SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 4
Downloaden Sie, um offline zu lesen
ICA
  ÍM
QU e       E
        AD
   CI ED
SO




                                                                                                                   André Borges Barbosa
                                                                                                                   Roberto Ribeiro da Silva


 A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam                                       mentos. Só eventualmente se utilizava
 aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando                                     o sabão para limpeza, ao se lavar o
 sempre que possível analisar o potencial e as limitações da ciência                                 corpo de pessoas homenageadas.
 na solução de problemas sociais.
 Este texto aborda o efeito de agentes de limpeza sobre os cabelos.                                  Sabões, detergentes
 Ao mesmo tempo, discute a composição química desses materiais,                                      sintéticos e xampus
 a estrutura básica do cabelo e as formas como a acidez e a                                               Formados por ésteres, as gorduras
 alcalinidade de xampus afetam essa estrutura.                                                       animais e os óleos vegetais são
                                                                                                     insolúveis em água. Reagem com
    xampu, sabões, detergentes, acidez e basicidade, pH                                              soluções alcalinas, de hidróxido de
                                                                                                     sódio ou potássio, produzindo sabão.
                                                                                                     Essa reação é um dos mais antigos


 E
         stamos tão habituados, hoje       simples mistura mecânica de gordura                       processos orgânicos conhecidos e
         em dia, com os produtos de        e álcali, até que o químico francês                       utilizados pelo homem, permitindo a
         limpeza e higiene pessoal que     Michel-Eugène Chevreul (1786-1889)                        conversão de gorduras animais e
 vêm sendo desenvolvidos com o             mostrou que sua formação era na                           óleos vegetais em sabão. Por esta 3
 correr dos anos, que sequer paramos       realidade uma reação química.                             razão, ela é conhecida como ‘reação
 para pensar no que acontece quando            Gregos e romanos chegaram a co-                       de saponificação’ (ver quadro abaixo).
 lavamos os cabelos com um xampu           nhecer o sabão. Nas ruínas de Pom-                             Um sabão tem a fórmula geral R-
 qualquer. Por que não usar um sabão       péia, destruída aproximadamente em                        CO-ONa, onde R é usualmente uma
 comum ou outro produto de limpeza         79 a.C. pela explosão do Vesúvio, ar-                     cadeia carbônica contendo de 12 a 18
 no lugar dessa coisa que se conven-       queólogos desenterraram uma fábrica                       átomos de carbono. A característica
 cionou chamar xampu? E os condicio-       de sabão. Ao que tudo indica, os                          estrutural mais importante de um sa-
 nadores, para que servem? Para            romanos não o empregavam para a                           bão é que sua longa cadeia carbônica
 entender mais sobre xampus e outros       limpeza: a maior parte era misturada                      apresenta uma extremidade carrega-
 detergentes semelhantes é preciso         com aromatizantes para cabelos ou                         da (que é atraída pela água) e a outra
 voltar um pouco no tempo e acompa-        cosméticos e adicionada aos emplas-                       não se solubiliza na água. Por exem-
 nhar o desenvolvimento do primeiro dos    tros usados em queimaduras e feri-                        plo, o estearato de sódio, visto abaixo.
 produtos de limpeza, o sabão comum.
 Um pouco de história
    Como o preparo de vinho a partir
 da fermentação de suco de uva, a
 produção de sabão é uma das mais                    cadeia carbônica apolar (lipofílica)                            extremidade carregada
                                                                                                                           (hidrofílica)
 antigas reações químicas conhecidas.
 Não se conhece sua origem, mas é                A reação de saponificação transforma um éster de um ácido graxo em um sal de um
 provável que tenha sido descoberta          ácido caboxílico e um álcool, conforme a seguinte equação química:
 por acidente quando, ao ferverem gor-          R-CO-OR’(s) + NaOH (aq)                     → R-CO-O-Na+ (aq) + R’-OH (l)
 dura animal contaminada com cinzas,               éster       base                             sal (sabão)     álcool
 nossos ancestrais perceberam uma
 espécie de ‘coalho’ branco flutuando            No caso específico dos lipídeos constituintes de óleos e gorduras, a reação é
 sobre a mistura.                            representada pela seguinte equação química:
    O historiador romano Plínio, o Ve-
                                                CH2-O-CO-R                                              CH2-OH
 lho (23-79 d.C.), já descreve a fabri-
                                                 ‚                                                       ‚
 cação do sabão duro e do mole, mas             CH-O-CO-R (s) + 3 NaOH (aq)                     →       CH-OH (l) + 3 RCOO– Na+ (aq)
 somente a partir do século XIII este            ‚                                                       ‚
 passou a ser produzido em grande               CH2-O-CO-R                                              CH2-OH
 escala. No princípio do século XIX ain-         glicerídeo                 base                        glicerol        sal (sabão)
 da se pensava que o sabão fosse uma

