, para os Outros países europeus e para o conjunto
dos países fora da Europa.
O stock de IDE mostra um crescimento impressivo até 2011 para o conjunto dos
off-shores, cujo nome mais benévolo usado nas instituições é “centros
financeiros internacionais”. Porém, dada a grande quebra observada em 2012,
esse crescimento fixa-se apenas em 4.9 vezes para todo o período. O
crescimento do IDE proveniente de off-shores apresenta dois períodos de
evolução relativamente regular – 1996/2003 e 2004/2011 – separados por um
ano especial (2003) que parece ter uma contrapartida, simétrica, em 2012,
retomando aos níveis observados no início do século, o consolidado de IDE.
IDE em Portugal - Origens geográficas (1996=100)
1250
1000
750
500
250
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total
UE
Outros Europa
Fora Europa
Off-shores
A evolução observada para o conjunto dos países da UE determina a evolução
da totalidade. Há vários momentos de crescimento da relevância dos países da
UE; um, entre 1999 e 2001, interrompido até 2004, no rescaldo da adopção do
euro e retomado até 2007; e outro, em 2008 com a bem visível quebra
relacionada com a turbulência financeira global, voltando a crescer
posteriormente.
Estas flutuações revelam que o IDE, normalmente associado a projetos que se
julgam consolidados e pensados a médio ou longo prazo, engloba lógicas
bastante volúveis às variações conjunturais. Na lógica do capitalismo de hoje,
neoliberal e financeiro, há uma tendência para a liquidez que permite a
mobilidade e o desvio fácil dos capitais, em termos geográficos e setoriais, em
busca do lucro a curto prazo. Para segurar os investimentos mais relevantes ou
estruturais, os Estados ficam na contingência de proceder a cargas fiscais nulas
ou aligeiradas, subsídios, ofertas de terrenos e outras vantagens, associados a
períodos mínimos de permanência. Estamos longe da mitologia do capitalista
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3
4. poupado, trabalhador dedicado – pelo menos a extrair o fruto do trabalho
alheio – com objetivos de longo prazo, consciente das dificuldades das fases de
arranque e preparado para extrair lucros após algum tempo a conviver com a
sua ausência.
Os ditos investidores de hoje são volúveis, prontos para compras ou vendas
instantâneas para ganhar pequenas margens muitas vezes e menos dispostos a
esperar pacientemente que a árvore plantada dê finalmente os seus próprios
frutos. Para lhes garantir essas vantagens a todo o momento, as empresas e os
seus gestores têm de estar prontos para as segmentações de algumas
atividades, para os despedimentos, para os outsourcings, para negócios
corruptos desde que daí resulte a valorização dos títulos em bolsa e um
acrescido valor para os acionistas. Assemelham-se aos “empreendedores” que,
antigamente compravam um burro numa feira para o venderem mais caro,
depois de escovado e limpo, noutra feira, numa lógica inserida no mais
acabado parasitismo.
O IDE resulta de uma concertação entre os interesses dos “investidores” e os
ganhos de quem os autoriza e viabiliza a nível nacional. Os critérios para essa
viabilização só secundariamente terão em conta o acréscimo de racionalidade
para a estrutura produtiva nacional, a salvaguarda do ambiente, o ordenamento
do território ou os interesses da população em geral. Uma das partes desse
negócio são os investidores estrangeiros apostados na rendabilidade dos seus
capitais; e a outra, é constituída pela panóplia de intermediários nacionais onde
avultam sociedades de advogados e outra gente pertencente ou bem
relacionada com o partido-estado PSD/PS. Acertados os apoios públicos e as
comissões que escorrerão para os cofres do partido (a nível nacional e
autárquico) formula-se o “projeto de investimento” para dar um ar de seriedade
e capear tecnicamente a decisão dos mandarins. O caso Freeport ofereceu um
exemplo típico do modo como ocorre o IDE em Portugal e não só.
O neoliberalismo acentua o caráter parasitário do empresário2 quando o isenta
de riscos e da necessidade de capitais próprios. O capitalismo sempre gerou em
seu torno um nutrido parasitismo. Com o neoliberalismo, o Estado, oleado por
uma pesada punção fiscal, é o campeão do parasitismo que se dedica a gerir
um género de capitalismo de estufa com empresários nascidos em proveta. Este
tipo de criação de negócios e aquele outro teorizado por Adam Smith para
elevar o capitalista aos níveis da virtude e da santidade nada têm em comum
que não a apropriação da riqueza criada por mãos alheias.
Como se observa no quadro seguinte, a UE acentua o seu peso no IDE registado
em Portugal, como resultado da dinâmica própria do investimento com essa
proveniência mas também do caráter temporário, irregular do IDE com origem
fora da Europa ou nos offs-shores. Isto significa que a proximidade geográfica
determina uma matriz consolidada de relações comerciais, financeiras e
políticas e, naturalmente, constitui também o alicerce do IDE, revelando que
não têm tido impactos reais os esforços para a atração de investimento
2
http://www.scribd.com/doc/5570973/Afinal-qual-a-funcao-social-do-capitalista
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7/1/2014
4
5. estrangeiro proveniente de outras áreas, tal como têm sido infrutíferas as
caravanas que acompanham as tristes figuras governamentais a essas paragens.
