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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTORIA




     IRMAOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENcA:
     A IRMANDADE DO ROSARIO DO PELOURINHO
              NA BAHIA DO SECULO XIX.




                           DissertaF o apresentada ao Mestrado de Ilistd-
                           ria da Faculdade de Filosofia a Ciencias Jima
                           nas da UFBa., como requisito parcial para ob
                           tencao do gau de rnestre,sob a orientaF o do
                           prole . Jogo Jose Reis.




                 SARA OLIVEIRA FARIAS




              SALVADOR, SETEMARO DE 1997




                   M4 RA DO EM H 3
                          rH -uUrBB
                          1, ANA
SARA OLIVEIRA FARIAS




TRMAOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENcA:
  IRMANDADE DO ROSARIO DO PELOURINHO
       NA BAHIA DO SECULO XIX.
2



                                                    sUMARIo

    ABSTRACT ................................................. ........................................................ 3
    AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 4
    ABREVIATURAS .................................................................................................7
    INTRODUcAO .................................................................................................. 8

   CAPtTULO I - ORGANIZACAO INTERN A ................................................. 11
                        A importfincia dos compromissos ................................................ 11
                        O socorro aos irmos ............. ...................................................... 13
                        A normatizac0.o da vida leiga ...................................................... 20
                        Os leigos no poder ...................................................................... 24
                        Aliancas e rivalidades na me;a ................................................... 29
                        As mulheres na mesa ................................................. . ................ 32

 CAPITULO 11-0 TRIUNFO DO ROSARIO SOBRE 0 ESPIRITO MALIGNO:
             CONFLITOS ENTRE IRMAOS E PADRES ............................. 36
            Parocos, vigarios, capelf es na ordem religiosa ............................ 37
            0 jogo de interesses e a aprovacao do compromisso ................40
            CapelO.es X irmaos .........................................................................55
            Vit6ria negra ? ..................................................................................59


 CAPITULO III -A ECONONIIA DOS IRMAOS .............................................. 60
               As obrigag6es economicas ......................................................... 61
               A receita do Rosario ................................................................. 65
                  Os legados ..............................................................................65
                  Os servicos prestados .............................................................70
                  As propriedades .....................................................................75
               A despesa do Rosario ................................................................78
               A fortuna dos irm0os .................................................................. 84

CAPITULO IV- FUNERALS, FESTAS E A DEVOcAO DO ROSARIO ......... 90
             Irmandades e firnerais .................................................................... 92
             A vontade dos irni0os ....................................................................99
             Os enferros fora da igreja ........................................................... 103
             A FESTA NA CONFRARIA ....................................................... 105
             A devoc0o dos irnnttos .................................................................105
             O catolicismo frouxo ..................................................................107
             O ritual da festa .........................................................................109
             As irmandades e o Rosario .........................................................113
             A influencia da Romanizac5o no Rosario ..................................115

CONSIDERA(^OES FINALS ..................................................................................120
FON I ES ....................................................................................................................122
AN EX 0 ......................................................................................................................123
R 1 B1.1 O(. RAFLk .......................................................................................................135
9



                                        RESUMO



          Esta 6 tuna hist6ria institucional da irmandade negra do Rosario dos Pretos
das Portas do Carmo em Salvador, Bahia, durante o seculo dezenove . Baseada numa
escassa coleg6o de documentos remanescentes, ela discute a organizag6o interne da
instituiqao, seus membros , vida econ6mica, rituais , -.omo tamb6m tens6es e conflitos
interno e externo, particularmente entre a irmandade e as autoridades eclesiasticas.




                                       ABSTRACT


     his is an institutional history of the black `brotherhood of Rosario dos Pretos
das Portas do Carmo in Salvador, Bahia, during the nineteenth century. Basead on a
thin collection of surviving documents , it discusses the internal organization of the
institution, its membership, economic life, rituals , as well internal and external tensions
and conflicts, particulary between the brotherhood and church authorities
4




                                   AGRADECIMEN TOS


      No decorrer deste trabalho contei com a colaborac o de diversas pessoas. Se
por acaso esqueci de alguem, nfo me leve a mal , porque descobri que escrever
agradecimentos a tao penoso quanto escrever uma dissertacao . Quero agradecer a boa
vontade e paciencia de todos os fmcionarios dos arquivos e bibliotecas onde pesqui-
sei. No arquivo da irmandade do Rosario contei corn dedicada paciencia de Alb6rico
que me acolheu no maior perfodo da pesquisa , a quern agradeco de coracao.
      Aos irniaos e irmfs da Veneravel Ordem Terceira do Rosario que bern me
receberain e me ouviam       falar de tmia hist6ria que ainda estava tneio obsctu-a, eras
mesmo assim me incentivavam a sempre seguir adiante. Valeu !

       Agradeco a Capes, que financiou a pesquisa mediante concessflo de bolsa de
estudos . 0 apoio da UNEB, atrav6.s do programa de ajuda de custo foi importarrte
para a finalizagao da redacao. Presenga fundamental tiveram meus colegas , amigos e
alunos do Campus IV-UNEB/Jacobina Eles foram fundamentais pela preservaFlto do
men born humor dtuarrte 10(10 esse perfodo. Me suporlararn no,., nlonrenlos alegres e
dificeis, e ainda hem que supotlanun. Minha gratidao ent especial a Paulo Garcia,
Cira4a, Cosine, Iraides, Jorirna A Zacarias agradeco duplannente conio colega de traba-
lho e de mestrado. Apesar de nossas at>,gfistias, dividimos os resulta.dos das nossas
pesquisas. Agradcco tamberrr     to aluno Jose Alves que pacienlemente elaborava cone
mestria os dados ntunericos tao cau-o a mini pela minhia aversao a matenraifica.

       Aos professores que de fonua direta on rndlreta colahorar-am corn este traba-
lho. Msu-ia figs Comes de Oliveira centilmente colocou a nrintha disposicflo os testa-
nicntos e inventarios de liberlos. Marli Geralda Teixeira sempre acreditou Hesse tra-
balho e leunbro-tree quarrdo a ideia surgitr na disciplinn Pesquisa Historica Supervisi-
onada, sob sun orientaS io. Lina Aras iconipru)ljct ^ os prirneiros passos (10 tr-abalho.
(.'rndido da Cost.] e Silva contribuiu coin till or7macbes sobre a Ilistoria da Isreja.
        .loilo Reis liri hem rnais quo tun orientador. Este sirn unt verdadeiro ^ nestre ria

arie da pesquisa. C'orriciii error, direcionou a Pe(luuisa, nuiiitas ve..es tanlbe In se irritou,

urts nmsuno a:,Siun n;io perdeu a(1u< Ie hole e admirav,ei huuuol gun rnuitas ve is se
5


transformava num humor cortante. Mas saiba Jofio que eu gostava Acho agora que

mais palavras s.o desnecessarias, voce bem sabe o que tudo isso representou para
mim.

        Aos amigos de muito tempo e os recerites o meu agradecimento mais que

especial. Am6lia esteve sempre comigo em varios momentos. A sua bela e atenciosa
colaboracno no arquivo da irmandade foi fundamental, al6m disco compartilhou comi-
go das minhas dt vidas e aflig6es. Wlamyra foi o que de melhor encontrei nesse traje-

to, parte da dissertactfo foi concebida tamb6m por voce e lembro bem como n6s fo-
mos solidarias. 0 resultado estd at. Z6 Carlos, Raimundo, Wilma, me fizeram rir de
mim e do meu objeto o tempo todo. E como isso valeu. Adriana, Nelia e Jailton
sempre torcerain para que tudo desse certo e eu sempre soube disso.