                                  QUÍMICA NOVA NA ESCOLA        Xampus N° 2, NOVEMBRO 1995
Quando um sabão é agitado com
    água, forma-se um sistema coloidal             CH3(CH2)11OSO3-Na+
    contendo agregados denominados                 CH3(CH2)11N(CH3)3+ Cl-
    micelas. Numa micela, as cadeias de            CH3(CH2)11OCH2CH2OH
    carbono (lipofílicas) ficam voltadas           CH3(CH2)11N(CH3)2+CH2COO-
    para o centro e as partes com carga          Quadro 1: Representação estrutural e esquemática de detergentes sintéticos
    (hidrofílicas) ficam em contato com a
    água. Os íons positivos (Na+) ficam na
    água (Fig. 1).                               presenta esquematicamente essas                   bém aos tecidos), formando uma ca-
                                                 possibilidades.                                   mada uniforme. Essa camada tem
                                                     Um detergente é qualquer com-                 uma forte atração pela água, deixando
                                                 posto que pode ser utilizado como                 os fios mais úmidos, reduzindo a
                                                 agente de limpeza. Embora o sabão                 fricção entre os fios e, conseqüente-
                                                 seja um detergente, esse termo                    mente, a eletrização estática. Por
                                                 geralmente é usado para designar os               conseguinte, os cabelos ficam mais
                                                 substitutos sintéticos do sabão. O                macios e fáceis de pentear.
                                                 nome genérico para essa classe de                      Alguns detergentes sintéticos anfó-
                                                 compostos é ‘agentes tensoativos’.                teros possuem a propriedade de não
                                                 Assim, agente tensoativo é qualquer               irritar os olhos, além de formarem uma
                                                 composto que reduz a tensão super-                quantidade moderada de espuma. Por
                                                 ficial da água1, permitindo que óleos             esta razão, são usados nos xampus
                                                 e gorduras possam ser emulsionados.               para bebês.
    Figura 1: Representação esquemática de uma       Os detergentes sintéticos aniô-                    Os xampus são materiais utilizados
    micela contendo óleo em seu interior.        nicos mais comumente empregados                   na limpeza dos cabelos e contêm em
                                                 em limpeza no Brasil contêm alquil-               suas formulações um ou mais tipos de
4       Em geral, o sabão comum é um sal         benzeno-sulfonatos de sódio, de ca-               detergentes sintéticos (além de outras
    de sódio. Esses sais são solúveis em         deia linear:                                      substâncias, tais como perfumes,
    água (formando a micela). Ao con-                                                              conservantes, espessantes etc) que
    trário, os sais de Ca2+, Mg2+ ou Fe3+                                                          têm como função, como veremos a
    são insolúveis em água. Dessa forma,                                                           seguir, remover a gordura do cabelo.
    um sabão não pode ser utilizado com
    eficiência num meio que contenha                 No mercado, são encontrados                   Estrutura do cabelo
    esses íons (água dura); uma vez que          como uma mistura de alquil-benze-
                                                 nos sulfunatos, sendo que o com-                      O poder limpante do xampu geral-
    nesse caso os sais insolúveis precipi-
                                                 ponente principal dessa mistura é o               mente refere-se a sua capacidade
    tam e aderem ao tecido que está
                                                 dodecilbenzenossulfonato de sódio                 para remover gordura, sujeira e
    sendo lavado (ou à beira da pia, do
                                                 que no Brasil é estabelecido como                 matéria estranha do cabelo e do couro
    tanque, da banheira etc.). A equação
                                                 padrão de detergente aniônico bio-                cabeludo.
    química que descreve este fenômeno
                                                 degradável.                                           A gordura aparece no cabelo na
    é a seguinte:
                                                     Outros tipos de detergentes sinté-            forma de sebo, um material que
      2C17H35-CO-O–Na+(aq) + Ca2+(aq) →          ticos aniônicos utilizam os sulfatos de           contém em sua composição, basi-
                                                                                                   camente, 50% de glicerídeos, 20%
      → (C17H35-CO-O)2Ca(s) + 2Na+(aq)           alquila, como por exemplo o sulfato
                                                 sódico de laurila:                                de cera, 10% de esqualeno, um
       Os problemas relacionados ao                                                                hidrocarboneto de fórmula C 30H50 e
    uso dos sabões comuns em água                  CH3-CH2-CH2-CH2-CH2-CH2-CH2-                    5% de ácidos graxos. O sebo exerce
    dura (formação de sais insolúveis)           CH2-CH2-CH2-CH2-CH2-O-SO2– Na+                    algumas funções importantes, como
    levaram ao desenvolvimento de de-               Os sulfonatos de alquilbenzeno ou              revestir a cutícula (a camada mais
    tergentes sintéticos. Como os sa-            os sulfatos de alquila são superiores             externa do cabelo), prevenindo a
    bões, os detergentes contêm uma              aos sabões comuns na ação de                      perda de água do interior do fio
    parte orgânica com um grupo com              limpeza, principalmente por não                   capilar — água que mantém o
    carga na extremidade da cadeia.              formar sais insolúveis com íons Ca2+,             cabelo macio e brilhante. O revesti-
    Quando os detergentes têm cadeias            Mg2+ ou Fe3+, como acontece com os                mento também faz o cabelo parecer
    com carga positiva, são denomina-            sabões comuns.                                    liso, além de prevenir o desenvol-
    dos catiônicos; quando a carga é                Os detergentes sintéticos catiô-               vimento de bactérias. O sebo é
    negativa, são aniônicos; quando não          nicos são usados como condicio-                   secretado pelas glândulas sebáceas
    têm carga são não-iônicos, e quan-           nadores capilares (creme rinse) e                 localizadas no couro cabeludo e age
    do possuem uma carga negativa e              também como amaciantes de roupas.                 nas cutículas por capilaridade no fio
    outra positiva são chamados deter-           Os íons carregados positivamente                  capilar. O excesso e o acúmulo de
    gentes anfóteros. O Quadro 1 re-             aderem aos fios dos cabelos (e tam-               sebo podem dar ao cabelo uma


                                        QUÍMICA NOVA NA ESCOLA     Xampus      N° 2, NOVEMBRO 1995
aparência gordurosa e, por ser um
material pegajoso, acumula poeira
e materiais estranhos ao cabelo.
                                                                     O banho, essa novidade
    Cada fio de cabelo é constituído