Posição do IDE em Portugal - Origem geográfica (%)
Valor (€ Milhões)
UE
Outros Europa
Fora Europa
Off-shores
1996
16473
80,1
6,5
10,1
3,3
2001
40875
83,9
2,9
5,2
8,0
2006
67169
73,6
1,7
16,8
7,9
2012
88799
90.3
2,3
4.5
2.9
Fonte primária: Banco de Portugal
Denota-se nesse afunilamento do IDE no seio da UE a evidência de que
Portugal só tem significado como região europeia e que pouco conta no
cenário global. Para quem está fora da Europa, Portugal é uma região ultraperiférica, pobre e que só é conhecido por razões muito marginais (Ronaldo…);
e, mesmo no contexto da Ibéria, Portugal é, também excêntrico ao triângulo
Catalunha-Madrid-Euskadi. Paul Kennedy3 refere, que numa perspetiva histórica
global, Portugal só é relevante pela chegada de Gama à Índia e pelo tráfego de
escravos no Atlântico. Só os portugueses parece desconhecerem esta
realidade…
1.2 – IDE com origem na UE
No quadro da UE, entre os maiores investidores em Portugal, destaca-se o
grande crescimento da posição assumida pela Holanda e pela Itália, esta última
a partir de 2005, seguidos pela Bélgica-Luxemburgo (com grande realce do
último), depois de 2007 e, mais atrás, pela Espanha, todos com um dinamismo
superior ao registado para o conjunto da UE.
São conhecidas as condições oferecidas na Holanda e no Luxemburgo para a
atração de capitais de grandes empresas e multinacionais, incluindo-se entre
aquelas, as empresas portuguesas cotadas na bolsa de valores que,
formalmente, dirigem a partir de domicílios fiscais ali situados, os seus negócios
em outros países. Assim, uma parte substancial do que é considerado em
termos estatísticos como investimento estrangeiro não o é realmente,
constituindo essa consideração uma máscara de capitalistas portugueses para
se furtarem ao pagamento de impostos em Portugal. Em rigor, o IDE em
Portugal é, de facto, muito inferior ao que é contabilizado na balança de
pagamentos, em virtude de artifícios institucionais para favorecer as grandes
empresas. Talvez esses gloriosos capitães da fuga fiscal se tornem sensíveis à
redução do IRC…
3
Paul Kennedy, “The rise and fall of the great powers”
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM
7/1/2014
5
6. IDE em Portugal com origem na UE (1996=100)
1500
1300
1100
900
700
500
300
100
1996
1997
1998
1999
2000
UE
Holanda
2001
2002
2003
Belg-Lux
Inglaterra
2004
2005
2006
Espanha
Italia
2007
2008
2009
2010
2011
2012
França
Restantes
No que se refere à Espanha regista-se uma estagnação da sua posição no
contexto do IDE em Portugal, certamente como consequência da crise que
assola aquele país mas, com alguma recuperação em 2012. Note-se que a
Espanha, no seio da UE, detinha a maior parcela de IDE em 2003/2005.
No que se refere à França ou à Inglaterra, evidencia-se uma estabilidade do IDE
consolidado, porventura devido a um papel pioneiro do IDE em Portugal, como
antigas potências dominantes na Europa.
Do que acima se expôs, resulta que o ligeiro dinamismo da posição do IDE
oriundo da UE resulta exclusivamente dos registos procedentes de Itália e do
Benelux e, em menor escala, do conjunto dos “outros” países da UE.
No gráfico acima identificámos os países com uma posição no IDE registado em
Portugal superior a € 4000 M (pouco mais de 4% do total em 2012) e nesse
conjunto não se encontra a Alemanha, como se poderia imaginar, dado o seu
poderio económico e financeiro e a tutela política que exerce em Portugal por
intermédio da Comissão Europeia, do BCE e dos seus mainatos no governo.
Em todo o período considerado (1996/2012) o valor da posição alemã no IDE
em Portugal duplica, enquanto que para o conjunto dos países da UE o
aumento é de 521%. Esta realidade mostra que a potência alemã pouco relevo
dá à parcela da periferia Sul chamada Portugal, sem recursos naturais
impressivos ou únicos, desindustrializado, com um poder de compra baixo e em
regressão, com níveis médios de qualificação aquém da média europeia,
marcado pela burocracia, a corrupção e pouco estimado pelos “mercados”. Esta
situação ilustra a pouca consideração do poder político alemão pelas
dificuldades portuguesas em cumprir os objetivos da troika (onde a sua
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6
7. influência é marcante) apenas se preocupando com a estabilidade dos
mercados financeiros e desse neo-marco que se designa por euro ou, com a
segurança do retorno do crédito concedido pelos seus bancos. O novo Banco
de Fomento anunciado para breve com forte empenho de KfW estatal alemão
ilustra essa última opção4.
No contexto da UE e no período considerado, há alterações significativas na
distribuição da origem geográfica do IDE consolidado em Portugal.
A Alemanha que se situava em 1996 num conjunto de países que concentravam
o IDE proveniente da UE vem reduzindo substancialmente o seu peso específico
tornando-se marginal a sua relevância, contrariamente ao que vulgarmente se
entende. A França e a Inglaterra também acompanham a Alemanha na redução
da sua representação no IDE instalado em Portugal.
A Espanha assumiu desde cedo uma posição de liderança por razões que se
prendem com a contiguidade geográfica, que torna Portugal como um lugar
privilegiado e, mesmo de ensaio para os capitalistas espanhóis; por outro lado,
uma vez que Espanha oferece uma apetência superior a Portugal no contexto
do investimento internacional, as multinacionais tendem a criar uma filial em
Portugal, a partir de território espanhol.
