Francisco Rebolo Gonzales: Pintor paisagista do Século XX
1. REBOLO GONZALES, Francisco (1902-1980), Nascido e falecido em São Paulo (SP). Filho
de imigrantes espanhóis, teve infância pobre, trabalhando como entregador numa chapelaria
enquanto fazia o primário. Em 1915 seu primeiro contato com tintas e pincéis, como aprendiz
numa oficina de decoração, possibilitar-lhe-ia auxiliar na ornamentação de igrejas e
residências, abrindo-lhe assim um universo novo. Dois anos depois, nova experiência
fascinante: o começo de uma carreira profissional como jogador de futebol, carreira que iria
durar até 1934 e que lhe proporcionou inclusive o titulo de Campeão do Centenário pelo
Corínthians, em 1922. No fim da vida, rememorando suas atividades no futebol e na arte,
Rebolo assim comparou uma e outra, num singelo credo estético:
- Antes da pintura, o futebol já tinha marcado minha vida. Como no futebol, acho que na arte
deve-se fazer coisas espontâneas, com a marca do amor e do entusiasmo, para poder se
emocionar e emocionar os outros.
Mesmo quando era um bem-sucedido ponta-direita, porém, Rebolo não deixou de lado o
trabalho de decorador. Desde 1926, com efeito, abrira um escritório-ateliê na Rua São Bento,
transferindo-o em 1933 para uma sala do Palacete Santa Helena, na Praça da Sé. Data desse
momento o início de sua carreira artística propriamente dita: Rebolo passa a pintar do natural e
a se preocupar cada vez mais com o lado artesanal do seu ofício. Dentro em breve, em torno
de sua figura começam a gravitar vários outros artistas-artesãos, como Pennacchi, Zanini,
Graciano, Bonadei, Volpi, Manuel Martins e Rizzotti. Surgiu assim o chamado Grupo do Santa
Helena, de tão ampla significação na história da pintura paulista do Séc. XX.
Em 1936 Rebolo participou pela primeira vez do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de
Janeiro, ganhando medalha de bronze. No ano seguinte, no mesmo certame, ganhou a
medalha de prata; sempre em 1937, exibiu seus quadros na I Exposição da Família Artística
Paulista, ao lado dos demais integrantes do Grupo do Santa Helena, e ainda de Rossi Osir,
Gobbis, Malfatti, Adami, Waldemar da Costa e outros pintores.
Quando, em 1939, volta a tomar parte na II Exposição da Família Artística Paulista, é já um
pintor a caminho do pleno amadurecimento, merecendo, de Mário de Andrade, as seguintes
palavras:
- Os dois ases da exposição me pareceram ser Rebolo Gonzales e Mário Zanini... Rebolo,
tanto pelas suas naturezas-mortas como pelas suas paisagens é já um ótimo artista. Além das
suas qualidades técnicas muito seguras, sabe revelar uma alma já bem caracterizada, suave e
cheia de delicada poesia.
No mesmo ano, Giuliana Giorgi, em texto publicado em O Estado de São Paulo, refere-se com
extrema acuidade a peculiaridades que acompanhariam até o fim o estilo de Rebolo:
- Rebolo tem matéria extremamente sensível; o colorido acinzentado - tipicamente seu - é rico
de matizes agradabilíssimos, com os quais compõe na essência o seu quadro. Em substância,
uma pintura de tom, tratada em surdina, onde os elementos ilustrativos, casas, árvores, figuras
são apontados livremente com uma ingenuidade que é síntese, conseguindo atingir um lirismo
melancólico de considerável eficácia.
Pintura de tom tratada em surdina parece-nos em verdade definição adequada da arte de
Rebolo.
Mas a carreira do artista prossegue. Em 1941 é premiado no concurso de desenho e guache
organizado pelo Patrimônio Artístico de São Paulo. Nesse mesmo ano Sérgio Milliet mais uma
vez alude às características inconfundíveis de seu colorido, e chama-o de "mestre do meio-
tom". É, também, o primeiro a realçar a pureza de Rebolo, o lado emotivo e intuitivo de sua
produção:
- Céus de bruma, casas simplórias, colinas bem penteadas, hortas e jardins rústicos, eis o
ambiente de suas telas que primam pela sensibilidade. Rebolo não é um "intelectual": despreza
2. as teorias complicadas e só acredita na experiência humana do pintor. Descansa-nos assim da
aridez erudita e gentilmente nos conduz a sensações de puro prazer sensual.
