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1
Para



                                                 A vida,

    Que me levou até uma praia deserta em Cuba e me fez
                               acreditar no meu destino.




2
AGRADECIMEN
MENTOS
    Ao meu orientador, Prof, Dr. Everardo Rocha, pela inspiração e
    apoio ao longo do projeto.



    A minha mãe Mônica e ao meu pai João, por toda a vida.



    As minha irmãs Júlia e Joana, por serem o que tenho de mais

    precioso.



    A minha tia Denise, que acreditou em todos os meus sonhos,

    sempre.



    Ao meu namorado Pedro, pelo carinho e apoio a cada dia.



    A Olivia e Ivan, os australianos que foram como anjos da guarda
    e me colocaram na minha estrada em Cuba.




3
A Renyer, o amigo que me mostrou a pureza das ruas cubanas.



    A Lívia e Chico, os brasileiros que me levaram ao momento mais
    inesquecível da minha vida.



    A Frank Amegah, o exemplo e amigo que me mostrou o quão
    precioso é amar e perseguir nossos sonhos.



    A Kellen Julio, por sempre olhar com os olhos apaixonados meu

    projeto.



    As minhas amigas Bruna e Clara, que riram e choraram comigo

    desde crianças.




4
“Torna-te quem tu és”


        Friedrich Nietzsche




5
Sumário
        Introdução 						
                        7
        							

        1) O que são códigos culturais				 13
    	

           	
        2) Conceitos Neuromarketing			    29

          	


        3) Um resumo sobre Cuba			        49




         4 )Estudo de Casos				           87

    				

     Conclusão					                       110 	
    			

        Referência                       119

      Recortes						                      	
                                          123
    	          					                            	
    					




6
Introdução

           Os imperativos publicitários permeiam o dia a dia

    de diversas sociedades durante distintas temporalidades.

    “Compre”, “pague”, “beba”, “coma”, “siga”, “vote”, entre

    outros, vagam entre a maioria das culturas do mundo em

    que vivemos na forma de diferentes discursos e narrativas

    históricas: do socialismo de Fidel Castro ao capitalismo de

    W. Bush, do catolicismo da Roma antiga ao budismo dos

    mais antigos templos na Índia, imperativos travestidos de

    homens barbudos em ternos e com ar de notável responsa-
    bilidade, à ratos com calça dançando e cantando no maravi-

    lhoso mundo de Walt Disney. Disfarçados ou não, é difícil

    estar imune aos estímulos publicitários, e que inegavelmen-

    te, como um call to action, pretendem gerar uma reação: o

    consumo.

           Com o passar do tempo, a evolução dos meios de

    comunicação e a avalanche de informações que convive-

    mos, esses imperativos publicitários ganham outras formas


7
e se revestem com uma nova roupagem que não deixa mais
    a criança inocente saber se quem está por detrás é o lobo mau

    ou o homem bom. Como o autor Clotaire Rapaille relata

    em seu livro O Código Cultural (2007), diversas marcas,

    com intuito de atingir o consumidor de uma forma muito

    mais eficaz, buscam entender a cultura de cada país e seus

    códigos que permeiam os diferentes gestos e elementos da

    vida dessas sociedades. Assim, slogans como “Beba Coca-

    -Cola” se adapta a esse novo conceito e passa a ser “Viva a

    felicidade”; “Coma Mc Donalds” se transforma em “Amo

    muito tudo isso”, ambos com a finalidade de significar de

    uma forma mais relevante e pertencer ao universo cultural

    de cada indivíduo.

           O fato é que cada cultura do mundo é única, assim

    como sua história e formação. Amor nunca significará a

    mesma coisa para um americano e um francês, assim como

    fé nunca será entendida da mesma forma por um indiano e
    um brasileiro. Pessoas de diferentes culturas sempre inter-

    pretarão um sorriso, um gesto, uma palavra, e até uma pia-

    da de maneiras totalmente distintas, e é nessa singularidade



8
que residem os códigos culturais. Assim, quando nascemos

    em uma determinada cultura, crescemos e aprendemos seus

    códigos, e os mesmos se tornarão, a partir de impressões

    marcantes, inerentes à nossa forma de pensar e agir. Quan-

    do buscamos uma explicação na neurociência, as estruturas

    mentais que ligarão a experiência vivida ao seu código mais

    adequado serão chamadas de schemas, sendo determinantes

    para a formação das reações a todos os estímulos que con-

    vivemos. Logo, se cada cultura é única, a resposta de cada

    indivíduo cultural a um estímulo será único também.

           É diante dessa singularidade que o país Cuba foi escolhido

    como recorte para estudo deste trabalho, fundamentalmente por

    ser uma das últimas nações genuinamente socialistas, isolada

    a mais de 50 anos do mundo capitalista, da globalização, mas

    principalmente da quantidade enorme de estímulos publicitários

    que convivemos. Dentre todas as particularidades da sua

    formação econômica e cultural, passando desde a independência

    do país após quatro séculos de dominação colonial espanhola, o

    apoio e também “estrangulamento” pelos EUA da sua liberdade

    recém conquistada, até a Revolução de 1959, que se mantém

    firme, porém não tão mais forte, em Cuba há mais de cinco




9
décadas sobre o comando de Fidel Castro, veremos mais

     detalhadamente, afim de ajudar nos estudos de caso que se

     seguirão: os diferentes códigos culturais e significados de

     como o que é ser cubano nos dias de hoje, o que é líder e

     o papel do Estado, e principalmente qual é a relação dos

     cubanos com os códigos de dinheiro e comprar.

            A autora também apresentará para melhor entendi-

     mento e interpretação do leitor a importância e presença

     dos códigos culturais no comportamento das diferentes

            sociedades e como convivemos com eles, muitas

     vezes sem ter consciência do seu pertencimento em cada

     tomada de decisão. Assim, da mesma forma que não se es-

     colhe em qual barriga materna nasceremos, não poderemos

     também optar por qual cultura pertenceremos, uma vez que

     ela será aprendida em uma tenra idade através de impres-

     sões marcantes.

            O projeto apresentará também conceitos provenien-

     tes da neurociência e neuromarketing que buscarão dar base

     para o entendimento de como interpretamos alguns estímu-



10
los e mensagens. Assim, veremos as diferentes formas de

     pensar do cérebro e como em que tipo de situação agimos

     por instinto, racionalmente ou emocionalmente, além de

     conhecer a motivação que teremos ou não para escolher

     uma dessas formas em uma tomada de decisão. O trabalho

     não visa ditar regras universais onde nossas redes neurais

     agiriam e reagiriam de forma semelhante em todas as situ-

     ações apresentadas independente da cultura de cada indiví-

     duo, mas sim mostrar os diferentes mecanismos neurológi-

     cos e algumas funções que nos ajudarão a interpretar o que

     se passa enquanto decidimos por uma coisa e não outra.

            Por fim, a motivação para esse projeto é buscar en-

     tender as particularidades das diferentes reações referentes

     a três tipos de estímulos publicitários – noção de preço x

     qualidade, satisfação imediata, e nível de entendimento na

     complexidade de uma mensagem – na sociedade cubana.

     Assim, a partir de entrevistas feitas na pesquisa de campo

     no país, onde os interlocutores cubanos foram questionados

     sobre quais seriam suas escolhas diante de três peças publi-

     citárias, além de entrevistas sobre consumo, dinheiro e polí-



11
tica, será possível estudar suas diferentes reações baseadas

     nos conceitos que serão estudados nos próximos capítulos e

     na particularidade dos seus códigos culturais.

            Entender a essência das nossas escolhas é uma tare-

     fa que está longe de ser concluída. A constante mutação das

     culturas e do indivíduo enquanto ser pensante e cultural não

     permitirá que o caracterizemos a partir de regras e limita-

     ções. Cuba e seus cidadãos também fazem parte desse uni-

     verso complexo e inexplicável das ações e reações huma-

     nas, com um porém: é um país que se manteve congelado

     no tempo e não pertenceu a evolução devastadora da infor-

     mação. A importância desse projeto, por sua vez, é de apre-

     sentar uma reflexão sobre de que forma uma nação como a

     cubana, isolada economicamente há cinco décadas, reagirá

     diante do conflito dos seus códigos com certos estímulos

     publicitários tão óbvios à nossa sociedade capitalista, mas

     tão raros dentro dos muros invisíveis da ilha.




12
O que são códigos culturais




            Capítulo 1: O que são códigos culturais


     1.1) Códigos culturais e sua influência no comportamento
     das sociedades

     1.2) Códigos culturais aplicados na lógica de branding e con-
     sumo

     	




13
1.1) Códigos culturais e sua influência no comportamento
     das sociedades



            A pergunta sobre o que é o homem perdura desde

     tempos muito remotos na existência da raça humana, e,

     diante da sua complexidade, continua sem uma respos-

     ta precisa e exata. Sabemos que o homem é diferente do

     animal, embora ainda sirva a alguns instintos em situações

     extremas. Necessita de condições básicas para viver como

     ar, água, alimento e morada, embora alguns seres dessa es-

     pécie precisem de águas francesas engarrafadas, comidas

     de restaurantes caros e casas com centenas de metros qua-
     drados para sua simples subsistência. Se qualificam como

     humanos e repelem com asco as suas variações que não se-

     guem regras de etiqueta e moral humanas.

            A questão é que a antropologia, sociologia, ciência,

     entre outros, há séculos tentam desvendar, todas com muita

     propriedade, a verdadeira e única resposta para essa per-

     gunta um tanto quanto paradoxal. Diante da particularidade

     do homem, existiria uma resposta universal?


14
José Carlos Rodrigues em seu livro Antropologia e

     Comunicação: Princípios Radicais (1989: 18) escreveu:
                                         O crucial do enigma ai está:
                                         jamais existirá uma iden-
                                         tidade humana única, re-
                                         sultante de uma espécie de
                                         consenso universal; encon-
                                         traremos porém, ao mesmo
                                         tempo, inesgotáveis manei-
                                         ras, todas elas profunda-
                                         mente humanas, de compre-
                                         ender o que se deve designar
                                         por humano.


            Se as respostas que dão significado sobre o que é o

     homem são múltiplas e particulares, então podemos con-

     cluir que talvez a única singularidade dessa espécie é exata-

     mente a sua diferença.

            No mundo das espécies não humanas, os sinais, in-

     transformáveis, inerentes à sua existência e sobrevivência,

     determinam cada passo e ação a serem dados. As abelhas,

     por exemplo, nascem com seus papéis dentro do grupo e

     tarefas intrinsecamente determinadas: nascem rainhas ou

     operárias, alimentam os ovos no seu primeiro estágio de

     vida, ajudam as outras operárias em uma segunda etapa, e




15
só depois saem da colméia para alcançar alimento (Rodri-

     gues, 1989: 28), mas, diferentemente da espécie humana,

     não conseguem ultrapassar esse universo comunicacional

     que lhes pertence organicamente.

            O homem, por sua vez, necessita aprender todo um

     universo comunicacional e simbólico que já está inserido

     no ambiente, e, para pertencer ao mesmo, é indispensável

     que adira à ele. Assim, diante de uma perspectiva humana,

     a cor preta, por exemplo, pode significar luto para um gru-

     po, mas ao mesmo tempo festa para outro, uma brisa pode

     significar paz, como também um mal pressagio. O homem,

     por sua vez, inserido nesta ou naquela sociedade, nasce e se

     adapta às convenções, e, para sua própria sobrevivência, se

     torna uma espécie social.

            A partir da aversão do ser humano ao caos, ao ale-

     atório, esse organiza o ambiente a sua volta assegurando a

     existência do grupo, criando valores, expectativas e intera-

     ções até antes inexistentes, ou seja, ele cria códigos signi-

     ficacionais que serão a base de convivência daquele grupo.




16
A esse conjunto de regras e interações podemos chamar de

     cultura, e ela será única para cada sociedade, da mesma for-

     ma que será linha mestre indispensável de cada uma delas.

            Sobre a cultura, José Carlos Rodrigues em seu li-

     vro Tabu do Corpo afirma que “Viver em sociedade é viver

     sob a dominação dessa lógica e as pessoas se comportam

     segundo as exigências dela, muitas vezes sem que disso te-

     nham consciência.” (1979:11). Sendo assim, a cultura é um

     fator presente e ativo na vida de todos os homens, assim

     como todos os códigos que a formam, ela é inevitável, do-

     minadora, excludente, faz parte do ser humano sem que o

     mesmo tenha consciência, é irreversível. Da mesma forma

     que o homem não determina a barriga materna que espera

     para conhecer o mundo, não é possível escolher a cultu-

     ra quando se nasce. É uma questão de adaptação, aprender

     para sobreviver, ou simplesmente não sobreviver.

            Esse novo ser cultural, por exemplo, terá seu apren-

     dizado baseado nos códigos de cada experiência vivenciada

     deste novo mundo que habita. Tomemos a experiência cul-




17
tural de um jovem árabe: ele descobrirá que na sociedade

     em que vive a mulher é propriedade do homem, pois sua

     mãe toda vez que sai para rua precisa se esconder com uma

     burca e só poderá tira-la no seu lar cujo dono é o homem

     que casou; que Deus é o detentor único do seu destino, pois

     isso lhe será ensinado no templo toda vez que tiver que ajo-

     elhar para rezar o alcorão, entre outros. Cada código que o

     rodeia terá significados que determinarão sua maneira de

     ver e interagir com o mundo. Se esse mesmo jovem é apre-

     sentado a uma cultura americana, por exemplo, onde a mu-

     lher é independente e trabalha, e que cada indivíduo tem o

     direito por lei de buscar e traçar seus planos, ele achará no

     mínimo tudo muito estranho pois ali não verá seus códigos,

     não verá sua essência.

            A essa discriminação da sociedade do “eu” e a so-

     ciedade do “outro”, onde o “outro” será o diferente, pois

     sua cultura e códigos são distantes da “minha”, surgirá o

     que o antropólogo Everardo Rocha chamou de etnocentris-

     mo (O que é etnocentrismo, 1988). Assim, segundo o autor,

     a inconsciência desse mundo significacional que nos rodeia



18
chamado de cultura, será talvez o fator mais comum entre

     os homens.
                                                Etnocentrismo é uma visão
                                                do mundo onde o nosso pró-
                                                prio grupo é tomado como
                                                centro de tudo e todos os ou-
                                                tros são pensados e sentidos
                                                através dos nossos valores,
                                                nossos modelos, nossas de-
                                                finições do que é a existên-
                                                cia. (Rocha, 1993: 7)


              É a partir desse tipo de visão distorcida que diversas

     sociedades do mundo apresentaram suas justificativas

     para as guerras étnicas e religiosas, que o processo de

     catequização das Cruzadas nas Américas foi tão doloroso para
     os nativos, assim como outros acontecimentos similares a esse tipo de

     transgressão da cultura durante toda a história. Assim, a dificuldade que

     impede as sociedades de entenderem o “outro” será a mesma que as

     continuará impedindo de conhecerem a si mesmas.




19
1.2) Códigos culturais aplicados na lógica de branding e
     consumo

            Aprendemos a conviver com cada código cultural

     da nossa sociedade. Acreditamos pertencer à forma corre-

     ta de existir, enquanto vemos o “outro” agindo tão erro-

     neamente e diferentemente de nós. Antes de questionar o

     porquê desses códigos serem tão fortes e presentes em nós,

     devemos entender como eles se tornam tão inerentes à nos-

     sa existência.

            O antropólogo Clotaire Rapaille, em seu livro O Có-

     digo Cultural (2007) manifesta sobre a aprendizagem dos
     códigos culturais em cada sociedade ressaltando que “quan-

     to mais forte uma emoção, mais nitidamente uma experiên-

     cia será aprendida” (2007:6). Seriam nas nossas primeiras

     experiências que vivenciaríamos fatos tão emocionalmente

     marcantes, que, por sua vez, guiariam nossas impressões

     sobre o mundo durante nossa existência.

            Imagine como exemplo uma criança que é adverti-

     da por sua mãe a não tocar na panela sobre o fogo pois a



20
mesma está quente e queimará sua pele. A criança, por sua

     vez, desrespeitando a ordem até então sem fundamento da

     mãe, toca a panela e se queima, sentindo muita dor. Pronto.

     A dor, fruto da desobediência, criará ali um primeiro código

     para a situação: perigo. Esse código estará gravado a partir

     daquele momento emocionalmente marcante, guiando to-

     dos os próximos momentos de decisão em que esse código

     será ativado.
                                         A combinação de experiên-
                                         cia e emoção cria algo am-
                                         plamente conhecido como
                                         um imprint (impressão mar-
                                         cante), termo usado pela
                                         primeira vez por Konrad
                                         Lorenz. Quando ocorre uma
                                         impressão marcante, ela
                                         condiciona fortemente nos-
                                         so processos de pensamento
                                         e confere forma às nossas
                                         ações futuras. Cada impres-
                                         são marcante ajuda-nos a
                                         tornar aquilo que realmente
                                         somos (Rapaille, 2007:6)


            Assim, quando um americano e uma americana dão

     a luz a uma criança, eles na verdade estão colocando no

     mundo um pequeno americano que descobrirá através de

     cada impressão marcante a como ser e agir como um le-



21
gítimo estadunidense. Da mesma forma, as outras culturas

     moldarão os seres sociais que a pertencem. É válido ressal-

     tar que cada uma delas, conjunto de símbolos e significados,

     é passível de transformação, e encontrará no deslocamento

     do tempo e da história suas próprias impressões marcan-

     tes, responsáveis também pela sua formação e reformula-

     ção. Assim, quando os EUA sofreram em 11 de setembro

     um ataque terrorista que derrubou não só os dois maiores

     prédios da cidade de NY, mas sim um dos mais importan-

     tes símbolos do capitalismo, essa cultura certamente sofreu

     uma impressão emocional que abalou alguns dos seus códi-

     gos mais importantes como segurança e inimigo.

            A questão é que se conseguimos mapear quais são

     esses códigos e porquê eles são tão fortes para um grupo,

     é possível de forma muito mais efetiva moldar e manipular

     uma mensagem para atingir esse indivíduo. Se as culturas

     são como jóias únicas lapidadas por seus códigos, quando

     uma marca se comunica massivamente, sem se preocupar

     com o valor e característica de cada uma, ela perde a opor-

     tunidade de comunicar uma mensagem única e preciosa



22
também. Assim, da mesma forma que a cultura é inerente

     a sobrevivência humana e das sociedades que convive, ela

     deverá ser elemento crucial para as marcas que desejam ul-

     trapassar os limites da mediocridade.

              Cloraire Rapaille (2007), durante suas sessões de

     descoberta1 realizadas para grandes multinacionais em

     busca de um input mais certeiro para atingir seus consu-

     midores, desvendou quais seriam alguns dos códigos que

     estariam por trás do discurso dos seus entrevistados quando

     questionados sobre suas experiências sobre um determi-

     nado assunto. Segundo o antropólogo, para essa análise o

     mais importante seria olhar para a estrutura das mensagens

     e não seu conteúdo (2007: 19). Ora, se as culturas são de

     uma forma ou outra organizadoras do caos significacional

     de uma sociedade, então, se buscamos um código dentro de

     uma mensagem, ela só poderá estar naquilo que a sustenta.
     1. Nas sessões de descoberta de Rapaille é organizada uma pesquisa
     qualitativa a partir de pequenos grupos, onde na primeira hora o
     interlocutor assume o papel de um astronauta do espaço que precisa
     entender os conceitos mais básicos. Na hora seguinte, os participantes
     são convidados a sentar no chão como crianças e fazerem exercícios
     cognitivos. Já na terceira hora os participantes são convidados a deita-
     rem, e totalmente relaxados, voltarem às suas lembranças mais antigas
     sobre o assunto.



23
Sendo assim, essa estrutura será comum àqueles que

     pertencem ao mesmo universo significacional, a mesma

     cultura, sendo possível delimitar um código comum para

     suas mensagens.

            A partir deste conceito, podemos entender porque

     a comunicação de algumas marcas, mesmo que em nível

     inconsciente, são tão efetivas. Tomemos como exemplo o

     código cultural para bebida na cultura francesa e americana.