        Malta acompanhou todo esse processo. Muitas vezes o cansaco me desanima-
va, mas o seu amor e carinho me abasteciam. Por mail que eu the agradeca, mesmo

assim you ficar the devendo. Pacientemente me ouviu f dar de irmandade, escraviddo
entre outras coisas. Minha gratid.o.

        A Conceicdo Neto pelas maravilhosas fotografias da Igreja do Rosario. Tadeu
Luciano com muita gentileza e bem ao seu estilo de serta nejo corrigiu a verstio final
da dissertaVao.
6




Psu a I,ourival e Nilde, mess pals

Para Malta, coin carinho.
7




                  ABREVIATURAS




A.I.N.S. R. Arquivo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosario

APEB Arquivo Publico do Estado da. Bahia

ACMS Argnivo da Curia Metropolitana de Salvador

ACMRJ Arquivo da Curia Metropolitana do Rio de Janeiro

AN. Arquivo Nacional

B.N. Biblioteca Nacional

A11IRC Arquivo Municipal de Rio de Contas
8




                              INTRODUCAO



       As irmandades catolicas foram no seculo passado importantes forma
de organizacao negra na cidade de Salvador . Atraves delas a possivel per-
ceber como seus associados , ainda que pertencentes a urna religiao official,
no caso o catolicismo, nao esqueceram de sus tradicoes. Ao inves de con-
frontarem diretamente com o status quo, os confrades negros optaram por
outra fonna de resistencia. Lutaram silenciosament.e dentro do que o sistema
permitia.
    Nossa Senhora do Rosario se popularizou entre os negros, tornando-se
sua protetora. Na Bahia a irmandade do Rosario foi erguida e confirmada em
1685 na Se Catedral. No inicio do seculo seguinte os confrades levantaram
sua propria capela as Portas do Carmo, atual Pelourinho. E a confraria fi-
cou conhecida corno irmandade do Rosario dos Pretos do Pelourinho.
    Na cidade do Salvador, existiram diversa: irmandades do Rosario: a do
Joao Pereira,(a igreja existe ate hoje na Av. Sete de Setembro- Merces),
Rosario dos Quinze Misterios, nas imediacoes do Santo Antonio Alem do
Canso, a de Brotas, a de Itapagipe, entre outras que desapareceram corn o
tempo. Mas feliznrente a mail antiga irmandade do Rosario, localizada no
largo do Pelourinho, se encontra ern pleno funcionarnento, tanto a igreja
conio sua irmandade.
       A sua historia merece ser contada por varios motivos, entre eles o
fato de a rrmandade ter sobrevivido quatro seculos, a major paste do tempo
sob a escravidao, contribuindo para a afrinacao dos negros e da cultura
negra na Bahia. Este e urn trabalho baseado ern documentos da epoca, que
cobre a historia dos confrades do Rosario ro seculo XIX. A restricao a
esle periodo Fe da por quest6es praticas. A documentacao que se encontra
9



no arquivo da irmandade e outros de Salvador se refere principalmente ao
oitocentos . Vez por outra recuo ao seculo XVI1I, baseada em       informaroes de
cronistas ou da bibliografia secundaria . Corres-pondencias , livros de atas, de
entrada de irmaos , livros de receita e despesa, compromissos fazem parte do
acervo documental da irmandade . No Arquivo Publico da Bahia,            os testa-
mentos e inventarios        foram fundamentais par<< tentar descobrir   quem eram
esses confrades.
      Corn base nessa documentacao , a dissertarao esta dividida em quatro
capitulos:

      No primeiro capitulo , apresento como se organizava o poder na irman-
dade, o que ditava seus compromissos           em relacao a quern mandava, ao
auxilio- mutuo, as aliancas etnicas, a rede de solidariedade que se estabelecia
nesta familia ritual , os conflitos entre os inembros, o papel da mulher na
confraria.
     No segundo capitulo, e retratada a relac:ao entre poder eclesiastico e

poder leigo. Destaco aqui o confronto entre o vigario do Passo e os imrios

negros por ocasiao da aprovarao do regimen:o da innandade no inicio do

seculo M. Atraves desse confronto pude peiceber que, apesar dos irm os

sairem parcialmente vitoriosos, tiverain que aceitar a figura autorit.aria do

vigario. 0 principal aqui e demonstrar que es:,es negros no aceitaram ludo

que as autoridades lhes queriam impor que denunciaram e Iutararn por inde-

pendencia no trato de suas instituiroes.

       No terceiro capitulo, a receita e a despesa do Rosario e estudada.
Retrato como os irmaos conseguiain arrecadar clinheiro. Doacoes, peditorios,
alugu6is e missas sao algumas fonrmas de arrecadacao de recursos. Em outro
momento, tento descrever quais eram as itens que mais sobrecarregavam os
cofres do Rosario. A economia da innandade revela confrades na maioria
das vezes pobres. Garantir recursos e egtiili'xrar receita-despesa nao era
tarefa das mais face).';.
10



      Morte e festa sao temas do ultimo capitulo. Elas constituiam datas
especiais no calendario dos irmaos . Os pedidos de enterros dos confrades

sao analisados atraves dos testamentos , onde se ve que as immndades
eram locais preferidos para o chamado descanso final. Os ritos finebres es-
tavam presentes nesse rito pos-morte, como pox - exemplo, as missas de cor-
po presente e as missas ofertadas em favor de terceiros. Em outro momen-
to, analiso a vida festiva dos confrades. A d-.vocao a N.S. do Rosario foi

fundamental para que os irmaos sedimentassem sua identidade.
11



                                          CAPITULO I


                               ORGANIZACAO INTERNA




      A importancia dos compromissos


      0 cotidiano dos irmaos negros do Rosario das Portas do Can-no, assim
como dos       membros de outran innandades leias, era regido por normas de
conduta ditadas pelos seus "compromissos". Atraves desses estatutos, vida e
a morte dos associados erarn disciplinados e organizados, se asseguravarn
direitos e se exigiam o cumprimento de deveres. 0 compromisso, enfirn,
impunha ordem, normatizava                  as relacoes          no interior da confraria,
recompensava e punia.
       Para que uma irmandade funcionasse legalmente era preciso ter seu
compromisso aprovado                pelas autoridades            civis e religiosas. Apos a
aprovarao, os irmaos estariam aptos a praticar sua devocao ao santo patrono
e seu espirito caritativo.
       0 que se pretende aqui nao a uma mera descricao dos estatutos que
regeram a imiandade de Nossa Senhora do Rosario das Portas do Cam o
durante o seculo XIX. Os compromissos sao tratados como fontes
imporiantes do periodo escravista que retratam, em certa medida, a
mentalidade de determinado grupo, bem como ,ua capacidade de organizacao
frente a urea sociedade pouco solidaria e incerta para os negros .' Neste