Posição do IDE em Portugal - Origem na UE (%)
Alemanha
Belg-Lux
Espanha
França
Holanda
Inglaterra
Italia
Restantes
1996
12,9
8,7
19,8
18,6
14,6
15,3
3,0
7,1
2001
8,2
10,2
22,1
8,8
24,4
17,6
2,9
5,8
2006
6,4
9,2
29,5
9,6
23,9
12,3
5,5
3,6
2012
4,2
14,9
24.9
6.8
28.9
7.8
4.3
8.2
Fonte primária: Banco de Portugal
A Holanda tem estado na disputa da liderança com a Espanha, por razões já
expendidas, surgindo a Bélgica-Luxemburgo no terceiro lugar. Em 1996, os três
principais países assumiam 53.7% do IDE total, proporção que em 2012
corresponde apenas à soma da Espanha e da Holanda, revelando-se assim uma
maior polarização das origens do IDE proveniente da UE. Sublinhe-se o
crescimento do IDE proveniente dos “restantes” países da UE, nos últimos anos.
Do atrás exposto conclui-se que:
•
4
O IDE em Portugal tende a basear-se numa natural complementaridade
face à Espanha, há muito considerada pela UE e pelos “mercados”.
Recordamos nesse âmbito, a indexação do escudo à peseta antes da
integração no euro; a espera de Portugal pela finalização das negociações
CEE/Espanha para uma entrada conjunta, apesar dos esforços portugueses
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/06/apoio-alemao-empresas-portuguesas.html
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7
8. para uma adesão individualizada e anterior à de Espanha; o papel do capital
espanhol no sistema financeiro em Portugal; a importância dos turistas
espanhóis em Portugal; o facto de a Espanha ser o principal parceiro
comercial, etc;
•
A relevância recente dos países do velho Benelux terá certamente algo a ver
com a deslocalização das sedes de grandes empresas de capitais
portuguesas para a Holanda e o Luxemburgo, podendo dizer-se que se trata
do IDE proveniente de uma “diáspora” capitalista de raiz portuguesa que se
acolheu àqueles países e aos off-shores por razões fiscais;
•
A Espanha e os países do Benelux detêm, em 2012, a titularidade de mais de
2/3 do IDE consolidado em Portugal proveniente da UE (68.7%), contra 43%
em 1996, configurando assim a marginalidade portuguesa no contexto do
investimento estrangeiro global, apesar das viagens de Cavaco e do seu
séquito de empresários, que mais parecem cópias da majestática passagem
de fidalgos em torno de um elefante nas ruas de Roma, no âmbito da
embaixada para impressionar o papa, no século XVI;
•
É neste contexto que nos parecem verdadeiras palhaçadas os apelos à
soberania vindos da direita (por exemplo, Portas) e da chamada esquerda (o
PC e a sua política patriótica de esquerda) que ecoam junto das almas dos
simplórios, ainda doutrinados nas grandezas pátrias do século XVI. Faz
lembrar a serôdia tentativa de Salazar em disfarçar a realidade colonial com
um “império pluricontinental e pluri-racial” ao mesmo tempo que se vivia na
ilusão de uma soberania que se finou, de facto, em 1580. Parece esquecida a
singularidade portuguesa que, foi durante quatro séculos, uma potência
simultaneamente colonizada e colonizadora.
1.3 – IDE com outras origens
Observou-se atrás a ausência de qualquer variação significativa no valor do IDE
proveniente de outros países da Europa que não os integrantes da UE, com um
salto quantitativo em 2011, protagonizado pela Suiça que se mantém como o
principal país incluído na heterogeneidade contida na designação “Outros
Europa”.
Posição do IDE em Portugal - Origem em “Outros Europa” (%)
1996
2001
2006
2011
Suiça
81,8
63,6
66,9
67.9
Outros
18,2
36,4
33,1
32.1
Separámos, ao considerar o IDE proveniente de “Fora da Europa”, o volume
considerado sob o título de “off-shores” embora os dados divulgados pelo
Banco de Portugal nada mais discriminem; não se sabe a grande região onde
esses registos são efetuados e, menos ainda, a localização precisa dos mesmos,
como as Ilhas Cayman, por exemplo. No que se refere à América do Norte ou
do Sul, como o total regional é muito próximo da soma dos seus países
componentes – aliás poucos, dado o grau de concentração – o problema não
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM
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8
9. se coloca. Não acontece o mesmo quando se pretende discriminar os países da
América Central e, em menor escala, os asiáticos.
A evolução do IDE consolidado e originário de países fora da Europa tem um
comportamento atípico. Depois de um período inicial de relativa estagnação
até 2002 há um salto no ano seguinte quando mais que triplica o IDE
proveniente daquele conjunto de países. Segue-se um outro período de
crescimento assinalável até 2008 caindo depois, abruptamente, para valores
inferiores a metade do observado em 2003. Esta situação deve-se
essencialmente ao Canadá que em 2003 surgem inesperadamente, no terceiro
lugar dos países com investimento em Portugal, só ultrapassado pela Espanha e
pela Inglaterra, chegando mesmo à segunda posição em 2008. Em 2011 o
Canadá voltou à sua habitual situação de pouca relevância no IDE em Portugal.
Para os principais países com presença mais regular no âmbito do IDE com
proveniência fora da Europa, os EUA apresentam-se como o grande investidor
tradicional pese embora a instabilidade dos valores consolidados. Porém e
apesar da fase ascendente que o investimento norte-americano revela depois
de 2008, é ultrapassado pelo Brasil em 2010/11, como resultado da ascensão
que o investimento brasileiro consolidado tem apresentado desde 2006. Em
2012 observa-se uma notória quebra dos valores do IDE destes dois países em
Portugal.