Em 1944 o pintor leva a efeito sua primeira mostra individual, na Livraria Brasiliense, de São
Paulo. São paisagens, naturezas-mortas e figuras, com ênfase justamente nas paisagens, não
fosse Rebolo antes e acima de tudo um paisagista, e paisagista, como diria seu prefaciador
Sérgio Milliet, "do São Paulo suburbano e rural". Outras individuais teriam lugar em 1946, na
Galeria Itapetininga, em 1955, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1957, na
Embaixada do Brasil em Roma e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1960, na Petite
Galerie do Rio de Janeiro, etc. etc., consagrando-lhe o mesmo Museu uma grande
retrospectiva em 1974, comemorativa dos seus 40 anos de pintura.
Em 1954 Rebolo conquistou, no III Salão Nacional de Arte Moderna, o prêmio de viagem à
Europa, partindo em setembro do ano seguinte, com a família, para a Itália. No gozo do prêmio,
percorreu não só a Itália, como ainda Espanha, Alemanha, França, Áustria e Holanda,
chegando a fazer no Museu do Vaticano um curso de restauração, durante alguns meses.
Quando regressou, dedicou-se a uma série de experimentações com a gravura, o que iria
influenciar inclusive sua pintura, que então retomou de modo mais sistemático e estruturado.
Comentando a temporada européia de Rebolo, e o que significou para o artista e para o
homem a contemplação das obras-primas dos museus e o contato com países tão mais
avançados culturalmente, Quirino da Silva assim se expressou, em texto de 1959:
- Os seus olhos contemplaram as obras dos grandes mestres durante dois anos, na Europa.
Durante dois anos Rebolo passeou a sua sensibilidade pelos museus, pelas exposições, e o
Rebolo que voltou é o mesmo Rebolo humilde. Os grandes mestres o empolgaram. Com eles
aprendeu muita coisa. Aprendeu sobretudo a não ouvir as arengas dos falsos modernistas. E
solidificou muito mais o seu respeito pelo verdadeiro artista.
Mas o Rebolo que regressou da Europa já não era o paisagista instintivo que para lá seguiu, e
sim alguém que afinal atingira o pleno desenvolvimento de sua personalidade, uma
personalidade que, como observou em 1961 Sérgio Milliet (decerto o melhor e mais constante
exegeta do artista), "não era feita sobretudo de ingenuidade, como parecia, e sim de sutileza e
de matizamento". Passam a ter vez, em sua pintura, os efeitos de textura, os caprichosos
contrastes de tons, as belas transparências, sem que se enfraqueça a invenção formal e se
desvaneça a atmosfera poética das primeiras telas. Simples, despretensiosas, de um extremo
despojamento, as pinturas de Rebolo ainda assim (ou até por isso) agradam em seu approach
impressionista, no qual o desenho desempenha papel secundário e a cor assume importância
primordial.
Até o fim da vida pouco se modificaria, desde então, a pintura de Rebolo. Uma pintura na qual
as paisagens, as naturezas-mortas e mesmo as figuras impõem-se-nos imediatamente à
sensibilidade, sem apelos racionais e sem subterfúgios técnicos. À sua grande importância
histórica, como elemento central do Grupo do Santa Helena, membro da Família Artística
Paulista e do Sindicato dos Artistas Plásticos, co-fundador (ao lado de Volpi, Zanini, Nelson
Nóbrega, Quirino da Silva, Rossi Osir e tantos mais), do Clube dos Artistas e Amigos da Arte e
do Museu de Arte Moderna de São Paulo, ex-expositor dos Salões de Maio, junte-se sua
importância artística propriamente dita, e ter-se-á o perfil exato da grandeza de Rebolo, alguém
que conseguiu, além do mais, aquilo a que bem poucos é concedido ter: uma obra que é o
reflexo exato de sua personalidade, generosa e sem dissimulações. Por isso, ninguém melhor
do que outro pintor, Pennacchi, para definir a arte singela e poética de Rebolo:
- Rebolo foi sempre muito amável, pintava alegre, compenetrado ou satisfeito. Para ele o
drama não existia. A atmosfera era sempre leve, preciosa, encantada, os morros de um verde
apagado, os céus preferivelmente acinzentados, envolvendo umas vezes uma figura solitária e
outras um grupo de moleques futebolistas...
Paisagem de M'Boy, óleo s/ tela, s/ data;
0,37 X 0,45, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
3. Natureza morta, óleo s/ tela, 1938;
0,50 X 0,71, Palácio Bandeirantes, SP.
Paisagem, detalhe, óleo s/ tela, 1942;
0,59 X 0,73, Museu de Arte Contemporânea da USP.
Morumbi, óleo s/ tela, 1944;
0,41 X 0,51, Palácio Bandeirantes, SP.