 Varios autores trabalhararn corn compromissos de irrnandad?s Entre eles destacarn-se: Juli.ta
Scarano, Lh: voydo e Escraviddo . A Irmandade Nossa Senhora do Rosdrro dos Pretos no
Distrito Diarnantmo no scrciJo X1 Z11, Sno Paulo, Naciona; , 197.5: Cabo Boschi, Os leigos e o
Fodor, Sao Paulo, Attica, 1986; Patricia Mulvey, 'The black lay brotherhoods of colonial Brazil
 a history", Tese de Doutorado , City University of New York 1970; Jeferson Bacelar &
Corn:: i'no Souza , 0 Ros,.no dos Frctos do Fclourrnho, Sa'vador, Funda io do Patrirnnnio
Artistic, e Cultural da E^ariia, mimeo, 19'74, Jc' c, Jose Reis, A Morte e uma Festa , Srjo Paulo,
  AS b:ji I,F'ras, 1 91 1.,1siuta fives t !,l,^rn recut?Jece a brnrcu1ancia d'-'s foll-1pre'llissn's
criquarho fonts 1ns:orica ( ' 1 1 1 P. bill mrl-^rucra dos Purti os CrJtnl:,ronnssos das lnnandades " in
12



capitulo, procuro organizar infonnacoes referentes                          a mutualismo, conflitos
latentes, politics interna, padroes de religiosidade entre outran questoes.
           0 primeiro compromisso da irmandade do Rosario das Portas do
Can-no de que tenho noticia a datado de 1781, mas nao consta entre os
documentos existentes nos arquivos baianos, e por isso nao pude analisa-lo.
O trabalho se volts entao pare os seguintes compromissos : o de 1820, que
vigorou pars todo o seculo XIX, resistindo a urn perlodo de mudanras e as
vezes turbulento de revoltas federalistas militares, escravas , romanizacao da
Igreja Catolica, aboligao, entre outros acontecimentos que afetaram a
sociedade baiana. Esse estatuto desencadeou urn conflito entre o paroco e
os irmaos, trazendo a tona questoes elucidativras a respeito do cotidiano e
da convivencia entre os irmaos e clero, que tratarei adiante.
        Na segunda metade do seculo XIX, os irmaos exigiram da Mesa da
confraria urn novo compromisso, melhor adegrrado as mudangas do perlodo.
Nurn projeto datado de 1872, os confrades acreditavarn na "necessidade da
organizarao de urn novo compromisso para reger esta Irmandade [...] em
razao dos notaveis defeitos e omissao que se recente o velho compromisso
que procedendo com diversas reformas do ano de 1781 a. 1820 ainda rege
corn decencia esta Innandade." 0 projeto nao foi adiante e os irmaos
continuararn com o antigo regimento. Estudaido este e urn outro projeto
datado de 1873, que no encontrei na documentacao da irmandade, e que
tambem nao foi aprovado, o antropologo Tefcrson Bacelar e a historiadora
Maria Concei4 io Souza afinnam que nao existe nenhuma referencia quanto a
sua aprovacao e vigencia, especulando que tais nao foram "been aceito pelas
autoridades, especialmente na tentativa de elevacao de categoria para vir
i titer privilegios somente concedidos a ordens terceiras." As ordens terceiras
cram ordens que estavani ligadas as ordens conventuais, corno a dos


h1.ve : , Fuliras l ortus qtu ressi^zcrta^rt , ('refeitura Ivlunici;)al do Salvador , S1,IEC , 1 9 7 5 1 1 1 -
113 'err t1111^^i:j ^. idcr _'rl ThsE Iv9a`liadc' de '^''1IL't:1ra tai 1'c';2c i'  r; C1QCli Ir p1tZ11C1CCJCS
^:rltt^orac rnn FJ,;   tie     In,pr na! ( I ^4O-Ibh'P ) NIttrol , UFF''irc do Mestrado , 1 ,'^5.
                                 .
13



beneditinos, dos franciscanos, dos carmelitas, entre outras. Elas reuniam os
segmentos privilegiados da sociedade e certamente gozavam de mais
prestigio. z
         0 fim do seculo proporcionou a confraria a categoria de Ordem
Terceira, representando em certa medida o oomportamento de uma epoca
marcada por novos valores. Com isso um novo compromisso foi escrito, em
1900, que tambem sera objeto de analise.3


    0 socorro aos irmaos
         A preocupacao com a sorte dos irmaos e tentativas de atenuar as
dificuldades da sua vida material estavam presentes nos regimentos das
confrarias. Nas associacoes negras, essa preocupacao aumentava. Assim,
proporcionar socorro material em vida e enterro decente constituiam regra
geral. Mas, e preciso it alem do auxilio-mutuo. 0 regimento da irmandade
do Rosario revela tambem estrategias de aIiancas e rivalidades etnicas.
Atraves do controle dos cargos dos mesal-ios a possivel perceber como se
dava na pratica a politica etnica entre os irmaos negros. No caso dos
africanos, essas confrarias de cor erarn espacos de recriacao das identidades
etnicas africanas. Tinham como principal criterio de identidade a cor da pele
em combinacao com a nacionalidade.4
         As confrarias de cor representavarn uma especie de familia ritual, de
parentesco. Urna familia que procurava proteger e arnparar sous membros. Os
irmaos da mesma etnia, e em muitos casos de gnipos etnicos diferentes, se
ajuciavanl e de certa forma preservavam on recriavam suas identidades.
      Analisando as confrar-ias medievais por:uguesas, a historiadora Maria
Helena da Cruz Coelho, entende que nessas associagoes se encontrava a


2 "Projeto de Conipromisso" ( 1872 ), Razbes da Apresentas o d'este compromisso , cx.l, doc.2
Jeferson Bacelar & Maria Conceicao Souza, 0 Rosario dos Fretos do Felournnho, p.39.
3 " Cornpromisso da Veneravel Ordem 33 do F:nsurio, ( 1900 ), cx 1,doc 3, mss ALN.S F:
   St^bre ,.. estra?.^s?as de aliarr;a: fl-I" crrifr-m-ras de cor, vr_r Reis, A morle e urna feste, 1 55 e Joao
l,it?s '1' !rr-n ac r rrs?s'rrrc as rio l rasr)","lej .1.5
14


familia artificial, permeada "por lacos de afeitcao mutua e solidariedade que
reconduzem a seguranca aos homens." Insisto mais uma vez que, no caso
das irmandades de cor, e especialmente na confraria do Rosario, essa
solidariedade, garantia a seguranra dos negros em um ambiente adverso,
marcado pela escravidao africana.5
       0 compromisso de 1820, composto de 24 capitulos, retrata, como ja
foi assinalado, a preocupacao com seus associados. De acordo com a
nocao de caridade, fundamental na ideologia religiosa catolica, assim rezava o
capitulo XXIII do compromisso :



                        Da Charidade que se praticara com os Irmaos
                               doentes , pobres e encarcerados


                         116 a charidade o acto, que mais se deve prezar, pois
                     a praticargo varges exemplares em Artudes; por isso deve-
                     ruos exercer com os nossos Innaos enfermos. Os Irmgos
                     Procuradores terlo cuidado ern sitar qualquer Innlo desta
                     nossa Irmandade que se ache enfenno saber se the lie mis-
                     ter alguma couza tanto para o corporal , como espaitual , e se
                     achar em desamparo e extrerna necessidade darA pane a Mesa
                     on do Irni o Juiz ; para the mandar applicar a provide".ncia que
                     pareca junta; e sendo srrmmamente pobre , e necessitado the con-
                     ferir3 a Meza como cabeca da Innandade alguma esmola [.. ] Da
                     mesma forma os lim5os Procuradores terAo igual cuidado em vi-
                     zitar os carceres onde achando algurn lnnao desta Innandade, po-
                     bre e enfermo prezo [.. ]°


        Aqui solidariedade se apresent.a como princjpio cristao, traduzido por
caridade. A doenra, pobreza, o encarceramento erarn preocupacoes constantes
da it-tnandade, porque certamente atingiam corn muita forma os pretos. A
Bahia do inicio do seculo XIX era composta por unia popularao
rnajoritariamente negra e pobre. A populacao de Salvador ern 1835, ano da


