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Artes plásticas no Nordeste
ANA MAE BARBOSA

          CONDIÇÃO POLÍTICA do Nordeste, considerado zona ultra-perigosa pelos


A         militares durante a última ditadura, provocou uma diáspora cultural es-
          palhando jovens artistas e intelectuais por entre os pólos dominantes do
Rio de Janeiro e de São Paulo, centros historicamente mais preparados para
receber literatos do que artistas plásticos. Desde o Modernismo podemos detec-
tar maior abertura de paulistas e cariocas para com os poetas, novelistas e críticos
literários que chegavam do Nordeste do que para com os artistas.
      Cícero Dias e Antonio Bandeira, embora tenham sido agraciados com al-
guns elogios da crítica hegemônica do Sul, nunca tiveram nas Artes Plásticas um
reconhecimento na mesma altura que tiveram José Lins do Rego, Graciliano
Ramos, Manuel Bandeira, Álvaro Lins, Jorge de Lima, Raquel de Queiroz, na
Literatura. Poucos aplausos e muito vácuo fizeram com que tanto Cícero Dias
quanto Antonio Bandeira imigrassem para a Europa, onde obtiveram sucesso
mais contínuo e consistente. Mesmo assim foi preciso muita tenacidade de uma
nordestina, Vera Novis, para publicar, no ano passado, seu belíssimo livro sobre
Antonio Bandeira. Foram quase sete anos de batalha, que começaram quando
trabalhamos juntas no MAC-USP. Todos a quem recorríamos reconheciam a qua-
lidade antecipadora da pintura de Bandeira; os colecionadores disputam seus
quadros, mas seu nome não faz parte do campo de ação publicitária dos críticos
que ditam a moda.
       A obra de artistas como Carlos Oswald, Aloísio Magalhães ou Lula Cardo-
so Ayres vai ter que esperar por outros teimosos críticos, fora do circuito domi-
nante, como Vera, ou virar tese de algum estudante de pós-graduação para terem
os livros e/ou as retrospectivas que merecem. Espero que não demore tanto
tempo como no caso de Vicente do Rego Monteiro, o mais original dos moder-
nistas brasileiros. Tendo-se em vista que originalidade era um dos valores máxi-
mos do Modernismo, demorou muito para que sua obra atingisse um patamar
além do mero reconhecimento. Isto só se deu na década de 70 porque o poder
nas Artes Plásticas naquela época estava nas mãos de um homem sem preconcei-
tos, um historiador de olhar plural, Walter Zanini, que organizou uma inesque-
cível retrospectiva de Rego Monteiro no MAC-USP.
      Acredito, entretanto, que certa dose de exclusão e distância dos artistas do
Nordeste com relação ao centro de poder das Artes Plásticas os torna hoje os
mais bem preparados artistas para dialogarem com as correntes contemporâneas
da multiculturalidade. Afastados do centro por discriminação política durante a
ditadura militar e, depois, pelas ditaduras do mercado e da crítica que teimam
em só promover o abstrato, o matérico, o minimal, a arte clean correspondente



ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                                241
ao código europeu ou norte-americano branco, os artistas do Nordeste continu-
aram a desenvolver sua própria cultura visual, rejeitando ou assimilando as cor-
rentes internacionais com autonomia pessoal e não por indução, construindo
uma trama de diversidade visual incomum, com qualidade, apontando para um
pós-colonialismo muito mais definido que nas regiões dominadoras do país.




                    Francisco Brennand (Recife, PE 1927) São Sebastião, 1974
                    cerâmica vitrificada, 125 x 113 – col. do artista




        Vicente do Rego Monteiro (Recife, PE, 1899-1970) Deposição, c.1966
        óleo sobre tela, 109 x 134 – col. MAC-USP




242                                                          ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
No caso de Pernambuco, a ação de
duas brilhantes cabeças pensantes – por sor-
te, divergentes entre si –, Ariano Suassuna
e Jomard Muniz de Britto, foi muito bené-
fica. De um lado, temos Ariano Suassuna,
dramaturgo famoso no Sul e no exterior
que, como professor de Estética de várias
gerações de estudantes da Universidade
Federal de Pernambuco, defendia uma
abordagem cultural voltada para a visua-
lidade do meio circundante, para a mitolo-
gia da terra e para uma narrativa imaginante,
que veio a constituir o que ele denominou
Movimento Armorial. Do outro lado,
Jomard Muniz de Britto, também com
enorme influência na formação da mentali-
dade da juventude da Paraíba, de Pernam-
buco e do Rio Grande do Norte, encarre-
gou-se da divulgação crítica das teorias da
pós-modernidade. Como artista, seus
vídeos e suas performances têm chamado a
atenção dos estudantes para a existência de
uma linguagem internacional, enquanto
Ariano os desperta para verem ao seu re-
dor. É neste jogo dialógico, no espaço
intercultural dessas duas posições, no trân-
sito entre elas que hoje estão sendo defini-
das as singularidades da Arte, até no Pri-
meiro Mundo.
       As linhas que demarcam as diferen-
ças culturais podem ser estabelecidas pelo
consenso ou pelo conflito, mas, em ambos
os casos, a discussão aberta que voltou a ser     Thereza Carmem Duarte (Recife, PE, 1931),
                                                  Olinda e Recife, 1965 – xilogravura, 115 x 58
praticada no Recife – graças, principalmen-       col. particular
te, a esses dois intelectuais – tem buscado
aclarar as definições de tradição e pós-modernidade, realinhando os limites entre
Arte Popular e Arte Erudita, entre o público e o privado e, principalmente, desa-
fiando as noções de desenvolvimento e progresso.
       Ariano e Jomard vêm operando para a geração atual o que duas outras
escolas pernambucanas operaram para a minha geração. Uma foi a escola de um
homem só, Abelardo Rodrigues, que não apenas como colecionador didata mas,
principalmente, como formador de opinião da juventude, construiu uma visão
sincrética entre barroco e Modernismo, antecipadora da contemporaneidade. A
outra escola informal de Arte e Estética foi o Gráfico Amador, felizmente já estu-



ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                                         243
dado na tese de Guilherme Cunha Lima, defendida na Inglaterra. No Gráfico
Amador, especialmente Aloísio Magalhães, Orlando da Costa Ferreira, Gastão
de Holanda e José Laurênio de Melo foram os introdutores de minha geração às
ambigüidades do Modernismo no que se refere às relações entre Arte e Design.
A aprendizagem assistemática, prazerosa, realizada através da práxis que associa-
va o ver, o fazer e discussões acaloradas que as duas escolas ofereciam, veio a ser
sistematizada em termos de métodos e concepções sobre Ensino da Arte na
Escolinha de Arte do Recife, da qual Noemia Varela, em parte motivada pelo
inconsciente coletivo modernista da época, com alguma dose de influência de
Augusto Rodrigues, a quem, em contrapartida, influenciou mais tarde, e princi-
palmente por sua invulgar cultura educacional e sensibilidade, comandou a mo-
dernização do ensino da Arte no Nordeste com enorme abertura para a pluralidade
de expressão.