     Os franceses são acostumados pelos pais desde uma tenra

     idade a ingerirem bebidas alcoólicas, ensinando aos filhos

     que o vinho, por exemplo, acentua o sabor dos alimentos

     de uma forma prazerosa. Os americanos, por sua vez, man-

     tém os filhos totalmente afastados da bebida, imprimindo

     o rótulo de proibição até eles atingirem a idade certa pela

     lei para esse tipo de consumo pois o álcool seria intoxican-

     te e pode levar ao comportamento irresponsável. Assim, a

     impressão marcante sobre a bebida é atingida em uma ida-

     de rebelde da adolescência desse americano, e ao invés de

     encará-la como um prazer para se degustar junto à comida,

     se torna uma ferramenta inebriante, ou seja, para se ficar



24
bêbado exclusivamente.

             Diante desse quadro, quando questionados nas ses-

     sões de descoberta de Rapaille sobre qual o significado para

     bebida, as lembranças dos americanos entrevistados reve-

     lavam situações onde resgatavam um sentido muito pode-

     roso, como algo que muda seu organismo e te deixa fraco,

     em situação de perigo, que faz você se “sentir vulnerável”2,

     e pensar que “iria morrer”, letal. A conclusão de Rapaille

     seria então que o código cultural americano para bebida é

     arma (2007: 141). Assim, marcas de bebida como o uís-

     que Colt .45 tem o nome de um revólver e a divulga em

     letras de rap violentos, e a cerveja Anheuser-Busch faz sua

     comunicação com a imagens de cães de caça e distribuem

     “Equipamento de caça Oficial da Busch” com copos e porta

     cervejas camuflados, como se estivessem na guerra. A partir

     do código cultural delimitado para bebida, essas e outras

     marcas atingem esse consumidor na raiz de suas impressões

     mais marcantes.


     2. Trecho retirado das entrevistas recolhidas nas sessões de descoberta
     conduzidas por Clotaire Rapaille.



25
Outro exemplo é de como a empresa francesa de

     cosméticos L’Oréal teve que aprender os diferentes códigos

     culturais para beleza nos países que atua para atingir uma

     comunicação mais efetiva dentro desta pluralidade cultural.

     Enquanto as americanas investem em lipoaspirações, sili-

     cones e clareamento dental, as francesas podem gastar duas

     horas em frente ao espelho se arrumando para ficarem mais

     naturais possíveis. Assim, se uma mulher francesa parece

     propositalmente maquiada ela tem grandes chances de ser

     confundida com uma prostituta, além do que se ela demons-

     trar que está tentando atrair propositalmente um  homem

     será um forte indicador de desespero. Já na cultura inglesa,

     onde os homens vêem somente em outros homens um om-
                                 �����������������������

     bro amigo verdadeiro para falar sobre seus sentimentos e

     gastam a maioria do seu tempo em bares e em pubs, as mu-

     lheres inglesas se sentem deixadas um tanto de lado, o que

     as levam a se arrumar exageradamente, usarem roupas de-

     masiadamente chamativas, isso tudo numa tentativa, muitas

     vezes frustrada, de chamar atenção do sexo masculino.




26
Os depoimentos das mulheres americanas sobre

     sedução nas sessões de descoberta de Rapaille (2007: 42)

     estão cheias de situações desagradáveis e constrangedoras,

     de momentos em que elas, ao invés de chamarem atenção

     positivamente com um vestido novo, ou com o amadureci-

     mento da puberdade, se sentiram diminuídas ou ameaçadas

     pelos homens. A partir disso, onde mesmo as mensagens

     se diferenciando, a sua estrutura se baseia em experiências

     negativas, onde elas se exergavam como “bonecos” ao in-

     vés de seres humanos, situações até caracterizadas como

     “nocivas” por essas mulheres, nos levando a pensar que o

     código americano para sedução seria então manipulação.

     A mulher americana não se sente seduzida por um homem,

     e sim manipulada, pois para ela provavelmente ele estará

     fazendo isso para conseguir algo e depois a deixar.

            Se as mulheres americanas quando se sentiam sedu-

     toras ligavam seu sentimento diretamente a uma situação

     que em fossem manipuladas, a L’Oréal tomou a decisão

     de afastar-se do código. Enquanto os anúncios eram muito

     sensuais na França, a publicidade para as americanas de-



27
veria fugir de uma conotação sexual, focando no sentir-se

     bem consigo mesma. Surge então o slogan “Porque você

     vale muito”3, evocando genuinamente o código e conver-

     sando diretamente com essa consumidora.

             Da mesma forma que as nossas impressões sobre o

     mundo estão culturalmente codificadas, as marcas devem

     entender e pertencer a esse universo significacional à medi-

     da que desejam fazer parte da experiência desse ser huma-

     namente cultural.




     3. Tradução do slogan original em inglês Because you’re worth it


28
Conceitos Neuromarketing




         Capítulo 2: Conceitos Neuromarketing


         2.1) Os cérebros e suas formas de pensar
         2.2) O que são shemas
         2.3) Como nossos cérebros “sentem”
     	




29
2.1) Os cérebros e suas formas de pensar

            Penso, logo existo. A famosa frase do filósofo fran-

     cês René Descartes (1596-1650) talvez sintetize melhor o

     que somos, e a impossibilidade de ser se não possuíssemos

     um órgão tão fundamental e precioso como o cérebro. Esse

     emaranhado de neurônios e massa cinzenta é o responsável

     pelas nossas ações mais vitais como respirar ordenadamente

     de forma a garantir a oxigenação do corpo humano, e tam-

     bém raciocinar ao ponto de descobrir a teoria da relativida-

     de. É dentro dessa caixa orgânica misteriosa que tomamos

     decisões, nos tornamos e externalizamos quem somos. E,

     como um quadro em branco, o cérebro humano absorverá a
     cultura, de forma que essa se tornará parte tão fundamental

     para a tomada de decisão quanto uma conexão sináptica.
                                         Portanto, não é difícil con-
                                         cluir que as estruturas neu-
                                         rológicas são, até uma me-
                                         dida considerável, formas
                                         vazias que as diferentes cul-
                                         turas preencherão diferente-
                                         mente, e que os complexos
                                         emocionais assim formados
                                         estarão a serviço das dife-
                                         rentes sociedades, como
                                         mecanismos avaliadores e




30
controladores da observân-
                                         cia e não observância das
                                         normas     comportamentais
                                         culturalmente constituídas.
                                         (Rodrigues, 1989: 121)




            Embora a cultura seja sim fator determinante sobre

     a forma que reagiremos a certas situações e casos, o cérebro

     humano apresenta muito mais complexidades na sua essên-

     cia e formação. O ser humano é capaz de ao mesmo tempo

     amar, odiar, sentir medo e perigo, sentir desejo por um par,

     pensar, criar, raciocinar, etc. A cada uma dessas ações uma

     parte específica do cérebro é ativada de forma à cumpri-la,

     podendo dividi-lo primariamente em 3 partes que explicarei

     mais detalhadamente a seguir: reptiliano, límbico e córtex

     – responsáveis pelos instintos, emoções e inteligência res-

     pectivamente.




31
Para Clotaire Rapaille o cérebro reptiliano é a nossa

     herança do que um dia todos nós teríamos sido diante da

     evolução das espécies, répteis (2007: 15),. Diferentemen-

     te do cérebro límbico e córtex, ele é inerente a todos os

     seres humanos desde o nascimento. Sem ele, nem a nossa

     e nem nenhuma outra espécie teria permanecido já que o

     mesmo nos programa para duas principais coisas: sobrevi-

     ver e reproduzir. É a partir dele que somos guiados a agir

     por instinto, prevalecendo sobre todos os outros estímulos

     na tomada de decisão.

            Podemos tomar como exemplo o conceito de beleza

     em diferentes sociedades. Numa sociedade esquimó, uma

     mulher bela fatalmente será uma mais gorda, já que ela será

     nitidamente um indicador de que possui capacidade de so-

     brevivência devido à sua reserva de gordura e energia, e

     caso seja escolhida para reprodução, provavelmente seus

     filhos nascerão com as suas qualidades biológicas. Pode-

     ríamos encarar a beleza, portanto, como uma dimensão do

     cérebro reptiliano, mesmo que o nosso racional nos alerte

     que talvez esse não seja o padrão esquálido das capas de



32
revista (Rapaille, 2007: 22).

            Se o cérebro reptiliano pertence à nossa espécie, o

     córtex, responsável pela parte motora e intelectual do indi-

     víduo, é adquirido, segundo Rapaille (2007), logo depois

     dos 7 anos de idade. Quando aplicado um teste a um grupo

     de crianças menores que essa idade e outro maior, a dife-

     rença do desenvolvimento do córtex é visível. Tomemos

     duas bolas de massa de modelar exatamente com a mesma

     quantidade de material, forma e tamanho. Quando os dois

     grupos são questionados se as esferas são iguais em peso e

     tamanho, ambos os grupos responderão que sim. Mas, se

     transformo uma das esferas em uma forma achatada como

     uma cobra e pergunto novamente, o primeiro grupo respon-

     derá que não são iguais, pois ainda não possui a capacidade

     de raciocinar com esse nível de complexidade, enquanto o

     segundo argumentará o porquê o são (Lehrer, 2009).

            A capacidade do córtex cerebral de raciocinar nos

     induz a sempre tentarmos justificar nossas escolhas. Assim,

     quando compramos uma Land Rover 4x4 Off Road de 100




33
mil reais para dirigirmos pelo asfalto liso e novo das ruas
     de São Paulo, nosso córtex busca um álibi intelectual para

     isso. Ele nos dirá “preciso de um carro desses pois gosta-

     ria de ser aventureiro e tirar um fim de semana com meus

     amigos para ir para o interior”, enquanto na verdade é o seu

     cérebro reptiliano comanda a decisão dizendo “preciso ser

     grande e forte para assustar meus inimigos e mostrar que

     sou o líder do grupo”.

            Segundo Clotaire Rapaille, “os álibis funcionam

     porque parecem legítimos. Eles nos dão bom motivos para

     fazermos as coisas que queremos fazer de qualquer jeito”

     (2007: 158). Assim, mesmo que nos esforcemos muito para

     racionalizar nossas escolhas, o instinto de sobrevivência e

     reprodução do cérebro reptiliano falará mais alto e guiará

     nossa tomada de decisão, mesmo que inconscientemente.

            Enquanto no cérebro do instinto (reptiliano), pré
     programado à nossa existência, sabemos da grande proba-

     bilidade da não intervenção da cultura, não podemos falar o

     mesmo do cérebro límbico, responsável pelas nossas emo-




34
ções. “As emoções são a chave para o aprendizado, a chave
     para gerar impressões marcantes”, segundo Clotaire Ra-

     paille (2007: 17), pois são a partir delas que aprenderemos

     nossos códigos culturais.

            Assim, será em uma tenra idade que seremos educa-

     dos pela cultura através de experiências que nos marcarão

     emocionalmente, e essa depositará seu conhecimento e o

     armazenará incondicionalmente no nosso cérebro límbico,

     fazendo-nos regatá-lo sempre que for preciso ativar o mes-

     mo. Assim, usando o exemplo descrito no primeiro capitulo

     deste trabalho (p. 17), uma criança que desobedecendo as

     ordens da mãe coloca a mão na panela quente e gera a partir

     de uma experiência emocionalmente marcante seu primei-

     ro código para a situação, perigo, aprenderá, inserido den-

     tro de uma cultura, outros códigos para outras situações da

     mesma maneira.


            Muito tempo se pensou que o homem alcançaria a

     perfeição se conseguisse racionalizar todas as suas deci-

     sões. Como podemos ver, isso é praticamente impossível,



35
pois dependemos do emocional e será nele que nossas im-

     pressões mais marcantes sobre o mundo serão ativadas. Pla-

     tão usou uma analogia bem simples para entendermos um

     pouco desse paradoxo. Imagine o seu cérebro como uma

     carroça, a qual temos os cavalos, que a puxam, e o seu mo-

     torista, que determina a direção e destino dela. Os cavalos

     seriam a nossa emoção, que são a força das nossas vidas,

     que nos empurram e nos fazem sentir sentimentos dos mais

     variados, que nos fazem “cavalgar” vida a fora. Já o moto-

     rista seria a razão, que canaliza toda a força da emoção para

     um rumo certo, um destino apropriado, ou não, para essa

     avalanche incontrolável de sentimentos e força (Lehrer,

     2009: 10). Sem o motorista viramos loucos desenfreados,

     sem os cavalos ficamos alheios e apáticos ao mundo.

            Uma situação interessante é a descrita pelo autor Jo-

     nah Lehrer em seu livro How we decide (2009: 15), onde

     algumas pessoas que possuiam tumores na região límbi-

     ca, responsável pela emoção, tiveram a mesma danificada,

     descobrindo-se que elas se tornaram incapazes de fazer es-

     colhas simples como tomar um café ou um suco no café



36
da manhã. Sem a emoção elas ficaram incapazes de decidir

     sobre as coisas mais banais da vida.



     2.2) O que são shemas

            Enquanto vimos que as estruturas neurológicas do

     nosso cérebro serão, até de certa forma, quadros vazios

     onde as culturas preencherão com seus códigos significa-

     cionais, podemos sintetizar que os schemas serão, por sua

     vez, a estrutura mental usada para organizar e simplificar

     esse conhecimento sobre o mundo à nossa volta, como ve-

     remos a seguir.

            Os estudos sobre o que são schemas caminham en-

     tre a neurociência e psicologia desde o século XIX, quando

     o neurocientista Sir Henry Head originalmente descreveu o

     termo como body schema:




37
Como modelo postural do
                                            corpo que organiza ativa-
                                            mente e modifica “as im-
                                            pressões produzidas pelos
                                            impulsos sensoriais que
                                            chegam de tal maneira que
                                            a sensação final de [corpo]
                                            posição, ou de localização,
                                            se eleva para a consciência
                                            carregado com uma relação
                                            a algo que aconteceu antes
                                            “.4


             Ou seja, teríamos noção da representação das dife-

     rentes partes do nosso corpo a partir de “modelos organiza-

     dos de nós mesmos” (Head & Holmes, 1911: 189), que por

     sua vez seriam ativados regatando um aprendizado passado.

             O psicólogo Jean Piaget, que teve como um dos

     seus trabalhos mais reconhecidos o estudo sobre o desen-

     volvimento cognitivo das crianças (Piaget, 1952), acredi-

     tava que os schemas seriam categorias do conhecimento

     que nos ajudariam a entender e interpretar o mundo. Não só

     isso, os schemas não seriam somente o conhecimento em si,

     mas sim a forma com que aprendemos e reaprendemos ele.

     Assim, da mesma forma em que os códigos são aprendidos
     4. http://en.wikipedia.org/wiki/Body_schema



38
através de experiências marcantes, os schemas teriam a fun-
     ção de resgatar esse conhecimento e ligá-lo à experiência

     atual vivida.
                                              Um schema ou scheme (PL-
                                              -schemata) é uma estrutura
                                              cognitiva geral de conhe-
                                              cimento, o que representa
                                              domínio sobre aspectos es-
                                              pecíficos de experiências
                                              perceptivas de um indivíduo
                                              (de pessoas ou objetos) e as
                                              respostas comportamentais
                                              ou seqüências de ação gera-
                                              dos por essas experiências .5




             Tomemos um exemplo usado por Jean Piaget (1952)

     onde uma criança vê pela primeira vez um cavalo. Ela sa-

     berá que ele é um animal, grande, com um rabo comprido

     e peludo, e que anda sob quatro patas. Toda vez que essa

     mesma criança ver algum cavalo, ela ligará o significado

     aprendido à situação vivenciada e formará portanto um

     schema para essa situação. Se essa mesma criança vê um
     pônei e por suas características acredita ser o mesmo um

     5. http://www.nature-nurture.org/index.php/future-direction/apprai-
     sals/schemas-vs-appraisals/




39
cachorro, quando seus pais a ensinarem que na verdade um

     pônei é um cavalo bem menor, através dessa experiência,

     seu schema existente será modificado e a nova informação

     aprendida.

             Sir Frederic Bartlett, psicólogo britânico, definiu

     schema como “uma organização ativa de reações do passa-

     do, ou de experiências passadas, que supostamente sempre

     deveriam estar operando em qualquer resposta bem adapta-

     da organicamente” (Bartlett, 1932: 201). Assim, da mesma

     forma que os códigos culturais e significados culturais são

     aprendidos em uma tenra idade e se perpetuam pela vida do

     homem, os schemas serão inerentes a esse aprendizado e

     pertencente à tomada decisão.

                                             Os       schemas         são
                                             freqüentemente compar-
                                             tilhados dentro das culturas,
                                             permitindo as comunicações
                                             de atalho. Nós tendemos
                                             a ter schemas que usamos
                                             com mais freqüência. Ao
                                             interpretar o mundo, vamos
                                             tentar usar estes em primei-
                                             ro lugar, indo para os outros,
                                             se não forem suficientemen-
                                             te adaptáveis.6
     6. http://changingminds.org/explanations/theories/schema.htm


40
A noção de qualidade baseado em preço, forte-

     mente vivido pela cultura capitalista, é um dos exemplos

     claros da força inconsciente dos schemas na nossa tomada

     de decisão. Baba Shiv, neuroeconomista da Universidade

     de Standford (EUA), aplicou uma pesquisa em um grupo

     de jovens, os quais experimentaram um drink energético

     que os fariam se sentirem mais alertas e acordados. Alguns

     participantes pagaram o preço cheio para adquirirem a be-

     bida, enquanto foi oferecido ao resto um desconto. Após

     ingerirem o drink, o grupo foi confrontado com um teste

     de lógica. Shiv percebeu que as pessoas que compraram a

     bebida com desconto resolveram 30% menos questões do

     teste do que as pessoas que pagaram o preço cheio (Lehrer,

     2009: 147). O drink energético mais barato seria menos efe-

     tivo que o mais caro? Na verdade não. Em muitas situações

     nós assumimos a partir de schemas já constituídos que o

     que é mais caro será sempre melhor em qualidade do que

     é mais barato. Esses schemas, por sua vez, serão baseados

     nos códigos culturais desse participante, reafirmando a in-

     terdependência dos dois.



41
Como no exemplo, basearemos esse tipo de decisão

     no que podemos chamar de uma situação placebo, onde nos-

     so cérebro racional, o córtex, acreditará que essa é a verda-

     de absoluta, baseada nos códigos e schemas já aprendidos,

     distorcendo ou ignorando totalmente a realidade. Assim

     como um remédio feito de farinha que funciona como um

     placedo para o corpo humano à medida que juramos que

     esse medicamento surtirá algum efeito, esses schemas serão

     peça chave para aplicarmos o mesmo conceito sobre nossas

     decisões.




42
2.3) Como nossos cérebros “sentem”


            O cérebro talvez seja o órgão mais complexo e mis-

     terioso da existência humana. Não caberá a este trabalho

     explicar cada ligação neurológica e suas funções, e muito

     menos tirar conclusões sobre as diferentes formas de toma-

     da de decisão a partir de fenômenos isolados e particula-

     res envolvendo essa indecifrável caixa orgânica repleta de

     massa cinzenta. Mas será papel da autora alertar que toda

     correlação entre o que se entende por cultura e o que se en-

     tende pelas diferentes formas de agir e reagir baseados nas

     funções cerebrais são tão adaptáveis e flutuantes no tempo
     e espaço quanto os códigos e significados são para uma so-

     ciedade. Ou seja, entende-se que se o cérebro é simples e

     puramente orgânico, e a cultura e seus códigos são, por ele,

     bens adquiríveis, então a reação do cérebro dentro de cada

     cultura também será diferente não pelo órgão em si, mas

     pela influencia direta do aprendizado dos seus significados.

            Assim, ao mesmo tempo que a morte de um ente

     querido em uma cultura ocidental provoca tristeza e dor em



43
seus parentes e amigos, em uma cultura indígena poderá

     despertar sentimentos de alegria e libertação, fazendo em

     algumas situações que até mesmo o sacrifício seja escolhi-

     do para que esse indivíduo “vá em paz”. Enquanto o código

     cultural para morte no primeiro exemplo é um, no segundo

     será o oposto. No primeiro caso teremos uma experiência

     emocionalmente negativa, a qual será encarada pelo nosso

     cérebro como um estímulo totalmente distinto do segundo

     caso, por sua vez positivo. Será o caráter desse estímulo

     que ditará como organicamente reagiremos: positivamente

     ou negativamente, ou como veremos a seguir, dopamina ou

     insula.