                                                 H
                                                           oje aceitamos com natura      nho com camisolas para evitar que
basicamente de proteínas formadas
                                                           lidade idéias como tomar      seus corpos fossem despidos.
por cadeias longas e paralelas de
                                                           banho e lavar nossas rou-         O ato de tomar banho com sa-
aminoácidos ligados entre si. Há três
                                                 pas com sabão. Historicamente,          bão e água aconteceu graças ao
modos pelos quais elas podem co-
                                                 entretanto, esse é um costume           Movimento Sanitário iniciado em
nectar-se umas às outras: por liga-
                                                 recente. Em toda a Idade Média,         Londres como resposta à sujeira
ções de hidrogênio, por ligações
                                                 nem a aristocracia nem a classe         onipresente — aos poucos reconhe-
iônicas entre grupos ácidos e bási-
                                                 pobre tinha muita inclinação para o     cida como uma das causas de cóle-
cos e por ligações dissulfeto. Esses
                                                 banho. A rainha Isabella (1451-           ra e de febre tifóide. Canais de es-
três tipos são chamados de ‘liga-
                                                 1504) da Espanha orgulhava-                   gotos foram construídos, o lixo
ções laterais de cadeia’ e são res-
                                                 se de ter tomado apenas                         foi transportado para longe
ponsáveis pelas interações inter e
                                                 dois banhos em toda a                               dos centros urbanos, be-
intracapilar (Fig. 2).
                                                 sua vida: um quando                                    bedouros públicos fo-
                                                 nasceu e outro no                                         ram isolados de
                                                 dia de seu casa-                                              locais contami-
                                                 mento. Já a                                                       nados e as
                                                 rainha Eliza-                                                      pessoas fo-
                                                 beth I (1558-                                                      ram encora-
                                                 1603) da Ingla-                                                jadas a tomar
                                                 terra era uma entu-                                        banho e a lavar su-
                                                 siasmada banhista.                                      as roupas. Em 1846, o
                                                 Precisasse ou não, to-                               governo britânico editou     5
                                                 mava um banho a cada três                         uma lei que permitia a insta-
                                                 meses.                                        lação de banheiros públicos e
 Figura 2: Representação esquemática das
                                                     Até meados do século XIX, o            lavanderias para a classe trabalha-
 ligações laterais de cadeias em proteínas em    banho do corpo nu foi considerado       dora de Londres. O movimento ex-
 cabelos.                                        pecado pela Igreja, tendo em vista      pandiu-se pela Europa e logo seguiu
                                                 que esta era uma prática dos            para os Estados Unidos, e é por essa
Ação dos xampus sobre o                          pagãos gregos e romanos. Além da        reviravolta que o banho passou a ser
cabelo                                           pressão religiosa, a falta de água      considerado uma prática saudável
    Como um sabão — ou um deter-                 aquecida e de sabão também              por milhões de pessoas.
gente sintético — consegue remover               serviam de desencorajamento para            Os colonizadores portugueses
a sujeira dos cabelos?                           a prática do banho. Ainda neste         recém-chegados ao Brasil incorpo-
    A maior parte da sujeira do cabelo           século, membros de certas ordens        raram o hábito de tomar banho imi-
adere na camada de sebo. Se o sebo               religiosas continuavam a tomar ba-      tando os índios brasileiros.
puder ser removido, as partículas
sólidas de sujeira também o serão. A
água fria, por si só, não consegue dis-              Em condições ideais, a pele hu-       Em soluções fortemente ácidas,
solver gotículas de sebo (lipofílicas);         mana tem uma camada naturalmente        em que o pH está entre 1 e 2, ambas
na presença da micela do sabão ou               ácida, com pH entre                                      as ligações de hi-
do detergente sintético, contudo, a             3 e 5, enquanto o                                        drogênio e iônica
parte central apolar captura as gotí-           pH do cabelo está      Até meados do século XIX, o       são quebradas, de-
culas de óleo, formando uma emulsão,            entre 4 e 5. A acidez      banho do corpo nu foi         vido à protonação
pois as mesmas são solúveis no                  deve-se à produção      considerado pecado pela          dos grupos carboxi-
centro apolar (Fig. 1).                                                igreja, pois era uma prática
                                                de ácidos graxos                                         la e carbonila nas
    Os detergentes sintéticos e os                                          dos pagãos gregos e
                                                pelas glândulas se-                                      cadeias de proteí-
sabões envolvem em sua fabricação                                     romanos. Ainda neste século,
                                                báceas. Assim, o                                         nas (ver Fig. 2). As
uma base forte (hidróxido de sódio ou                                   membros de certas ordens
de potássio), e isso faz com que suas           uso de determina-        religiosas continuavam a        ligações dissulfeto,
formulações apresentem um pH (me-               dos tipos de xam-          tomar banho vestindo          entretanto, conse-
dida da acidez e basicidade de um ma-           pus pode produzir                 camisola               guem manter as ca-
terial) acima de 7 (alcalino). Além disso,      no pH do cabelo                                          deias de proteínas
os sabões podem reagir com a água,              mudanças que pro-                                        juntas no fio de ca-
fazendo com que também o meio se                moverão alterações na estrutura capi-   belo. Em soluções levemente alcalinas
torne alcalino (veja quadro à pag. 6).          lar, como veremos a seguir.             (pH 8,5), algumas ligações dissulfeto