                    Antonio Bandeira (Fortaleza, CE, 1922 - Paris, França, 1967)
                    Flora noturana, 1959 – óleo sobre tela 162 x 96 – col MAC-USP




244                                                       ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
O mesmo olhar plural tem presidido as atividades da melhor escola con-
temporânea de artistas do Nordeste, a Oficina Guaianazes, que espero continue
plural agora que foi incorporada à Universidade Federal de Pernambuco. Em
termos de pluralismo, a Oficina Guaianazes corresponde, para o Nordeste, ao
que significou para o Sul dos Estados Unidos o Grupo Tamarind, hoje funcio-
nando também em uma Universidade, a de New Mexico, em Albuquerque.




                     Sérvulo Esmeraldo (Crato, CE, 1929) Quadrados, 1981
                     aço pintado, 139 x 101 x 62 – col. MAC-USP

      Nem nos piores momentos políticos os artistas nordestinos se submete-
ram à ditadura do Sul, que por anos vem valorizando quase que exclusivamente
a genealogia minimalista, abolindo o figurativo das exposições, e condenado ao
pecado qualquer adequação da imagem ao referente, isto nos dias de hoje quan-
do, como diz Graig Owens (1), os artistas já não põem entre aspas o referente,
mas trabalham no sentido de pô-lo em atividade, problematizando-o.
       Mesmo nos tempos heróicos de Luiza Erundina na Prefeitura de São Pau-
lo, que foi tão eficiente e plural no que concerne às políticas de saúde, de educa-
ção, de moradia e de bibliotecas, o Centro Cultural São Paulo, da Secretaria de
Cultura do Município, na área de Artes Plásticas, só exibia o que a crítica moder-
nista greenbergiana – já um pouco atrasada – considerava vanguarda, abolindo
completamente o figurativo.
      É verdade que a produção concreta, neoconcreta, abstrata e conceitual
deu ao Brasil muito do que há de melhor em Artes Plásticas até agora. No Nor-
deste, podemos nos referir ao trabalho de Sérvulo Esmeraldo, Montez Magno,
Paulo Bruscky, José de Barros, e há muitos mais.


ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                               245
Entretanto, a obsessão minimalista com a pura opticalidade que domina
os poderosos exclui outras tendências, tornando-se uma espécie de
conservadorismo da vanguarda, impedindo que outras manifestações floresçam.
       Os críticos guardiões da absoluta autonomia da Arte decretaram pela
intransigência sua submissão a uma única tendência e poucas variáveis próximas,
o que podemos chamar, parodiando Graig Owens, de minimalismo degenerativo.
Aos poucos, tornaram-se incapazes de avaliar o figurativo e suas muitas contesta-
ções do real, fecharam-se mais ainda em grupos e usam de todas as armas, inclu-
sive a violência da exclusão, para defenderem seus direitos de proprietários de
uma corrente estética e de alguns artistas.
                                                       A multiculturalidade do
                                                Nordeste muito beneficiar-se-ia
                                                com a ampliação de espaço críti-
                                                co e de visões alternativas, tão ur-
                                                gente necessárias nas Artes Plás-
                                                ticas no Brasil. Os críticos de Arte
                                                batem nos ombros uns dos ou-
                                                tros, num acordo tácito de silên-
                                                cio ou sinal de convênio elogio.
                                                Os ricos debates que explodem
                                                aqui e ali na área da Literatura não
                                                têm eco nas Artes Plásticas, em-
                                                bora a Teoria da Arte esteja to-
                                                mando a Teoria Literária de em-
                                                préstimo já há bastante tempo. O
                                                último constru- to teórico espe-
                                                cífico das Artes Plásticas foi a
                                                Iconografia de Panofsky. De lá
                                                para cá, descons- trucionismo,
                                                neoestruturalismo, multicul-
                                                turalidade, estética da recepção,
                                                estética antropológica, estética ci-
Paulo Bruscky (Recife, PE, 1949) Estudo I, 1988 bernética etc., assimilados de ou-
heliografia s/ papel, 68 x 50 – col. MAC-USP    tras áreas, têm buscado significa-
                                                ção no domínio visual, forman-
do não um melting pot, como acusam os puristas, mas uma colcha de retalhos
teórica bem recortada e definida, garantindo a pluralidade de valores. A crítica
de Arte e as instituições no Brasil necessitam de uma redefinição cultural para
serem capazes de avaliar as diferenças. O novo Centro de Arte Contemporânea
da Universidade de Pernambuco está dando exemplo de política cultural pluralista
e muito se espera dele no Recife. Também aberto às diferenças tem atuado o
Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade da Paraíba. Têm havido acusa-
ções à ditadura do minimalismo no sentido de haver transformado a Arte em
nosso país numa mera cópia dos padrões europeus e norte-americanos, atestando



246                                               ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
a condição periférica do Brasil (2). Isso, para mim, não tem a menor importância.
Para a contemporaneidade, transformação, apropriação, hibridismo,
tradutibilidade, canibalização são a norma.




                    Montez Magno (Timbaúba, PE, 1934) Sem título, 1973
                    gauche e crayon s/ papelão, 24 x 28 – col. MAC-USP




  Gilvan Samico (Recife, PE, 1928) Primeira homenagem ao cometa, 1985
  xilogravura, 54 x 90 – col. do artista

      O que me incomoda na crítica hegemônica do Rio de Janeiro e de São
Paulo é a ausência de olhar plural. Projetos que poderiam ter se tornado influen-
tes em termos de Brasil terminam limitados pela falta de capacidade analítica
para a diversidade, embora se espalhem geograficamente. É o caso do Centro



ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                              247
Cultural Itaú e do projeto Antarctica-Fo-
                                                 lha. Este último, muito promissor no senti-
                                                 do do reconhecimento do outro, operou po-
                                                 sitivamente em várias áreas do Brasil, mas
                                                 no Nordeste histórico foi tímido. Na sele-
                                                 ção dominou a política de confirmação do
                                                 reconhecimento. Faltou o olhar que vê onde
                                                 os outros ainda não viram. Dos três escolhi-
                                                 dos, Efraim Almeida mora no Rio e expôs
                                                 no MAM-SP, no Paço Imperial e na Galeria
                                                 Camargo Vilaça; José Rufino, que já havia
                                                 sido premiado em São Paulo e participado
                                                 de exposições até no exterior, era conside-
                                                 rado artista do primeiro time da região an-
                                                 tes de ser descoberto pelo Projeto Antarctica-
                                                 Folha, que tanto alardeou sua missão de res-
Rubem Valentim (Salvador, BA, 1922 - São
Paulo, SP , 1991) Emblema IV , 1989 – serigrafia gate dos jovens desconhe-cidos, a ser feita
a cores s/ papel, 100 x 70 – col. MAC-USP        através da mega-exposição organizada em
São Paulo durante a Bienal 96, uma espécie de Aperto nacional.
       Talvez o viés da pré-seleção tenha limitado a ação da curadora, a inteligen-
te e articulada Lisette Lagnado, que produziu uma exposição sobre o new ready
                                                    made em 1993 , premiada
                                                    como a melhor daquele ano.
                                                    Conta-se em Recife, onde ne-
                                                    nhum artista foi escolhido
                                                    (Patrícia Azevedo nasceu em
                                                    Recife, mas vive e trabalha em
                                                    Minas Gerais), a piada de que
                                                    o auxiliar de curadoria, que lá
                                                    foi para fazer a primeira sele-
                                                    ção dos artistas, estava preo-
                                                    cupado em encontrar um
                                                    equivalente a Arthur Bispo do
                                                    Rosário no Nordeste. Este sim
                                                    foi “descoberto” por Frede-
                                                    rico Moraes, um dos poucos
                                                    críticos no Brasil capaz de não
                                                    só descobrir Bispo, mas tam-
                                                    bém de avaliar o figurativo.
                                                                  O que ocorreu com o
                                                           Nordeste, todavia, não conta-
                                                           mina todo o projeto, que teve
 Roberto Lúcio de Oliveira (João Pessoa, PB, 1941)         muitos pontos positivos. Um
 Tapumo XIV, 1992 – acrílico s/ tela, 150 x 120            deles foi mostrar ao poder cen-
 col. do artista