               Todos nós já sentimos alguma sensação de prazer ou

     recompensa em nossas vidas. Às vezes ela se revela na for-

     ma de uma intensa felicidade inexplicável, outras em uma

     palpitação no coração, ou até mesmo como uma carga de

     energia que parece ser injetada em nossas veias. Em 1954,

     dois neurocientistas, James Olds e Peter Milner, descobri-

     ram a importância de um neurotransmissor chamado do-




44
pamina7 que ajuda a regular as resposta emocionais, assim
     como a sensação de recompensa e prazer no cérebro. Mas

     foi na década de 70 que Wolfram Schultz, neurocientista da

     Universidade de Cambridge, em um experimento com ma-

     cacos para descobrir como resgatar movimentos de pacien-

     tes humanos com Parkinson, descobriu o porquê e como a

     essa substância nos move afim de alcançarmos prazer em

     algumas ações (Lehrer, 2009 : 35).

             O experimento seguiu a seguinte forma: era soada

     um buzina bem alta e logo em seguida servido suco de fru-

     tas dentro da boca dos macacos. Monitorando as atividades

     elétricas nas células desses animais, foi possível perceber

     que quando o suco era entregue, havia uma explosão da

     substância dopamina. Após algumas vezes feito o exercí-

     cio, esses mesmos neurotransmissores começavam a se es-

     7. A dopamina é um neurotransmissor que ajuda a controlar a recom-
     pensa do cérebro e centros de prazer. A dopamina também ajuda a
     regular o movimento e as respostas emocionais, e isso permite-nos
     não só para ver recompensas, mas de tomar medidas para se mover
     em direção a eles. Resultados deficiência de dopamina na doença de
     Parkinson, e as pessoas com baixa atividade da dopamina podem ser
     mais propensos ao vício. A presença de um certo tipo de receptor de
     dopamina também está associada com a sensação de busca. (http://
     www.psychologytoday.com/basics/dopamine)



45
palhar ao som da buzina, e não mais somente quando o suco

     era entregue. É como se os macacos tivessem aprendido o

     padrão de recompensa e fossem capazes de prevê-lo. Mas,

     se em uma certa situação o sinal sonoro toca e o suco não é

     entregue, o padrão é violado e a produção de dopamina cai

     profundamente. Essa situação de erro será então gravada

     pelo cérebro, assim como a de recompensa (Lehrer, 2009:

     36).

            No nosso dia a dia nos confrontamos com diversas

     situações onde inconscientemente buscamos o prazer da re-

     compensa sem ônus. Um exemplo nítido é quando efetua-

     mos uma compra com cartões de crédito. Imagine que você

     vá até uma loja e escolha comprar uma televisão no valor

     de mil reais. Se você abre a carteira e tira em notas o valor

     referente ao eletrodoméstico, claramente ela pesará menos

     da mesma forma que você sentirá e verá a perda desse di-

     nheiro. Você terá o sentimento positivo de recompensa por

     ter adquirido a TV, mas ao mesmo tempo o sentimento ne-

     gativo de perda por ter consciência do dinheiro gasto. Mas,

     se pagamos o mesmo valor com o cartão de crédito, muitas



46
vezes até mesmo dividindo o preço em várias parcelas, essa

     sensação de perda se extingue, pois não conseguimos ra-

     cionalizá-la, sobrando somente a sensação de recompensa.
                                               Essa falha possui origem
                                               nas nossas emoções, que
                                               tendem a super valorizar
                                               ganhos imediatos (como
                                               um novo par de sapatos) em
                                               relação ao custo de futuras
                                               despesas (high interest ra-
                                               tes). Nossos sentimentos
                                               são guiados pelo desejo de
                                               recompensa imediata, mas
                                               eles não conseguem lidar
                                               com conseqüências fiscais
                                               a longo prazo dessa decisão.
                                               (Lehrer, 2009 : 87)


             Assim, nessa situação, a atividade da insula8, tam-

     bém conhecida como a região do cérebro chamada de cór-

     tex insular, que possui um papel importante na experiência

     da dor e de uma série de outras emoções, incluindo raiva,

     medo e tristeza, reduz totalmente sua presença, dando lugar
     8. A ínsula trabalha em parceria com outras duas estruturas cerebrais,
     o córtex pré-frontal e a amígdala e, tem função de processar a infor-
     mação para produzir um contexto emocionalmente relevante para a
     experiência sensorial. É espécie de intérprete do cérebro ao traduzir
     sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, dese-
     jo,  orgulho,  arrependimento,  culpa ou empatia. (http://www.guia.
     heu.nom.br/insula.htm)




47
à dopamina, responsável pela sensação de prazer nessa si-

     tuação (Lehrer, 2009: 89).

            Poderíamos simplificar, embora devemos ter a cons-

     ciência de que o diagnóstico em si é muito mais complexo e

     cheio de detalhes, que enquanto certos estímulos provoca-

     rão sentimentos positivos e de prazer, que serão ministrados,

     dentre outras substâncias, principalmente dela dopamina,

     existirão entretanto estímulos que provocarão sentimen-

     tos negativos, por sua vez liderados pela insula. Uma das

     questões que este trabalho buscará levantar é exatamente

     a flutuação e não aderência a regras de quais substâncias

     serão por um motivo ou outro excitadas e a que ponto que

     os códigos culturais de cada sociedade serão a linha mestre

     e predeterminante dessas reações.




48
Um resumo sobre Cuba




         Capítulo 3: Um resumo sobre Cuba


         3.1) Formação cultural cubana
         3.2) Cuba pós revolucionária e sua economia
         3.3) A tríade
         	       3.3.1) O conformismo cubano
         	       3.3.2) O Pai que cuida e castiga

     	   3.3.3) Um pecado chamado “comprar”




     	




49
3.1) Formação cultural cubana

            Cuba, em pleno século XXI, é uma das únicas so-

     ciedades ainda genuinamente socialistas, que, embora incli-

     nada a ruir a qualquer momento, revive a cada dia as lem-

     branças de um passado de conquistas políticas. Há todos

     os estudiosos que anteviram o fracasso e desmantelamento

     dessa sociedade isolada economicamente durante muitos

     anos, presa somente ao cordão umbilical da antiga URSS,

     que quando se desfez levou consigo toda a esperança de

     desenvolvimento cubano, seus palpites arruínam-se frente

     a um povo que mesmo diante de todas as dificuldades e

     a miséria econômica continuou simplesmente aceitando as
     mesmas idéias vigentes de décadas atrás.

            Cuba foi uma colônia espanhola por mais de quatro-

     centos anos até 1898, regida majoritariamente por militares,

     chamados de capitães gerais, nomeados pela metrópole.

     Com base na mão de obra escravista, teve como principal

     pilar da sua economia a produção açucareira e de tabaco.

     No século XIX, era um país racista, marcada por profundas




50
desigualdades e uma instabilidade provocada pela sua po-

     sição estratégica para outros países. Experimentou no final

     desses mesmos anos a influência das lutas pela libertação

     da escravidão, principalmente as do Haiti, e muitos acre-

     ditam que a independência conquistada e liderada por José

     Martí, grande mártir da cultura cubana, tenha tido como pa-

     pel fundamental a força e número dos “não brancos”, como

     denomina o autor Fernando Martínez Heredia sobre a popu-

     lação negra do país (Heredia, 2010: 185).

            Os cidadãos cubanos viviam sob um regime auto-

     crático, sem oportunidades de exercer qualquer tipo de auto

     governo e decisão sobre seu próprio destino, além da discri-

     minação exercida sob o comando espanhol na ilha. A partir

     desse cenário surgem as lutas armadas independentistas li-

     deradas pelo herói cubano José Martí,




51
fortemente presente como o exemplo de coragem e

     vitória na revolução até hoje9, mas que morre em 1895 an-

     tes da independência ser conquistada.

             Surge então na batalha um novo aliado que será

     decisivo para a liberdade do país frente ao seu dominador

     espanhol: o Estados Unidos. Sua influência militar e eco-

     nômica, em um primeiro momento, chegou a ser solicitada

     pelos próprios cubanos que vislumbravam dias melhores

     libertos da mão de ferro européia. Em 1898, após enfim de-

     clarada a independência cubana, o governo norte americano

     firma a chamada Resolução Conjunta garantindo que “el

     pueblo de La islã de Cuba es y de derecho ser libre e inde-

     pendiente” (Clark, 1992: 10), embora mantenha seu aparato

     militar ancorado na ilha por mais alguns anos e continue

     exercendo uma forte influência política e econômica nos

     governos que se seguiram.


     9. Em praticamente todas as cidades em Cuba, em cada esquina ou
     praça, pode-se encontrar um busto de José Martí. Sua imagem e
     presença são tão fortes na história cubana como um exemplo de cora-
     gem e fé dos ideais revolucionários que nas escolas, por exemplo, os
     estudantes possuem um dicionário Martiano com mais de mil páginas
     de citações do grande líder.



52
Em um primeiro momento o país se livraram do

     peso dominador que o atormentava há quatro séculos, mas a

     dominação norte americana veio de forma suave e silenciosa

     frente a promessa de dias melhores e um desenvolvimento

     econômico compatível a de países democráticos e livres.

     Foram implantados diversos mecanismos que garantiriam

     essa submissão como a Emenda Platt10, que colocava Cuba

     sob tutela formal dos Estados Unidos tanto internamente

     como externamente. A ilha se torna assim um protetorado.

     Conquista a independência dos espanhóis mas não possui

     pulso para se livrar de um outro tipo de dominação, talvez

     mais velada, mas que a impõe e subordina.

     	       O sonho da primeira república (1902-1940) não foi

     capaz de atender totalmente a utopia de um país livre e justo

     como José Martí foi eternizado com seus ideais. Na verda-

     de, essa primeira fase foi marcada por lideranças políticas

     10. A chamada Emenda Platt foi um dispositivo legal, inserido
     na Carta Constitucional de Cuba, que autorizava os Estados Unidos da
     América a intervir naquele país a qualquer momento em que interesses
     recíprocos de ambos os países fossem ameaçados. Desta forma, na
     prática, Cuba passou a ser um protetorado estado-unidense. (http://
     pt.wikipedia.org/wiki/Emenda_Platt)




53
corruptas e a total desconfiança do povo na gestão pública.

     A insatisfação e descrença chegou a níveis tão altos que era

     comum que muitas cidadãos cubanos se absterem em parti-

     cipar da atividade política. “Yo no me meto en política”, era

     uma expressão popular daquela época (Clark, 1992: 29).

     	      Diante dessa descrença, Fulgêncio Batista, militar

     que havia sido presidente de 1940 a 1944, destrói a mesma

     ordem constitucional que ajudou a criar depois de se dar

     conta que suas possibilidade de chegar ao poder pelos vo-

     tos novamente eram mínimas (Clark, 1992: 31). Arma um

     golpe de estado em 10 de março de 1952 e toma o poder,

     implementando uma ditadura que ficaria em vigor no país

     até 1959. A conseqüência da ineficiência ao combate dessa

     apoderação da liberdade cubana, que já não vislumbrava

     com tanta paixão seus dias de glória, foi a instauração de

     uma nova ordem autoritária, baseada em métodos terroris-

     tas e um derramamento de sangue, principalmente de jovens

     contrários ao governo vigente. Essa espiral de repressão,

     violência e corrupção não só possuía reconhecimento diplo-

     mático como também apoio militar dos EUA. Os tempos de



54
humilhação da colonização econômica e a exploração esta-

     dunidense, representados de uma certa forma pela figura e

     poder de Batista, foram pelo próprio presidente americano

     Jon Kennedy considerados “a encarnação de uma série de

     pecados por parte dos EUA”11.

             Após meio século de dominação estadunidense é di-

     fícil contabilizar o ônus e cicatrizes que essa relação deixou

     na cultura cubana, mas não podemos deixar de ressaltar o

     intenso desenvolvimento industrial e ampliação da impor-

     tação de bens de consumo nessa época. Carros luxuoso dos

     anos 40 e 50, assim como a arquitetura da cidade fazem

     parte de um museu a céu aberto que pode ser visto em pleno

     século XXI nas ruas.

             Em 1959 as forças revolucionárias opostas à ditadu-

     ra tomam o poder e sob a liderança de Fidel Castro, Raul

     Castro e Che Guevara expurgam todas as formas huma-

     nas e materiais do que um dia significou a dominação norte

     americana. Fidel não só se torna o símbolo de um messias

     11. Presidente Americano John F. Kennedy, em entrevista com Jean
     Daniel, 24 de outubro de 1963.



55
salvador, como também uma referência de honestidade e
     honra que lavará a alma corrupta do país. Com a fuga de

     Batista abre-se uma brecha política que logo é preenchida

     por Fidel e poucos cidadãos de ilha poderiam imaginar que

     a revolução social prometida pelo líder se transformaria em

     uma revolução totalitária comunista (Clark, 1992: 59). O

     sociólogo cubano Juan Clark, autor de uma das obras mais

     completas sobre Cuba durante o período castrista, salienta:
                                        Há mais de 30 anos de dis-
                                        tância, parece que mais se
                                        demonstra a vocação dita-
                                        torial e controle absoluto do
                                        poder por parte de Castro
                                        (Fidel). Durante a luta con-
                                        tra Batista e nos primeiros
                                        tempos da revolução no
                                        poder, como veremos, Cas-
                                        tro teve que manobrar para
                                        não levantar suspeitas suas
                                        verdadeiras metas, entre os
                                        setores democráticos que
                                        o apoiavam, buscando, por
                                        sua vez, as alianças domés-
                                        ticas e internacionais ne-
                                        cessárias que permitiam a
                                        consolidação para seus fins
                                        autoritários com aspirações
                                        de uma liderança internacio-
                                        nal. (1912: 43)




56
Após uma série de reformas que tomaram proprie-

     dades e terras em Cuba de todos os estrangeiros, foi decla-

     rado o bloqueio econômico pelo EUA, o qual decidia que

     estavam terminantemente proibidos de manter qualquer tipo

     de relações com Cuba os países que ainda desejassem ser

     aliados americanos. Em 1961, o governo cubano naciona-

     liza todos os bens da Igreja Católica e expulsa do país seus

     representantes, declarando que a nação se tornava atéia. A

     única religião a ser seguida deveria ser o nacionalismo. No

     mesmo ano a publicidade desaparece dos canais de tele-

     visão, o Estado assume seu financiamento, tornando-se na

     época o país com indicador per capita de televisores mais

     alto da America Latina.
                                         Fidel (a secas), como popu-
                                         larmente se chamava e se
                                         chama atualmente em Cuba,
                                         projetava uma imagem de
                                         honestidade e desinteres-
                                         se através de uma retórica
                                         muito hábil e calculada e
                                         uma bem dirigida propagan-
                                         da pessoal de maneira que
                                         poucos podiam crer em uma
                                         ação sua incorreta. (Clark,
                                         1992: 54)




57
Um “messias da televisão”, com Juan Clark escreve

     em seu livro sobre Fidel Castro que conquistou uma nação

     e a manteve convencida sobre seus ideais por mais de cin-

     qüenta anos. Embora o uso do terror contra os anti revolu-

     cionários na década de 60, que levou muitos cubanos ao

     fuzilamento, e a abertura dos portos para que os traidores

     pudessem fugir para junto do inimigo norte americano, foi

     o discurso que conseguiu envolver por tantos anos uma ilha

     que muitas vezes deixou de comer em prol da luta socialis-

     ta.

     3.2) Cuba pós revolucionária e sua economia

            Cuba tem marcada em sua história uma linha de pri-

     vações quanto à sua liberdade de expressão e a verdadeira

     identidade do seu povo. Quando finalmente conquistou a

     independência da Espanha, virou, imediatamente, proteto-

     rado dos EUA, e quando se libertou foi dominada pelo seu

     próprio “eu”, a luta socialista. Da mesma forma, a transição

     pelas diversas etapas da economia cubana, mais especifica-

     mente após 1959, transformaram a realidade da ilha em um




58
peculiar paradoxo de consumo onde o papel do dinheiro é

     manipulado pelo governo assim como as experiências ofe-

     recidas pela sua utilização. A nessecidad, expressa no artigo

     de Martin Holbraad (2010: 368) sobre o “Período Especial”

     a partir da década de 90 em Havana, como veremos mais

     detalhadamente a seguir, tem como definição a lucha (luta)

     diária para suprir as necessidades mais básicas dos cubanos,

     necessidades que não deixam de suprimir a demanda, ou no

     mínimo desejo, por bens de “luxo”12 para uma sociedade

     que primeiro tem que garantir o pão e o leite.

     	       Logo após a revolução de 1959, Fidel Castro deci-

     diu que Cuba teria que se livrar da produção açucareira e

     seus estreitos vínculos com os EUA para poder enfim se de-

     senvolver. A industrialização seria não só a resposta chave

     para alcançar o desenvolvimento, como também sua mão

     de obra, el proletariado, seria a base de uma forte políti-

     ca adotada. Esses planos não foram muito bem sucedidos,

     tendo Cuba que readotar a produção açucareira como base.

     12. Neste caso, podemos considerar como “luxo” tudo aquilo que o
     homem não necessita para sua subsistência, como água, ar, comida e
     moradia.



59
Com embargo econômico norte americano e a impossibili-

     dade de se autosustentar, o apoio da URSS seria vital para a

     sobrevivência econômica da ilha e a estabilidade do gover-

     no de Fidel nas décadas seguintes.

             A partir de um modelo soviético que perdurou até a

     década de 90 com a queda da URSS, que tinha alimentação,

     moradia, emprego, saúde, educação e cultura oferecidos

     majoritariamente pelo governo, foi possível proporcionar a

     entrada de bens materiais na ilha. Mesmo assim, o raciona-

     mento dos produtos mais básicos, como alimentos e mate-

     riais de higiene, frente a uma realidade muito diferente do

     que na verdade o ideal de distribuição igualitária procurava

     passar aos cidadãos, teve como uma eterna cicatriz o con-

     trole através das cardenetas13, onde desde a revolução até

     os dias de hoje os cubanos recolhem nas tiendas produtos

     de primeira necessidade que provavelmente não sustenta-

     13. A carderneta é um controle em formato de papel feito pelo
     governo onde cada cidadão cubano tem direito a certos produtos de
     alimentação e higiene básicos de graça. Na década de 90, no Período
     Especial, até os dias de hoje, muitos cubanos reclamam que a quan-
     tidade de produtos oferecidos não é o suficiente para um mês inteiro,
     o que leva muitos deles a buscarem outras fontes de renda afim de
     adquirirem o que falta no mercado negro ou no mercado paralelo.



60
rão suas famílias até o final do mês.

             A realidade do racionamento na cultura cubana per-

     durou pelos seus tempos de glória como nos tempos adver-

     sos, às vezes com menor intensidade de uma forma quase

     anestesiante, outras com uma intensidade que revirou até

     os revolucionários de carteirinha em suas camas. O fato é

     que como consumidor, o cubano nunca pecou pelo exces-

     so, mas sofreu na lucha diária para suprir as necessidades

     mais básicas de sua existência. Enquanto o governo castris-

     ta aparecia como o pai provedor, o filho subserviente, não

     contradizendo a então generosidade quase santa e paterna-

     lista, busca o que falta para se alimentar e manter sua casa

     no chamado mercado negro14, uma forma clandestina de se

     consumir.

             Enquanto o governo tentava através do então criado

     mercado paralelo15, a partir de 1970, trazer para a popula-
     14. Na sociedade cubana é muito comum um cidadão entrar em conta-
     to, ou até fazer parte, do mercado negro. Esse oferece bens de consu-
     mo básicos que faltam no sistema de racionamento, como alimentos e
     material para higiene, ou até mesmo produtos que não são oferecidos
     pelo governo cubano nas cadernetas de racionamento.
     15. O mercado paralelo opera hoje em Cuba em CUCs, peso conversí-
     vel (possui o papel de uma “moeda dolarizada”).



61
ção produtos que não eram oferecidos na caderneta e evitar

     a clandestinidade do consumo, os preços oferecidos eram

     muito mais elevados que o próprio mercado negro, além

     de serem totalmente incompatíveis com o salário médio da

     população, inviabilizando quase que propositalmente seu

     consumo. Por sua vez, o sistema ainda apresentava uma pe-

     culiaridade: os cidadãos que acumulassem certo número de

     horas despendidas em trabalhos voluntários e méritos revo-

     lucionários16, e claro, provassem sua verdadeira necessida-

     de pelo produto a ser adquirido17, tinham a oportunidade de

     pagar um preço mais baixo e à prazo, diferentemente dos

     que não se enquadravam nessa situação. Assim, era muito

     comum ver famílias vendendo no mercado negro jóias e

     objetos preciosos de família em busca de dinheiro para ad-

     quirir bens mais novos ou elétricos (Clark, 1992: 303).