                                       QUÍMICA NOVA NA ESCOLA   Xampus N° 2, NOVEMBRO 1995
são quebradas. Conseqüentemente, a
    cutícula apresenta um aspecto áspero.                                   As regras, no Brasil
    Essa aspereza deixa o cabelo sem
    nivelamento, tornando-o opaco. Repe-             A grande maioria dos agentes                sem diluição e 11,5 para solução
    tidas lavagens com xampus levemente          de limpeza utiliza detergentes                  diluída a 1,00 cg/g; detergentes
    alcalinos prejudicarão o cabelo, pois        aniônicos, todos apresentando pH                líquidos para lavar tecidos comuns,
    quebrarão cada vez mais ligações dis-        fortemente alcalino. A legislação               11,5 para solução diluída 1,00 cg/
    sulfeto, resultando em fios com mais de      brasileira (Lovato, 1995) estabelece,           g; detergentes para lavar tecidos
    uma ponta. Em pH 12, uma solução             por exemplo, os seguintes limites               finos, 10,0 para solução 1,00 cg/g.
    fortemente alcalina, todos os três tipos     para o pH: detergente em pó                     Já para os sabões em barra, o limite
    de ligações são quebrados, ocasio-           doméstico, máximo 11,5 em solu-                 do pH é 11,5 para soluções 1,00 cg/
    nando eventuais quedas de cabelos.           ção 1,00 cg/g; detergente em pó                 g. Por outro lado, para os amacian-
        A maior parte dos xampus moder-          profissional, máximo 12,5 em solu-              tes de roupas e condicionadores de
                                                 ção 1,00 cg/g; detergente líquido               cabelos (detergentes catiônicos), o
    nos, denominados xampus ácido-
                                                 para uso em copa e cozinha, 5,5 a               limite mínimo para o pH é 3,0
    balanceados, contêm em suas formu-
                                                 8,5 em solução 1,00 cg/g; deter-                (ácido). Os sabonetes e os sabões
    lações ingredientes ácidos cuja função       gente líquido para limpeza em geral,            líquidos destinados à higiene pes-
    é manter o pH do cabelo lavado               sem amônia, máximo 12,0 sem                     soal têm seu pH, em geral, ajustado
    próximo de seu pH natural. Este efeito       diluição e 11,0 para solução diluída            para valores próximos a 7,0 (6,5 a
    é obtido, por exemplo, adicionando-se        a 1,00 cg/g; alvejantes a base de               7,5), de modo a evitar reações
    à formulação do xampu o ácido cítrico,       compostos contendo cloro, 13,5                  alérgicas nas mãos e no corpo.
    cuja função é neutralizar os efeitos
    temporários de xampus alcalinos1.
                                                lino, mas, pelo que vimos, o ideal é            bricação de produtos adequados e de
                A inclusão da                   que ele seja levemente ácido.                   preço acessível.
6
         nomenclatura oficial dos                   Os materiais não destinados à                   Este é um bom tema para discus-
             componentes nos                    higiene pessoal não devem ser usados            são em nossas aulas de química e de
          rótulos, obrigatória por              com essa finalidade. O uso constante            ciências.
           lei, às vezes é usada                desses materiais pode causar proble-
         para dar uma imagem de                 mas de alergia na pele e danificar os                               Nota
            mais qualidade (ou                  cabelos, face sua alta alcalinidade.                1. Para aumentar a superfície de um
             status) ao xampu                   Usuários envolvidos em serviços de              líquido é necessário trazer mais moléculas
                                                limpeza devem ser periodicamente                do interior do líquido para a superfície. A
    Concluindo                                  esclarecidas sobre o uso e manuseio             energia que deve ser fornecida ao líquido
                                                desses materiais, recomendando-se               para deslocar essas moléculas e, conse-
         Pelo que vimos, a finalidade de um     sempre que possível o uso de luvas.             qüentemente, aumentar a superfície do lí-
    xampu é limpar os cabelos. Eles                 Infelizmente, grande parte da               quido, é chamada tensão superficial.
    removem o sebo, os componentes do
                                                população brasileira não tem acesso
    suor e a sujeira ambiental depositada                                                       André Borges Barbosa é aluno do curso de ba-
                                                aos produtos adequados à higiene
    no fio capilar. Entretanto, a remoção                                                       charelado em química da Universidade de Brasília.
                                                pessoal (sabonetes, xampus e condi-             Roberto Ribeiro da Silva é doutor em química
    de todo o sebo natural torna o cabelo
                                                cionadores). Cabe aos químicos con-             orgânica e professor adjunto do Departamento de
    opaco, áspero ao tato e sujeito à ele-
                                                tribuir para o desenvolvimento e a fa-          Química da Universidade de Brasília.
    tricidade estática, tornando-o difícil de
    pentear. Tem se procurado compensar
    os efeitos negativos dos detergentes
    criando uma enorme variedade de              Para saber mais
    xampus que, além de limpar, também               DRAELOS, Zoe Kececioglu. Cosméticos em dermatologia. Tradução por
    embelezam os cabelos.                        Valquiria M. F. Settineri. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1991. p. 76-87.
         É preciso estar alerta, no entanto,         SHREVE, R. Norris & BRINK JÚNIOR, Joseph A. Indústria de processos químicos.
    para a quantidade enorme de propa-           Tradução por Horacio Macedo. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1980. p. 431-451.
    ganda envolvendo estes materiais. A              SILVA, Roberto Ribeiro; BOCCHI, Nerilso & ROCHA-FILHO, Romeu Cardozo.
    inclusão da nomenclatura oficial dos         Introdução à química experimental. São Paulo: McGraw-Hill, 1990. p. 222-231.
    componentes nos rótulos, obrigatória             HART, Harold & SCHUETZ, Robert D. Química orgânica. Tradução por Regina S. V.
    por lei, às vezes é usada para dar uma       Nascimento, João A.G. de Matos e Heloisa M. da C. Marques. Rio de Janeiro: Editora
    imagem de mais qualidade (ou status)         Campus Ltda., 1983. p. 252-257.
    ao xampu. Um exemplo é o anúncio                 BARBOSA, André Borges & SILVA, Roberto Ribeiro. Acidez e basicidade de xampus.
    do xampu neutro e de suas possíveis          Anais do III Seminário de Pesquisa da UnB. Brasilia: Univ. de Brasília. nov. 1993, p. 43.
    vantagens. Um xampu neutro é de fato             LOVATO, Ambrósio José. Domissanitários em geral. Curitiba: Centro Federal de
                                                 Educação Tecnológica do Paraná, 1995. 94p., Mimeo.
    melhor para os cabelos que um alca-