248                                                      ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
tral as condições mais que precárias nas quais trabalham os jovens artistas do
outro Brasil.
      Um dos curadores escreveu um artigo na Folha de S. Paulo contando o
caso de um candidato à exposição Antarctica-Folha a quem pediu para ver al-
guns outros trabalhos; o artista respondeu pedindo tempo, pois os outros traba-
lhos estavam em casa de uma tia e ele não tinha dinheiro para pagar o ônibus a
fim de ir pegá-los. Este curador foi capaz de ver, reconhecer e registrar as dife-
renças de contexto, a até de se comover com elas (4).
       Curadores começam a deixar de ser anjos de pureza (5) e a desenvolver uma
linguagem que fala com em lu-
gar de uma linguagem que fala
para. A pós-modernidade da
curadoria reside na comunica-
ção autêntica e plural e não mais
no discurso unilateral, unívoco
e individual do colonialismo
interno. Não quero dar a im-
pressão errada de que sou
regionalista ou localista, recla-
mando dos internacionalistas.
Seria uma mistificação, inclusi-
ve por estar escrevendo este ar-
tigo enquanto ensino numa uni-
versidade norte-americana, que
se pretende internacional (6).
      Entretanto, para ser in-
ternacional é necessário não
apenas estar amplamente infor-
mado pela Internet mas, prin-      João Câmara (João Pessoa, PB, 1944)
cipalmente, ter flexibilidade      O espelho da memória, 1992
                                   óleo s/ tela, 160 x 140 – col. do artista
para perceber o outro embebi-
do em seus próprios valores e não previsualizado ou prejulgado por um único
código, muito menos pelo código hegemônico do poder.
      A pluralidade entre os jovens artistas do Recife, que conheço melhor que
outras cidades do Nordeste, vem sendo nutrida pela pluralidade de seus mestres:
João Câmara, Francisco Brennand, José Cláudio, Montez Magno, Paulo Bruscky,
Gilvan Samico, Reynaldo Fonseca, Abelardo da Hora.
       As relações entre o figurativo e o real, por exemplo, são pouco amadurecidas
na atualidade no eixo Rio-São Paulo em virtude da ditadura da neovanguarda
(7). No Nordeste, metamorfoseiam-se e diferenciam-se de artista para artista. O
figurativo como representação no Nordeste distancia-se das preocupações da
crítica modernista, que se ateve a considerações acerca do realismo visual, para



ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                               249
traduzir as inquietações da crítica contemporânea com as múltiplas manifesta-
ções do realismo perceptual. Trata-se de um figurativismo que desacredita o real
com a mesma força que o abstracionismo, embora menos literalmente.
       Comecemos por Reynaldo Fonseca que, como Balthus, é um cético do
realismo, pois reduz a figura a um esquema visual sempre presente em sua obra
e ressalta a narrativa. Ele ficcionaliza a representação, enquanto João Câmara
ficcionaliza a objetividade do real. Câmara trabalha o reverso cultural da ima-
gem, o ato de pintar permanecendo como mediador entre o observador e o
assunto. Sua pintura protege o tema contra o olhar objetivo. É em virtude da
diversidade, associada à alta qualidade da construção simbólica dos mestres, que
se pode ter hoje no Recife jovens artistas que, afirmando sua linguagem pessoal,
permanecem fora do circuito da franchise crítica que decide as artes no país.




                 Gil Vicente (Recife, PE, 1958) Homem com as mãos azuis, 1996
                 óleo s/ tela, 130 x 80 – col. do artista


     Gil Vicente é um exemplo. Seu ponto alto é o metaretrato da Arte em
Pernambuco através da representação dos artistas, seus amigos e influenciadores,


250                                                     ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
representação esta que revela no tratamento da superfície pictórica índices que
decodificam a Arte dos representados. Por outro lado, as figuras em sua pintura
significam principalmente através do espaço vazio entre elas, ou que as cerca,
uma sofisticação de linguagem muito atual.
      Já a obra de Sebastião Pedrosa, que ele próprio teima em esconder, é radi-
calmente diferente. Suas discretas caixas-esculturas, trazendo à memória o culto
japonês do invólucro e mitologias nordestinas ocultas, operam um hibridismo
cultural sedutor.
      Outra diferença entusiasmante é Romero Andrade Lima, conhecido em
São Paulo principalmente pela cenografia e animação cultural. Contudo, de maior
importância e densidade é sua escultura, resultante sincrética da introjeção da
linguagem construtiva contemporânea e da saga cultural do Nordeste. Isso o
torna herdeiro do valioso sincretismo de Rubem Valentim e Gilvan Samico. Por
sincretismo, quero significar uma tal relação simbiótica de duas culturas que
torna o objeto reconhecível como seu por ambas as culturas que o permeiam (8).