     16. Assistir sessões de doutrinamento, fazer guarda no centro de
     trabalho, entre outras práticas pró revolucionários e reconhecidas pelo
     governo.
     17. Mesmo acumulando horas de trabalho pró revolução e provando
     a necessidade do artigo, os consumidores cubanos ainda tinham que
     enfrentar uma lista de espera para finalmente poder levar para casa o
     artigo.



62
Em 1993, quando Cuba passava por um período

     econômico chamado de Especial pelo líder Fidel Castro,

     a entrada do dólar americano foi liberado no país, sendo

     em 2004 a medida anulada, substituindo-se o mesmo pelo

     chamado “peso conversível” ou “CUC” 18(Holbraad, 2010:

     369). Assim, Cuba passa a operar com duas moedas simul-

     taneamente, o peso cubano, destinado ao cidadãos da ilha

     e altamente desvalorizado nas relações de troca, e o CUC,

     destinado aos turistas e remessas internacionais. O país

     também vive uma economia de consumo onde uma ampla

     gama de produtos, até de necessidades básicas que não são

     encontrados no sistema de racionamento, podem ser com-

     prados nas lojas que operaram em CUC, chamadas la cho-

     pin (proveniente da palavra shopping, em inglês).

              A verdade é que grande parte do dinheiro circulan-

     te em Cuba era oriundo de remessas dolarizadas feitas por

     parentes e cubanos que moravam fora do país e também do

     turismo. Com a economia indo de mal a pior, a única forma

     de reverter um pouco esse quadro era abrindo essa porta,
     18. Hoje o CUC possui praticamente o valor de um para um em
     relação ao dólar.



63
embora não signifique que o governo cubano deixa de ter o

     controle sobre a moeda e dos seus bens de consumo. Aliás,

     com o dólar proibido de circular, os cubanos necessitavam

     trocar suas verdinhas pelo CUC nas casas de câmbio con-

     troladas pelo Estado.
                                        Assim, se a cultura do con-
                                        sumo – como tem sido tan-
                                        tas vezes sugerido – está su-
                                        primindo uma certa espécie
                                        de cultura global, então os
                                        habaneros cada vez mais se
                                        encontram na desconfortá-
                                        vel situação de serem seus
                                        interpretes     competentes
                                        porém – por necessidade –
                                        falantes pouco articulados.
                                        (Holbraad, 2010: 374)


            A questão é que a todo momento o governo manipu-

     la o sentido e o objetivo do dinheiro na vida dos cubanos.

     Esse, por sua vez, nunca será o suficiente para consumir

     qualquer coisa que seja um pouco a mais que produtos de

     subsistência, e então o significado de compra e oferta se

     desfaz pela impossibilidade dos altos preços, também con-

     trolados pelo Estado. O desejo de consumo continua a exis-

     tir, a medida que pela impossibilidade de adquirir qualquer




64
coisa com o salário banal em pesos cubanos, os cidadãos

     buscam outras fontes de renda, ilegais mas dolarizadas. O

     fato que “em dólar tudo tem um preço” ou “tudo o que pre-

     cisamos é em dólar” só fazem demonstrar a realidade de

     uma demanda reprimida (Holbraad, 2010: 387).




     3.3) A tríade

     3.3.1) O conformismo cubano

     	      Em minha viagem para Cuba com o propósito de

     pesquisar a influência da formação política e econômica do

     país nos seus códigos culturais e tomadas de decisão da po-

     pulação cubana frente a estímulos comuns à nossa socieda-

     de capitalista – e em alguns pontos totalmente incomuns em

     Cuba - me deparei com paradoxos quase que racionalmente

     insustentáveis, mas verdadeiros e onipresentes. O que este

     subcapítulo e os seguintes pretendem mostrar são ensaios

     de descobertas e relatos do dia a dia da cultura cubana e sua

     força em cada decisão desse povo.




65
Imagine a seguinte situação: você e sua família zar-

     pam em um cruzeiro que navegará somente pela costa já co-

     nhecida do seu país. A bordo estão alguns eletrodomésticos

     e móveis que garantem o conforto da viagem, comida em

     fartura se formos levar em consideração que em alguns dias

     todos estarão em terra novamente para reabastecer se for

     preciso, e um rádio que os distrairá com músicas e notícias

     em um momento de tédio. Infelizmente uma forte tormenta

     abate o navio e o afunda, mas, vocês naufragam perto de

     uma ilha totalmente deserta. É possível salvar um pouco

     de tudo o que se levava no navio e a impossibilidade de se

     comunicar de qualquer forma faz com que todos se insta-

     lem em terra sem previsão de saída. Com o passar do tempo

     a comida precisa ser racionada para não acabar. Mas tudo

     bem, todos ainda possuem o que comer, ainda mais se for-

     mos contar com alguns côcos e ervas que são encontrados

     no meio do caminho e completam a dieta escassa. Os mó-

     veis e eletrodomésticos começam a ficar corroídos e velhos.

     Mas tudo bem, ainda se tem onde sentar e dormir, e é isso

     que importa, mesmo não havendo todo o conforto. O rádio



66
ainda funciona – embora muito mal – sintonizando em so-

     mente uma estação de conteúdo religioso que muito de vez

     em quando transmite alguma notícia sobre o mundo fora da

     ilha. Mas tudo bem, pois ninguém morrerá de tédio por um

     bom tempo. Você e sua família sabem que a ilha deserta não

     deve ficar assim tão longe da costa onde navegavam, mas

     nem se esforçam mais em fazer algum tipo de contato ou

     pedir ajuda. A força da mensagem religiosa do rádio é tão

     forte e carismática que todos agradecem à Deus por estarem

     vivos, e isso é o suficiente.

     	       Podemos fazer um paralelo simples do que é Cuba

     para seus habitantes nos dias atuais diante da situação an-

     teriormente apresentada. Em poucas palavras, até porque

     neste capítulo já desmembramos detalhadamente o histó-

     rico da formação econômica e política do país, podemos

     falar que os cubanos vivem hoje com o básico para sobre-

     vivência extremamente racionado, tendo que buscar mui-

     tas vezes na marginalidade formas de adquirir esses bens,

     assim como os náufragos usados no exemplo. Fora isso,

     guardam como heranças preciosas – pois são a única coisa



67
que tem e possivelmente terão, tendo em vista a economia

     de consumo totalmente desregulada - móveis, utensílios do-

     mésticos, objetos, carros, bicicletas, etc, que se desmante-

     lam e se decompõe, adquiridos em tempos melhores, como

     quando Cuba ainda recebia apoio da URSS. Como nossos

     habitantes ilhados, recebem a informação sobre o mundo de

     forma limitada e até um certo ponto doutrinatória, levando

     em consideração o conteúdo político e unilateral oferecido

     pelos meios de comunicação19 revolucionários. Em ambos

     os casos, todos sabem que o contato com o “outro” ou com

     a “salvação” para o isolamento existe à pouquíssimos ki-

     lômetros, mas o conformismo e até certo ponto dívida com

     seu messias – Deus ou Fidel – é maior e mais forte.

             Em Havana, tive a oportunidade de entrevistar Mery,

     uma mulher cubana viúva de personalidade forte com seus

     cinqüenta anos. Ela, sua mãe Berta e sua irmã Miriam se

     19. Em 2012 Cuba possui 5 canais de televisão nacionais e alguns
     jornais como Granma e Juventud Rebelde, além de algumas rádios.
     Quando estive no país em junho de 2012, pude analisar o conteúdo da
     maioria desses veículos, totalmente politizado e com pouquíssimas
     noticias internacionais. A internet, que seria uma forma dos cubanos
     se aproximarem de maneira mais realista com as noticias do mundo,
     ainda é escassa, cara – paga em CUC – e com muitos sites bloqueados.



68
espremiam em um dos cômodos da casa na badalada Rua O

     Bispo, em Havana Vieja, para dar espaço aos estrangeiros,

     que como eu, alugavam um dos quartos por um preço em

     CUC. Toda a sua família havia participado da luta revolu-

     cionária, e em seu discurso era possível notar a gratidão

     à tudo o que o regime tinha transformado em suas vidas.

     Mesmo sua casa possuindo pouquíssimos móveis, que por

     sua vez se mostravam antiqüíssimos e de uma simplicidade

     quase deflagradora de tempos de escassez que se estendiam

     mais do que o esperado, quando a questionei se gostaria

     de ter mais bens materiais a resposta foi: “Tenho tudo o

     que necessito, educação, casa, comida, saúde, e tudo de

     qualidade. O que mais posso querer nessa vida?”. Mesmo

     afirmando que sim, já existiram tempos melhores, e nem

     Mery, nem Berta e Miriam vislumbram um futuro diferente

     do presente.

            Claudio, um cubano vendedor de chips de celular

     para estrangeiros com cerca de 30 anos é o oposto da luta

     pró revolucionária e diferentemente da família de Mery,

     não viveu as décadas de ouro da revolução. Pelo contrá-



69
rio, é confrontado diariamente com o paradoxo do consumo

     cubano onde ele é um personagem ativo da troca confusa e

     caótica de vender, mas não conseguir comprar. Em entre-

     vista ele declara que “Cuba deveria se chamar Alcatraz20”,

     mostrando seu descontentamento com um regime “que o

     persegue, não lhe deixa fazer nada”. Quando pergunto se

     existe alguma coisa que pode ser feita para mudar essa situ-

     ação a resposta é no mínimo desanimadora: “Não vai mu-

     dar. Nada vai mudar isso.”

            A descrença em dias melhores, ou pelo menos mais

     livres, transita não só entre os que agarraram o regime e

     participaram dele, mas como também a geração que nem

     chegou a conhecer seus dias de glória e se limita a aceitá-lo

     – embora nem sempre desejá-lo – de cabeça baixa. Renyer é

     um estudante cubano da Universidade de Havana altamente

     informado e politizado. Ele, como seus colegas de faculda-

     de, possuem acesso a informações e meios de comunicação,

     como a internet, mais facilmente que qualquer outro cida-

     dão. Com seus 21 anos e a maioria dos amigos estrangeiros,

     20	     Prisão de Alcatraz.



70
vindos de outros países com o intuito de estudar em Cuba,

     tem a oportunidade de conhecer o outro lado da moeda da

     relação entre o capitalismo e o socialismo. Mesmo assim

     Renyer revela que “Cuba não está pronta (para uma aber-

     tura), pois não conhece o outro lado”. Para ele o país já foi

     surpreendido nos últimos tempos com algumas mudanças,

     mas que ainda não seria tempo para uma abertura da nação

     ao universo globalizado.

            A mensagem dentre as dezesseis entrevistas feitas,

     entre elas as descritas acima, foram diferentes à medida que

     o contexto e experiência dos entrevistados variavam, mas a

     estrutura, que é o fator chave para se descobrir os códigos

     culturais, segundo Clotaire Rapaille (2007: 15), continuou

     a mesma em praticamente todas elas. Não importa a idade,

     situação econômica ou força política que guiava os entre-

     vistados, quando descreviam como vislumbravam o futuro

     ou falavam sobre seu cotidiano atual em Cuba a idéia chave

     era conformismo.

            As coisas poderiam estar indo de mal a pior, ou não




71
estarem tão boas quanto no passado, mas a questão é que

     “nada poderá ser feito para mudar isso”, mesmo que seja

     insuportável. É como se todos estivessem anestesiados, vi-

     vendo dia após dia em um conformismo silencioso. O pas-

     sado se transformou no vício do presente e na impossibili-

     dade de olhar para o futuro.

     3.3.2) O Pai que cuida e castiga

     	       Como vimos no primeiro capítulo (p. 18), segundo

     Clotaire Rapaille, as culturas e seus códigos são passíveis

     de sofrerem mudanças a partir do deslocamento do tempo

     e da história, responsável também pela sua formação e re-

     formulação (2007: 22). Ou seja, momentos em uma cultura

     como o da revolução de 1959 em Cuba e toda a mudança

     estrutural e até sentimental que foi provocada em seus có-

     digos culturais a partir desse evento, podem explicar um

     deslocamento na visão de vários fatores, mas em especial o

     do que é Estado e líder hoje para os cubanos.

     	      Os habitantes da ilha migraram de forma abrupta de

     um governo promíscuo, corrupto e violentamente domina-



72
dor do período anterior à revolução para um governo que

     em sua teoria não faz distinção de classes, luta pelo bem

     estar do país e acima de tudo é justo. O Estado cubano há

     cinco décadas provém educação, cultura, moradia, saúde,

     transporte e alimentação para toda a população de graça.

     Não só o faz, como também regula, principalmente quando

     se diz respeito aos bens de subsistência, qual a quantidade

     e periodicidade que cada família os receberá a partir das

     cadernetas de racionamento. Age por meritocracia, ofere-

     cendo privilégios aos cidadãos que acumularam horas de

     trabalho voluntário e méritos revolucionários, e descrimina

     aqueles que falharam nesse aspecto. O mesmo acontece na

     educação onde os alunos que alcançarem notas melhores

     terão direito de escolher a faculdade e curso que desejam

     estudar, enquanto os que não obtiverem terão que se con-

     tentar com cursos técnicos.

     	      Embora o país tenha alguns canais de televisão, jor-

     nais e rádio, todo o conteúdo passará pelo filtro do Estado,

     onde o mesmo poderá ter certeza sobre a qualidade e ve-

     racidade do que os cidadãos assistirão todos os dias. Mas,



73
quando o Estado acreditar que alguma notícia fere os ide-

     ais revolucionários e a educação do país, os cubanos serão

     gentilmente privados da mesma para que suas almas não

     sejam manchadas. O mesmo acontece com a internet, que

     mesmo sendo implantada em Cuba terá a maioria dos seus

     sites bloqueados pois algumas informações denegririam a

     imagem da nação.

     	       Se qualquer cubano, por sua vez, resolver revelar

     sua insatisfação em relação ao governo, como é o caso da

     blogueira Yoani Sánchez21 que escreve quase que diaria-

     mente em seu blog os problemas sociais e econômicos que

     enfrenta em Havana, esse cidadão será automaticamente

     punido pelo Estado. A forma de castigo variará entre servir

     como mau exemplo para a comunidade à sua volta, sendo

     excluído das atividades comuns, ou até mesmo perder al-

     guns direitos, como o privilégio de sair do país. Por isso,

     o mais comum entre minhas entrevistas era ouvir cidadãos

     de diferentes partes da ilha se sentirem incomodados em
     21. Yoani Sánchez escreve o blog Geração Y que fala sobre o cotidia-
     no difícil dos cubanos no país. Foi eleita pela Revista Time em 2008
     uma das cem mulheres mais influentes do mundo, embora pouquíssi-
     mos cubanos tenham acesso a internet e ao seu site.



74
falar sobre política, ainda por cima quando eram totalmente

     contrários ao sistema.

            Chichi, um jovem universitário cubano residente da

     cidade de Trinidad avisa antes da entrevista: “Falo, desde

     que não seja sobre política. Não gosto de falar sobre essas

     coisas”. Não só ele, como outros entrevistados como Cláu-

     dio – o vendedor de chips de Havana que vimos anterior-

     mente – e José, seu companheiro de trabalho, que quando

     pergunto sobre política dizem: “Não gosto de falar sobre

     isso”, afirmam olhando para baixo com um ar contrariado.

     A verdade é que, como cubano, você provavelmente per-

     tencerá ao grupo dos que amam a revolução e a enaltecem

     como o significado da própria vida – que é formado majo-

     ritariamente por adultos e idosos que viveram sua época

     áurea– ou ao grupo dos que não concordam com o rumo do

     país e que permanecem calados sobre o assunto, como se

     com receio das conseqüências que isso poderá causar e o

     conformismo de que nada irá mudar mesmo.




75
A questão é que podemos fazer aqui um paralelo di-

     reto entre o papel do Estado, diretamente representado por

     seu líder Fidel Castro, e como esse governo é encarado pelos

     cubanos. A relação direta entre eles pode assim ser descrita

     como ma relação entre pai e filho. Assim, o pai Fidel li-

     vra seus filhos (cubanos) em 1959 do mal que assombrava

     suas noites de sono, a ditadura de Batista, e reinstala a paz

     como um herói. Provém casa, comida e roupa lavada na

     medida das suas possibilidades, sem ser questionado pela

     escassez ou pela abundância. A única coisa que pede em tro-

     ca é obediência e esforço dos seus filhos com suas respon-

     sabilidades. Assim, os que alcançarem mais méritos serão

     visivelmente parabenizados e recompensados, mas o que se

     mostrarem contrários e arredios ficarão de castigo para que

     sirvam de exemplo para os outros. Será esse mesmo pai que

     educará com fervor a ideologia da sua ninhada, e fará o pos-

     sível para privá-la do mau do mundo. Tomará controle dos

     meio de comunicação e filtrará as mensagens que realmente

     interessam. Escreverá em outdoors no meio da estrada “Si,

     se puede” ou “Trabajo duro, creo en usted”22 para incenti-
     22. Mensagens retiradas de outdoors na estrada de Cienfuegos para
     Havana.

76
var cada passo vitorioso do seu filho. E, ao final, imporá o

     respeito que necessita para ser visto como o líder do grupo,

     fazendo com que as crianças mau criadas ranzinzem em voz

     baixa seu descontentamento.

             Em muitos depoimentos veremos essa analogia de

     forma ainda mais clara. Miriam (60 anos), uma das irmãs da

     família de Mery que vive em uma casa em Havana Vieja de-

     clara com fervor: “A Nação é como um pai para mim. Meu

     coração é cubano, todo por Fidel. Fidel é nosso pai, o pai

     dos cubanos”. Juan Fernandez, um campesino23 da cidade

     de Trinidad que organiza passeios à cavalo para turistas de-

     clara que “Cuba é toda a vida, é tudo o que temos. Graças a

     ele (Fidel) terminamos a pobreza, não vivemos como em 51

     que viviam os campesinos na pobreza. Eu sou fidelista. O

     que temos para viver e o que nos anima para viver é Fidel.”

             O que poderemos notar é que não importa o grupo

     que cada cubano pertence, a favor ou contra Fidel, ou até

     mesmo sua classe social. O fato é que essa relação entre a

     população cubana e seu líder se impregna em cada fecha do
     23. Pequeno agricultor.


77
cotidiano, se tornando quase inevitável. A questão diante
     dessa análise não é limitar uma relação tão complexa como

     essa, mas sim apontar uma tendência tão clara quanto os

     códigos culturais cubanos que a rodeiam.



     3.3.3) Um pecado chamado “comprar”

     	          A relação entre dinheiro e consumo sempre foi um

     assunto no mínimo delicado para a maioria dos cidadãos

     em um país como Cuba desde a revolução de 1959. O go-

     verno, à medida que necessitava frear qualquer impulso ca-

     pitalista que infringisse a luta socialista, usou de diversos

     mecanismos para regular com mão de ferro sua economia e

     moeda. Impôs um sistema de racionamento de bens de con-

     sumo mais básicos para a sobrevivência, que a cada crise

     econômica se viam cada vez mais reduzidos, forçando os

     cubanos a procurarem como alternativa o mercado negro

     ou, posteriormente, o mercado paralelo para adquirir o que
     faltava.

     	          O fato é que ambas as “fugas” para o consumo do



78
que o Estado se tornou ineficiente na forma de oferecer, se

     tornaram também um paradoxo na relação entre dinheiro

     e comprar, a partir do momento que as alternativas de se

     adquirir bens operavam em dólares e posteriormente em

     CUCs. O autor Martin Holbraad em seu artigo Dinheiro e

     necessidade no “Período Especial” de Havana ressalta so-

     bre a relação de controle do Estado cubano sobre sua eco-

     nomia:


                                        Em outras palavras, quan-
                                        to mais o Estado assume o
                                        cálculo monetário, mais ele
                                        tende a retirá-lo dos con-
                                        sumidores. O dinheiro, nas
                                        mãos desses, fica muito res-
                                        tringido ao seu papel de ca-
                                        talisador da comensuração,
                                        uma vez que a amplitude e
                                        a possibilidade de escolha
                                        tendem a desaparecer do
                                        processo de planejamento.
                                        A razão de ser do planeja-
                                        mento, afinal, é regular o
                                        consumo. Assim, do pon-
                                        to de vista das pessoas que
                                        consomem, os pesos não
                                        tem a capacidade de sempre,
                                        interminavelmente, traduzir
                                        todas as coisas que eles “po-
                                        deriam” comprar. (Halbra-
                                        ad, 2010: 381)




79
Para esclarecer a relação entre os pesos cubanos e

     CUCs que existe hoje tomemos como exemplo um traba-

     lhador cubano comum que trabalhe como médico e ganhe

     cerca de 600 pesos cubanos por mês. Levando em conta

     que cada 1 CUC24 é o equivalente à 24 pesos cubanos, en-

     tão esse médico ganhará 25 CUC mensais. Essa renda em

     CUCs será praticamente o equivalente em dólares, levando

     a concluir que um cubano “vive” com cerca de 25 dólares

     por mês, uma faixa de renda de países altamente subdesen-

     volvidos se não fossemos relevar a particularidade cubana.