IDE em Portugal - Principais países fora da Europa
Milhões €
2000
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1996
1997
1998
1999 2000
2001 2002 2003 2004 2005 2006
EUA
Brasil
Angola
2007 2008 2009
2010
2011
2012
japao
Angola começa a aumentar substancialmente a sua presença a partir de 2007,
ultrapassando claramente o Japão, cujos capitalistas revelam um estável
investimento global em Portugal.
O investimento angolano em Portugal é o que mais desperta a curiosidade
pública em Portugal e as razões são conhecidas. Por um lado, os investidores
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9
10. pertencem à estreita nomenklatura que constitui o poder angolano, de
estranhos pergaminhos democráticos apesar… da integração do MPLA na
Internacional Socialista; a riqueza dessa nomenklatura contrasta brutalmente
com as carências de que sofre a esmagadora maioria dos angolanos; é patente
a conivência e adulação no PSD/PS para com o poder angolano e das ligações
deste a alguns dos empresários do regime português (Amorim, Belmiro,
Joaquim Oliveira, Balsemão); e é conhecida a fraternidade que liga o MPLA e o
PCP.
Os investimentos angolanos em Portugal inserem-se na tradição portuguesa de
abrir portas a ditadores e aos seus investimentos. Salazar cortejou Patiño, o rei
do estanho boliviano5; o atual regime cleptocrático, em 12/12/1984 agraciou
com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, o confrade Mobutu,
sanguinário ditador do antigo Zaire que tinha em Portugal alguns
“investimentos”6. Dentro dessa tradição está o enlevo com que o mafioso Portas
encara a entrega de “vistos gold” para investidores chineses, russos ou
brasileiros7, objetos de propaganda nas suas viagens a Macau ou à Rússia.
Conhecedores profundos da discreta hospitalidade promovida em Portugal
pelo PSD/PS a corruptos e investidores8, os membros da nomenklatura
angolana tratam de apostar no “mercado” luso pois alguma dia o povo
angolano pode preparar-lhes uma surpresa desagradável e nada melhor do que
ter umas economias a salvo.
No caso do IDE vindo de off-shores9, o seu crescimento, a partir de 1998, apesar
de assinalável, não é suficiente para alterar o peso relativo em Portugal, até
2011. Em 2012 há uma quebra significativa, porventura devido a transferências
para dentro da UE – Holanda e Luxemburgo, nomeadamente, protagonizadas
por capitalistas lusos.
Posição do IDE em Portugal - Origem em “Off-shores” (%)
1996
2001
2006
Off-shores
3.3
8.0
7,9
2012
2.9
Uma vez que o sistema financeiro determina a legislação com incidência
económica a nível global, a utilização de um off-shore não coloca problemas de
legalidade – são os bancos e as sociedades de advogados que manuseiam essas
transferências – mas, de legitimidade. Mesmo no caso de dinheiro obtido
através da corrupção ou dos vários tráficos mafiosos - 10-15% do PIB mundial aquelas entidades tratam de proceder à devida lavagem para que aquele
dinheiro se apresente à luz do dia como de uma licitude incontestável, oculto
5
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2105200608.htm
Em Portugal, Mobutu tinha uma casa de 12 quartos no Algarve, cuja garrafeira armazenava também a sua coleção de 14 mil
garrafas de vinho.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/5/14/mundo/3.html
7 http://www.noticiasaominuto.com/economia/132932/brasileiros-investem-mais-de-nove-milhoes-em-vistosgold#.UoqGHcTwbAg
http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3512931
8 Essa hospitalidade abrange também investimentos pouco considerados pela Interpol
http://www.ionline.pt/artigos/121145-europol-portugal-um-dos-centros-da-criminalidade-organizada-na-europa
9 A portaria 292/2011 de 8/11 enuncia 81 registos off-shores
6
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10
11. por detrás de investimentos, em regra, no imobiliário ou no turismo e hotelaria,
para além da especulação financeira, em títulos, mercadorias, taxas de câmbio,
credit default swaps (CDS)10. Mesmo quando a evidência revela contornos
criminosos – submarinos, Dias Loureiro, Oliveira e Costa, BPN/Galilei, Freeport,
Portucale, etc – a proteção política e a inércia judicial (forçosa ou forçada)
encarrega-se do seu branqueamento.
Essas práticas colocam enormes desigualdades entre as imposições fiscais que
se colocam aos rendimentos do trabalho e às incidentes sobre movimentações
de capital. A esmagadora maioria da população tem a sua vida económica
totalmente escrutinada pela relação existente entre os bancos e o Fisco, para
além de que as suas poupanças, certamente, não justificam uma conta num offshore. Por outro lado, um capitalista português com sede num off-shore regista
aí os seus lucros com carga fiscal nula ou reduzida e depois envia-os para
inclusão nos seus negócios em Portugal, sob o nome virtuoso de “investimento
estrangeiro” merecendo todos os elogios da classe política. Veja-se, por
exemplo, a publicidade enganosa do Pires de Lima, gestor do arriscado (?)
negócio das cervejas na pele de ministro da economia, na sua recente visita aos
EUA; os norte-americanos não têm a fama de cultos mas, em negócios, não são
certamente parvos11.