                                       QUÍMICA NOVA NA ESCOLA    Xampus      N° 2, NOVEMBRO 1995

Weitere ähnliche Inhalte

Mehr von dianalove15

I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010dianalove15
 
I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010dianalove15
 
The red pyramid riordan rick
The red pyramid   riordan  rickThe red pyramid   riordan  rick
The red pyramid riordan rickdianalove15
 
Ligações interatômicas
Ligações interatômicasLigações interatômicas
Ligações interatômicasdianalove15
 
Geometria molecular
Geometria molecularGeometria molecular
Geometria moleculardianalove15
 
Funções inorgânicas bases
Funções inorgânicas basesFunções inorgânicas bases
Funções inorgânicas basesdianalove15
 
Dinâmica atmosférica
Dinâmica atmosféricaDinâmica atmosférica
Dinâmica atmosféricadianalove15
 
Geometria molecular
Geometria molecularGeometria molecular
Geometria moleculardianalove15
 
Enem 1ª Parte(Resultados) 2009
Enem 1ª Parte(Resultados)   2009Enem 1ª Parte(Resultados)   2009
Enem 1ª Parte(Resultados) 2009dianalove15
 
Conjuntos Numericos
Conjuntos NumericosConjuntos Numericos
Conjuntos Numericosdianalove15
 

Mehr von dianalove15 (16)

I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010
 
I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010I guerra mundial 2010
I guerra mundial 2010
 
The red pyramid riordan rick
The red pyramid   riordan  rickThe red pyramid   riordan  rick
The red pyramid riordan rick
 
Xampu 2003
Xampu 2003Xampu 2003
Xampu 2003
 
Polaridade
PolaridadePolaridade
Polaridade
 
País de idosos
País de idososPaís de idosos
País de idosos
 
Ligações interatômicas
Ligações interatômicasLigações interatômicas
Ligações interatômicas
 
Geometria molecular
Geometria molecularGeometria molecular
Geometria molecular
 
Funções inorgânicas bases
Funções inorgânicas basesFunções inorgânicas bases
Funções inorgânicas bases
 
Função+ex..
Função+ex..Função+ex..
Função+ex..
 
Função
FunçãoFunção
Função
 
Dinâmica atmosférica
Dinâmica atmosféricaDinâmica atmosférica
Dinâmica atmosférica
 
Citoquími..
Citoquími..Citoquími..
Citoquími..
 
Geometria molecular
Geometria molecularGeometria molecular
Geometria molecular
 
Enem 1ª Parte(Resultados) 2009
Enem 1ª Parte(Resultados)   2009Enem 1ª Parte(Resultados)   2009
Enem 1ª Parte(Resultados) 2009
 