     Se esse cidadão deseja adquirir algum bem de consumo bá-

     sico na Chopin (loja que opera em CUC e vende diversos ti-

     pos de artigos), ele poderá comprar um sabonete por 2 CUC

     (48 pesos cubanos), ou um pacote com 4 rolos de papel

     higiênico à 3,20 CUC (76,80 pesos cubanos)25. Nessa mes-

     ma loja ele encontrará por detrás das vitrines de vidro que

     protegem todos os produtos do alcance das mãos dos seus

     consumidores, bens de “luxo” como um condicionador para

     cabelos da maca Seda por 4,80 CUC (115 pesos cubanos)

     24. 1 CUC representa 1,20 dólares
     25. Preços pesquisados entre 19 de junho e 4 de julho de 2012


80
ou uma fragrância para a pele por 7,40 CUC (177,60 pesos

     cubanos). Vale ainda ressaltar o preço de artigos como ar

     condicionado, 1.200 CUC (28,800 pesos cubanos), e uma

     simples porta de madeira para casa, encontrada por 700

     CUC (16,800 pesos cubanos).

     	      Assim, a renda mensal de um cubano não consegue

     suportar a compra de bens que estão inseridos dentro do

     contexto de necessidade, e se torna praticamente inalcan-

     çável quando falamos em bens como um ar condicionado.

     O significado de trabalho na cultura cubana terá uma re-

     presentação diferente do que talvez seja evidente em uma

     cultura capitalista como “ganhar dinheiro”, “se sustentar”,

     “comprar coisas”, etc. Pelo contrário, a forma de se alcan-

     çar a verdadeira moeda com poder de troca, o CUC, será

     através do que o autor Martin Holbraad (2010: 375) chama-

     rá de lucha diária, onde os cubanos utilizarão de mecanis-

     mos “extra oficiais” para garantir seu sustento.

            Veremos um cidadão comum exercendo sua profis-

     são, mas alugando um quarto de sua casa para turistas à




81
dólares, ou sendo garçom em um restaurante em busca das

     generosas gorjetas em CUC. A prostituição das mulheres

     cubanas, mais conhecidas como jineteras, e dos homens

     que seduzem turistas em salões de salsa, serão uma das for-

     mas mais comuns de se garantir por alguns meses a comida

     na mesa da família.

     	      Mas, enquanto a economia cubana gira em torno

     de uma economia de sobrevivência, os cubanos parecem

     que não deixam de desejar bens materiais. Na pesquisa de

     campo, foi possível observar o comportamento de cuba-

     nos formando filas ansiosas esperando as Chopins abrirem,

     olhando curiosos as vitrines, saindo na maioria das vezes

     de mãos vazias, e mesmo não consumindo alguns produtos,

     sabendo seus preços de cabeça. Quando possuíam o dinhei-

     ro para efetivamente fazer a compra, eram certeiros nas es-

     colhas, assim como a atendente que ficava do outro lado do

     balcão que não dava a chance dos clientes experimentarem

     ou sentirem o produto antes do pagamento.