Observe-se, finalmente, a importância dos off-shores nos investimentos
chineses em Portugal. O Banco de Portugal revela que a posição do
investimento chinês em Portugal é de € 3M e € 4M, respetivamente, em 2011 e
2012. Porém, em 2011 a Three Gorges comprou 21.35% da EDP por € 2693 M
valor que, naturalmente, estará registado como proveniente de um off-shore e
não considerado como investimento chinês. Em 2012, ano em que os
investimentos de empresas chinesas terão ultrapassado uns € 750 M, somente
são identificados nas estatísticas, os referidos € 4 M12.
2 - Investimento e desinvestimento em Portugal
A posição do investimento direto estrangeiro em cada ano é um elemento
dinâmico que resulta da soma dos volumes transitados do ano anterior com o
novo investimento, subtraídos os desinvestimentos. A mobilidade mundial dos
capitais, a concorrência dos Estados e regiões para atraírem os capitais externos
é muito acentuada e portanto, há muito frequentes entradas e saídas de
capitais, como aliás também se observa na criação ou dissolução das empresas
registadas num país.
10
http://pt.euronews.com/2013/04/04/investigacao-revela-inferno-dos-paraisos-fiscais
http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO134809.html?page=0
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31632&ida=124645
11
http://www.noticiasaominuto.com/economia/143058/pires-de-lima-defende-portugal-como-espaco-privilegiadode-investimento&utm_medium=LeiaTambem#.UqjJFvRdUYE
12
http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/cronologia_dos_investimentos_chineses_em_portugal.html
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11
12. As variações no IDE consolidado não são muito referidas pelo mandarinato ou
pelos comentadores televisivos que dali emanam; e quando as referem é
quando há algum projeto vistoso, para anunciarem a criação de postos de
trabalho, qual cereja no topo da brilhante actuação de um governo. Preferem
sempre anunciar os investimentos vultuosos prometidos e esquecer quando
eles acabam por não se realizar; as minas de ouro no Alentejo são um exemplo
recente e as de ferro em Torre de Moncorvo, parecem estar agora em fase
exploratória, sendo referidas periodicamente desde os anos 70, quando se
equacionava poderem fornecer de minério a extinta Siderurgia Nacional, no
Seixal, por via ferroviária. O desinvestimento, a saída de capitais estrangeiros
previamente instalados em Portugal, tornam-se conhecidos quando se sabe de
algum encerramento de empresa com um lastro importante de desemprego,
como a Qimonda13, a Lear ou a Delphi14. Os mandarins que se aglomeram sob
as câmaras da tv nos dias de inauguração, escondem-se perante o desencanto
na hora da despedida dos “investidores”.
Mesmo quando um investimento estrangeiro se concretiza, raramente se
conhecem as contrapartidas oferecidas para o cativar – isenções fiscais, apoios
em termos de formação, canalização de fundos comunitários, terrenos e
licenças, duração da presença em Portugal, etc. Deverão constituir assuntos de
“Estado” nos quais os pagantes de impostos não têm o direito de colocar o
nariz.
O volume manifestado pela posição do IDE em Portugal é afetado pela entrada
de novas empresas ou filiais, das variações dos seus capitais, nomeadamente
por incorporação de lucros, como pelas empresas que reduzem o seu
investimento ou simplesmente abandonam o país. É ainda afetado pelas
variações dos valores de mercado atribuídos pelos detentores dessas empresas,
considerado anualmente nos inquéritos de avaliação levados a cabo pelo Banco
de Portugal. Portanto, convém ter em conta que uma variação do valor da
posição do IDE tem causas múltiplas, não totalmente discerníveis; por exemplo,
uma subida da posição resulta de um predomínio de novos investimentos ou
de valorizações atribuídas pelos seus detentores, sobre as saídas ou
desvalorizações.
Veja-se uma aplicação prática, a partir de empresas bem conhecidas, sobre a
fantasia que enforma os “mercados”:
1. A Mota-Engil cresceu em termos de valorização bolsista, 178% em 201315 e,
alguém que num país estrangeiro tenha na empresa um pacote de ações no
valor de € 100000 em janeiro de 2013, passou no final do ano a ter um
investimento de € 278000, mesmo sem mexer um dedo. Naquele país,
admitindo que esse seja o único investimento em Portugal, é possível que
algum jornal económico adiante que o IDE daquele país em terras lusas
13
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2011/12/normal-0-21-false-false-false_9596.html
http://expresso.sapo.pt/tres-anos-apos-fecho-da-delphi-em-ponte-de-sor-maioria-dos-operarios-continua-nodesemprego=f776419
15
Expresso 28/12/2013
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12
13. aumentou 178%, convencendo algum distraído de que Portugal oferece
excelentes oportunidades para investimento.
2. O famoso BCP que em 201316 terá tido um prejuízo de € 488 M e uma
redução de uns 35% no produto bancário, viu aumentar a sua valorização
bolsista 133% que poderá ter algures, um impacto semelhante ao referido
para a Mota-Engil! Entretanto, desde 2007 o banco já reduziu em 11000 o
seu número de trabalhadores, entre despedidos e reformados, sendo muito
duvidoso que lhes tenha sido atribuída uma valorização aproximada.
Tendo presentes as considerações anteriores, os acréscimos de investimento
num dado ano, em comparação com o stock em finais do ano anterior, revelam
a taxa de investimento, sendo paralelo o modo de calcular a taxa de
desinvestimento. A diferença, sendo positiva, revela uma taxa de crescimento
líquido da posição do IDE em Portugal.
Observa-se um paralelismo entre as taxas de investimento e desinvestimento
em todo o período e que tendem para uma relativa estabilização após as
bruscas variações observadas em 1999/2004 as quais se prenderão com
perspetivas e efeitos da adopção do euro.