Conjuntos Numericos
Conjuntos NumericosConjuntos Numericos
Conjuntos Numericos
 

2010.07.29 quimica8 xampus

  • 1. ICA ÍM QU e E AD CI ED SO André Borges Barbosa Roberto Ribeiro da Silva A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam mentos. Só eventualmente se utilizava aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando o sabão para limpeza, ao se lavar o sempre que possível analisar o potencial e as limitações da ciência corpo de pessoas homenageadas. na solução de problemas sociais. Este texto aborda o efeito de agentes de limpeza sobre os cabelos. Sabões, detergentes Ao mesmo tempo, discute a composição química desses materiais, sintéticos e xampus a estrutura básica do cabelo e as formas como a acidez e a Formados por ésteres, as gorduras alcalinidade de xampus afetam essa estrutura. animais e os óleos vegetais são insolúveis em água. Reagem com xampu, sabões, detergentes, acidez e basicidade, pH soluções alcalinas, de hidróxido de sódio ou potássio, produzindo sabão. Essa reação é um dos mais antigos E stamos tão habituados, hoje simples mistura mecânica de gordura processos orgânicos conhecidos e em dia, com os produtos de e álcali, até que o químico francês utilizados pelo homem, permitindo a limpeza e higiene pessoal que Michel-Eugène Chevreul (1786-1889) conversão de gorduras animais e vêm sendo desenvolvidos com o mostrou que sua formação era na óleos vegetais em sabão. Por esta 3 correr dos anos, que sequer paramos realidade uma reação química. razão, ela é conhecida como ‘reação para pensar no que acontece quando Gregos e romanos chegaram a co- de saponificação’ (ver quadro abaixo). lavamos os cabelos com um xampu nhecer o sabão. Nas ruínas de Pom- Um sabão tem a fórmula geral R- qualquer. Por que não usar um sabão péia, destruída aproximadamente em CO-ONa, onde R é usualmente uma comum ou outro produto de limpeza 79 a.C. pela explosão do Vesúvio, ar- cadeia carbônica contendo de 12 a 18 no lugar dessa coisa que se conven- queólogos desenterraram uma fábrica átomos de carbono. A característica cionou chamar xampu? E os condicio- de sabão. Ao que tudo indica, os estrutural mais importante de um sa- nadores, para que servem? Para romanos não o empregavam para a bão é que sua longa cadeia carbônica entender mais sobre xampus e outros limpeza: a maior parte era misturada apresenta uma extremidade carrega- detergentes semelhantes é preciso com aromatizantes para cabelos ou da (que é atraída pela água) e a outra voltar um pouco no tempo e acompa- cosméticos e adicionada aos emplas- não se solubiliza na água. Por exem- nhar o desenvolvimento do primeiro dos tros usados em queimaduras e feri- plo, o estearato de sódio, visto abaixo. produtos de limpeza, o sabão comum. Um pouco de história Como o preparo de vinho a partir da fermentação de suco de uva, a produção de sabão é uma das mais cadeia carbônica apolar (lipofílica) extremidade carregada (hidrofílica) antigas reações químicas conhecidas. Não se conhece sua origem, mas é A reação de saponificação transforma um éster de um ácido graxo em um sal de um provável que tenha sido descoberta ácido caboxílico e um álcool, conforme a seguinte equação química: por acidente quando, ao ferverem gor- R-CO-OR’(s) + NaOH (aq) → R-CO-O-Na+ (aq) + R’-OH (l) dura animal contaminada com cinzas, éster base sal (sabão) álcool nossos ancestrais perceberam uma espécie de ‘coalho’ branco flutuando No caso específico dos lipídeos constituintes de óleos e gorduras, a reação é sobre a mistura. representada pela seguinte equação química: O historiador romano Plínio, o Ve- CH2-O-CO-R CH2-OH lho (23-79 d.C.), já descreve a fabri- ‚ ‚ cação do sabão duro e do mole, mas CH-O-CO-R (s) + 3 NaOH (aq) → CH-OH (l) + 3 RCOO– Na+ (aq) somente a partir do século XIII este ‚ ‚ passou a ser produzido em grande CH2-O-CO-R CH2-OH escala. No princípio do século XIX ain- glicerídeo base glicerol sal (sabão) da se pensava que o sabão fosse uma QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Xampus N° 2, NOVEMBRO 1995
  • 2. Quando um sabão é agitado com água, forma-se um sistema coloidal CH3(CH2)11OSO3-Na+ contendo agregados denominados CH3(CH2)11N(CH3)3+ Cl- micelas. Numa micela, as cadeias de CH3(CH2)11OCH2CH2OH carbono (lipofílicas) ficam voltadas CH3(CH2)11N(CH3)2+CH2COO- para o centro e as partes com carga Quadro 1: Representação estrutural e esquemática de detergentes sintéticos (hidrofílicas) ficam em contato com a água. Os íons positivos (Na+) ficam na água (Fig. 1). presenta esquematicamente essas bém aos tecidos), formando uma ca- possibilidades. mada uniforme. Essa camada tem Um detergente é qualquer com- uma forte atração pela água, deixando posto que pode ser utilizado como os fios mais úmidos, reduzindo a agente de limpeza. Embora o sabão fricção entre os fios e, conseqüente- seja um detergente, esse termo mente, a eletrização estática. Por geralmente é usado para designar os conseguinte, os cabelos ficam mais substitutos sintéticos do sabão. O macios e fáceis de pentear. nome genérico para essa classe de Alguns detergentes sintéticos anfó- compostos é ‘agentes tensoativos’. teros possuem a propriedade de não Assim, agente tensoativo é qualquer irritar os olhos, além de formarem uma composto que reduz a tensão super- quantidade moderada de espuma. Por ficial da água1, permitindo que óleos esta razão, são usados nos xampus e gorduras possam ser emulsionados. para bebês. Figura 1: Representação esquemática de uma Os detergentes sintéticos aniô- Os xampus são materiais utilizados micela contendo óleo em seu interior. nicos mais comumente empregados na limpeza dos cabelos e contêm em em limpeza no Brasil contêm alquil- suas formulações um ou mais tipos de 4 Em geral, o sabão comum é um sal benzeno-sulfonatos de sódio, de ca- detergentes sintéticos (além de outras de sódio. Esses sais são solúveis em deia linear: substâncias, tais como perfumes, água (formando a micela). Ao con- conservantes, espessantes etc) que trário, os sais de Ca2+, Mg2+ ou Fe3+ têm como função, como veremos a são insolúveis em água. Dessa forma, seguir, remover a gordura do cabelo. um sabão não pode ser utilizado com eficiência num meio que contenha No mercado, são encontrados Estrutura do cabelo esses íons (água dura); uma vez