82
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Um país sem coca cola

  • 1. DU DA DA VI DO VI UM C SEM COCA COLA 1
  • 2. Para A vida, Que me levou até uma praia deserta em Cuba e me fez acreditar no meu destino. 2
  • 3. AGRADECIMEN MENTOS Ao meu orientador, Prof, Dr. Everardo Rocha, pela inspiração e apoio ao longo do projeto. A minha mãe Mônica e ao meu pai João, por toda a vida. As minha irmãs Júlia e Joana, por serem o que tenho de mais precioso. A minha tia Denise, que acreditou em todos os meus sonhos, sempre. Ao meu namorado Pedro, pelo carinho e apoio a cada dia. A Olivia e Ivan, os australianos que foram como anjos da guarda e me colocaram na minha estrada em Cuba. 3
  • 4. A Renyer, o amigo que me mostrou a pureza das ruas cubanas. A Lívia e Chico, os brasileiros que me levaram ao momento mais inesquecível da minha vida. A Frank Amegah, o exemplo e amigo que me mostrou o quão precioso é amar e perseguir nossos sonhos. A Kellen Julio, por sempre olhar com os olhos apaixonados meu projeto. As minhas amigas Bruna e Clara, que riram e choraram comigo desde crianças. 4
  • 5. “Torna-te quem tu és” Friedrich Nietzsche 5
  • 6. Sumário Introdução 7 1) O que são códigos culturais 13 2) Conceitos Neuromarketing 29 3) Um resumo sobre Cuba 49 4 )Estudo de Casos 87 Conclusão 110 Referência 119 Recortes 123 6
  • 7. Introdução Os imperativos publicitários permeiam o dia a dia de diversas sociedades durante distintas temporalidades. “Compre”, “pague”, “beba”, “coma”, “siga”, “vote”, entre outros, vagam entre a maioria das culturas do mundo em que vivemos na forma de diferentes discursos e narrativas históricas: do socialismo de Fidel Castro ao capitalismo de W. Bush, do catolicismo da Roma antiga ao budismo dos mais antigos templos na Índia, imperativos travestidos de homens barbudos em ternos e com ar de notável responsa- bilidade, à ratos com calça dançando e cantando no maravi- lhoso mundo de Walt Disney. Disfarçados ou não, é difícil estar imune aos estímulos publicitários, e que inegavelmen- te, como um call to action, pretendem gerar uma reação: o consumo. Com o passar do tempo, a evolução dos meios de comunicação e a avalanche de informações que convive- mos, esses imperativos publicitários ganham outras formas 7
  • 8. e se revestem com uma nova roupagem que não deixa mais a criança inocente saber se quem está por detrás é o lobo mau ou o homem bom. Como o autor Clotaire Rapaille relata em seu livro O Código Cultural (2007), diversas marcas, com intuito de atingir o consumidor de uma forma muito mais eficaz, buscam entender a cultura de cada país e seus códigos que permeiam os diferentes gestos e elementos da vida dessas sociedades. Assim, slogans como “Beba Coca- -Cola” se adapta a esse novo conceito e passa a ser “Viva a felicidade”; “Coma Mc Donalds” se transforma em “Amo muito tudo isso”, ambos com a finalidade de significar de uma forma mais relevante e pertencer ao universo cultural de cada indivíduo. O fato é que cada cultura do mundo é única, assim como sua história e formação. Amor nunca significará a mesma coisa para um americano e um francês, assim como fé nunca será entendida da mesma forma por um indiano e um brasileiro. Pessoas de diferentes culturas sempre inter- pretarão um sorriso, um gesto, uma palavra, e até uma pia- da de maneiras totalmente distintas, e é nessa singularidade 8
  • 9. que residem os códigos culturais. Assim, quando nascemos em uma determinada cultura, crescemos e aprendemos seus códigos, e os mesmos se tornarão, a partir de impressões marcantes, inerentes à nossa forma de pensar e agir. Quan- do buscamos uma explicação na neurociência, as estruturas mentais que ligarão a experiência vivida ao seu código mais adequado serão chamadas de schemas, sendo determinantes para a formação das reações a todos os estímulos que con- vivemos. Logo, se cada cultura é única, a resposta de cada indivíduo cultural a um estímulo será único também. É diante dessa singularidade que o país Cuba foi escolhido como recorte para estudo deste trabalho, fundamentalmente por ser uma das últimas nações genuinamente socialistas, isolada a mais de 50 anos do mundo capitalista, da globalização, mas principalmente da quantidade enorme de estímulos publicitários que convivemos. Dentre todas as particularidades da sua formação econômica e cultural, passando desde a independência do país após quatro séculos de dominação colonial espanhola, o apoio e também “estrangulamento” pelos EUA da sua liberdade recém conquistada, até a Revolução de 1959, que se mantém firme, porém não tão mais forte, em Cuba há mais de cinco 9
  • 10. décadas sobre o comando de Fidel Castro, veremos mais detalhadamente, afim de ajudar nos estudos de caso que se seguirão: os diferentes códigos culturais e significados de como o que é ser cubano nos dias de hoje, o que é líder e o papel do Estado, e principalmente qual é a relação dos cubanos com os códigos de dinheiro e comprar. A autora também apresentará para melhor entendi- mento e interpretação do leitor a importância e presença dos códigos culturais no comportamento das diferentes sociedades e como convivemos com eles, muitas vezes sem ter consciência do seu pertencimento em cada tomada de decisão. Assim, da mesma forma que não se es- colhe em qual barriga materna nasceremos, não poderemos também optar por qual cultura pertenceremos, uma vez que ela será aprendida em uma tenra idade através de impres- sões marcantes. O projeto apresentará também conceitos provenien- tes da neurociência e neuromarketing que buscarão dar base para o entendimento de como interpretamos alguns estímu- 10
  • 11. los e mensagens. Assim, veremos as diferentes formas de pensar do cérebro e como em que tipo de situação agimos por instinto, racionalmente ou emocionalmente, além de conhecer a motivação que teremos ou não para escolher uma dessas formas em uma tomada de decisão. O trabalho não visa ditar regras universais onde nossas redes neurais agiriam e reagiriam de forma semelhante em todas as situ- ações apresentadas independente da cultura de cada indiví- duo, mas sim mostrar os diferentes mecanismos neurológi- cos e algumas funções que nos ajudarão a interpretar o que se passa enquanto decidimos por uma coisa e não outra. Por fim, a motivação para esse projeto é buscar en- tender as particularidades das diferentes reações referentes a três tipos de estímulos publicitários – noção de preço x qualidade, satisfação imediata, e nível de entendimento na complexidade de uma mensagem – na sociedade cubana. Assim, a partir de entrevistas feitas na pesquisa de campo no país, onde os interlocutores cubanos foram questionados sobre quais seriam suas escolhas diante de três peças publi- citárias, além de entrevistas sobre consumo, dinheiro e polí- 11
  • 12. tica, será possível estudar suas diferentes reações baseadas nos conceitos que serão estudados nos próximos capítulos e na particularidade dos seus códigos culturais. Entender a essência das nossas escolhas é uma tare- fa que está longe de ser concluída. A constante mutação das culturas e do indivíduo enquanto ser pensante e cultural não permitirá que o caracterizemos a partir de regras e limita- ções. Cuba e seus cidadãos também fazem parte desse uni- verso complexo e inexplicável das ações e reações huma- nas, com um porém: é um país que se manteve congelado no tempo e não pertenceu a evolução devastadora da infor- mação. A importância desse projeto, por sua vez, é de apre- sentar uma reflexão sobre de que forma uma nação como a cubana, isolada economicamente há cinco décadas, reagirá diante do conflito dos seus códigos com certos estímulos publicitários tão óbvios à nossa sociedade capitalista, mas tão raros dentro dos muros invisíveis da ilha. 12
  • 13. O que são códigos culturais Capítulo 1: O que são códigos culturais 1.1) Códigos culturais e sua influência no comportamento das sociedades 1.2) Códigos culturais aplicados na lógica de branding e con- sumo 13
  • 14. 1.1) Códigos culturais e sua influência no comportamento das sociedades A pergunta sobre o que é o homem perdura desde tempos muito remotos na existência da raça humana, e, diante da sua complexidade, continua sem uma respos- ta precisa e exata. Sabemos que o homem é diferente do animal, embora ainda sirva a alguns instintos em situações extremas. Necessita de condições básicas para viver como ar, água, alimento e morada, embora alguns seres dessa es- pécie precisem de águas francesas engarrafadas, comidas de restaurantes caros e casas com centenas de metros qua- drados para sua simples subsistência. Se qualificam como humanos e repelem com asco as suas variações que não se- guem regras de etiqueta e moral humanas. A questão é que a antropologia, sociologia, ciência, entre outros, há séculos tentam desvendar, todas com muita propriedade, a verdadeira e única resposta para essa per- gunta um tanto quanto paradoxal. Diante da particularidade do homem, existiria uma resposta universal? 14
  • 15. José Carlos Rodrigues em seu livro Antropologia e Comunicação: Princípios Radicais (1989: 18) escreveu: O crucial do enigma ai está: jamais existirá uma iden- tidade humana única, re- sultante de uma espécie de consenso universal; encon- traremos porém, ao mesmo tempo, inesgotáveis manei- ras, todas elas profunda- mente humanas, de compre- ender o que se deve designar por humano. Se as respostas que dão significado sobre o que é o homem são múltiplas e particulares, então podemos con- cluir que talvez a única singularidade dessa espécie é exata- mente a sua diferença. No mundo das espécies não humanas, os sinais, in- transformáveis, inerentes à sua existência e sobrevivência, determinam cada passo e ação a serem dados. As abelhas, por exemplo, nascem com seus papéis dentro do grupo e tarefas intrinsecamente determinadas: nascem rainhas ou operárias, alimentam os ovos no seu primeiro estágio de vida, ajudam as outras operárias em uma segunda etapa, e 15
  • 16. só depois saem da colméia para alcançar alimento (Rodri- gues, 1989: 28), mas, diferentemente da espécie humana, não conseguem ultrapassar esse universo comunicacional que lhes pertence organicamente. O homem, por sua vez, necessita aprender todo um universo comunicacional e simbólico que já está inserido no ambiente, e, para pertencer ao mesmo, é indispensável que adira à ele. Assim, diante de uma perspectiva humana, a cor preta, por exemplo, pode significar luto para um gru- po, mas ao mesmo tempo festa para outro, uma brisa pode significar paz, como também um mal pressagio. O homem, por sua vez, inserido nesta ou naquela sociedade, nasce e se adapta às convenções, e, para sua própria sobrevivência, se torna uma espécie social. A partir da aversão do ser humano ao caos, ao ale- atório, esse organiza o ambiente a sua volta assegurando a existência do grupo, criando valores, expectativas e intera- ções até antes inexistentes, ou seja, ele cria códigos signi- ficacionais que serão a base de convivência daquele grupo. 16
  • 17. A esse conjunto de regras e interações podemos chamar de cultura, e ela será única para cada sociedade, da mesma for- ma que será linha mestre indispensável de cada uma delas. Sobre a cultura, José Carlos Rodrigues em seu li- vro Tabu do Corpo afirma que “Viver em sociedade é viver sob a dominação dessa lógica e as pessoas se comportam segundo as exigências dela, muitas vezes sem que disso te- nham consciência.” (1979:11). Sendo assim, a cultura é um fator presente e ativo na vida de todos os homens, assim como todos os códigos que a formam, ela é inevitável, do- minadora, excludente, faz parte do ser humano sem que o mesmo tenha consciência, é irreversível. Da mesma forma que o homem não determina a barriga materna que espera para conhecer o mundo, não é possível escolher a cultu- ra quando se nasce. É uma questão de adaptação, aprender para sobreviver, ou simplesmente não sobreviver. Esse novo ser cultural, por exemplo, terá seu apren- dizado baseado nos códigos de cada experiência vivenciada deste novo mundo que habita. Tomemos a experiência cul- 17
  • 18. tural de um jovem árabe: ele descobrirá que na sociedade em que vive a mulher é propriedade do homem, pois sua mãe toda vez que sai para rua precisa se esconder com uma burca e só poderá tira-la no seu lar cujo dono é o homem que casou; que Deus é o detentor único do seu destino, pois isso lhe será ensinado no templo toda vez que tiver que ajo- elhar para rezar o alcorão, entre outros. Cada código que o rodeia terá significados que determinarão sua maneira de ver e interagir com o mundo. Se esse mesmo jovem é apre- sentado a uma cultura americana, por exemplo, onde a mu- lher é independente e trabalha, e que cada indivíduo tem o direito por lei de buscar e traçar seus planos, ele achará no mínimo tudo muito estranho pois ali não verá seus códigos, não verá sua essência. A essa discriminação da sociedade do “eu” e a so- ciedade do “outro”, onde o “outro” será o diferente, pois sua cultura e códigos são distantes da “minha”, surgirá o que o antropólogo Everardo Rocha chamou de etnocentris- mo (O que é etnocentrismo, 1988). Assim, segundo o autor, a inconsciência desse mundo significacional que nos rodeia 18
  • 19. chamado de cultura, será talvez o fator mais comum entre os homens. Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso pró- prio grupo é tomado como centro de tudo e todos os ou- tros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas de- finições do que é a existên- cia. (Rocha, 1993: 7) É a partir desse tipo de visão distorcida que diversas sociedades do mundo apresentaram suas justificativas para as guerras étnicas e religiosas, que o processo de catequização das Cruzadas nas Américas foi tão doloroso para os nativos, assim como outros acontecimentos similares a esse tipo de transgressão da cultura durante toda a história. Assim, a dificuldade que impede as sociedades de entenderem o “outro” será a mesma que as continuará impedindo de conhecerem a si mesmas. 19
  • 20. 1.2) Códigos culturais aplicados na lógica de branding e consumo Aprendemos a conviver com cada código cultural da nossa sociedade. Acreditamos pertencer à forma corre- ta de existir, enquanto vemos o “outro” agindo tão erro- neamente e diferentemente de nós. Antes de questionar o porquê desses códigos serem tão fortes e presentes em nós, devemos entender como eles se tornam tão inerentes à nos- sa existência. O antropólogo Clotaire Rapaille, em seu livro O Có- digo Cultural (2007) manifesta sobre a aprendizagem dos códigos culturais em cada sociedade ressaltando que “quan- to mais forte uma emoção, mais nitidamente uma experiên- cia será aprendida” (2007:6). Seriam nas nossas primeiras experiências que vivenciaríamos fatos tão emocionalmente marcantes, que, por sua vez, guiariam nossas impressões sobre o mundo durante nossa existência. Imagine como exemplo uma criança que é adverti- da por sua mãe a não tocar na panela sobre o fogo pois a 20
  • 21. mesma está quente e queimará sua pele. A criança, por sua vez, desrespeitando a ordem até então sem fundamento da mãe, toca a panela e se queima, sentindo muita dor. Pronto. A dor, fruto da desobediência, criará ali um primeiro código para a situação: perigo. Esse código estará gravado a partir daquele momento emocionalmente marcante, guiando to- dos os próximos momentos de decisão em que esse código será ativado. A combinação de experiên- cia e emoção cria algo am- plamente conhecido como um imprint (impressão mar- cante), termo usado pela primeira vez por Konrad Lorenz. Quando ocorre uma impressão marcante, ela condiciona fortemente nos- so processos de pensamento e confere forma às nossas ações futuras. Cada impres- são marcante ajuda-nos a tornar aquilo que realmente somos (Rapaille, 2007:6) Assim, quando um americano e uma americana dão a luz a uma criança, eles na verdade estão colocando no mundo um pequeno americano que descobrirá através de cada impressão marcante a como ser e agir como um le- 21
  • 22. gítimo estadunidense. Da mesma forma, as outras culturas moldarão os seres sociais que a pertencem. É válido ressal- tar que cada uma delas, conjunto de símbolos e significados, é passível de transformação, e encontrará no deslocamento do tempo e da história suas próprias impressões marcan- tes, responsáveis também pela sua formação e reformula- ção. Assim, quando os EUA sofreram em 11 de setembro um ataque terrorista que derrubou não só os dois maiores prédios da cidade de NY, mas sim um dos mais importan- tes símbolos do capitalismo, essa cultura certamente sofreu uma impressão emocional que abalou alguns dos seus códi- gos mais importantes como segurança e inimigo. A questão é que se conseguimos mapear quais são esses códigos e porquê eles são tão fortes para um grupo, é possível de forma muito mais efetiva moldar e manipular uma mensagem para atingir esse indivíduo. Se as culturas são como jóias únicas lapidadas por seus códigos, quando uma marca se comunica massivamente, sem se preocupar com o valor e característica de cada uma, ela perde a opor- tunidade de comunicar uma mensagem única e preciosa 22
  • 23. também. Assim, da mesma forma que a cultura é inerente a sobrevivência humana e das sociedades que convive, ela deverá ser elemento crucial para as marcas que desejam ul- trapassar os limites da mediocridade. Cloraire Rapaille (2007), durante suas sessões de descoberta1 realizadas para grandes multinacionais em busca de um input mais certeiro para atingir seus consu- midores, desvendou quais seriam alguns dos códigos que estariam por trás do discurso dos seus entrevistados quando questionados sobre suas experiências sobre um determi- nado assunto. Segundo o antropólogo, para essa análise o mais importante seria olhar para a estrutura das mensagens e não seu conteúdo (2007: 19). Ora, se as culturas são de uma forma ou outra organizadoras do caos significacional de uma sociedade, então, se buscamos um código dentro de uma mensagem, ela só poderá estar naquilo que a sustenta. 1. Nas sessões de descoberta de Rapaille é organizada uma pesquisa qualitativa a partir de pequenos grupos, onde na primeira hora o interlocutor assume o papel de um astronauta do espaço que precisa entender os conceitos mais básicos. Na hora seguinte, os participantes são convidados a sentar no chão como crianças e fazerem exercícios cognitivos. Já na terceira hora os participantes são convidados a deita- rem, e totalmente relaxados, voltarem às suas lembranças mais antigas sobre o assunto. 23
  • 24. Sendo assim, essa estrutura será comum àqueles que pertencem ao mesmo universo significacional, a mesma cultura, sendo possível delimitar um código comum para suas mensagens. A partir deste conceito, podemos entender porque a comunicação de algumas marcas, mesmo que em nível inconsciente, são tão efetivas. Tomemos como exemplo o código cultural para bebida na cultura francesa e americana. Os franceses são acostumados pelos pais desde uma tenra idade a ingerirem bebidas alcoólicas, ensinando aos filhos que o vinho, por exemplo, acentua o sabor dos alimentos de uma forma prazerosa. Os americanos, por sua vez, man- tém os filhos totalmente afastados da bebida, imprimindo o rótulo de proibição até eles atingirem a idade certa pela lei para esse tipo de consumo pois o álcool seria intoxican- te e pode levar ao comportamento irresponsável. Assim, a impressão marcante sobre a bebida é atingida em uma ida- de rebelde da adolescência desse americano, e ao invés de encará-la como um prazer para se degustar junto à comida, se torna uma ferramenta inebriante, ou seja, para se ficar 24
  • 25. bêbado exclusivamente. Diante desse quadro, quando questionados nas ses- sões de descoberta de Rapaille sobre qual o significado para bebida, as lembranças dos americanos entrevistados reve- lavam situações onde resgatavam um sentido muito pode- roso, como algo que muda seu organismo e te deixa fraco, em situação de perigo, que faz você se “sentir vulnerável”2, e pensar que “iria morrer”, letal. A conclusão de Rapaille seria então que o código cultural americano para bebida é arma (2007: 141). Assim, marcas de bebida como o uís- que Colt .45 tem o nome de um revólver e a divulga em letras de rap violentos, e a cerveja Anheuser-Busch faz sua comunicação com a imagens de cães de caça e distribuem “Equipamento de caça Oficial da Busch” com copos e porta cervejas camuflados, como se estivessem na guerra. A partir do código cultural delimitado para bebida, essas e outras marcas atingem esse consumidor na raiz de suas impressões mais marcantes. 2. Trecho retirado das entrevistas recolhidas nas sessões de descoberta conduzidas por Clotaire Rapaille. 25
  • 26. Outro exemplo é de como a empresa francesa de cosméticos L’Oréal teve que aprender os diferentes códigos culturais para beleza nos países que atua para atingir uma comunicação mais efetiva dentro desta pluralidade cultural. Enquanto as americanas investem em lipoaspirações, sili- cones e clareamento dental, as francesas podem gastar duas horas em frente ao espelho se arrumando para ficarem mais naturais possíveis. Assim, se uma mulher francesa parece propositalmente maquiada ela tem grandes chances de ser confundida com uma prostituta, além do que se ela demons- trar que está tentando atrair propositalmente um  homem será um forte indicador de desespero. Já na cultura inglesa, onde os homens vêem somente em outros homens um om- ����������������������� bro amigo verdadeiro para falar sobre seus sentimentos e gastam a maioria do seu tempo em bares e em pubs, as mu- lheres inglesas se sentem deixadas um tanto de lado, o que as levam a se arrumar exageradamente, usarem roupas de- masiadamente chamativas, isso tudo numa tentativa, muitas vezes frustrada, de chamar atenção do sexo masculino. 26
  • 27. Os depoimentos das mulheres americanas sobre sedução nas sessões de descoberta de Rapaille (2007: 42) estão cheias de situações desagradáveis e constrangedoras, de momentos em que elas, ao invés de chamarem atenção positivamente com um vestido novo, ou com o amadureci- mento da puberdade, se sentiram diminuídas ou ameaçadas pelos homens. A partir disso, onde mesmo as mensagens se diferenciando, a sua estrutura se baseia em experiências negativas, onde elas se exergavam como “bonecos” ao in- vés de seres humanos, situações até caracterizadas como “nocivas” por essas mulheres, nos levando a pensar que o código americano para sedução seria então manipulação. A mulher americana não se sente seduzida por um homem, e sim manipulada, pois para ela provavelmente ele estará fazendo isso para conseguir algo e depois a deixar. Se as mulheres americanas quando se sentiam sedu- toras ligavam seu sentimento diretamente a uma situação que em fossem manipuladas, a L’Oréal tomou a decisão de afastar-se do código. Enquanto os anúncios eram muito sensuais na França, a publicidade para as americanas de- 27
  • 28. veria fugir de uma conotação sexual, focando no sentir-se bem consigo mesma. Surge então o slogan “Porque você vale muito”3, evocando genuinamente o código e conver- sando diretamente com essa consumidora. Da mesma forma que as nossas impressões sobre o mundo estão culturalmente codificadas, as marcas devem entender e pertencer a esse universo significacional à medi- da que desejam fazer parte da experiência desse ser huma- namente cultural. 3. Tradução do slogan original em inglês Because you’re worth it 28
  • 29. Conceitos Neuromarketing Capítulo 2: Conceitos Neuromarketing 2.1) Os cérebros e suas formas de pensar 2.2) O que são shemas 2.3) Como nossos cérebros “sentem” 29
  • 30. 2.1) Os cérebros e suas formas de pensar Penso, logo existo. A famosa frase do filósofo fran- cês René Descartes (1596-1650) talvez sintetize melhor o que somos, e a impossibilidade de ser se não possuíssemos um órgão tão fundamental e precioso como o cérebro. Esse emaranhado de neurônios e massa cinzenta é o responsável pelas nossas ações mais vitais como respirar ordenadamente de forma a garantir a oxigenação do corpo humano, e tam- bém raciocinar ao ponto de descobrir a teoria da relativida- de. É dentro dessa caixa orgânica misteriosa que tomamos decisões, nos tornamos e externalizamos quem somos. E, como um quadro em branco, o cérebro humano absorverá a cultura, de forma que essa se tornará parte tão fundamental para a tomada de decisão quanto uma conexão sináptica. Portanto, não é difícil con- cluir que as estruturas neu- rológicas são, até uma me- dida considerável, formas vazias que as diferentes cul- turas preencherão diferente- mente, e que os complexos emocionais assim formados estarão a serviço das dife- rentes sociedades, como mecanismos avaliadores e 30
  • 31. controladores da observân- cia e não observância das normas comportamentais culturalmente constituídas. (Rodrigues, 1989: 121) Embora a cultura seja sim fator determinante sobre a forma que reagiremos a certas situações e casos, o cérebro humano apresenta muito mais complexidades na sua essên- cia e formação. O ser humano é capaz de ao mesmo tempo amar, odiar, sentir medo e perigo, sentir desejo por um par, pensar, criar, raciocinar, etc. A cada uma dessas ações uma parte específica do cérebro é ativada de forma à cumpri-la, podendo dividi-lo primariamente em 3 partes que explicarei mais detalhadamente a seguir: reptiliano, límbico e córtex – responsáveis pelos instintos, emoções e inteligência res- pectivamente. 31
  • 32. Para Clotaire Rapaille o cérebro reptiliano é a nossa herança do que um dia todos nós teríamos sido diante da evolução das espécies, répteis (2007: 15),. Diferentemen- te do cérebro límbico e córtex, ele é inerente a todos os seres humanos desde o nascimento. Sem ele, nem a nossa e nem nenhuma outra espécie teria permanecido já que o mesmo nos programa para duas principais coisas: sobrevi- ver e reproduzir. É a partir dele que somos guiados a agir por instinto, prevalecendo sobre todos os outros estímulos na tomada de decisão. Podemos tomar como exemplo o conceito de beleza em diferentes sociedades. Numa sociedade esquimó, uma mulher bela fatalmente será uma mais gorda, já que ela será nitidamente um indicador de que possui capacidade de so- brevivência devido à sua reserva de gordura e energia, e caso seja escolhida para reprodução, provavelmente seus filhos nascerão com as suas qualidades biológicas. Pode- ríamos encarar a beleza, portanto, como uma dimensão do cérebro reptiliano, mesmo que o nosso racional nos alerte que talvez esse não seja o padrão esquálido das capas de 32