Em 2000 observa-se um momento de grande reconfiguração do IDE em
Portugal. Os registos anuais dos capitais entrados revelam um aumento de
120% para o conjunto dos países da UE, o que não foi minimamente
acompanhado pelo espaço fora da UE, cujas entradas naquele ano se reduziram
31% face ao ano anterior. Em 2003 o elevado valor observado resulta, em
exclusivo de um grande investimento com origem no Canadá.
Taxas de investimento, de desinvestimento e de crescimento
líquido (%)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Desinv estimento
16
2004
2005
Inv estimento
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Crescimento líquido
idem
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14. Nesse mesmo ano de 2000, observa-se também um elevado desinvestimento; a
saída de capitais alemães aumentou cinco vezes e a dos holandeses duas vezes,
numa evolução acompanhada pela maioria dos países da UE. Em 2003, há uma
saída menos pronunciada e que cabe a capitais espanhóis – 3.5 vezes os
desinvestimentos de 2002 – e também holandeses, ingleses e norte-americanos.
Nos últimos anos, as taxas de investimento e desinvestimento tornaram-se mais
próximas e regulares, num patamar entre os 40/50 % do IDE do ano anterior;
daí que os indicadores de crescimento líquido reflitam também essas
caraterísticas, subindo um pouco nos dois últimos anos.
Expressam-se a seguir vários indicadores que proporcionem uma relação entre
o IDE entrado ou em retirada para vários anos do período considerado. Um,
compara esses fluxos anuais relativos ao IDE com a formação de riqueza em
Portugal (PIB). Outros, comparam grandezas relativas à balança corrente
(mercadorias, serviços, rendimentos e transferências) com o PIB e assim, aferem
o grau de inserção da economia portuguesa nos circuitos internacionais ou, da
relevância dessa inserção no contexto da formação de rendimento em Portugal.
Por outro lado, os fluxos anuais relativos ao IDE, embora pertencentes à balança
financeira, podem comparar-se com os fluxos da balança corrente uma vez que,
em regra, contribuem para colmatar os crónicos deficits da última. Finalmente,
exprime-se a relação direta entre os dois fluxos de capitais relativos ao IDE, um
de entrada e outro de retirada.
M euros
1996
PIB
Balança corrente - crédito
% PIB
Balança corrente - débito
% PIB
Balança corrente - saldo
% PIB
IDE - Crédito
% Bal. Corr. - crédito
IDE – Débito
% Bal. Corr. - débito
IDE – Líquido
% Bal. Corr. - saldo
IDE – Débito/Credito (%)
2001
2006
2012
93217 134471 160855 165409
34091
51033
67738
79795
36,6
38,0
42,1
48,2
37874
64911
84924
83126
40,6
48,3
52,8
50,3
-3783 -13878 -17186
-3331
-4,1
-10,3
-10,7
-2.0
4630
27866
32820
47656
13,6
54,6
48,5
59.7
3596
20904
24125
40655
9,5
32,2
28,4
48.9
1034
6962
8695
7001
27,3
50,2
50,6
210.2
77,7
75,0
73,5
85,3
Fonte primária: Banco de Portugal
Em qualquer dos fluxos da balança corrente se observa um aumento de
relevância comparativamente ao PIB reveladora da maior densidade das
relações económicas com o exterior verificada no período. A subida dos
registos a crédito, constante na comparação entre os quatro momentos,
acentua-se em 2012, uma vez que as exportações ou entradas de rendimentos
são pouco sensíveis à anemia económica ou à crise, que se manifestam mais
através dos níveis de rendimento ou do consumo da população. O mesmo não
sucede no capítulo dos registos a débito – importações e saídas de
rendimentos – que até se reduziram entre 2006 e 2012.
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15. Essas diferenças de comportamento refletem-se na grande redução do valor
absoluto do deficit corrente, bem como do seu peso no PIB, em 2012, inferior
ao observado dezasseis anos antes.
A relevância do IDE, entrado ou saído, quando comparado com os registos a
crédito da balança corrente aumenta substancialmente no período em
observação, revelando a já referida maior inserção na matriz do capital global.
A variação por períodos revela um primeiro lapso de tempo de grande
dinamismo que se esbate em 2001/2006 quando se começa a observar a
anemia económica. O último período, marcado pela profunda crise económica e
da dívida revela um crescimento insignificante do produto, uma quebra do
ritmo de crescimento das exportações, tendo em conta as dificuldades dos
países de destino, com relevo para Espanha, uma redução em valor absoluto
das importações e – o único aspeto virtuoso neste contexto – uma forte
redução do deficit externo.
Variação por períodos (%)
2001/1996 2006/2001 2012/2006
PIB
44,3
19,6
2,8
Bal. corrente - crédito
49,7
32,7
17.8
Bal. corrente - débito
71,4
30,8
-2,1
Bal. corrente - saldo
266,9
23,8
-80.6
IDE – Crédito
501,9
17,8
45,2
IDE – Débito
481,3
15,4
68,5
IDE – Líquido
573,3
24,9
-19,5
Fonte primária: Banco de Portugal
As variáveis relativas ao IDE crescem substancialmente nos finais do século
passado e antes da adopção do euro, muito acima dos indicadores relativos à
balança corrente. Isto significa que a movimentação de capitais se processou a
um ritmo muito superior ao das transações comerciais, estas por seu turno, já
com uma evolução muito acima do ritmo de geração de rendimento, no caso
das importações (débito). A redistribuição dos capitais, a fixação de atividades
em território português foi mais intensa do que as transações comerciais de
bens e serviços, contribuindo, para uma maior integração da economia
portuguesa na esfera do capital global e no acentuar da sua subalternidade. A
crise da dívida actual mais não é que parte do processo de subalternidade da
periferia sul da Europa dentro da matriz de desigualdades europeias, típicas de
qualquer desenvolvimento capitalista.