              Virginia Colares (Recife, PE, 1952) No frigir dos ovos, 1996
              acrílico s/ tela, 100 x 100 – col. do artista


      O vídeo deconstrucionista da obra de Rubem Valentim, feito por Sílvio
Zamboni, nos mostra o artista assimilando o geometrismo construtivo da arqui-
tetura de Brasília, entrecruzando-o com os desenhos-símbolos do candomblé. O



ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                              251
mestre do sincretismo pernambucano é, sem dúvida, Gilvan Samico, associando
a dicção das imagens populares da literatura de cordel ao espaço clean do Mo-
dernismo. Sincretismo da mesma natureza preside a obra de Romero, introjetando
a linguagem bauhausiana de um Oskar Schlemmer com o armorialismo de Aria-
no Suassuna, mas construindo objetos de definida inventiva pessoal.
      Para sublinhar ainda mais as diferenças, quero ressaltar o vigoroso traba-
lho de Paulo Meira, inscrito na reconstrução pós-moderna da serialidade. Tam-
bém a respeito de diversidade, é preciso lembrar os trabalhos de Luciano Pinhei-
ro, José Patrício, Adão Pinheiro, Crisaldo Moraes, Ismael Caldas, Roberto Lúcio
(Pernambuco) e Miguel dos Santos (Paraíba).
      Reflexão destacada merece a Arte das mulheres. No meu tempo, havia
muitas artistas mulheres no Recife. O cânone histórico, implacável com o femi-
nino, passou uma borracha na maioria. Guita Charifker e Maria Carmem conti-
nuam sendo reconhecidas e merecidamente comemoradas. Reclamo também
para Thereza Carmem Diniz alto reconhecimento pela maestria e sutileza de sua
gravura e destaco em sua obra a magnífica construção imagética das relações
espaciais e arquitetônicas entre o Recife e Olinda, hierarquizadas e sensualmente
representadas numa xilogravura que articula a influência da verticalização da
gravura oriental e as linhas definidas, de corte profundo, da gravura popular
nordestina (Olinda e Recife, 1965).
       O movimento feminista nas Artes obrigou a revisão dos cânones de valor
da Arte contemporânea e dos historiadores de Arte. Gombrich, por exemplo,
não cita nem menciona qualquer artista mulher em sua famosa História da Arte,
largamente usada nas Escolas de Arte de todo o mundo ocidental, nas quais
estudam, principalmente, mulheres. Fato inadmissível pela Nova História da Arte.
Entretanto, no Brasil, muitas artistas mulheres ainda temem o adjetivo feminino,
porque, como lembra Lucy Lippard (1995), “este assunto, esta admissão de cons-
ciência sexual tem tradicionalmente sido tomada como sinônimo de inferiorida-
de” (9). É por isso que, no eixo Rio-São Paulo, as mulheres artistas bem sucedi-
das se recusam a participar de exposições adjetivadas pelo feminino, embora acei-
tem participar de exposições de mulheres nos Estados Unidos, algumas vezes em
museus dedicados só à Arte das mulheres.
      No Nordeste, ao contrário, as mulheres estão se organizando para expor e
até mesmo enfrentando o resgate de temas menosprezados por serem considera-
dos femininos ou domésticos. Esta é mais uma vantagem flexibilizadora para o
Nordeste, resultante de ter sido relegado por muitos anos à heterogeneidade das
margens. A audiência feminina tem aumentado no Nordeste, o que tem ajudado
a conquistar para o trabalho das mulheres a mesma consideração outorgada aos
trabalhos dos homens.
      Galerias dirigidas por mulheres têm procurado tornar visível a Arte das
mulheres, organizando exposições e debates como o que presenciei na Galeria
Artespaço, de Boa Viagem, em agosto de 1996.



252                                             ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
O trabalho extremamente sério e inovador de artistas mulheres está sendo
reconhecido, como é o caso de Viga Gordilho e Norma Couto (Bahia), Alice
Vinagre (Paraíba), Oriana Duarte, Bete Gouveia, Cristina Machado, Angela
Poluzi, Virginia Colares, Clementina Duarte e Cristina Ribeiro (Pernambuco),
Regina Guedes (Rio Grande do Norte), Dodora (Ceará). As mulheres no Nor-
deste estão impondo sua condição ao mundo das Artes, e não apenas criando
nos termos estabelecidos pelos homens e pelo Primeiro Mundo das Artes no
Brasil.
      Estranho que no Nordeste a fotografia tem sido pouco explorada. Trata-
se de um meio cuja gramática visual se coaduna com o realismo codificado, a
imanência fenomenológica e o estranhamento psicológico que vem designando
a Arte contemporânea. A última Bienal do Whitney Museum de New York foi
dominada pela fotografia, e é nela que se realiza um dos maiores artistas brasilei-
ros atuais: Sebastião Salgado. Ressalto no Nordeste a obra fotográfica de Mario
Cravo Neto e a fotografia pictórica de Ana Mariani, embora tenha procurado
neste artigo evitar falar dos nordestinos de São Paulo ou do Rio de Janeiro,
mesmo daqueles resistentes à assimilação pelo código hegemônico.
       Quis homenagear a resistência em permanecer geográfica e institucional-
mente na periferia do poder e, principalmente, a flexibilidade dos intelectuais e
artistas que vivem no Nordeste em coexistir com diferentes códigos culturais e
estéticos e serem capazes de avaliar e julgar cada um dos códigos, respeitando os
valores enunciados no próprio código e no seu contexto.
       A Arte hoje, cuja autonomia vem sendo relativizada pelos estudos cultu-
rais, demitiu a onipotência dos modelos modernistas europeu e norte-americano
branco e clama por diversidade, por uma política da diferença. Respeito à dife-
rença é instrumento de consciência estética no Nordeste.



Notas

1 Graig Owens. Beyond recognition: representation, power and culture, Berkeley University
  of California Press, 1992. Editado por Scott Bryson, Barbara Kruger, Lynne Tillman
  and Jane Weinstock, depois da prematura morte do autor.

2 A expressão foi tirada do título do artigo de Marcelo Coelho sobre a Bienal Brasileira:
  Bienal atesta condição periférica do Brasil: toda a arte brasileira parece imitação de
  linguagens estrangeiras, o que não diminuiu a qualidade do que se faz aqui. Folha de
  S. Paulo, 13 maio 1994, caderno 5, p.8.

3 Histórico Nordeste compreende Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
  Alagoas e Sergipe. Bahia e Maranhão tornaram-se Nordeste por determinação da
  Sudene.

4 Omito o nome do curador porque não tenho condições de consultar o artigo e não
  quero comprometê-lo caso a minha informação não esteja bem precisa.



ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                                     253
5 Apropriação de termos usados por Vicent Kaufman em Angels of purity, revista October,
  n.79, p. 50, Winter 1997.

6 Contudo, sobre Arte no Brasil só encontrei na biblioteca velhos catálogos, o Dicioná-
  rio de Artes Plásticas de Roberto Pontual e poucas referências nos muitos livros sobre
  Arte latino-americana que têm sido publicados nos Estados Unidos nos últimos dez
  anos.

7 Sobre neovanguarda, ver a revista Art Criticism, v.11, n.1, 1996, p.90-110, que traz o
  resumo de um seminário organizado em outubro de 1995 pela Universidade de
  Cambridge para discutir o livro The cult of the avant-garde artist, de Donald Kuspit. A
  tônica da discussão foi a diferença entre a vanguarda modernista, movida pelo break
  with tradition ou search for the new, comemorados por Clement Greenberg e Harold
  Rosenberg, e o artista da neovanguarda, ironicamente conformista, usando Arte não
  só para se tornar parte do stablishment mas como um fetiche vazio, uma commodity
  negociável. Conclusão dos debates: para o artista da neovanguarda, Arte é uma carrei-
  ra cínica em lugar de desesperada e incerta, como a dos modernistas.

 8 Moshe Barasch (1996), Visual syncretism: a case study, em S. Budick e W. Iser, The
  translatability of cultures, Stanford, Stanford University Press, 1996.