  • 33. revista (Rapaille, 2007: 22). Se o cérebro reptiliano pertence à nossa espécie, o córtex, responsável pela parte motora e intelectual do indi- víduo, é adquirido, segundo Rapaille (2007), logo depois dos 7 anos de idade. Quando aplicado um teste a um grupo de crianças menores que essa idade e outro maior, a dife- rença do desenvolvimento do córtex é visível. Tomemos duas bolas de massa de modelar exatamente com a mesma quantidade de material, forma e tamanho. Quando os dois grupos são questionados se as esferas são iguais em peso e tamanho, ambos os grupos responderão que sim. Mas, se transformo uma das esferas em uma forma achatada como uma cobra e pergunto novamente, o primeiro grupo respon- derá que não são iguais, pois ainda não possui a capacidade de raciocinar com esse nível de complexidade, enquanto o segundo argumentará o porquê o são (Lehrer, 2009). A capacidade do córtex cerebral de raciocinar nos induz a sempre tentarmos justificar nossas escolhas. Assim, quando compramos uma Land Rover 4x4 Off Road de 100 33
  • 34. mil reais para dirigirmos pelo asfalto liso e novo das ruas de São Paulo, nosso córtex busca um álibi intelectual para isso. Ele nos dirá “preciso de um carro desses pois gosta- ria de ser aventureiro e tirar um fim de semana com meus amigos para ir para o interior”, enquanto na verdade é o seu cérebro reptiliano comanda a decisão dizendo “preciso ser grande e forte para assustar meus inimigos e mostrar que sou o líder do grupo”. Segundo Clotaire Rapaille, “os álibis funcionam porque parecem legítimos. Eles nos dão bom motivos para fazermos as coisas que queremos fazer de qualquer jeito” (2007: 158). Assim, mesmo que nos esforcemos muito para racionalizar nossas escolhas, o instinto de sobrevivência e reprodução do cérebro reptiliano falará mais alto e guiará nossa tomada de decisão, mesmo que inconscientemente. Enquanto no cérebro do instinto (reptiliano), pré programado à nossa existência, sabemos da grande proba- bilidade da não intervenção da cultura, não podemos falar o mesmo do cérebro límbico, responsável pelas nossas emo- 34
  • 35. ções. “As emoções são a chave para o aprendizado, a chave para gerar impressões marcantes”, segundo Clotaire Ra- paille (2007: 17), pois são a partir delas que aprenderemos nossos códigos culturais. Assim, será em uma tenra idade que seremos educa- dos pela cultura através de experiências que nos marcarão emocionalmente, e essa depositará seu conhecimento e o armazenará incondicionalmente no nosso cérebro límbico, fazendo-nos regatá-lo sempre que for preciso ativar o mes- mo. Assim, usando o exemplo descrito no primeiro capitulo deste trabalho (p. 17), uma criança que desobedecendo as ordens da mãe coloca a mão na panela quente e gera a partir de uma experiência emocionalmente marcante seu primei- ro código para a situação, perigo, aprenderá, inserido den- tro de uma cultura, outros códigos para outras situações da mesma maneira. Muito tempo se pensou que o homem alcançaria a perfeição se conseguisse racionalizar todas as suas deci- sões. Como podemos ver, isso é praticamente impossível, 35
  • 36. pois dependemos do emocional e será nele que nossas im- pressões mais marcantes sobre o mundo serão ativadas. Pla- tão usou uma analogia bem simples para entendermos um pouco desse paradoxo. Imagine o seu cérebro como uma carroça, a qual temos os cavalos, que a puxam, e o seu mo- torista, que determina a direção e destino dela. Os cavalos seriam a nossa emoção, que são a força das nossas vidas, que nos empurram e nos fazem sentir sentimentos dos mais variados, que nos fazem “cavalgar” vida a fora. Já o moto- rista seria a razão, que canaliza toda a força da emoção para um rumo certo, um destino apropriado, ou não, para essa avalanche incontrolável de sentimentos e força (Lehrer, 2009: 10). Sem o motorista viramos loucos desenfreados, sem os cavalos ficamos alheios e apáticos ao mundo. Uma situação interessante é a descrita pelo autor Jo- nah Lehrer em seu livro How we decide (2009: 15), onde algumas pessoas que possuiam tumores na região límbi- ca, responsável pela emoção, tiveram a mesma danificada, descobrindo-se que elas se tornaram incapazes de fazer es- colhas simples como tomar um café ou um suco no café 36
  • 37. da manhã. Sem a emoção elas ficaram incapazes de decidir sobre as coisas mais banais da vida. 2.2) O que são shemas Enquanto vimos que as estruturas neurológicas do nosso cérebro serão, até de certa forma, quadros vazios onde as culturas preencherão com seus códigos significa- cionais, podemos sintetizar que os schemas serão, por sua vez, a estrutura mental usada para organizar e simplificar esse conhecimento sobre o mundo à nossa volta, como ve- remos a seguir. Os estudos sobre o que são schemas caminham en- tre a neurociência e psicologia desde o século XIX, quando o neurocientista Sir Henry Head originalmente descreveu o termo como body schema: 37
  • 38. Como modelo postural do corpo que organiza ativa- mente e modifica “as im- pressões produzidas pelos impulsos sensoriais que chegam de tal maneira que a sensação final de [corpo] posição, ou de localização, se eleva para a consciência carregado com uma relação a algo que aconteceu antes “.4 Ou seja, teríamos noção da representação das dife- rentes partes do nosso corpo a partir de “modelos organiza- dos de nós mesmos” (Head & Holmes, 1911: 189), que por sua vez seriam ativados regatando um aprendizado passado. O psicólogo Jean Piaget, que teve como um dos seus trabalhos mais reconhecidos o estudo sobre o desen- volvimento cognitivo das crianças (Piaget, 1952), acredi- tava que os schemas seriam categorias do conhecimento que nos ajudariam a entender e interpretar o mundo. Não só isso, os schemas não seriam somente o conhecimento em si, mas sim a forma com que aprendemos e reaprendemos ele. Assim, da mesma forma em que os códigos são aprendidos 4. http://en.wikipedia.org/wiki/Body_schema 38
  • 39. através de experiências marcantes, os schemas teriam a fun- ção de resgatar esse conhecimento e ligá-lo à experiência atual vivida. Um schema ou scheme (PL- -schemata) é uma estrutura cognitiva geral de conhe- cimento, o que representa domínio sobre aspectos es- pecíficos de experiências perceptivas de um indivíduo (de pessoas ou objetos) e as respostas comportamentais ou seqüências de ação gera- dos por essas experiências .5 Tomemos um exemplo usado por Jean Piaget (1952) onde uma criança vê pela primeira vez um cavalo. Ela sa- berá que ele é um animal, grande, com um rabo comprido e peludo, e que anda sob quatro patas. Toda vez que essa mesma criança ver algum cavalo, ela ligará o significado aprendido à situação vivenciada e formará portanto um schema para essa situação. Se essa mesma criança vê um pônei e por suas características acredita ser o mesmo um 5. http://www.nature-nurture.org/index.php/future-direction/apprai- sals/schemas-vs-appraisals/ 39
  • 40. cachorro, quando seus pais a ensinarem que na verdade um pônei é um cavalo bem menor, através dessa experiência, seu schema existente será modificado e a nova informação aprendida. Sir Frederic Bartlett, psicólogo britânico, definiu schema como “uma organização ativa de reações do passa- do, ou de experiências passadas, que supostamente sempre deveriam estar operando em qualquer resposta bem adapta- da organicamente” (Bartlett, 1932: 201). Assim, da mesma forma que os códigos culturais e significados culturais são aprendidos em uma tenra idade e se perpetuam pela vida do homem, os schemas serão inerentes a esse aprendizado e pertencente à tomada decisão. Os schemas são freqüentemente compar- tilhados dentro das culturas, permitindo as comunicações de atalho. Nós tendemos a ter schemas que usamos com mais freqüência. Ao interpretar o mundo, vamos tentar usar estes em primei- ro lugar, indo para os outros, se não forem suficientemen- te adaptáveis.6 6. http://changingminds.org/explanations/theories/schema.htm 40
  • 41. A noção de qualidade baseado em preço, forte- mente vivido pela cultura capitalista, é um dos exemplos claros da força inconsciente dos schemas na nossa tomada de decisão. Baba Shiv, neuroeconomista da Universidade de Standford (EUA), aplicou uma pesquisa em um grupo de jovens, os quais experimentaram um drink energético que os fariam se sentirem mais alertas e acordados. Alguns participantes pagaram o preço cheio para adquirirem a be- bida, enquanto foi oferecido ao resto um desconto. Após ingerirem o drink, o grupo foi confrontado com um teste de lógica. Shiv percebeu que as pessoas que compraram a bebida com desconto resolveram 30% menos questões do teste do que as pessoas que pagaram o preço cheio (Lehrer, 2009: 147). O drink energético mais barato seria menos efe- tivo que o mais caro? Na verdade não. Em muitas situações nós assumimos a partir de schemas já constituídos que o que é mais caro será sempre melhor em qualidade do que é mais barato. Esses schemas, por sua vez, serão baseados nos códigos culturais desse participante, reafirmando a in- terdependência dos dois. 41
  • 42. Como no exemplo, basearemos esse tipo de decisão no que podemos chamar de uma situação placebo, onde nos- so cérebro racional, o córtex, acreditará que essa é a verda- de absoluta, baseada nos códigos e schemas já aprendidos, distorcendo ou ignorando totalmente a realidade. Assim como um remédio feito de farinha que funciona como um placedo para o corpo humano à medida que juramos que esse medicamento surtirá algum efeito, esses schemas serão peça chave para aplicarmos o mesmo conceito sobre nossas decisões. 42
  • 43. 2.3) Como nossos cérebros “sentem” O cérebro talvez seja o órgão mais complexo e mis- terioso da existência humana. Não caberá a este trabalho explicar cada ligação neurológica e suas funções, e muito menos tirar conclusões sobre as diferentes formas de toma- da de decisão a partir de fenômenos isolados e particula- res envolvendo essa indecifrável caixa orgânica repleta de massa cinzenta. Mas será papel da autora alertar que toda correlação entre o que se entende por cultura e o que se en- tende pelas diferentes formas de agir e reagir baseados nas funções cerebrais são tão adaptáveis e flutuantes no tempo e espaço quanto os códigos e significados são para uma so- ciedade. Ou seja, entende-se que se o cérebro é simples e puramente orgânico, e a cultura e seus códigos são, por ele, bens adquiríveis, então a reação do cérebro dentro de cada cultura também será diferente não pelo órgão em si, mas pela influencia direta do aprendizado dos seus significados. Assim, ao mesmo tempo que a morte de um ente querido em uma cultura ocidental provoca tristeza e dor em 43
  • 44. seus parentes e amigos, em uma cultura indígena poderá despertar sentimentos de alegria e libertação, fazendo em algumas situações que até mesmo o sacrifício seja escolhi- do para que esse indivíduo “vá em paz”. Enquanto o código cultural para morte no primeiro exemplo é um, no segundo será o oposto. No primeiro caso teremos uma experiência emocionalmente negativa, a qual será encarada pelo nosso cérebro como um estímulo totalmente distinto do segundo caso, por sua vez positivo. Será o caráter desse estímulo que ditará como organicamente reagiremos: positivamente ou negativamente, ou como veremos a seguir, dopamina ou insula. Todos nós já sentimos alguma sensação de prazer ou recompensa em nossas vidas. Às vezes ela se revela na for- ma de uma intensa felicidade inexplicável, outras em uma palpitação no coração, ou até mesmo como uma carga de energia que parece ser injetada em nossas veias. Em 1954, dois neurocientistas, James Olds e Peter Milner, descobri- ram a importância de um neurotransmissor chamado do- 44
  • 45. pamina7 que ajuda a regular as resposta emocionais, assim como a sensação de recompensa e prazer no cérebro. Mas foi na década de 70 que Wolfram Schultz, neurocientista da Universidade de Cambridge, em um experimento com ma- cacos para descobrir como resgatar movimentos de pacien- tes humanos com Parkinson, descobriu o porquê e como a essa substância nos move afim de alcançarmos prazer em algumas ações (Lehrer, 2009 : 35). O experimento seguiu a seguinte forma: era soada um buzina bem alta e logo em seguida servido suco de fru- tas dentro da boca dos macacos. Monitorando as atividades elétricas nas células desses animais, foi possível perceber que quando o suco era entregue, havia uma explosão da substância dopamina. Após algumas vezes feito o exercí- cio, esses mesmos neurotransmissores começavam a se es- 7. A dopamina é um neurotransmissor que ajuda a controlar a recom- pensa do cérebro e centros de prazer. A dopamina também ajuda a regular o movimento e as respostas emocionais, e isso permite-nos não só para ver recompensas, mas de tomar medidas para se mover em direção a eles. Resultados deficiência de dopamina na doença de Parkinson, e as pessoas com baixa atividade da dopamina podem ser mais propensos ao vício. A presença de um certo tipo de receptor de dopamina também está associada com a sensação de busca. (http:// www.psychologytoday.com/basics/dopamine) 45
  • 46. palhar ao som da buzina, e não mais somente quando o suco era entregue. É como se os macacos tivessem aprendido o padrão de recompensa e fossem capazes de prevê-lo. Mas, se em uma certa situação o sinal sonoro toca e o suco não é entregue, o padrão é violado e a produção de dopamina cai profundamente. Essa situação de erro será então gravada pelo cérebro, assim como a de recompensa (Lehrer, 2009: 36). No nosso dia a dia nos confrontamos com diversas situações onde inconscientemente buscamos o prazer da re- compensa sem ônus. Um exemplo nítido é quando efetua- mos uma compra com cartões de crédito. Imagine que você vá até uma loja e escolha comprar uma televisão no valor de mil reais. Se você abre a carteira e tira em notas o valor referente ao eletrodoméstico, claramente ela pesará menos da mesma forma que você sentirá e verá a perda desse di- nheiro. Você terá o sentimento positivo de recompensa por ter adquirido a TV, mas ao mesmo tempo o sentimento ne- gativo de perda por ter consciência do dinheiro gasto. Mas, se pagamos o mesmo valor com o cartão de crédito, muitas 46
  • 47. vezes até mesmo dividindo o preço em várias parcelas, essa sensação de perda se extingue, pois não conseguimos ra- cionalizá-la, sobrando somente a sensação de recompensa. Essa falha possui origem nas nossas emoções, que tendem a super valorizar ganhos imediatos (como um novo par de sapatos) em relação ao custo de futuras despesas (high interest ra- tes). Nossos sentimentos são guiados pelo desejo de recompensa imediata, mas eles não conseguem lidar com conseqüências fiscais a longo prazo dessa decisão. (Lehrer, 2009 : 87) Assim, nessa situação, a atividade da insula8, tam- bém conhecida como a região do cérebro chamada de cór- tex insular, que possui um papel importante na experiência da dor e de uma série de outras emoções, incluindo raiva, medo e tristeza, reduz totalmente sua presença, dando lugar 8. A ínsula trabalha em parceria com outras duas estruturas cerebrais, o córtex pré-frontal e a amígdala e, tem função de processar a infor- mação para produzir um contexto emocionalmente relevante para a experiência sensorial. É espécie de intérprete do cérebro ao traduzir sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, dese- jo,  orgulho,  arrependimento,  culpa ou empatia. (http://www.guia. heu.nom.br/insula.htm) 47
  • 48. à dopamina, responsável pela sensação de prazer nessa si- tuação (Lehrer, 2009: 89). Poderíamos simplificar, embora devemos ter a cons- ciência de que o diagnóstico em si é muito mais complexo e cheio de detalhes, que enquanto certos estímulos provoca- rão sentimentos positivos e de prazer, que serão ministrados, dentre outras substâncias, principalmente dela dopamina, existirão entretanto estímulos que provocarão sentimen- tos negativos, por sua vez liderados pela insula. Uma das questões que este trabalho buscará levantar é exatamente a flutuação e não aderência a regras de quais substâncias serão por um motivo ou outro excitadas e a que ponto que os códigos culturais de cada sociedade serão a linha mestre e predeterminante dessas reações. 48
  • 49. Um resumo sobre Cuba Capítulo 3: Um resumo sobre Cuba 3.1) Formação cultural cubana 3.2) Cuba pós revolucionária e sua economia 3.3) A tríade 3.3.1) O conformismo cubano 3.3.2) O Pai que cuida e castiga 3.3.3) Um pecado chamado “comprar” 49
  • 50. 3.1) Formação cultural cubana Cuba, em pleno século XXI, é uma das únicas so- ciedades ainda genuinamente socialistas, que, embora incli- nada a ruir a qualquer momento, revive a cada dia as lem- branças de um passado de conquistas políticas. Há todos os estudiosos que anteviram o fracasso e desmantelamento dessa sociedade isolada economicamente durante muitos anos, presa somente ao cordão umbilical da antiga URSS, que quando se desfez levou consigo toda a esperança de desenvolvimento cubano, seus palpites arruínam-se frente a um povo que mesmo diante de todas as dificuldades e a miséria econômica continuou simplesmente aceitando as mesmas idéias vigentes de décadas atrás. Cuba foi uma colônia espanhola por mais de quatro- centos anos até 1898, regida majoritariamente por militares, chamados de capitães gerais, nomeados pela metrópole. Com base na mão de obra escravista, teve como principal pilar da sua economia a produção açucareira e de tabaco. No século XIX, era um país racista, marcada por profundas 50
  • 51. desigualdades e uma instabilidade provocada pela sua po- sição estratégica para outros países. Experimentou no final desses mesmos anos a influência das lutas pela libertação da escravidão, principalmente as do Haiti, e muitos acre- ditam que a independência conquistada e liderada por José Martí, grande mártir da cultura cubana, tenha tido como pa- pel fundamental a força e número dos “não brancos”, como denomina o autor Fernando Martínez Heredia sobre a popu- lação negra do país (Heredia, 2010: 185). Os cidadãos cubanos viviam sob um regime auto- crático, sem oportunidades de exercer qualquer tipo de auto governo e decisão sobre seu próprio destino, além da discri- minação exercida sob o comando espanhol na ilha. A partir desse cenário surgem as lutas armadas independentistas li- deradas pelo herói cubano José Martí, 51
  • 52. fortemente presente como o exemplo de coragem e vitória na revolução até hoje9, mas que morre em 1895 an- tes da independência ser conquistada. Surge então na batalha um novo aliado que será decisivo para a liberdade do país frente ao seu dominador espanhol: o Estados Unidos. Sua influência militar e eco- nômica, em um primeiro momento, chegou a ser solicitada pelos próprios cubanos que vislumbravam dias melhores libertos da mão de ferro européia. Em 1898, após enfim de- clarada a independência cubana, o governo norte americano firma a chamada Resolução Conjunta garantindo que “el pueblo de La islã de Cuba es y de derecho ser libre e inde- pendiente” (Clark, 1992: 10), embora mantenha seu aparato militar ancorado na ilha por mais alguns anos e continue exercendo uma forte influência política e econômica nos governos que se seguiram. 9. Em praticamente todas as cidades em Cuba, em cada esquina ou praça, pode-se encontrar um busto de José Martí. Sua imagem e presença são tão fortes na história cubana como um exemplo de cora- gem e fé dos ideais revolucionários que nas escolas, por exemplo, os estudantes possuem um dicionário Martiano com mais de mil páginas de citações do grande líder. 52
  • 53. Em um primeiro momento o país se livraram do peso dominador que o atormentava há quatro séculos, mas a dominação norte americana veio de forma suave e silenciosa frente a promessa de dias melhores e um desenvolvimento econômico compatível a de países democráticos e livres. Foram implantados diversos mecanismos que garantiriam essa submissão como a Emenda Platt10, que colocava Cuba sob tutela formal dos Estados Unidos tanto internamente como externamente. A ilha se torna assim um protetorado. Conquista a independência dos espanhóis mas não possui pulso para se livrar de um outro tipo de dominação, talvez mais velada, mas que a impõe e subordina. O sonho da primeira república (1902-1940) não foi capaz de atender totalmente a utopia de um país livre e justo como José Martí foi eternizado com seus ideais. Na verda- de, essa primeira fase foi marcada por lideranças políticas 10. A chamada Emenda Platt foi um dispositivo legal, inserido na Carta Constitucional de Cuba, que autorizava os Estados Unidos da América a intervir naquele país a qualquer momento em que interesses recíprocos de ambos os países fossem ameaçados. Desta forma, na prática, Cuba passou a ser um protetorado estado-unidense. (http:// pt.wikipedia.org/wiki/Emenda_Platt) 53
  • 54. corruptas e a total desconfiança do povo na gestão pública. A insatisfação e descrença chegou a níveis tão altos que era comum que muitas cidadãos cubanos se absterem em parti- cipar da atividade política. “Yo no me meto en política”, era uma expressão popular daquela época (Clark, 1992: 29). Diante dessa descrença, Fulgêncio Batista, militar que havia sido presidente de 1940 a 1944, destrói a mesma ordem constitucional que ajudou a criar depois de se dar conta que suas possibilidade de chegar ao poder pelos vo- tos novamente eram mínimas (Clark, 1992: 31). Arma um golpe de estado em 10 de março de 1952 e toma o poder, implementando uma ditadura que ficaria em vigor no país até 1959. A conseqüência da ineficiência ao combate dessa apoderação da liberdade cubana, que já não vislumbrava com tanta paixão seus dias de glória, foi a instauração de uma nova ordem autoritária, baseada em métodos terroris- tas e um derramamento de sangue, principalmente de jovens contrários ao governo vigente. Essa espiral de repressão, violência e corrupção não só possuía reconhecimento diplo- mático como também apoio militar dos EUA. Os tempos de 54
  • 55. humilhação da colonização econômica e a exploração esta- dunidense, representados de uma certa forma pela figura e poder de Batista, foram pelo próprio presidente americano Jon Kennedy considerados “a encarnação de uma série de pecados por parte dos EUA”11. Após meio século de dominação estadunidense é di- fícil contabilizar o ônus e cicatrizes que essa relação deixou na cultura cubana, mas não podemos deixar de ressaltar o intenso desenvolvimento industrial e ampliação da impor- tação de bens de consumo nessa época. Carros luxuoso dos anos 40 e 50, assim como a arquitetura da cidade fazem parte de um museu a céu aberto que pode ser visto em pleno século XXI nas ruas. Em 1959 as forças revolucionárias opostas à ditadu- ra tomam o poder e sob a liderança de Fidel Castro, Raul Castro e Che Guevara expurgam todas as formas huma- nas e materiais do que um dia significou a dominação norte americana. Fidel não só se torna o símbolo de um messias 11. Presidente Americano John F. Kennedy, em entrevista com Jean Daniel, 24 de outubro de 1963. 55
  • 56. salvador, como também uma referência de honestidade e honra que lavará a alma corrupta do país. Com a fuga de Batista abre-se uma brecha política que logo é preenchida por Fidel e poucos cidadãos de ilha poderiam imaginar que a revolução social prometida pelo líder se transformaria em uma revolução totalitária comunista (Clark, 1992: 59). O sociólogo cubano Juan Clark, autor de uma das obras mais completas sobre Cuba durante o período castrista, salienta: Há mais de 30 anos de dis- tância, parece que mais se demonstra a vocação dita- torial e controle absoluto do poder por parte de Castro (Fidel). Durante a luta con- tra Batista e nos primeiros tempos da revolução no poder, como veremos, Cas- tro teve que manobrar para não levantar suspeitas suas verdadeiras metas, entre os setores democráticos que o apoiavam, buscando, por sua vez, as alianças domés- ticas e internacionais ne- cessárias que permitiam a consolidação para seus fins autoritários com aspirações de uma liderança internacio- nal. (1912: 43) 56
  • 57. Após uma série de reformas que tomaram proprie- dades e terras em Cuba de todos os estrangeiros, foi decla- rado o bloqueio econômico pelo EUA, o qual decidia que estavam terminantemente proibidos de manter qualquer tipo de relações com Cuba os países que ainda desejassem ser aliados americanos. Em 1961, o governo cubano naciona- liza todos os bens da Igreja Católica e expulsa do país seus representantes, declarando que a nação se tornava atéia. A única religião a ser seguida deveria ser o nacionalismo. No mesmo ano a publicidade desaparece dos canais de tele- visão, o Estado assume seu financiamento, tornando-se na época o país com indicador per capita de televisores mais alto da America Latina. Fidel (a secas), como popu- larmente se chamava e se chama atualmente em Cuba, projetava uma imagem de honestidade e desinteres- se através de uma retórica muito hábil e calculada e uma bem dirigida propagan- da pessoal de maneira que poucos podiam crer em uma ação sua incorreta. (Clark, 1992: 54) 57
  • 58. Um “messias da televisão”, com Juan Clark escreve em seu livro sobre Fidel Castro que conquistou uma nação e a manteve convencida sobre seus ideais por mais de cin- qüenta anos. Embora o uso do terror contra os anti revolu- cionários na década de 60, que levou muitos cubanos ao fuzilamento, e a abertura dos portos para que os traidores pudessem fugir para junto do inimigo norte americano, foi o discurso que conseguiu envolver por tantos anos uma ilha que muitas vezes deixou de comer em prol da luta socialis- ta. 3.2) Cuba pós revolucionária e sua economia Cuba tem marcada em sua história uma linha de pri- vações quanto à sua liberdade de expressão e a verdadeira identidade do seu povo. Quando finalmente conquistou a independência da Espanha, virou, imediatamente, proteto- rado dos EUA, e quando se libertou foi dominada pelo seu próprio “eu”, a luta socialista. Da mesma forma, a transição pelas diversas etapas da economia cubana, mais especifica- mente após 1959, transformaram a realidade da ilha em um 58