Depois dessa explosão, no final do último século, observa-se uma queda
acentuada no período seguinte, com as entradas e retiradas de IDE a crescerem
menos que as outras variáveis relativas às transações externas e, até mesmo que
o PIB, embora o saldo favorável do IDE acompanhe a evolução do saldo da
balança corrente. No último dos períodos, as entradas e saídas de IDE têm uma
evolução muito acima das variáveis da balança corrente, por efeito e por
exemplo, das privatizações levadas a cabo, do aproveitamento por parte de
capitais estrangeiros para a aquisição de empresas/imobiliário de empresas em
dificuldades, em paralelo com a retirada de investidores perante a redução do
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16. poder de compra e a quebra do investimento em geral. Finalmente, note-se que
o saldo do IDE em 2012 se mostra inferior ao observado no conjunto dos cinco
anos anteriores.
Conclui-se, neste contexto, que:
•
O maior crescimento das exportações e rendimentos obtidos no exterior a
partir de 2001 (crédito da balança corrente) não induzem um impacto
significativo no PIB. As elasticidades calculadas para essa relação são muito
baixas (0.6 em 2001/2006 e 0.16 em 2006/2012);
•
Torna-se pois questionável a mitologia dos efeitos salvadores através da
exportação, para os portugueses, sendo interessante uma abordagem (que
não faremos aqui) sobre a componente importada dessas exportações, o
efeito viabilizador de fundos comunitários, de benefícios fiscais, entre outros
factores.
•
As variações da importação induzidas de um acréscimo do PIB são claras
(elasticidade elevada no período 2001/2006 – 1.6 – mas, menos marcada
após a estagnação do PIB observada no último período (-0.7); isto é, a
estagnação de rendimentos encolhe os gastos e o fecho de empresas reduz
a aquisição de matérias-primas, equipamentos… Nada que se não saiba;
•
Assim, a brusca e substancial redução do deficit da balança corrente no
último período é conseguida através de uma brutal recessão económica e
de custos sociais imensos; isso pode alegrar a troika, os “mercados” mas, é
calamitoso para a população, muito mais reativa através da redução
importação, resultante da estagnação do PIB, do que a benefícios induzidos
por uma subida das exportações;
3 - O IDE e a época da crise (2008/2013)
Entende-se útil a análise mais detalhada (evolução mensal) dos créditos
(entradas) e débitos (saídas) de investimento estrangeiro em Portugal, após
2008, quando deflagrou a crise e se acentuou o processo de empobrecimento
associado à deriva neoliberal.
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17. IDE - Entradas e saídas mensais (2008/2013)
€ milhões
10000
9000
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
Entradas
Se
t-1
3
Se
t-1
2
Ja
n13
M
a
i-1
3
Se
t-1
1
Ja
n12
M
a
i-1
2
Se
t-1
0
Ja
n11
M
a
i-1
1
Se
t-0
9
Ja
n10
M
a
i-1
0
Se
t-0
8
Ja
n09
M
a
i-0
9
i-0
8
M
a
Ja
n08
1000
Saídas
Como se pode observar, a natural irregularidade das duas grandezas apresenta
um período – dez/2009 a dez/2012 - em que as entradas de IDE tendem a
mostrar-se acima dos € 3000 M mensais, acima do registado no período
anterior e, dos valores que se vieram a observar em 2013.
As entradas e as saídas de fundos, em regra não se afastam particularmente,
evoluindo ambas com um relativo paralelismo. São momentos altos de entrada
de IDE, dezembro de 2008, 2011 e 2012 e ainda maio de 2012 e o último
outubro. Os momentos de maior desinvestimento observam-se em dezembro
de 2010 e 2012.
Em todo o período se observam meses em que a entrada de IDE é inferior à
saída. Sublinhe-se que em julho/outubro de 2012 se regista o primeiro período
de quatro meses com saldo negativo ainda que de pouca monta; essa situação
torna a acontecer– maio/agosto de 2013 - mas com maior amplitude, o que é
revelador das apetências dos investidores estrangeiros
A comparação dos saldos mensais de IDE com os saldos da balança corrente
nos últimos cinco anos permite observar que há uma maior frequência de
situações em que o fluxo líquido de IDE, sendo positivo, contribui para a
redução do deficit externo, traduzido pelo saldo da balança corrente.
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17
18. Balança corrente e IDE - Saldos mensais (2008/2013)
€ milhões
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
-500
-1000
-1500
-2000
Balança corrente - saldo
Se
t-1
3
Se
t-1
2
Ja
n13
M
a
i-1
3
Se
t-1
1
Ja
n12
M
a
i-1
2
Se
t-1
0
Ja
n11
M
a
i-1
1
Se
t-0
9
Ja
n10
M
a
i-1
0
Se
t-0
8
Ja
n09
M
a
i-0
9
M
a
Ja
n08
-3000
i-0
8
-2500
IDE - saldo
Até meados de 2012 somente se verificam nove situações (num total de
cinquenta meses) em que o saldo de IDE é negativo, o que sucede oito vezes a
partir de julho de 2012, num total de dezasseis meses. Isso poderá constituir,
por um lado, uma tendência em consolidação de desinteresse dos investidores
estrangeiros e, por outro, do interesse dos investidores lusos em emigrarem os
seus capitais.