  Maria 13elena da Crime. Coelho, As confrartas n;edievais portu,9''ucsas: cspaso de solidarredadcs
no villa r• n: morte, z;EV Sermi,a de Estudos Medie•vales, E>tella, 1 c' ...
                                                                       _9"
        11% da IITIislidade de N S do Rosario dus I'oiaF do Ta7Ttio," ! l^20;, fl . al' III,
d:, l,rr,ss AIld^k
15


revolta dos males , foi estimada em 65.500, serido 27. 500 escravos (42%) e

38 800 livres e libertos (58%). Os libertos ocupavam diversas atividades:
sapateiros,carpinteiros, vendiam nas runs, carregavam cestos etc. Os escravos
tambem se ocupavam nessas mesmas atividades. A Bahia enfrentou, a partir

das decadas de 1820 e 1830, uma crise economica e politica sera
precedentes, sob o clima anti-portugues desencadeado com a guerra da
Independencia de 1822-1823. 0 censo de 1872 registrou uma populacao de
108.138 habitantes entre livres e escravos. A populacao livre era 95.637
habitantes, divididos da seguinte forma: 30,9% brancos, 43% mulatos, 23,5%
negros e 2% caboclos. A maioria dessa popularao continuava pobre, e a
economia instavel. A sociedade mostrava-se ainda muito desigual, onde o
rico era associado ao branco e o negro ao pobre.'
       Os negros do Rosario, enquanto confrades, pelo menos tiveram a certeza
de ver atenuados os efeitos da crise economica sobre si. Uma vez que o
governo nao assurnia a assistencia aos pobres coube as irrnandades
desenvolver esse papel.
      O associativismo acompanharia a confraria, embora menos enfaticamente,
no projeto de compromisso de 1872, que nada inclui sobre assistencia aos
irrnaos. Corn o aparecimento de associaroes civis, como a Sociedade dos
Artifices, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, entre outras, as irmandades
passaram a no ser as unicas responsaveis pela sorte dos associados que
tambem possuem membros dessas outras instituicoes . Por exemplo, sobre a
Sociedade dos Desvalidos, fundada em 1832 por um africano livre, o
antropologo Julio Braga afirma que nos "sews primeiros anon de existencia,
firncionou como junta, uma especie de sist.ema rotativo de credito corn que
ajudava 05 seas associadoos e parentes destes, que ainda se cncontravani




                                                                                                Ku n 1,,!a,I ,
f+;:Iua .S'QlJO   ^iti . 'Irri': .^ ri^t'lt;Cl C. no Jno.`'no. F.1c, de- 1 c''u F1"U71^E'1f'6. 1 1, 112 )
16



presos ao cativeiro." As irmandades dividiriarn com essas outras instituicoes
tarefa de socorrer os destituidos.e
      A ideia de caridade crista parece diminuida ao longo do seculo XIX
na irmandade do Rosario, sendo no projeto de 1900 substituido pela nocao
secular de "direito":
                                                  CAPITULO 4 ( 1.900)
                                   DIRRTTOS F GARANTTA!i DOS IRMAOS
                        Artigo 11 & 5° Verificado o estado pecuni5rio da Ordem e
                                  julgado sufficiente darn as Ingo pobre e enfenno
                                  sem recursos para tratar-se, unra pensgo mensal ,
                                  ate que a Ordem tenha um Asylo onde devem
                                  abrigar-se.9


         Tanto em 1872 quanto em 1900 continiava-se a garantir, como era de
costume, o direito a enterro, missas, comenioracoes festivas. Em 1900 a
ajuda. aos associados estava subordinada ao estado economico da instituicao.
Alenr disso, e preciso lembrar que a piedade, mais especificamente a partir
da segunda metade do seculo passado, ganhava novos contornos.
        Viver da caridade passou a ser sinonimo de ociosidade, de vadiagem,
alimentar a caridade significava sustentar uma sociedade preguicosa.
Merrdicancia e ociosidade passavam a ser questOes discutidas pela elite, e
pela Igreja, que detenninavarn uma caridade "comedida," voltada apenas para
os verdadeiros necessitados. A discussao atir!gia tambern outros segmentos
da populag5o, principalmenle quando vinha a i ona a substituic o do trabalho
escravo. "Como em outras regices do pals, a discussao girou em torno da
fonna45o do miro-de-obra livre mediante adocao de medidas repressivas
tendentes a remover o homem Iivre pobre de urn estado que a elite definia
como indolencia e preguira." 10 A caridade agora era tolerada para poucos.


f' Julio Praga, Sociedade Protetora dos Desvalidos uma ,rma,rdade de cor, Salvador, lanarna, 1987,

^' Ver "Proieto de C'oni{_^rornissc.^' f 1 872) , Cap. 1 I , do.. "Compromisso da V.03' do
I?nss^rio" ( I "'DC) Cap 4 , Cx I dc,c rnss; ALIJ S k
^o^xnIt r Frnt;n Fi!h" , -A 1r- ^t,7irl; .nrclir ;:rcr+ r ra^rv^ rr!z Prtuz dc, •e'citJc> :"A',38-- I'a^r!r,/calvnd^r,
                       1 ;,'.! 1, 14()
17


    O Estado Nacional exigia individuos aptos para o trabalho e os negros
da irmandade nao podiam e nem queriam ser associados ao homem ocioso.
Eram negros aptos para o trabalho, carregavam cestos, transportavam
mercadorias, mercadejavam nas ruas de Salvador. 0 trabalho era por
excelencia negro. A ideologia montada pela elite certamente influenciava
toda a populacao, inclusive os negros do Rosario. Isso poderia explicar, em
parte, a ausencia ou diminuirao das praticas caritativas nos regimentos da
confraria na segunda metade do seculo M.
     O caster mutualista do Rosario nt o c stave apenas evidenciado nos
compromissos, mas em documentos escritos por irmaos negros solicitando
assistencia da irmandade. Em 1848, Joaquim Timoteo de Jesus, ex-
procurador de mordomos, escreveu que durante "quatro annos sucessivos,
fazendo a bern da mesma Irmandade tudo quanto coube e meo alcance,
como he publico [.e..] achase hoje bastante rniseravel, sem meios de poder
subsistir-se, por molestias que padece e athe sera ter agazalho algum, vem
por tanto requerer a esta Ilustre Junta roupas e ajuda." Ja em 1856, Clara
Maria do Monte Falco da Silva, "pobre c cega", pedia "concessao para
edificar urea inorada humilde para uzo da Supplicante, em terreno
pertencente a mesrna Irmandade [...] fica do por morte da Supplicante
perlencendo por heranca a Nossa Sentiora do Rosario todas as
benleitorias. -11
       E quant.o a relarao existente entre escravidao e immndades. Alinal,
ajudar o irmio escravo a se libertar seria tar ibem urn ato de solidariedade,
caridade e ajuda mut.ua. Nao foi encontrado nenhum item de compromisso
que tratasse do assunto. Nem mesmo o projeto de estatuto de 1872,
elaborado numa conjuntura abolicionista - a lei do Ventre livre acabava de
ser aprovada- faz referenda a some dos innaos cativos. Seria de estranlhar o
corrq)orlanicnto da innandade ? Ou de Into ela naio teve como objetivo a