 9 Lucy Lippard, The pink glass swan, New York, The New Press, 1995, p.58.




Ana Mae Barbosa é coordenadora do Núcleo de Cultura e Extensão em Promoção da
Arte na Educação – ECA-USP, presidente da ANPAP, professora visitante da Ohio State
University/USA

A autora agradece a Claudia Toni e Rejane Coutinho pelo trabalho de checar algumas
informações contidas neste artigo e de selecionar as obras reproduzidas. “Sem a ajuda
das duas, privada das fontes de referência, e contando apenas com a minha memória,
seria impossível escrever este artigo”.



254                                                  ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
Cícero Dias (Recife, PE, 1928) Cortejo, 1930 – nanquim e aquarela s/ papel, 47 x 30 – col. IEB-USP




ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997                                                                          255

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Arte Nordestina

  • 1. Artes plásticas no Nordeste ANA MAE BARBOSA CONDIÇÃO POLÍTICA do Nordeste, considerado zona ultra-perigosa pelos A militares durante a última ditadura, provocou uma diáspora cultural es- palhando jovens artistas e intelectuais por entre os pólos dominantes do Rio de Janeiro e de São Paulo, centros historicamente mais preparados para receber literatos do que artistas plásticos. Desde o Modernismo podemos detec- tar maior abertura de paulistas e cariocas para com os poetas, novelistas e críticos literários que chegavam do Nordeste do que para com os artistas. Cícero Dias e Antonio Bandeira, embora tenham sido agraciados com al- guns elogios da crítica hegemônica do Sul, nunca tiveram nas Artes Plásticas um reconhecimento na mesma altura que tiveram José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Álvaro Lins, Jorge de Lima, Raquel de Queiroz, na Literatura. Poucos aplausos e muito vácuo fizeram com que tanto Cícero Dias quanto Antonio Bandeira imigrassem para a Europa, onde obtiveram sucesso mais contínuo e consistente. Mesmo assim foi preciso muita tenacidade de uma nordestina, Vera Novis, para publicar, no ano passado, seu belíssimo livro sobre Antonio Bandeira. Foram quase sete anos de batalha, que começaram quando trabalhamos juntas no MAC-USP. Todos a quem recorríamos reconheciam a qua- lidade antecipadora da pintura de Bandeira; os colecionadores disputam seus quadros, mas seu nome não faz parte do campo de ação publicitária dos críticos que ditam a moda. A obra de artistas como Carlos Oswald, Aloísio Magalhães ou Lula Cardo- so Ayres vai ter que esperar por outros teimosos críticos, fora do circuito domi- nante, como Vera, ou virar tese de algum estudante de pós-graduação para terem os livros e/ou as retrospectivas que merecem. Espero que não demore tanto tempo como no caso de Vicente do Rego Monteiro, o mais original dos moder- nistas brasileiros. Tendo-se em vista que originalidade era um dos valores máxi- mos do Modernismo, demorou muito para que sua obra atingisse um patamar além do mero reconhecimento. Isto só se deu na década de 70 porque o poder nas Artes Plásticas naquela época estava nas mãos de um homem sem preconcei- tos, um historiador de olhar plural, Walter Zanini, que organizou uma inesque- cível retrospectiva de Rego Monteiro no MAC-USP. Acredito, entretanto, que certa dose de exclusão e distância dos artistas do Nordeste com relação ao centro de poder das Artes Plásticas os torna hoje os mais bem preparados artistas para dialogarem com as correntes contemporâneas da multiculturalidade. Afastados do centro por discriminação política durante a ditadura militar e, depois, pelas ditaduras do mercado e da crítica que teimam em só promover o abstrato, o matérico, o minimal, a arte clean correspondente ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 241
  • 2. ao código europeu ou norte-americano branco, os artistas do Nordeste continu- aram a desenvolver sua própria cultura visual, rejeitando ou assimilando as cor- rentes internacionais com autonomia pessoal e não por indução, construindo uma trama de diversidade visual incomum, com qualidade, apontando para um pós-colonialismo muito mais definido que nas regiões dominadoras do país. Francisco Brennand (Recife, PE 1927) São Sebastião, 1974 cerâmica vitrificada, 125 x 113 – col. do artista Vicente do Rego Monteiro (Recife, PE, 1899-1970) Deposição, c.1966 óleo sobre tela, 109 x 134 – col. MAC-USP 242 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 3. No caso de Pernambuco, a ação de duas brilhantes cabeças pensantes – por sor- te, divergentes entre si –, Ariano Suassuna e Jomard Muniz de Britto, foi muito bené- fica. De um lado, temos Ariano Suassuna, dramaturgo famoso no Sul e no exterior que, como professor de Estética de várias gerações de estudantes da Universidade Federal de Pernambuco, defendia uma abordagem cultural voltada para a visua- lidade do meio circundante, para a mitolo- gia da terra e para uma narrativa imaginante, que veio a constituir o que ele denominou Movimento Armorial. Do outro lado, Jomard Muniz de Britto, também com enorme influência na formação da mentali- dade da juventude da Paraíba, de Pernam- buco e do Rio Grande do Norte, encarre- gou-se da divulgação crítica das teorias da pós-modernidade. Como artista, seus vídeos e suas performances têm chamado a atenção dos estudantes para a existência de uma linguagem internacional, enquanto Ariano os desperta para verem ao seu re- dor. É neste jogo dialógico, no espaço intercultural dessas duas posições, no trân- sito entre elas que hoje estão sendo defini- das as singularidades da Arte, até no Pri- meiro Mundo. As linhas que demarcam as diferen- ças culturais podem ser estabelecidas pelo consenso ou pelo conflito, mas, em ambos os casos, a discussão aberta que voltou a ser Thereza Carmem Duarte (Recife, PE, 1931), Olinda e Recife, 1965 – xilogravura, 115 x 58 praticada no Recife – graças, principalmen- col. particular te, a esses dois intelectuais – tem buscado aclarar as definições de tradição e pós-modernidade, realinhando os limites entre Arte Popular e Arte Erudita, entre o público e o privado e, principalmente, desa- fiando as noções de desenvolvimento e progresso. Ariano e Jomard vêm operando para a geração atual o que duas outras escolas pernambucanas operaram para a minha geração. Uma foi a escola de um homem só, Abelardo Rodrigues, que não apenas como colecionador didata mas, principalmente, como formador de opinião da juventude, construiu uma visão sincrética entre barroco e Modernismo, antecipadora da contemporaneidade. A outra escola informal de Arte e Estética foi o Gráfico Amador, felizmente já estu- ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 243