  • 59. peculiar paradoxo de consumo onde o papel do dinheiro é manipulado pelo governo assim como as experiências ofe- recidas pela sua utilização. A nessecidad, expressa no artigo de Martin Holbraad (2010: 368) sobre o “Período Especial” a partir da década de 90 em Havana, como veremos mais detalhadamente a seguir, tem como definição a lucha (luta) diária para suprir as necessidades mais básicas dos cubanos, necessidades que não deixam de suprimir a demanda, ou no mínimo desejo, por bens de “luxo”12 para uma sociedade que primeiro tem que garantir o pão e o leite. Logo após a revolução de 1959, Fidel Castro deci- diu que Cuba teria que se livrar da produção açucareira e seus estreitos vínculos com os EUA para poder enfim se de- senvolver. A industrialização seria não só a resposta chave para alcançar o desenvolvimento, como também sua mão de obra, el proletariado, seria a base de uma forte políti- ca adotada. Esses planos não foram muito bem sucedidos, tendo Cuba que readotar a produção açucareira como base. 12. Neste caso, podemos considerar como “luxo” tudo aquilo que o homem não necessita para sua subsistência, como água, ar, comida e moradia. 59
  • 60. Com embargo econômico norte americano e a impossibili- dade de se autosustentar, o apoio da URSS seria vital para a sobrevivência econômica da ilha e a estabilidade do gover- no de Fidel nas décadas seguintes. A partir de um modelo soviético que perdurou até a década de 90 com a queda da URSS, que tinha alimentação, moradia, emprego, saúde, educação e cultura oferecidos majoritariamente pelo governo, foi possível proporcionar a entrada de bens materiais na ilha. Mesmo assim, o raciona- mento dos produtos mais básicos, como alimentos e mate- riais de higiene, frente a uma realidade muito diferente do que na verdade o ideal de distribuição igualitária procurava passar aos cidadãos, teve como uma eterna cicatriz o con- trole através das cardenetas13, onde desde a revolução até os dias de hoje os cubanos recolhem nas tiendas produtos de primeira necessidade que provavelmente não sustenta- 13. A carderneta é um controle em formato de papel feito pelo governo onde cada cidadão cubano tem direito a certos produtos de alimentação e higiene básicos de graça. Na década de 90, no Período Especial, até os dias de hoje, muitos cubanos reclamam que a quan- tidade de produtos oferecidos não é o suficiente para um mês inteiro, o que leva muitos deles a buscarem outras fontes de renda afim de adquirirem o que falta no mercado negro ou no mercado paralelo. 60
  • 61. rão suas famílias até o final do mês. A realidade do racionamento na cultura cubana per- durou pelos seus tempos de glória como nos tempos adver- sos, às vezes com menor intensidade de uma forma quase anestesiante, outras com uma intensidade que revirou até os revolucionários de carteirinha em suas camas. O fato é que como consumidor, o cubano nunca pecou pelo exces- so, mas sofreu na lucha diária para suprir as necessidades mais básicas de sua existência. Enquanto o governo castris- ta aparecia como o pai provedor, o filho subserviente, não contradizendo a então generosidade quase santa e paterna- lista, busca o que falta para se alimentar e manter sua casa no chamado mercado negro14, uma forma clandestina de se consumir. Enquanto o governo tentava através do então criado mercado paralelo15, a partir de 1970, trazer para a popula- 14. Na sociedade cubana é muito comum um cidadão entrar em conta- to, ou até fazer parte, do mercado negro. Esse oferece bens de consu- mo básicos que faltam no sistema de racionamento, como alimentos e material para higiene, ou até mesmo produtos que não são oferecidos pelo governo cubano nas cadernetas de racionamento. 15. O mercado paralelo opera hoje em Cuba em CUCs, peso conversí- vel (possui o papel de uma “moeda dolarizada”). 61
  • 62. ção produtos que não eram oferecidos na caderneta e evitar a clandestinidade do consumo, os preços oferecidos eram muito mais elevados que o próprio mercado negro, além de serem totalmente incompatíveis com o salário médio da população, inviabilizando quase que propositalmente seu consumo. Por sua vez, o sistema ainda apresentava uma pe- culiaridade: os cidadãos que acumulassem certo número de horas despendidas em trabalhos voluntários e méritos revo- lucionários16, e claro, provassem sua verdadeira necessida- de pelo produto a ser adquirido17, tinham a oportunidade de pagar um preço mais baixo e à prazo, diferentemente dos que não se enquadravam nessa situação. Assim, era muito comum ver famílias vendendo no mercado negro jóias e objetos preciosos de família em busca de dinheiro para ad- quirir bens mais novos ou elétricos (Clark, 1992: 303). 16. Assistir sessões de doutrinamento, fazer guarda no centro de trabalho, entre outras práticas pró revolucionários e reconhecidas pelo governo. 17. Mesmo acumulando horas de trabalho pró revolução e provando a necessidade do artigo, os consumidores cubanos ainda tinham que enfrentar uma lista de espera para finalmente poder levar para casa o artigo. 62
  • 63. Em 1993, quando Cuba passava por um período econômico chamado de Especial pelo líder Fidel Castro, a entrada do dólar americano foi liberado no país, sendo em 2004 a medida anulada, substituindo-se o mesmo pelo chamado “peso conversível” ou “CUC” 18(Holbraad, 2010: 369). Assim, Cuba passa a operar com duas moedas simul- taneamente, o peso cubano, destinado ao cidadãos da ilha e altamente desvalorizado nas relações de troca, e o CUC, destinado aos turistas e remessas internacionais. O país também vive uma economia de consumo onde uma ampla gama de produtos, até de necessidades básicas que não são encontrados no sistema de racionamento, podem ser com- prados nas lojas que operaram em CUC, chamadas la cho- pin (proveniente da palavra shopping, em inglês). A verdade é que grande parte do dinheiro circulan- te em Cuba era oriundo de remessas dolarizadas feitas por parentes e cubanos que moravam fora do país e também do turismo. Com a economia indo de mal a pior, a única forma de reverter um pouco esse quadro era abrindo essa porta, 18. Hoje o CUC possui praticamente o valor de um para um em relação ao dólar. 63
  • 64. embora não signifique que o governo cubano deixa de ter o controle sobre a moeda e dos seus bens de consumo. Aliás, com o dólar proibido de circular, os cubanos necessitavam trocar suas verdinhas pelo CUC nas casas de câmbio con- troladas pelo Estado. Assim, se a cultura do con- sumo – como tem sido tan- tas vezes sugerido – está su- primindo uma certa espécie de cultura global, então os habaneros cada vez mais se encontram na desconfortá- vel situação de serem seus interpretes competentes porém – por necessidade – falantes pouco articulados. (Holbraad, 2010: 374) A questão é que a todo momento o governo manipu- la o sentido e o objetivo do dinheiro na vida dos cubanos. Esse, por sua vez, nunca será o suficiente para consumir qualquer coisa que seja um pouco a mais que produtos de subsistência, e então o significado de compra e oferta se desfaz pela impossibilidade dos altos preços, também con- trolados pelo Estado. O desejo de consumo continua a exis- tir, a medida que pela impossibilidade de adquirir qualquer 64
  • 65. coisa com o salário banal em pesos cubanos, os cidadãos buscam outras fontes de renda, ilegais mas dolarizadas. O fato que “em dólar tudo tem um preço” ou “tudo o que pre- cisamos é em dólar” só fazem demonstrar a realidade de uma demanda reprimida (Holbraad, 2010: 387). 3.3) A tríade 3.3.1) O conformismo cubano Em minha viagem para Cuba com o propósito de pesquisar a influência da formação política e econômica do país nos seus códigos culturais e tomadas de decisão da po- pulação cubana frente a estímulos comuns à nossa socieda- de capitalista – e em alguns pontos totalmente incomuns em Cuba - me deparei com paradoxos quase que racionalmente insustentáveis, mas verdadeiros e onipresentes. O que este subcapítulo e os seguintes pretendem mostrar são ensaios de descobertas e relatos do dia a dia da cultura cubana e sua força em cada decisão desse povo. 65
  • 66. Imagine a seguinte situação: você e sua família zar- pam em um cruzeiro que navegará somente pela costa já co- nhecida do seu país. A bordo estão alguns eletrodomésticos e móveis que garantem o conforto da viagem, comida em fartura se formos levar em consideração que em alguns dias todos estarão em terra novamente para reabastecer se for preciso, e um rádio que os distrairá com músicas e notícias em um momento de tédio. Infelizmente uma forte tormenta abate o navio e o afunda, mas, vocês naufragam perto de uma ilha totalmente deserta. É possível salvar um pouco de tudo o que se levava no navio e a impossibilidade de se comunicar de qualquer forma faz com que todos se insta- lem em terra sem previsão de saída. Com o passar do tempo a comida precisa ser racionada para não acabar. Mas tudo bem, todos ainda possuem o que comer, ainda mais se for- mos contar com alguns côcos e ervas que são encontrados no meio do caminho e completam a dieta escassa. Os mó- veis e eletrodomésticos começam a ficar corroídos e velhos. Mas tudo bem, ainda se tem onde sentar e dormir, e é isso que importa, mesmo não havendo todo o conforto. O rádio 66
  • 67. ainda funciona – embora muito mal – sintonizando em so- mente uma estação de conteúdo religioso que muito de vez em quando transmite alguma notícia sobre o mundo fora da ilha. Mas tudo bem, pois ninguém morrerá de tédio por um bom tempo. Você e sua família sabem que a ilha deserta não deve ficar assim tão longe da costa onde navegavam, mas nem se esforçam mais em fazer algum tipo de contato ou pedir ajuda. A força da mensagem religiosa do rádio é tão forte e carismática que todos agradecem à Deus por estarem vivos, e isso é o suficiente. Podemos fazer um paralelo simples do que é Cuba para seus habitantes nos dias atuais diante da situação an- teriormente apresentada. Em poucas palavras, até porque neste capítulo já desmembramos detalhadamente o histó- rico da formação econômica e política do país, podemos falar que os cubanos vivem hoje com o básico para sobre- vivência extremamente racionado, tendo que buscar mui- tas vezes na marginalidade formas de adquirir esses bens, assim como os náufragos usados no exemplo. Fora isso, guardam como heranças preciosas – pois são a única coisa 67
  • 68. que tem e possivelmente terão, tendo em vista a economia de consumo totalmente desregulada - móveis, utensílios do- mésticos, objetos, carros, bicicletas, etc, que se desmante- lam e se decompõe, adquiridos em tempos melhores, como quando Cuba ainda recebia apoio da URSS. Como nossos habitantes ilhados, recebem a informação sobre o mundo de forma limitada e até um certo ponto doutrinatória, levando em consideração o conteúdo político e unilateral oferecido pelos meios de comunicação19 revolucionários. Em ambos os casos, todos sabem que o contato com o “outro” ou com a “salvação” para o isolamento existe à pouquíssimos ki- lômetros, mas o conformismo e até certo ponto dívida com seu messias – Deus ou Fidel – é maior e mais forte. Em Havana, tive a oportunidade de entrevistar Mery, uma mulher cubana viúva de personalidade forte com seus cinqüenta anos. Ela, sua mãe Berta e sua irmã Miriam se 19. Em 2012 Cuba possui 5 canais de televisão nacionais e alguns jornais como Granma e Juventud Rebelde, além de algumas rádios. Quando estive no país em junho de 2012, pude analisar o conteúdo da maioria desses veículos, totalmente politizado e com pouquíssimas noticias internacionais. A internet, que seria uma forma dos cubanos se aproximarem de maneira mais realista com as noticias do mundo, ainda é escassa, cara – paga em CUC – e com muitos sites bloqueados. 68
  • 69. espremiam em um dos cômodos da casa na badalada Rua O Bispo, em Havana Vieja, para dar espaço aos estrangeiros, que como eu, alugavam um dos quartos por um preço em CUC. Toda a sua família havia participado da luta revolu- cionária, e em seu discurso era possível notar a gratidão à tudo o que o regime tinha transformado em suas vidas. Mesmo sua casa possuindo pouquíssimos móveis, que por sua vez se mostravam antiqüíssimos e de uma simplicidade quase deflagradora de tempos de escassez que se estendiam mais do que o esperado, quando a questionei se gostaria de ter mais bens materiais a resposta foi: “Tenho tudo o que necessito, educação, casa, comida, saúde, e tudo de qualidade. O que mais posso querer nessa vida?”. Mesmo afirmando que sim, já existiram tempos melhores, e nem Mery, nem Berta e Miriam vislumbram um futuro diferente do presente. Claudio, um cubano vendedor de chips de celular para estrangeiros com cerca de 30 anos é o oposto da luta pró revolucionária e diferentemente da família de Mery, não viveu as décadas de ouro da revolução. Pelo contrá- 69
  • 70. rio, é confrontado diariamente com o paradoxo do consumo cubano onde ele é um personagem ativo da troca confusa e caótica de vender, mas não conseguir comprar. Em entre- vista ele declara que “Cuba deveria se chamar Alcatraz20”, mostrando seu descontentamento com um regime “que o persegue, não lhe deixa fazer nada”. Quando pergunto se existe alguma coisa que pode ser feita para mudar essa situ- ação a resposta é no mínimo desanimadora: “Não vai mu- dar. Nada vai mudar isso.” A descrença em dias melhores, ou pelo menos mais livres, transita não só entre os que agarraram o regime e participaram dele, mas como também a geração que nem chegou a conhecer seus dias de glória e se limita a aceitá-lo – embora nem sempre desejá-lo – de cabeça baixa. Renyer é um estudante cubano da Universidade de Havana altamente informado e politizado. Ele, como seus colegas de faculda- de, possuem acesso a informações e meios de comunicação, como a internet, mais facilmente que qualquer outro cida- dão. Com seus 21 anos e a maioria dos amigos estrangeiros, 20 Prisão de Alcatraz. 70
  • 71. vindos de outros países com o intuito de estudar em Cuba, tem a oportunidade de conhecer o outro lado da moeda da relação entre o capitalismo e o socialismo. Mesmo assim Renyer revela que “Cuba não está pronta (para uma aber- tura), pois não conhece o outro lado”. Para ele o país já foi surpreendido nos últimos tempos com algumas mudanças, mas que ainda não seria tempo para uma abertura da nação ao universo globalizado. A mensagem dentre as dezesseis entrevistas feitas, entre elas as descritas acima, foram diferentes à medida que o contexto e experiência dos entrevistados variavam, mas a estrutura, que é o fator chave para se descobrir os códigos culturais, segundo Clotaire Rapaille (2007: 15), continuou a mesma em praticamente todas elas. Não importa a idade, situação econômica ou força política que guiava os entre- vistados, quando descreviam como vislumbravam o futuro ou falavam sobre seu cotidiano atual em Cuba a idéia chave era conformismo. As coisas poderiam estar indo de mal a pior, ou não 71
  • 72. estarem tão boas quanto no passado, mas a questão é que “nada poderá ser feito para mudar isso”, mesmo que seja insuportável. É como se todos estivessem anestesiados, vi- vendo dia após dia em um conformismo silencioso. O pas- sado se transformou no vício do presente e na impossibili- dade de olhar para o futuro. 3.3.2) O Pai que cuida e castiga Como vimos no primeiro capítulo (p. 18), segundo Clotaire Rapaille, as culturas e seus códigos são passíveis de sofrerem mudanças a partir do deslocamento do tempo e da história, responsável também pela sua formação e re- formulação (2007: 22). Ou seja, momentos em uma cultura como o da revolução de 1959 em Cuba e toda a mudança estrutural e até sentimental que foi provocada em seus có- digos culturais a partir desse evento, podem explicar um deslocamento na visão de vários fatores, mas em especial o do que é Estado e líder hoje para os cubanos. Os habitantes da ilha migraram de forma abrupta de um governo promíscuo, corrupto e violentamente domina- 72
  • 73. dor do período anterior à revolução para um governo que em sua teoria não faz distinção de classes, luta pelo bem estar do país e acima de tudo é justo. O Estado cubano há cinco décadas provém educação, cultura, moradia, saúde, transporte e alimentação para toda a população de graça. Não só o faz, como também regula, principalmente quando se diz respeito aos bens de subsistência, qual a quantidade e periodicidade que cada família os receberá a partir das cadernetas de racionamento. Age por meritocracia, ofere- cendo privilégios aos cidadãos que acumularam horas de trabalho voluntário e méritos revolucionários, e descrimina aqueles que falharam nesse aspecto. O mesmo acontece na educação onde os alunos que alcançarem notas melhores terão direito de escolher a faculdade e curso que desejam estudar, enquanto os que não obtiverem terão que se con- tentar com cursos técnicos. Embora o país tenha alguns canais de televisão, jor- nais e rádio, todo o conteúdo passará pelo filtro do Estado, onde o mesmo poderá ter certeza sobre a qualidade e ve- racidade do que os cidadãos assistirão todos os dias. Mas, 73
  • 74. quando o Estado acreditar que alguma notícia fere os ide- ais revolucionários e a educação do país, os cubanos serão gentilmente privados da mesma para que suas almas não sejam manchadas. O mesmo acontece com a internet, que mesmo sendo implantada em Cuba terá a maioria dos seus sites bloqueados pois algumas informações denegririam a imagem da nação. Se qualquer cubano, por sua vez, resolver revelar sua insatisfação em relação ao governo, como é o caso da blogueira Yoani Sánchez21 que escreve quase que diaria- mente em seu blog os problemas sociais e econômicos que enfrenta em Havana, esse cidadão será automaticamente punido pelo Estado. A forma de castigo variará entre servir como mau exemplo para a comunidade à sua volta, sendo excluído das atividades comuns, ou até mesmo perder al- guns direitos, como o privilégio de sair do país. Por isso, o mais comum entre minhas entrevistas era ouvir cidadãos de diferentes partes da ilha se sentirem incomodados em 21. Yoani Sánchez escreve o blog Geração Y que fala sobre o cotidia- no difícil dos cubanos no país. Foi eleita pela Revista Time em 2008 uma das cem mulheres mais influentes do mundo, embora pouquíssi- mos cubanos tenham acesso a internet e ao seu site. 74
  • 75. falar sobre política, ainda por cima quando eram totalmente contrários ao sistema. Chichi, um jovem universitário cubano residente da cidade de Trinidad avisa antes da entrevista: “Falo, desde que não seja sobre política. Não gosto de falar sobre essas coisas”. Não só ele, como outros entrevistados como Cláu- dio – o vendedor de chips de Havana que vimos anterior- mente – e José, seu companheiro de trabalho, que quando pergunto sobre política dizem: “Não gosto de falar sobre isso”, afirmam olhando para baixo com um ar contrariado. A verdade é que, como cubano, você provavelmente per- tencerá ao grupo dos que amam a revolução e a enaltecem como o significado da própria vida – que é formado majo- ritariamente por adultos e idosos que viveram sua época áurea– ou ao grupo dos que não concordam com o rumo do país e que permanecem calados sobre o assunto, como se com receio das conseqüências que isso poderá causar e o conformismo de que nada irá mudar mesmo. 75
  • 76. A questão é que podemos fazer aqui um paralelo di- reto entre o papel do Estado, diretamente representado por seu líder Fidel Castro, e como esse governo é encarado pelos cubanos. A relação direta entre eles pode assim ser descrita como ma relação entre pai e filho. Assim, o pai Fidel li- vra seus filhos (cubanos) em 1959 do mal que assombrava suas noites de sono, a ditadura de Batista, e reinstala a paz como um herói. Provém casa, comida e roupa lavada na medida das suas possibilidades, sem ser questionado pela escassez ou pela abundância. A única coisa que pede em tro- ca é obediência e esforço dos seus filhos com suas respon- sabilidades. Assim, os que alcançarem mais méritos serão visivelmente parabenizados e recompensados, mas o que se mostrarem contrários e arredios ficarão de castigo para que sirvam de exemplo para os outros. Será esse mesmo pai que educará com fervor a ideologia da sua ninhada, e fará o pos- sível para privá-la do mau do mundo. Tomará controle dos meio de comunicação e filtrará as mensagens que realmente interessam. Escreverá em outdoors no meio da estrada “Si, se puede” ou “Trabajo duro, creo en usted”22 para incenti- 22. Mensagens retiradas de outdoors na estrada de Cienfuegos para Havana. 76
  • 77. var cada passo vitorioso do seu filho. E, ao final, imporá o respeito que necessita para ser visto como o líder do grupo, fazendo com que as crianças mau criadas ranzinzem em voz baixa seu descontentamento. Em muitos depoimentos veremos essa analogia de forma ainda mais clara. Miriam (60 anos), uma das irmãs da família de Mery que vive em uma casa em Havana Vieja de- clara com fervor: “A Nação é como um pai para mim. Meu coração é cubano, todo por Fidel. Fidel é nosso pai, o pai dos cubanos”. Juan Fernandez, um campesino23 da cidade de Trinidad que organiza passeios à cavalo para turistas de- clara que “Cuba é toda a vida, é tudo o que temos. Graças a ele (Fidel) terminamos a pobreza, não vivemos como em 51 que viviam os campesinos na pobreza. Eu sou fidelista. O que temos para viver e o que nos anima para viver é Fidel.” O que poderemos notar é que não importa o grupo que cada cubano pertence, a favor ou contra Fidel, ou até mesmo sua classe social. O fato é que essa relação entre a população cubana e seu líder se impregna em cada fecha do 23. Pequeno agricultor. 77
  • 78. cotidiano, se tornando quase inevitável. A questão diante dessa análise não é limitar uma relação tão complexa como essa, mas sim apontar uma tendência tão clara quanto os códigos culturais cubanos que a rodeiam. 3.3.3) Um pecado chamado “comprar” A relação entre dinheiro e consumo sempre foi um assunto no mínimo delicado para a maioria dos cidadãos em um país como Cuba desde a revolução de 1959. O go- verno, à medida que necessitava frear qualquer impulso ca- pitalista que infringisse a luta socialista, usou de diversos mecanismos para regular com mão de ferro sua economia e moeda. Impôs um sistema de racionamento de bens de con- sumo mais básicos para a sobrevivência, que a cada crise econômica se viam cada vez mais reduzidos, forçando os cubanos a procurarem como alternativa o mercado negro ou, posteriormente, o mercado paralelo para adquirir o que faltava. O fato é que ambas as “fugas” para o consumo do 78
  • 79. que o Estado se tornou ineficiente na forma de oferecer, se tornaram também um paradoxo na relação entre dinheiro e comprar, a partir do momento que as alternativas de se adquirir bens operavam em dólares e posteriormente em CUCs. O autor Martin Holbraad em seu artigo Dinheiro e necessidade no “Período Especial” de Havana ressalta so- bre a relação de controle do Estado cubano sobre sua eco- nomia: Em outras palavras, quan- to mais o Estado assume o cálculo monetário, mais ele tende a retirá-lo dos con- sumidores. O dinheiro, nas mãos desses, fica muito res- tringido ao seu papel de ca- talisador da comensuração, uma vez que a amplitude e a possibilidade de escolha tendem a desaparecer do processo de planejamento. A razão de ser do planeja- mento, afinal, é regular o consumo. Assim, do pon- to de vista das pessoas que consomem, os pesos não tem a capacidade de sempre, interminavelmente, traduzir todas as coisas que eles “po- deriam” comprar. (Halbra- ad, 2010: 381) 79
  • 80. Para esclarecer a relação entre os pesos cubanos e CUCs que existe hoje tomemos como exemplo um traba- lhador cubano comum que trabalhe como médico e ganhe cerca de 600 pesos cubanos por mês. Levando em conta que cada 1 CUC24 é o equivalente à 24 pesos cubanos, en- tão esse médico ganhará 25 CUC mensais. Essa renda em CUCs será praticamente o equivalente em dólares, levando a concluir que um cubano “vive” com cerca de 25 dólares por mês, uma faixa de renda de países altamente subdesen- volvidos se não fossemos relevar a particularidade cubana. Se esse cidadão deseja adquirir algum bem de consumo bá- sico na Chopin (loja que opera em CUC e vende diversos ti- pos de artigos), ele poderá comprar um sabonete por 2 CUC (48 pesos cubanos), ou um pacote com 4 rolos de papel higiênico à 3,20 CUC (76,80 pesos cubanos)25. Nessa mes- ma loja ele encontrará por detrás das vitrines de vidro que protegem todos os produtos do alcance das mãos dos seus consumidores, bens de “luxo” como um condicionador para cabelos da maca Seda por 4,80 CUC (115 pesos cubanos) 24. 1 CUC representa 1,20 dólares 25. Preços pesquisados entre 19 de junho e 4 de julho de 2012 80
  • 81. ou uma fragrância para a pele por 7,40 CUC (177,60 pesos cubanos). Vale ainda ressaltar o preço de artigos como ar condicionado, 1.200 CUC (28,800 pesos cubanos), e uma simples porta de madeira para casa, encontrada por 700 CUC (16,800 pesos cubanos). Assim, a renda mensal de um cubano não consegue suportar a compra de bens que estão inseridos dentro do contexto de necessidade, e se torna praticamente inalcan- çável quando falamos em bens como um ar condicionado. O significado de trabalho na cultura cubana terá uma re- presentação diferente do que talvez seja evidente em uma cultura capitalista como “ganhar dinheiro”, “se sustentar”, “comprar coisas”, etc. Pelo contrário, a forma de se alcan- çar a verdadeira moeda com poder de troca, o CUC, será através do que o autor Martin Holbraad (2010: 375) chama- rá de lucha diária, onde os cubanos utilizarão de mecanis- mos “extra oficiais” para garantir seu sustento. Veremos um cidadão comum exercendo sua profis- são, mas alugando um quarto de sua casa para turistas à 81
  • 82. dólares, ou sendo garçom em um restaurante em busca das generosas gorjetas em CUC. A prostituição das mulheres cubanas, mais conhecidas como jineteras, e dos homens que seduzem turistas em salões de salsa, serão uma das for- mas mais comuns de se garantir por alguns meses a comida na mesa da família. Mas, enquanto a economia cubana gira em torno de uma economia de sobrevivência, os cubanos parecem que não deixam de desejar bens materiais. Na pesquisa de campo, foi possível observar o comportamento de cuba- nos formando filas ansiosas esperando as Chopins abrirem, olhando curiosos as vitrines, saindo na maioria das vezes de mãos vazias, e mesmo não consumindo alguns produtos, sabendo seus preços de cabeça. Quando possuíam o dinhei- ro para efetivamente fazer a compra, eram certeiros nas es- colhas, assim como a atendente que ficava do outro lado do balcão que não dava a chance dos clientes experimentarem ou sentirem o produto antes do pagamento. 82