    ll^, P. ,',7 ,1r dr_
18


libertacao dos escravos membros? A ausencia desse item no Rosario me fez
rastrear compromissos de outras confrarias negras                          no Brasil a fim de
observar como estas tratavam a quest-do.
        0 estatuto de 1786 da Congregacao dos Pretos Minas Mahii, do Rio
de Janeiro, por exemplo , afirmava o seguinto: "os Congregados que forem
captivos querendo Libertar-se tendo o seu dinheiro e the faltar para o ajuste
da sua alforria, fara saber ao regente para este the dar as providencias
fazendo juntar os Congregados participando- lhes a necessidade que tem o
outro do dinheiro para se libertar." A irmandade de N.S. do Rosario e Sao
Benedito, tambern do Rio de Janeiro, em 1891, ditava como um dos deveres
da associarao tirar "de sua rends a quantia necessaria para libertar dous
irmaos captivos, sendo um de cada sexo." Parece estranho que a in-nandade
tratasse     dessas questoes            em periodo pas-abolicionista. Certamente o
regimento fora feito             antes de 1888             e so aprovado              posteriormente.
Consultando outros compromissos das confrarias de cor, corno o da
irmandade de S. Benedito de Parati, bem como uma confraria de N.S do
Rosario de Minas Gerais, alem dos estatutos de associacoes negras do
perbodo colonial pesquisados pela historiadora Patricia Mulvey ern sua tese
de doutorado, nenhum deles faz referenda a compra de alfolTias.12
           A ausencia da promorao de alforrips pelas confrarias negras foi
observado por alguns historiadores. Segundo Julita Scarano, as innandades,
nao se opuseram a ordem vigente, quando muito podiam cooperar para a
alfon'ia deste on daquele imiio." Para Cabo Boschi, as irnlandades de negros
s6 nAio combateram a ordem escravocrata, mas tambem bncorporararn


r' .f•grade;o no Prof. Flavio r-'Tomes a iridicaS o do documento dos negros Mahii . Ver AN.
"Estatutos da Congrega;ao dos Pretos Minas Mahii" ( 1?86 ,) , CMice 656 ; AC.M.R.J. ,
"Regimento interno para execuczo do comprornisso da Vene-avel Irmandade de N. S. do Rosario e
 no P-enedito dos honiens de cor" ( 1891 ), Cx I , p.1 37 ; 'ier tarribem AC.M.R.J. , "Conipromisso
 In Irmru,dade de S Benedito erecta na Villa de Parati , Rio de Janeiro", ( l 814 ) , s / catalogac3o ; e
FA N. , F'undo : Mesa de Corisciencia e Ordens , "Comproniisso de N.S. do Rosario , Erspado de
Mariana" , ( 1 41 ( s"ndice 826 Solhhrc- os conipromissos do periodo colonial ver Patricia Mulvey
"!l,r f-PU: Lnv 9i-cfl,c•rhordc -f r _,1r,r,i,al Er'r it a I,isrrr^ Trr de Lrutnradn ,City University
  1 ldrv; r',rl. .1
19


"padroes e ideologia de um grupo social dominante," Porem esquece o autor
que as alforrias eram parte da "ideologia dominante." Era coisa bern
comportada. Alforria nao era sinonimo de combate ao sistema escravista.
Alem disso era muito caro financiar alforrias. 0 dinheiro nao podia dar pars
todos que necessitassem.13
       E preciso esclarecer no entanto, que as confrarias negras, quase sempre
excluiam o elemento escravo de sua admini :,trarao . Apesar de ser maioria
entre 1719- 1837 , os escravos no podiam ser membros da mesa segundo o
compromisso de 1820 da confraria do Rosario das Portas do Can-no, a nao
ser em casos especiais . E nao podia exercer certos cargo justamente por
ser escravo . Assim rezava o capitulo XVI do estatuto:14


DA QUALIDADE DOS IRMAOS DA MESA


                         Para Juizes , Procuradores , e mais Innaos da Mesa
                        se elegerb pessoas libertas e izemptas de escravid5o
                        pars que sej5o promptos em exercer e satisfazer os
                        aclos da Innandade[...1 Assim como tambcm no caso
                        (pie altvrn InnIo sera embargo da sujeicgo scja bent
                        procedido , e o seu captiveiro suav' poderi ser 1mr5o
                        de Mesa, mas em neith m cazo serfi Juiz , Escriv1o
                        Thesoureiro ou Procuradores ; por que estes rigoroza-
                        mente devern ser pessoas libertas .



       A justificativa para a exclusao e explicitada nesse estatuto. 0 escravo
por nao ter liberdade para frequenter e estar a disposicao da irmandade
Para realizacao dos servigos era excluido da mesa. A excecao valia para os

cativos glue pudessem dedicar um pouco de                         tempo para a         confraria. No

1)rojetO (IC compronisso de 1872, nuio ha restricao explicita aos escravos

exercerem      cargos de       mesa, mas tarnbem nao foi encontrada especificacao


13 Julita Scararno, LarvoCio e Escravrdao ... p.83 ; Caio Boschi, Os Largos e o Poder .. p.156;
14 " Con,prornisso da Inriandade de N.S , do Rosario das Forta:, do Canno," (1820) cap.X`.'I, cx.1, doc.1,
nrrs /x.114 R Dc,s 3.175 inn'os rata Iogados no livro de entrada de irrnios ( 17 19-1 8?7 ), 1.821, ou
   is 5?0'u r,^crefis=tr<^atn sua cor,di,,no ( se era escravo cu form) 1.148 ( 36% ) cram escravoo
] ?5 r:e it larr.a l r, ^ ;,n os 5.64-b
20


sobre o perfil de seus associados, ou seja, se para ingressar poderiam ser
libertos ou escravos. Apenas deveriam ser homens de cor preta. Certamente
que escravos deveriam compor ainda a irmandade, mas infelizmente nao
encontrei documentos que comprovassem sua participacao em cargos. Por
outro lado, o projeto de 1872 rezava que deveriam ser mesarios aqueles
que "saibao ler e escrever, tenhao boa representacao." Dificilmente o escravo
teria boa representacao, ou seja, gozava de respeito publico.15
        Outras innandades negras no Brasil tambem restringiram a participacao
escrava nas decisoes da mesa. Foi o caso da confraria do Rosario de
Pernambuco, em 1765, que nao admitia "irmaos captivos nesta Mesa, pois
esta Irmandade ha bern abondantes livres de escravidao , e os ditos captivos
sao muita.s vezes impedidos do Senhorio para cumprirem corn suas
obrigacoes." 16


 A normatizacao da vida leiga
        Os irmaos tinham deveres a cumprir. Desviar do modelo estabelecido
pela irmandade resultava, na maioria das vezes, cm advertencia pelos
mesarios e, nos casos mais graves, em expulsao da confraria. Um conjunto
de regras determinava o comportaniento no interior dessas associacoes. A
primeira regra era o ato de admissao. Na irmandade do Rosario, em 1820,
tanto libertos corno escravos davam como joia de entrada a quantia do 2 $000
refs, devendo "eumprir as obrigacoes da Irmanclade no Servico cia 'irgem
Sant issir-na." 17
          Os rnesar-ios deviam cuidar da integridade moral dos fieis. Por se
tratar de uma confraria negra, o comportamento dos sous confrades deveria
ser exemplar, para que nao se abrisse brecha a possiveis intervencoes das


   ' J rojeto de (,ornpromisso " ( 1 872 ),p 8, (a}, 4 °, cx 1, doc 2, niss 11,1 1 4.S R
   "r'( :i prcniissn da Irm idade de Ni . doi J o;oio dogs horocio pretos da Villa de S A nto n io do
                            i
] Jr do }'cnr^'^il iv' l.ita,()u. AIIiJ, Cc dirr 12 9 3, cap 9 alard l lulvcThe t;lc:; {: ?cn .... } l 18
                                   dr . 1J d 3.r^ruric, d^.^r I'r„iac Ali .d'aiic ,' r 1 ^'2O 1, fls 14-1 5, ra;, 11
21



autoridades civis e religiosas. Em 1820, exigia o compromisso que seus
associados mantivessem bern ajustada a vida, exercitando-se nos santos
costumes. Em 1872, o confrade era convocdo a promover sempre a boa
ordem na irmandade. 0 compromisso de 1900 conservaria basicamente as
mesmas caracteristicas dos documentos anteriores. A novidade seria um item

especifico sobre os casos de afastamento dos irmaos. Neste compromisso
utiliza-se o ten-no eliminarao para aqueles que nao se enquadrassem no
regime moral e religioso da irmandade. Assim, ditava o capitulo 41' do
compromi sso:' 8


ELIMJNAcAO


                                Art. 21. SeriSo elintinados os ImAos que praticarein
                                 os actos de que tratam os seguintes paragraphos,sem
                                 direito a serem indenisado3.