que como uma mistura de alquil-benze- nos sulfunatos, sendo que o com- O poder limpante do xampu geral- nesse caso os sais insolúveis precipi- ponente principal dessa mistura é o mente refere-se a sua capacidade tam e aderem ao tecido que está dodecilbenzenossulfonato de sódio para remover gordura, sujeira e sendo lavado (ou à beira da pia, do que no Brasil é estabelecido como matéria estranha do cabelo e do couro tanque, da banheira etc.). A equação padrão de detergente aniônico bio- cabeludo. química que descreve este fenômeno degradável. A gordura aparece no cabelo na é a seguinte: Outros tipos de detergentes sinté- forma de sebo, um material que 2C17H35-CO-O–Na+(aq) + Ca2+(aq) → ticos aniônicos utilizam os sulfatos de contém em sua composição, basi- camente, 50% de glicerídeos, 20% → (C17H35-CO-O)2Ca(s) + 2Na+(aq) alquila, como por exemplo o sulfato sódico de laurila: de cera, 10% de esqualeno, um Os problemas relacionados ao hidrocarboneto de fórmula C 30H50 e uso dos sabões comuns em água CH3-CH2-CH2-CH2-CH2-CH2-CH2- 5% de ácidos graxos. O sebo exerce dura (formação de sais insolúveis) CH2-CH2-CH2-CH2-CH2-O-SO2– Na+ algumas funções importantes, como levaram ao desenvolvimento de de- Os sulfonatos de alquilbenzeno ou revestir a cutícula (a camada mais tergentes sintéticos. Como os sa- os sulfatos de alquila são superiores externa do cabelo), prevenindo a bões, os detergentes contêm uma aos sabões comuns na ação de perda de água do interior do fio parte orgânica com um grupo com limpeza, principalmente por não capilar — água que mantém o carga na extremidade da cadeia. formar sais insolúveis com íons Ca2+, cabelo macio e brilhante. O revesti- Quando os detergentes têm cadeias Mg2+ ou Fe3+, como acontece com os mento também faz o cabelo parecer com carga positiva, são denomina- sabões comuns. liso, além de prevenir o desenvol- dos catiônicos; quando a carga é Os detergentes sintéticos catiô- vimento de bactérias. O sebo é negativa, são aniônicos; quando não nicos são usados como condicio- secretado pelas glândulas sebáceas têm carga são não-iônicos, e quan- nadores capilares (creme rinse) e localizadas no couro cabeludo e age do possuem uma carga negativa e também como amaciantes de roupas. nas cutículas por capilaridade no fio outra positiva são chamados deter- Os íons carregados positivamente capilar. O excesso e o acúmulo de gentes anfóteros. O Quadro 1 re- aderem aos fios dos cabelos (e tam- sebo podem dar ao cabelo uma QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Xampus N° 2, NOVEMBRO 1995
  • 3. aparência gordurosa e, por ser um material pegajoso, acumula poeira e materiais estranhos ao cabelo. O banho, essa novidade Cada fio de cabelo é constituído H oje aceitamos com natura nho com camisolas para evitar que basicamente de proteínas formadas lidade idéias como tomar seus corpos fossem despidos. por cadeias longas e paralelas de banho e lavar nossas rou- O ato de tomar banho com sa- aminoácidos ligados entre si. Há três pas com sabão. Historicamente, bão e água aconteceu graças ao modos pelos quais elas podem co- entretanto, esse é um costume Movimento Sanitário iniciado em nectar-se umas às outras: por liga- recente. Em toda a Idade Média, Londres como resposta à sujeira ções de hidrogênio, por ligações nem a aristocracia nem a classe onipresente — aos poucos reconhe- iônicas entre grupos ácidos e bási- pobre tinha muita inclinação para o cida como uma das causas de cóle- cos e por ligações dissulfeto. Esses banho. A rainha Isabella (1451- ra e de febre tifóide. Canais de es- três tipos são chamados de ‘liga- 1504) da Espanha orgulhava- gotos foram construídos, o lixo ções laterais de cadeia’ e são res- se de ter tomado apenas foi transportado para longe ponsáveis pelas interações inter e dois banhos em toda a dos centros urbanos, be- intracapilar (Fig. 2). sua vida: um quando bedouros públicos fo- nasceu e outro no ram isolados de dia de seu casa- locais contami- mento. Já a nados e as rainha Eliza- pessoas fo- beth I (1558- ram encora- 1603) da Ingla- jadas a tomar terra era uma entu- banho e a lavar su- siasmada banhista. as roupas. Em 1846, o Precisasse ou não, to- governo britânico editou 5 mava um banho a cada três uma lei que permitia a insta- meses. lação de banheiros públicos e Figura 2: Representação esquemática das Até meados do século XIX, o lavanderias para a classe trabalha- ligações laterais de cadeias em proteínas em banho do corpo nu foi considerado dora de Londres. O movimento ex- cabelos. pecado pela Igreja, tendo em vista pandiu-se pela Europa e logo seguiu que esta era uma prática dos para os Estados Unidos, e é por essa Ação dos xampus sobre o pagãos gregos e romanos. Além da reviravolta que o banho passou a ser cabelo pressão religiosa, a falta de água considerado uma prática saudável Como um sabão — ou um deter- aquecida e de sabão também por milhões de pessoas. gente sintético — consegue remover serviam de desencorajamento para Os colonizadores portugueses a sujeira dos cabelos? a prática do banho. Ainda neste recém-chegados ao Brasil incorpo- A maior parte da sujeira do cabelo século, membros de certas ordens raram o hábito de tomar banho imi- adere na camada de sebo. Se o sebo religiosas continuavam a tomar ba- tando os índios brasileiros. puder ser removido, as partículas sólidas de sujeira também o serão. A água fria, por si só, não consegue dis- Em condições ideais, a pele hu- Em soluções fortemente ácidas, solver gotículas de sebo (lipofílicas); mana tem uma camada naturalmente em que o pH está entre 1 e 2, ambas na presença da micela do sabão ou ácida, com pH entre as ligações de hi- do detergente sintético, contudo, a 3 e 5, enquanto o drogênio e iônica parte central apolar captura as gotí- pH do cabelo está Até meados do século XIX, o são quebradas, de- culas de óleo, formando uma emulsão, entre 4 e 5. A acidez banho do corpo nu foi vido à protonação pois as mesmas são solúveis no deve-se à produção considerado pecado pela dos grupos carboxi- centro apolar (Fig. 1). igreja, pois era uma prática de ácidos graxos la e carbonila nas Os detergentes sintéticos e os dos pagãos gregos e pelas glândulas se- cadeias de proteí- sabões envolvem em sua fabricação romanos. Ainda neste século, báceas. Assim, o nas (ver Fig. 2). As uma base forte (hidróxido de sódio ou membros de certas ordens de potássio), e isso faz com que suas uso de determina- religiosas continuavam a ligações dissulfeto, formulações apresentem um pH (me- dos tipos de xam- tomar banho vestindo entretanto, conse- dida da acidez e basicidade de um ma- pus pode produzir camisola guem manter as ca- terial) acima de 7 (alcalino). Além disso, no pH do cabelo deias de proteínas os sabões podem reagir com a água, mudanças que pro- juntas no fio de ca- fazendo com que também o meio se moverão alterações na estrutura capi- belo. Em soluções levemente alcalinas torne alcalino (veja quadro à pag. 6). lar, como veremos a seguir. (pH 8,5), algumas ligações dissulfeto QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Xampus N° 2, NOVEMBRO 1995