  • 4. dado na tese de Guilherme Cunha Lima, defendida na Inglaterra. No Gráfico Amador, especialmente Aloísio Magalhães, Orlando da Costa Ferreira, Gastão de Holanda e José Laurênio de Melo foram os introdutores de minha geração às ambigüidades do Modernismo no que se refere às relações entre Arte e Design. A aprendizagem assistemática, prazerosa, realizada através da práxis que associa- va o ver, o fazer e discussões acaloradas que as duas escolas ofereciam, veio a ser sistematizada em termos de métodos e concepções sobre Ensino da Arte na Escolinha de Arte do Recife, da qual Noemia Varela, em parte motivada pelo inconsciente coletivo modernista da época, com alguma dose de influência de Augusto Rodrigues, a quem, em contrapartida, influenciou mais tarde, e princi- palmente por sua invulgar cultura educacional e sensibilidade, comandou a mo- dernização do ensino da Arte no Nordeste com enorme abertura para a pluralidade de expressão. Antonio Bandeira (Fortaleza, CE, 1922 - Paris, França, 1967) Flora noturana, 1959 – óleo sobre tela 162 x 96 – col MAC-USP 244 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 5. O mesmo olhar plural tem presidido as atividades da melhor escola con- temporânea de artistas do Nordeste, a Oficina Guaianazes, que espero continue plural agora que foi incorporada à Universidade Federal de Pernambuco. Em termos de pluralismo, a Oficina Guaianazes corresponde, para o Nordeste, ao que significou para o Sul dos Estados Unidos o Grupo Tamarind, hoje funcio- nando também em uma Universidade, a de New Mexico, em Albuquerque. Sérvulo Esmeraldo (Crato, CE, 1929) Quadrados, 1981 aço pintado, 139 x 101 x 62 – col. MAC-USP Nem nos piores momentos políticos os artistas nordestinos se submete- ram à ditadura do Sul, que por anos vem valorizando quase que exclusivamente a genealogia minimalista, abolindo o figurativo das exposições, e condenado ao pecado qualquer adequação da imagem ao referente, isto nos dias de hoje quan- do, como diz Graig Owens (1), os artistas já não põem entre aspas o referente, mas trabalham no sentido de pô-lo em atividade, problematizando-o. Mesmo nos tempos heróicos de Luiza Erundina na Prefeitura de São Pau- lo, que foi tão eficiente e plural no que concerne às políticas de saúde, de educa- ção, de moradia e de bibliotecas, o Centro Cultural São Paulo, da Secretaria de Cultura do Município, na área de Artes Plásticas, só exibia o que a crítica moder- nista greenbergiana – já um pouco atrasada – considerava vanguarda, abolindo completamente o figurativo. É verdade que a produção concreta, neoconcreta, abstrata e conceitual deu ao Brasil muito do que há de melhor em Artes Plásticas até agora. No Nor- deste, podemos nos referir ao trabalho de Sérvulo Esmeraldo, Montez Magno, Paulo Bruscky, José de Barros, e há muitos mais. ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 245
  • 6. Entretanto, a obsessão minimalista com a pura opticalidade que domina os poderosos exclui outras tendências, tornando-se uma espécie de conservadorismo da vanguarda, impedindo que outras manifestações floresçam. Os críticos guardiões da absoluta autonomia da Arte decretaram pela intransigência sua submissão a uma única tendência e poucas variáveis próximas, o que podemos chamar, parodiando Graig Owens, de minimalismo degenerativo. Aos poucos, tornaram-se incapazes de avaliar o figurativo e suas muitas contesta- ções do real, fecharam-se mais ainda em grupos e usam de todas as armas, inclu- sive a violência da exclusão, para defenderem seus direitos de proprietários de uma corrente estética e de alguns artistas. A multiculturalidade do Nordeste muito beneficiar-se-ia com a ampliação de espaço críti- co e de visões alternativas, tão ur- gente necessárias nas Artes Plás- ticas no Brasil. Os críticos de Arte batem nos ombros uns dos ou- tros, num acordo tácito de silên- cio ou sinal de convênio elogio. Os ricos debates que explodem aqui e ali na área da Literatura não têm eco nas Artes Plásticas, em- bora a Teoria da Arte esteja to- mando a Teoria Literária de em- préstimo já há bastante tempo. O último constru- to teórico espe- cífico das Artes Plásticas foi a Iconografia de Panofsky. De lá para cá, descons- trucionismo, neoestruturalismo, multicul- turalidade, estética da recepção, estética antropológica, estética ci- Paulo Bruscky (Recife, PE, 1949) Estudo I, 1988 bernética etc., assimilados de ou- heliografia s/ papel, 68 x 50 – col. MAC-USP tras áreas, têm buscado significa- ção no domínio visual, forman- do não um melting pot, como acusam os puristas, mas uma colcha de retalhos teórica bem recortada e definida, garantindo a pluralidade de valores. A crítica de Arte e as instituições no Brasil necessitam de uma redefinição cultural para serem capazes de avaliar as diferenças. O novo Centro de Arte Contemporânea da Universidade de Pernambuco está dando exemplo de política cultural pluralista e muito se espera dele no Recife. Também aberto às diferenças tem atuado o Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade da Paraíba. Têm havido acusa- ções à ditadura do minimalismo no sentido de haver transformado a Arte em nosso país numa mera cópia dos padrões europeus e norte-americanos, atestando 246 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 7. a condição periférica do Brasil (2). Isso, para mim, não tem a menor importância. Para a contemporaneidade, transformação, apropriação, hibridismo, tradutibilidade, canibalização são a norma. Montez Magno (Timbaúba, PE, 1934) Sem título, 1973 gauche e crayon s/ papelão, 24 x 28 – col. MAC-USP Gilvan Samico (Recife, PE, 1928) Primeira homenagem ao cometa, 1985 xilogravura, 54 x 90 – col. do artista O que me incomoda na crítica hegemônica do Rio de Janeiro e de São Paulo é a ausência de olhar plural. Projetos que poderiam ter se tornado influen- tes em termos de Brasil terminam limitados pela falta de capacidade analítica para a diversidade, embora se espalhem geograficamente. É o caso do Centro ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 247