Essa quebra do contributo do saldo do IDE para o equilíbrio das contas externas
não tem tido a atenção devida pois o tradicional saldo negativo da balança
corrente tem-se vindo a reduzir a partir do verão de 2012 por ação dos
mandatários da troika em Portugal, cujo conjunto, habitualmente se designa
por governo.
Essa redução que apresenta até alguns saldos mensais positivos é
absolutamente precária, não consolidada, não merecendo o foguetório dos
cadetes governamentais. O aumento da exportação, mesmo baseado no
rebaixamento dos custos salariais irá encontrar as limitações decorrentes da
estagnação/decrescimento da procura interna dos países compradores. A
drástica redução da importação também deverá ser mitigada e temporária pois,
sobretudo nos sectores exportadores, será necessário proceder a importações
de equipamento, congeladas nos últimos tempos. E, qualquer pequena
recuperação do poder de compra que venha a acontecer irá conduzir a um
aumento de importações, uma vez que se chegará a um ponto em que o poder
de compra global atingirá um limite mínimo.
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7/1/2014
18
19. 4 – Notas finais
A real importância do investimento estrangeiro surge embrulhada num pacote
no qual aquele é apresentado como a chave do crescimento económico quando
na realidade promove essencialmente a integração espacial do domínio
capitalista. Desse mesmo processo faz parte a crescente subalternidade da
periferia sul da Europa dentro da matriz de desigualdades europeias, típicas de
qualquer desenvolvimento capitalista.
Outra das fábulas contadas ao telejornal é a da inovação e da tecnologia que
entra em Portugal, atrelada ao investimento estrangeiro o que não transparece
quando se observa a evolução da composição sectorial do IDE acumulado em
Portugal, nos últimos dezasseis anos (ver perfil sectorial17) e se conhece o
processo de acelerada desindustrialização em curso.
Nesse contexto da tecnologia há duas situações emblemáticas que se podem
referir. “Até ao final do mês de agosto, o Governo concedeu 145 Golden Visa,
isto é, vistos a estrangeiros que façam investimentos imobiliários a partir de 500
mil euros, que renderam 90 milhões de euros, essencialmente vindos do bolso
de cidadãos chineses, russos e angolanos.”18 E os investimentos efetuados em
Portugal por Isabel dos Santos - figura de proa da mafia governamental
angolana - não têm, certamente, como objetivo a lavagem e inserção de
capitais na economia formal mas… a aplicação da tecnologia para o
desenvolvimento da Galp, do BCP, da Zon ou do ex-BPN, trazida no porão do
seu luxuoso navio, tal como cheques para financiar o partido-estado (PSD/PS)
ou o do já experiente navegador Portas.
Uma vez que o poder de compra em Portugal é baixo e tende a reduzir-se
substancialmente para a esmagadora maioria da população, não se considera
ser possível um fluxo de capitais decididos a investir no consumo de um povo
em empobrecimento acelerado e com empresas altamente endividadas.
O IDE só se concretizará, na lógica do poder, se o “custo” do trabalho for baixo;
isto significa, redução do salário direto e da parcela efetivamente paga pelos
patrões (segurança social, por exemplo), aumento do tempo de trabalho, fácil
despedimento tendencialmente sem justa causa e por pouco dinheiro,
precariedade, ausência de direitos (de parentalidade, ausências por parto, por
doença…).
Na estupidez estratégica típica da classe política e do empresariato luso, não
cabe a ideia banal de que essas formas de tornar o trabalho barato estão muito
vulgarizadas em outros países e outras culturas, pelo que só marginalmente
serão decisivos factores de competitividade junto dos investidores externos. Por
17
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/10/investimento-estrangeiro-em-portugal.html
18
http://www.noticiasaominuto.com/economia/104976/mercado-imobili%C3%A1rio-a-colher-frutos-semeadospor-golden-visa&utm_medium=LeiaTambem#.UlPueVDBNKw
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7/1/2014
19
20. outro lado, se as empresas estão laborando algo abaixo das suas capacidades
físicas, para além de limitações financeiras, não terão grande incentivo para
investir, para aumentar a produtividade, num contexto global de menor
procura; e assim, um menor volume dos salários terá efeitos na estrutura de
custos mas, porque se trata de uma crise generalizada, a quebra de
rendimentos dos potenciais consumidores promove quebras nas compras às
empresas alimentando a espiral recessionista.
Por outro lado, os benefícios fiscais concedidos aos investidores, como por
exemplo, os que fixaram a AutoEuropa em Portugal, não são facilmente
repetíveis porque na Periferia Leste há razões geográficas, salariais e de
qualificação que favorece a região face à periferia portuguesa. Recentemente, a
Lear um projeto muito saudado no virar do século, desarmou a tenda e foi
montá-la em Marrocos, deixando centenas de trabalhadores no desemprego. O
aperto financeiro orientado pela troika, embora incida preferencialmente sobre
trabalhadores e reformados, não permite margem para vultuosos desvios de
dinheiro público para a captação de investidores estrangeiros; há dezenas de
países com maior folga financeira para proceder a essas benesses.
Acresce ainda que o êxodo de pessoas qualificadas para o exterior - certamente
não por aquiescência ao incentivo dado pela pileca Passos - revela que a
procura de trabalhadores qualificados em Portugal, por parte dos investidores
estrangeiros é marginal e, mesmo nesses casos, com a prática de salários locais
e jornadas de trabalho extensas, como convém na lógica demente da
competitividade.
Documentos e textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM
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20