                                 1° Os que se eliminam voluntariamente.
                                 2° Os que mudarem de Religilo.
                                 3° Os que cometerem he micidio volunt(uio.
                                4° Os que forem condenados por crimes infamantes.
                                5° Os que lezarem a Or(lem em seus haveres


        Ao lado da exclusdo de criminosos, se excluiam os corruptos e os
que se convertessem a unia outra religiao. Neste ultimo caso pole-se estar
aludindo i expans^io do Protestantismo na Bahia, que se da neste periodo.
Devo notar que, apesar dos negros do Rosc^u-io iniprimirem ulna dirnensao
festiva a seus rituais que evocavarn as religl es tradicionais da Africa,
aqueles que deram origem ao candomble baiano, no encontrei na
documentarao compulsada nern repulsa, nern adesao a religioes africanas. Em
nenhun] dos colnpromissos (1820,1900) e no projeto de compromisso de
1872 ha algo contra feitiraria, como ocorreu a comprornissos de outras
irniandades fora da Bahia. No compromi so de 1900, a alusao ao

I,   onijIro!russc, (1k'20 ), c;!j^1I, rr. 1, 1(,c 1, fl 1 3v Projelo de coru1rornisso (1872 ), cai^ 2 e 3,
        x 1 , ]. Tilt's ' 1'otn} dt, VC, er.ivr-1 '_'rdel I1 3' d(, l'i,sz r o, (l ?00 1, raj: 4°, rx 1,
22



desligamento da irmandade aqueles que mudava de religiao  se referia, como
disse , ao protestantismo . E interessante que riada seja dito a respeito do

irmao que praticasse outra religiao - praticar ao inves de mudar - que a como
sabemos, e ate nossos dias, o caso do chamado povo -de-santo , que pratica
tanto o candomble' , como o catolicismo . 0 silencio em relagao a esta dupla
militancia religiosa sugere que o candomble , como hoje , era tolerado entre os
membros das irmandades negras.
       No entanto , nada encontrei, repito, na documentagho , sobre essa dupla
militancia no interior da irmandade do Rosario dos Pretos do Carmo durante
o seculo XIX. E nao era para encontrar . 0 candomble era o segredo dos
negros diante dos brancos e os documentos da irmandade eram, sobretudo
embora no exclusivamente escritos como forma de comunicacao no e para
o mundo dos brancos.
      Assim, os compromissos cuidavam do comportamento religioso e social
naquilo que podia ser claramente explicitado. Mas isso nao significa que o
explicito fosse pouco importante. Era apenas c que entao , e mesmo hoje, era
possivel ser escrito.

      Se por um lado os confrades nao cram rigorosos corn a exclusividade
do culto catolico, por outro os mesarios ;:aziarn quest-do de repreender
aqueles que prejudicassern a instituicao. Como foi o caso do innao
Francisco Higino Carneiro, que ern 1861 fol repreendido pelos mesarios do
Rosario por ter publicizado nos jornais da cidade uma festa organizada por
ele, a ser realizada na irmandade, onde pedia auxilio para a confraria, e
quando chegou o dia do fcstejo, o innao desapareceu fazendo recair [a
culpa] sobre a nossa Irrnandade. Scquer pagot. sacerdotes e musicos. l)epois
de descoberto o causador da conlusao, este se apresentou a mesa pedindo
desculpa e disse que dinheiro no havia. 0 vigario tomou pate da
corrfusao e acusou os crioulos do Rozhrio tudo querem fazer sem
dirheiro. Por sua vez, a irmandade retribuiu ao vig^ I irio afinnando que
23



estes crioulos nada the devem. Os mesarios enfrentaram tambem o povo
que em grande numero havia concorrido ,[e] clamao contra a Irmandade. 0
caso foi levado a junta da confraria para que , em conjunto com a mesa,
punisse o culpado.t9
          0 bom procedimento e carater dos seus membros era fundamental
para a organizagao da confraria . Os mesari os deveriam ser modelos de
comportamento para os associados , caso contrario seriam afastados de suas
Ibncoes. Foi o que ocorreu em 1846, quando a mesa pediu o afastamento
do procurador geral, o angolano Francisco Ramos ,        porque este so se
apresentava  embriagado insultante , que a todos os mezarios tem insultado.
O procurador causava tanta desordem na irmandade que esta foi cercada
por huma patrulha de pollcia e tambem por cluas vezes tem atacado o juiz
actual com um cacete sendo este juiz um homem de idade . A resolucao
tomada foi a de suspende - lo do cargo , substituindo -o por outro de Angola.
E queixas contra os tnesarios continuavam a acontecer. Em 1895 , o mesario
Jose Martins de Jesus, foi acusado de ter  se tornado incapaz de fazer
pane da referida Mesa , pelo seu procedimento reprovado , tomando-se
turbulento , rixoso e caluniador a ponto de faze s- os itmaos assignar papel em
branco para depois envolver a seu jeito . Alum disso insultava e ameacava
      a
os mesrios, considerando que else the; 71 ou no ponto de offender
physicamente na Sacristia a um Mesario .Ap6s tanta desordem praticada, a
irmandade resolveu demiti-lo.20




1V
     / 11 P_ Ti'r:r c F.i c•lu ' , :x _ , do: 112, fl
      r.i 1 J cz 2 1.doc 03-I, cv. 2 dc,( 1:',
24



Os leigos no poder
                  Com o objetivo de                      tentar evitar   z'buso de poder daqueles que

exercessem cargos, o estatuto especificava as funcoes de cada mesario. A
Mesa era o drgffo administrativo da innandade e faziam parte dela o juiz,
que tambem                 podia        ser chamado de presidente                ou provedor, o escrivao,
consultores , procuradores , tesoureiro . Havia tarnbem uma mesa de mulheres,
mas sobre o papel delas tratarei mais adiante . Os mesarios regiam a
confraria, deviam zelar pelos interesses da irmandade , representando -a quando
necessario . Como afirmava o projeto de compromisso de 1872 : a mesa e a
sede onde reside a disposicao administrativa do estado economico e
religioso de suas instituic6es.s21
             0 estatuto de 1820 determinava que a mesa fosse composta de dois
juizes, urn escrivao, urn tesoureiro, um procurador geral, quatro procuradores e
os consultores. Em 1872, a composirao estaria mais simplificada: um juiz,
um tesoureiro,um procurador e nove consultores. Ja em 1900 existiria uma
mesa tinica, composta de homens e mulheres, conforme a tabela seguinte:22


                                                COMPOSICAO DA, MESA (1900)
                                                Homens Mulheres
         I Prior Mestre cle NoviFos                                                 I Priore7a
         I Sub- wior 14 Definidores                                                 1 Sub- prioreza
         l Secretario                                                                Mestra de Novicas
         I Tesoureiro                                                                18 Condignas
         I Procurador Geral
         1      Vigario de Culto