  • 8. Cultural Itaú e do projeto Antarctica-Fo- lha. Este último, muito promissor no senti- do do reconhecimento do outro, operou po- sitivamente em várias áreas do Brasil, mas no Nordeste histórico foi tímido. Na sele- ção dominou a política de confirmação do reconhecimento. Faltou o olhar que vê onde os outros ainda não viram. Dos três escolhi- dos, Efraim Almeida mora no Rio e expôs no MAM-SP, no Paço Imperial e na Galeria Camargo Vilaça; José Rufino, que já havia sido premiado em São Paulo e participado de exposições até no exterior, era conside- rado artista do primeiro time da região an- tes de ser descoberto pelo Projeto Antarctica- Folha, que tanto alardeou sua missão de res- Rubem Valentim (Salvador, BA, 1922 - São Paulo, SP , 1991) Emblema IV , 1989 – serigrafia gate dos jovens desconhe-cidos, a ser feita a cores s/ papel, 100 x 70 – col. MAC-USP através da mega-exposição organizada em São Paulo durante a Bienal 96, uma espécie de Aperto nacional. Talvez o viés da pré-seleção tenha limitado a ação da curadora, a inteligen- te e articulada Lisette Lagnado, que produziu uma exposição sobre o new ready made em 1993 , premiada como a melhor daquele ano. Conta-se em Recife, onde ne- nhum artista foi escolhido (Patrícia Azevedo nasceu em Recife, mas vive e trabalha em Minas Gerais), a piada de que o auxiliar de curadoria, que lá foi para fazer a primeira sele- ção dos artistas, estava preo- cupado em encontrar um equivalente a Arthur Bispo do Rosário no Nordeste. Este sim foi “descoberto” por Frede- rico Moraes, um dos poucos críticos no Brasil capaz de não só descobrir Bispo, mas tam- bém de avaliar o figurativo. O que ocorreu com o Nordeste, todavia, não conta- mina todo o projeto, que teve Roberto Lúcio de Oliveira (João Pessoa, PB, 1941) muitos pontos positivos. Um Tapumo XIV, 1992 – acrílico s/ tela, 150 x 120 deles foi mostrar ao poder cen- col. do artista 248 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 9. tral as condições mais que precárias nas quais trabalham os jovens artistas do outro Brasil. Um dos curadores escreveu um artigo na Folha de S. Paulo contando o caso de um candidato à exposição Antarctica-Folha a quem pediu para ver al- guns outros trabalhos; o artista respondeu pedindo tempo, pois os outros traba- lhos estavam em casa de uma tia e ele não tinha dinheiro para pagar o ônibus a fim de ir pegá-los. Este curador foi capaz de ver, reconhecer e registrar as dife- renças de contexto, a até de se comover com elas (4). Curadores começam a deixar de ser anjos de pureza (5) e a desenvolver uma linguagem que fala com em lu- gar de uma linguagem que fala para. A pós-modernidade da curadoria reside na comunica- ção autêntica e plural e não mais no discurso unilateral, unívoco e individual do colonialismo interno. Não quero dar a im- pressão errada de que sou regionalista ou localista, recla- mando dos internacionalistas. Seria uma mistificação, inclusi- ve por estar escrevendo este ar- tigo enquanto ensino numa uni- versidade norte-americana, que se pretende internacional (6). Entretanto, para ser in- ternacional é necessário não apenas estar amplamente infor- mado pela Internet mas, prin- João Câmara (João Pessoa, PB, 1944) cipalmente, ter flexibilidade O espelho da memória, 1992 óleo s/ tela, 160 x 140 – col. do artista para perceber o outro embebi- do em seus próprios valores e não previsualizado ou prejulgado por um único código, muito menos pelo código hegemônico do poder. A pluralidade entre os jovens artistas do Recife, que conheço melhor que outras cidades do Nordeste, vem sendo nutrida pela pluralidade de seus mestres: João Câmara, Francisco Brennand, José Cláudio, Montez Magno, Paulo Bruscky, Gilvan Samico, Reynaldo Fonseca, Abelardo da Hora. As relações entre o figurativo e o real, por exemplo, são pouco amadurecidas na atualidade no eixo Rio-São Paulo em virtude da ditadura da neovanguarda (7). No Nordeste, metamorfoseiam-se e diferenciam-se de artista para artista. O figurativo como representação no Nordeste distancia-se das preocupações da crítica modernista, que se ateve a considerações acerca do realismo visual, para ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 249
  • 10. traduzir as inquietações da crítica contemporânea com as múltiplas manifesta- ções do realismo perceptual. Trata-se de um figurativismo que desacredita o real com a mesma força que o abstracionismo, embora menos literalmente. Comecemos por Reynaldo Fonseca que, como Balthus, é um cético do realismo, pois reduz a figura a um esquema visual sempre presente em sua obra e ressalta a narrativa. Ele ficcionaliza a representação, enquanto João Câmara ficcionaliza a objetividade do real. Câmara trabalha o reverso cultural da ima- gem, o ato de pintar permanecendo como mediador entre o observador e o assunto. Sua pintura protege o tema contra o olhar objetivo. É em virtude da diversidade, associada à alta qualidade da construção simbólica dos mestres, que se pode ter hoje no Recife jovens artistas que, afirmando sua linguagem pessoal, permanecem fora do circuito da franchise crítica que decide as artes no país. Gil Vicente (Recife, PE, 1958) Homem com as mãos azuis, 1996 óleo s/ tela, 130 x 80 – col. do artista Gil Vicente é um exemplo. Seu ponto alto é o metaretrato da Arte em Pernambuco através da representação dos artistas, seus amigos e influenciadores, 250 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 11. representação esta que revela no tratamento da superfície pictórica índices que decodificam a Arte dos representados. Por outro lado, as figuras em sua pintura significam principalmente através do espaço vazio entre elas, ou que as cerca, uma sofisticação de linguagem muito atual. Já a obra de Sebastião Pedrosa, que ele próprio teima em esconder, é radi- calmente diferente. Suas discretas caixas-esculturas, trazendo à memória o culto japonês do invólucro e mitologias nordestinas ocultas, operam um hibridismo cultural sedutor. Outra diferença entusiasmante é Romero Andrade Lima, conhecido em São Paulo principalmente pela cenografia e animação cultural. Contudo, de maior importância e densidade é sua escultura, resultante sincrética da introjeção da linguagem construtiva contemporânea e da saga cultural do Nordeste. Isso o torna herdeiro do valioso sincretismo de Rubem Valentim e Gilvan Samico. Por sincretismo, quero significar uma tal relação simbiótica de duas culturas que torna o objeto reconhecível como seu por ambas as culturas que o permeiam (8). Virginia Colares (Recife, PE, 1952) No frigir dos ovos, 1996 acrílico s/ tela, 100 x 100 – col. do artista O vídeo deconstrucionista da obra de Rubem Valentim, feito por Sílvio Zamboni, nos mostra o artista assimilando o geometrismo construtivo da arqui- tetura de Brasília, entrecruzando-o com os desenhos-símbolos do candomblé. O ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 251