  • 4. são quebradas. Conseqüentemente, a cutícula apresenta um aspecto áspero. As regras, no Brasil Essa aspereza deixa o cabelo sem nivelamento, tornando-o opaco. Repe- A grande maioria dos agentes sem diluição e 11,5 para solução tidas lavagens com xampus levemente de limpeza utiliza detergentes diluída a 1,00 cg/g; detergentes alcalinos prejudicarão o cabelo, pois aniônicos, todos apresentando pH líquidos para lavar tecidos comuns, quebrarão cada vez mais ligações dis- fortemente alcalino. A legislação 11,5 para solução diluída 1,00 cg/ sulfeto, resultando em fios com mais de brasileira (Lovato, 1995) estabelece, g; detergentes para lavar tecidos uma ponta. Em pH 12, uma solução por exemplo, os seguintes limites finos, 10,0 para solução 1,00 cg/g. fortemente alcalina, todos os três tipos para o pH: detergente em pó Já para os sabões em barra, o limite de ligações são quebrados, ocasio- doméstico, máximo 11,5 em solu- do pH é 11,5 para soluções 1,00 cg/ nando eventuais quedas de cabelos. ção 1,00 cg/g; detergente em pó g. Por outro lado, para os amacian- A maior parte dos xampus moder- profissional, máximo 12,5 em solu- tes de roupas e condicionadores de ção 1,00 cg/g; detergente líquido cabelos (detergentes catiônicos), o nos, denominados xampus ácido- para uso em copa e cozinha, 5,5 a limite mínimo para o pH é 3,0 balanceados, contêm em suas formu- 8,5 em solução 1,00 cg/g; deter- (ácido). Os sabonetes e os sabões lações ingredientes ácidos cuja função gente líquido para limpeza em geral, líquidos destinados à higiene pes- é manter o pH do cabelo lavado sem amônia, máximo 12,0 sem soal têm seu pH, em geral, ajustado próximo de seu pH natural. Este efeito diluição e 11,0 para solução diluída para valores próximos a 7,0 (6,5 a é obtido, por exemplo, adicionando-se a 1,00 cg/g; alvejantes a base de 7,5), de modo a evitar reações à formulação do xampu o ácido cítrico, compostos contendo cloro, 13,5 alérgicas nas mãos e no corpo. cuja função é neutralizar os efeitos temporários de xampus alcalinos1. lino, mas, pelo que vimos, o ideal é bricação de produtos adequados e de A inclusão da que ele seja levemente ácido. preço acessível. 6 nomenclatura oficial dos Os materiais não destinados à Este é um bom tema para discus- componentes nos higiene pessoal não devem ser usados são em nossas aulas de química e de rótulos, obrigatória por com essa finalidade. O uso constante ciências. lei, às vezes é usada desses materiais pode causar proble- para dar uma imagem de mas de alergia na pele e danificar os Nota mais qualidade (ou cabelos, face sua alta alcalinidade. 1. Para aumentar a superfície de um status) ao xampu Usuários envolvidos em serviços de líquido é necessário trazer mais moléculas limpeza devem ser periodicamente do interior do líquido para a superfície. A Concluindo esclarecidas sobre o uso e manuseio energia que deve ser fornecida ao líquido desses materiais, recomendando-se para deslocar essas moléculas e, conse- Pelo que vimos, a finalidade de um sempre que possível o uso de luvas. qüentemente, aumentar a superfície do lí- xampu é limpar os cabelos. Eles Infelizmente, grande parte da quido, é chamada tensão superficial. removem o sebo, os componentes do população brasileira não tem acesso suor e a sujeira ambiental depositada André Borges Barbosa é aluno do curso de ba- aos produtos adequados à higiene no fio capilar. Entretanto, a remoção charelado em química da Universidade de Brasília. pessoal (sabonetes, xampus e condi- Roberto Ribeiro da Silva é doutor em química de todo o sebo natural torna o cabelo cionadores). Cabe aos químicos con- orgânica e professor adjunto do Departamento de opaco, áspero ao tato e sujeito à ele- tribuir para o desenvolvimento e a fa- Química da Universidade de Brasília. tricidade estática, tornando-o difícil de pentear. Tem se procurado compensar os efeitos negativos dos detergentes criando uma enorme variedade de Para saber mais xampus que, além de limpar, também DRAELOS, Zoe Kececioglu. Cosméticos em dermatologia. Tradução por embelezam os cabelos. Valquiria M. F. Settineri. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1991. p. 76-87. É preciso estar alerta, no entanto, SHREVE, R. Norris & BRINK JÚNIOR, Joseph A. Indústria de processos químicos. para a quantidade enorme de propa- Tradução por Horacio Macedo. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1980. p. 431-451. ganda envolvendo estes materiais. A SILVA, Roberto Ribeiro; BOCCHI, Nerilso & ROCHA-FILHO, Romeu Cardozo. inclusão da nomenclatura oficial dos Introdução à química experimental. São Paulo: McGraw-Hill, 1990. p. 222-231. componentes nos rótulos, obrigatória HART, Harold & SCHUETZ, Robert D. Química orgânica. Tradução por Regina S. V. por lei, às vezes é usada para dar uma Nascimento, João A.G. de Matos e Heloisa M. da C. Marques. Rio de Janeiro: Editora imagem de mais qualidade (ou status) Campus Ltda., 1983. p. 252-257. ao xampu. Um exemplo é o anúncio BARBOSA, André Borges & SILVA, Roberto Ribeiro. Acidez e basicidade de xampus. do xampu neutro e de suas possíveis Anais do III Seminário de Pesquisa da UnB. Brasilia: Univ. de Brasília. nov. 1993, p. 43. vantagens. Um xampu neutro é de fato LOVATO, Ambrósio José. Domissanitários em geral. Curitiba: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, 1995. 94p., Mimeo. melhor para os cabelos que um alca- QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Xampus N° 2, NOVEMBRO 1995