                 As funcbes dos mesarios praticamente continuarani inalteradas no
decorrer do seculo XIX. Os compromissos arenas detalham suas funroes e
 -------------------------------
   1're,jeto de romproinisso , ( I R72 ), Das atr• iliui Oes da Mesa, suas sessbes e fonrialidades,
 ep8',fl23
    ' '('!nlromissc^ de ) ^ do Pc^s.ric, d'as 1'orias de anmio  ( 1820 cap V1, cz l , doc 1, fl 10
               du cc^rrrprouiis •; c, 1 1 - 7   ), cap 1 X72,        1, doc 2,1, 8 t^cvuprornicso   ( 1900) caf, 2,
cr l , ^lc^c
25



acrescentam novas cargos . Por exemplo, no p.-ojeto de estatuto de 1872 e
no compromisso de 1900 aparece o cargo de andador , que seria uma
especie de auxiliar do zelador , ajudando-o em tarefas como vigiar e guardar
os utensilios da capela, ajudando o capelao nos suns obrigagoes,de assear e
zelar pelo patrimonio da irmandade . Em 1872, juizes, escrivaes, tesoureiro,
procuradores e consultores tiveram suns fungoes esmiugadas.23
        0 juiz, em 1820, possuia as seguintes fungoes : promover a devogao a
N.S. do Rosario, acompanhar os enterros , presidir a mesa, alem de fiscalizar
todos os neg6cios da irmandade . Em 1872, suas atribuigoes eram muitas,
entre elas assistir a todos os atos e reunioes, manter a ordem na associagao,
convocar e presidir as sessoes, decidir as eleii oes em caso de empate, alem
de tambem administrar todos os neg6cio :r da confraria. Em 1900, a
terminologia mudava de juizes                       pars priore s que              deveriam ser irmaos
respeitaveis por sua inteligencia , probidade e prudencia e tenham mais de 30
anos . Suas fungoes              se assemeihavam               aquelas propostas em 1872. No
estatuto de 1900, apareciam os cargos de sub-prior                                       e secretario (este
equivalia ao escrivao). 0 primeiro substituia o prior, quando necessario. 0
escrivao responsabilizava-se por conservar todos os livros                              e papeis relativos
aos negocios da Irmandade, por organizar as pautas das                                missas dos irmaos
falecidos, lavrar os termos de abertura dos livros de atas, de receita e
despesa. Lavrava tambem os termos dos innaos e irmas que entrarem no
seu ano. Essas fungoes foram mantidas como nos estatutos anteriores.24
         0 tesoureiro arrecadava o dinheiro para a instituigao. Em 1820, suas
atribuigoes nao estao detalhadas como nos estatutos posteriores. Era esperado
dele inteligencia e habilidade, para langar toda a receita e despesa nos
Livros da irmandade, sendo o responsavel por mandar dizer as missas pelas
aln)as dos confrades falecidos. Frequenternente havia acusagoes contra ele,

    ' 1'cc'jcto de comproniisso ' ( 1872 ), ca])9 , 1 3 e 16, cx l , doc 2,;)1-) 44-461 Coin promisso ... (1900 ).
 a] _' ^xl,doc3
,4 qI 0 ( c, ), , D. doc l 17 .. -, F'rnj etc) ...28i 9°
            ronusco      1 k2.     j]  . , cx I 20 2 1                              ( I   rap. 9'
] 0°,cr.                6, CompromiFso ...               cap 4, cx l ,doc 3.
26



justamente por administrar mal a vida financeira da confraria. Talvez por
isso no estatuto de 1872 houvesse maior detalhamento do seu papel.
Langava todo o dinheiro nos livros de receita e despesa, administrava os
ordenados dos empregados da capela , cobrava os alugueis dos imoveis da
confraria, alem de equilibrar a receita e                   despesa, evitando surpresas

desagradaveis para a associagao, prestando contas trimestralmente a mesa.

Em 1900, as fungoes praticamente                 ficararn   inalteradas , a excegao da
prest.agao de contas,            que deixava de ser trimestral: o tesoureiro deveria
responder pelo dinheiro sempre que solicitado. E desempenharia sua fungao
sempre acompanhado pelo secretario. Parece-mil aqui um tipo de fiscalizagao,
tima vez que as contas tinharn que ser conferidas pelo secretario.2'
            0 procurador representava e propunha solugoes para o bom andamento
da irrnandade. 0 estatuto de 1820 previa urn procurador geral, que ja tivesse
ocupado cargo de juiz, e quatro procuradores para servir a confraria, quando
necessario, conforme veremos em outro capitulo. Ele defendia a innandade
perante autoridades civis e religiosas. Uma fungao importante era avisar os
demais mesarios sobre, por exemplo, alguma agao movida contra a
associagao, sobre as festividades e os enterros, e the cabia frscalizar os
documentos. Acrescentava o cornpromisso de 1900 que o procurador poderia
protestar perante a mesa (Iuanclo julgar quc nao esta de acordo con) o
compromisso ern suas deliberagoes e contrarias aos interesses da Ordern.
Novamente sao os estatutos de 1872 e de 1900 quo explicarn melhor seu
papel.
             0 cargo de vigario do culto constava apenas no regimento de 1900,
cabendo                a cie zelar e   cuidar dos objetos da irmandade, alem de
providenciar  cera para as rnissas ,e conservar os aitares corn aceio. Os
consultores nao constavam no estatuto de 1900 , mas de acordo corn os
regimentos anleriores deveriam scr pessoas prudentes, [del born juizo e


f !','(i( '^, rid •7
27



conselho, especie de conselheiros,   solicitados pela mesa para opinar sobre
questoes administrativas . Tidos como       pessoas de bom senso, cram
requisitados quando a mesa precisava tomar alguma atitude mais importante.
Alem de cuidar da vida admnistrativa, tinham como deveres acompanhar os
innaos falecidos, participar das procissoes festivas e estar presente a todas
as reunioes da irmandade.26
      Atraves do compromisso da innandade , a distribui9do do poder entre os
mesarios era oficializada. A representatividade do poder era cuidadosamente
explicitada nesses estatutos . Africanos     e crioulos por muitos anos
determinaram a ordem politica no Rosario. Ern 1872 e 1900 os confrades
destrincharain melhor as firncoes da mesa e dos mesarios. 0 poder interno
foi cuidadosarnente elaborado     para normatizar a vida administrativa da
innandade . Quando acusada ou lesada , como no caso das disputas juridicas
ou de acusacoes    por nao cumprir seu papel, os mesarios obtiveram vitorias
e deri otas. Os padres, frequentemente, se queixavam      dos innaos, o que
demonstra urna certa incornpatibilidade entre o poder leigo e o poder
eclesiastico. As relacoes politicas no Rosario forarn cuidadosamente
definidas a fim de que nao pairassem duvidas sobre os cargos e suas
fiinGi es.
        Juizes, escrivaes, tesoureiros e demais r:iembros da mesa cram eleitos
anualmente e podiarn se reeleger. Os comprcmissos perrnitiam a reeleicao,
desde que previamente justihcada. E cs mernbros da confraria
constanternente se utilizavam deste recurso. Assim, em outubro de 1866, a
mesa solicita reeleicao para continuer as questoes que se achao principiadas
pedindo para isso approvacao da junta. Em 1882 tarnbem houve reeleicao
cla mesa para que esta pudesse concluir as obras da capela. A reeleicao
era, asslin, fato corriqueiro. Consultando os livros de atas observei que
aleuns resarios transformariam seas cargos em vitalicios. C) tesoureiro