  • 12. mestre do sincretismo pernambucano é, sem dúvida, Gilvan Samico, associando a dicção das imagens populares da literatura de cordel ao espaço clean do Mo- dernismo. Sincretismo da mesma natureza preside a obra de Romero, introjetando a linguagem bauhausiana de um Oskar Schlemmer com o armorialismo de Aria- no Suassuna, mas construindo objetos de definida inventiva pessoal. Para sublinhar ainda mais as diferenças, quero ressaltar o vigoroso traba- lho de Paulo Meira, inscrito na reconstrução pós-moderna da serialidade. Tam- bém a respeito de diversidade, é preciso lembrar os trabalhos de Luciano Pinhei- ro, José Patrício, Adão Pinheiro, Crisaldo Moraes, Ismael Caldas, Roberto Lúcio (Pernambuco) e Miguel dos Santos (Paraíba). Reflexão destacada merece a Arte das mulheres. No meu tempo, havia muitas artistas mulheres no Recife. O cânone histórico, implacável com o femi- nino, passou uma borracha na maioria. Guita Charifker e Maria Carmem conti- nuam sendo reconhecidas e merecidamente comemoradas. Reclamo também para Thereza Carmem Diniz alto reconhecimento pela maestria e sutileza de sua gravura e destaco em sua obra a magnífica construção imagética das relações espaciais e arquitetônicas entre o Recife e Olinda, hierarquizadas e sensualmente representadas numa xilogravura que articula a influência da verticalização da gravura oriental e as linhas definidas, de corte profundo, da gravura popular nordestina (Olinda e Recife, 1965). O movimento feminista nas Artes obrigou a revisão dos cânones de valor da Arte contemporânea e dos historiadores de Arte. Gombrich, por exemplo, não cita nem menciona qualquer artista mulher em sua famosa História da Arte, largamente usada nas Escolas de Arte de todo o mundo ocidental, nas quais estudam, principalmente, mulheres. Fato inadmissível pela Nova História da Arte. Entretanto, no Brasil, muitas artistas mulheres ainda temem o adjetivo feminino, porque, como lembra Lucy Lippard (1995), “este assunto, esta admissão de cons- ciência sexual tem tradicionalmente sido tomada como sinônimo de inferiorida- de” (9). É por isso que, no eixo Rio-São Paulo, as mulheres artistas bem sucedi- das se recusam a participar de exposições adjetivadas pelo feminino, embora acei- tem participar de exposições de mulheres nos Estados Unidos, algumas vezes em museus dedicados só à Arte das mulheres. No Nordeste, ao contrário, as mulheres estão se organizando para expor e até mesmo enfrentando o resgate de temas menosprezados por serem considera- dos femininos ou domésticos. Esta é mais uma vantagem flexibilizadora para o Nordeste, resultante de ter sido relegado por muitos anos à heterogeneidade das margens. A audiência feminina tem aumentado no Nordeste, o que tem ajudado a conquistar para o trabalho das mulheres a mesma consideração outorgada aos trabalhos dos homens. Galerias dirigidas por mulheres têm procurado tornar visível a Arte das mulheres, organizando exposições e debates como o que presenciei na Galeria Artespaço, de Boa Viagem, em agosto de 1996. 252 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 13. O trabalho extremamente sério e inovador de artistas mulheres está sendo reconhecido, como é o caso de Viga Gordilho e Norma Couto (Bahia), Alice Vinagre (Paraíba), Oriana Duarte, Bete Gouveia, Cristina Machado, Angela Poluzi, Virginia Colares, Clementina Duarte e Cristina Ribeiro (Pernambuco), Regina Guedes (Rio Grande do Norte), Dodora (Ceará). As mulheres no Nor- deste estão impondo sua condição ao mundo das Artes, e não apenas criando nos termos estabelecidos pelos homens e pelo Primeiro Mundo das Artes no Brasil. Estranho que no Nordeste a fotografia tem sido pouco explorada. Trata- se de um meio cuja gramática visual se coaduna com o realismo codificado, a imanência fenomenológica e o estranhamento psicológico que vem designando a Arte contemporânea. A última Bienal do Whitney Museum de New York foi dominada pela fotografia, e é nela que se realiza um dos maiores artistas brasilei- ros atuais: Sebastião Salgado. Ressalto no Nordeste a obra fotográfica de Mario Cravo Neto e a fotografia pictórica de Ana Mariani, embora tenha procurado neste artigo evitar falar dos nordestinos de São Paulo ou do Rio de Janeiro, mesmo daqueles resistentes à assimilação pelo código hegemônico. Quis homenagear a resistência em permanecer geográfica e institucional- mente na periferia do poder e, principalmente, a flexibilidade dos intelectuais e artistas que vivem no Nordeste em coexistir com diferentes códigos culturais e estéticos e serem capazes de avaliar e julgar cada um dos códigos, respeitando os valores enunciados no próprio código e no seu contexto. A Arte hoje, cuja autonomia vem sendo relativizada pelos estudos cultu- rais, demitiu a onipotência dos modelos modernistas europeu e norte-americano branco e clama por diversidade, por uma política da diferença. Respeito à dife- rença é instrumento de consciência estética no Nordeste. Notas 1 Graig Owens. Beyond recognition: representation, power and culture, Berkeley University of California Press, 1992. Editado por Scott Bryson, Barbara Kruger, Lynne Tillman and Jane Weinstock, depois da prematura morte do autor. 2 A expressão foi tirada do título do artigo de Marcelo Coelho sobre a Bienal Brasileira: Bienal atesta condição periférica do Brasil: toda a arte brasileira parece imitação de linguagens estrangeiras, o que não diminuiu a qualidade do que se faz aqui. Folha de S. Paulo, 13 maio 1994, caderno 5, p.8. 3 Histórico Nordeste compreende Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Bahia e Maranhão tornaram-se Nordeste por determinação da Sudene. 4 Omito o nome do curador porque não tenho condições de consultar o artigo e não quero comprometê-lo caso a minha informação não esteja bem precisa. ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 253
  • 14. 5 Apropriação de termos usados por Vicent Kaufman em Angels of purity, revista October, n.79, p. 50, Winter 1997. 6 Contudo, sobre Arte no Brasil só encontrei na biblioteca velhos catálogos, o Dicioná- rio de Artes Plásticas de Roberto Pontual e poucas referências nos muitos livros sobre Arte latino-americana que têm sido publicados nos Estados Unidos nos últimos dez anos. 7 Sobre neovanguarda, ver a revista Art Criticism, v.11, n.1, 1996, p.90-110, que traz o resumo de um seminário organizado em outubro de 1995 pela Universidade de Cambridge para discutir o livro The cult of the avant-garde artist, de Donald Kuspit. A tônica da discussão foi a diferença entre a vanguarda modernista, movida pelo break with tradition ou search for the new, comemorados por Clement Greenberg e Harold Rosenberg, e o artista da neovanguarda, ironicamente conformista, usando Arte não só para se tornar parte do stablishment mas como um fetiche vazio, uma commodity negociável. Conclusão dos debates: para o artista da neovanguarda, Arte é uma carrei- ra cínica em lugar de desesperada e incerta, como a dos modernistas. 8 Moshe Barasch (1996), Visual syncretism: a case study, em S. Budick e W. Iser, The translatability of cultures, Stanford, Stanford University Press, 1996. 9 Lucy Lippard, The pink glass swan, New York, The New Press, 1995, p.58. Ana Mae Barbosa é coordenadora do Núcleo de Cultura e Extensão em Promoção da Arte na Educação – ECA-USP, presidente da ANPAP, professora visitante da Ohio State University/USA A autora agradece a Claudia Toni e Rejane Coutinho pelo trabalho de checar algumas informações contidas neste artigo e de selecionar as obras reproduzidas. “Sem a ajuda das duas, privada das fontes de referência, e contando apenas com a minha memória, seria impossível escrever este artigo”. 254 ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997
  • 15. Cícero Dias (Recife, PE, 1928) Cortejo, 1930 – nanquim e aquarela s/ papel, 47 x 30 – col. IEB-USP ESTUDOS AVANÇADOS 11 (29), 1997 255