                  1;211 1 '{i- 3.;^p Q-20
28



Manuel do Bomfim Galiza, por exemplo, elcito em 1880 , permaneceu no
cargo ate 1889 . Certamente esse irmao gozava de prestigio na irmandade
para sua reeleicao . Em 1889, o vigario o defendia: este deve ser reeleito
no so pelo interesse que tern tornado para o augmento da irmandade, como
par estar          ainda em obra a capella . Por outro lado , muitos confrades
recusavam-se a assumir os cargos da mesa . Os mesarios queixavam-se da
ausencia de pessoas para tal. Em 1842, a mesa se preocupava pelo fato de
que neste anno nao tern sido possivel aparecer urn so hornem para aceitar
este cargo, por motivos particulares, outros talvez por conhecerem a
decadencia da Irmandade a maior parte por nao saberem ler, escrever, nem
assignar seu              nome . Talvez alguns confrades            nao se interessassem em
a.dnrinistrar uma associacao pobre, outros por nao condizerem corn o modelo
de mesario estabelecido pela irmandade , ou ainda por esta nao ser mais um
atrativo pars os negros. Isso pode explicar, em parte, as frequentes
reeleicoes.27
          Acusacoes contra mesarios foram fregeentes na confraria do Rosario.
Aqueles que ocupavam cargos cram mais visados. Em 1870, o procurador
geral da irmandade foi suspenso e sua eleigho anulada, por este ter se
negado a assignar e satisfazer a sua pronressa de leis mil e quatrocentos
refs. Ern 1899, acusado de desfalque pelos irmaos da mesa, o encarregado
das contarias foi afastado do scu cargo. Na mesma sessao, o tesoureiro da
associaciio foi contrario a homenagear o definidor Manoel Nascimento por
ser igos prestados a instituicao. Estabelecida a discussao entre eles, a mesa
suspendeu a sessao ate que acalmasse as anirnos.28
             Esses episc dios revelam que a politica interna no Rosario era
cortilit.uosa. Acusacoes e descontentamento dos confrades corn a mesa foram
constantes. Cerlamente que o monopolio por detenninados grupos desagradava

27 f-..111 3.R Termo de F:erolu c', 03 de outubro de I FC66, cx.3,doc04,x,.34. Sobre rr_elel;ao ver
Lnvros de (1 kF0-1 kk?7. cx 4 : cc^rTesF,on lencias, cx 21, dc'c 024, 1 E,42
     1 11 1'1 Terri c it is do='cmlr: d: I P7n cx 1 3, do c 0 4 T1, f 2-« , ec'l'rc c
{r.'1 }^l C1Ur c ' 1,P,'r^^ SIP   1,^:^r f 1f 7'):.   i.Ic^,   f1C:-l-          -
29



os demais, principalmente quando se tratava de uma monopolizacao
duradoura.




 Aliangas e rivalidades na mesa.
       Os mesarios de 1820 cram, via de rcgra, angolanos ou crioulos. 0
poder pertencia estrit.amente a esses grupos. Rezava o compromisso que:


                                     no armo ern que for o Escrivao da serie dos An-
                                     golas,seja o Thesoureiro da srie dos Crioulos;o mes-
                                     mo se ha de praticar corn o Procurador Geral [... J24


         No projeto de compromisso de 187;2 nao ha referencia quanto a
condicao etnica dos mesarios, o que reflete o contexto da epoca. 0 trafico
negreiro havia encerrado e a restricao etnica nao fazia mais sentido, pelo
declinio da populacao baiana nascida na Africa. A escassez de homens
africanos se refletia na politica etnica das irmandades. 0 Rosario se
transformou, na segunda metade do seculo XLX, em unia irmandade crioula
e, portanto, brasileira.
      0 livro de entrada de innaos do seculo X/'M e inicio do XIX revela

que crioulos ja predonrinavanr na immndade. ism seguida, viriliam os jejes e

os an olanos. A difereri a entre crioulos e jejes era nruito pequena, nras o

numero de negros que se declara pertencer a algum gnrpo etnico e infimo,

o que dificulta a analise.

       Numero de irmaos registrados (1719-1837)             3175 percenlual
 Crioulos 115                                                             3,6%
 Jejes              103                                                   3,2 %
 Angolas 48
 Mina -------- 37
 Benguela                     17                                            jr
                                                                           11,

                  1,' i 1•-^..-.^iro -inr 1 o!1 dc,a.,tic,. ldc c 1,f] 14
30



 Nag8s                        4                                  0,1
 Mocambique                   3                                 0,09%
 S/ Declaracdo de origem    3 . 157                              89,1%
Fonte: Livro de Entrada de Imam (1719-1837 )



     Os angolas se aliavam mais com os brasileiros ( crioulos) do que com

os patricios africanos. Curiosa a dinamica etnica no Rosario. Apesar dos
jejes ingressarem em grande numero, eles eram proibidos de compor a mesa
diretora. Esta continuava, ate aproximadamente a segunda metade do seculo
XIX, dominada por crioulos e angolas. Na eleicao de 1871, crioulos e
angolanos continuavarn dividindo o poder na confraria. Para 1° juiz o
vencedor foi o angolano Gaspar da Costa Julio. Da serie dos crioulos, Joao
Luiz das Virgens( 20 juiz ). Posteriormente a esta data nao foi encontrado
nenhum documento sobre eleicoes que destaque a participacao diferenciada
( crioulos ou angolas) como mesarios.30
    A alianca entre crioulos e angolanos talvez possa ser explicada pelo
fa.to de terem sido os angolanos os primeiros a chegarem a Bahia, e
tivessem se adaptado aos costumes da terra.. Na virada do seculo XLY,
continuavatn a chegar e se juntavarn a sous patricios. Nesse momento, eles
se transfonnavain ern afro-baianos. Concordo corn Reis, quando afinna clue
os angolanos foram introduzidos as rnaneiras e nialicias da terra do
branco e guando os sudaneses comeCaraln a chegar ja havia uma longa
tradi4ao angolana de interac io com o meio brasileiro e seus habitantes, entre
os goals os crioulos. Nao e possivel desprezar o espaco que a cornnunidade
anolana ocupava na Bahia. No Rosario, erarn os rnais antigos e nao iriam
ceder seus cargos Para outros grupos de aGicanos, principalmente quando
estes }ossem sudaneses, sear qualquer 1parenbesco lingi istico on cultural, e




                                                       jq,
31



que por seu grande numero pudessem n;presentar ameaca a tradigao
angolana. Queriam preservar o poder utilizando o criterio da antiguidade.31
     Controlar a mesa significava, entre outras coisas , controlar os irmaos de
outras etnias, alem de administrar diferenra.s etnicas. As irmandades eram
canals de administrarao dessas diferengas. Angolas uniram-se aos crioulos,
foram capazes de organizar estrategias de aliangas e rivalidades. 0 que
parece estranho e o fato de crioulos e africanos se solidarizarem , porque o
comum era o conflito . Basta lembrar que nas revoltas escravas do seculo
XIX, crioulos estiveram ausentes . Crioulos, cabras e mulatos no participaram
de nenhuma das mais de vinte revoltas escravas baianas anteriores a
1835.32
   Cada irmandade negra era dirigida por urn ou mais grupos etnicos. A
alianca crioulo/angola tambem se repetiria na Irmandade                                     do Rosario da
Conceicao      da Praia e na Irmandade de Santo                                 Antonio de Catagero, da
matriz de Sao Pedro. Nelas apenas                              esses dois        grupos podiam ocupar
cargos de direcao. Mas tambem a origem etnica revela que muitas vezes
africanos se uniam a africanos e repugnavam os crioulos. Esse foi o caso
dos ben,guelas, que dividiarn com as jejes as cargos de mesarios na
lrniandade do Rosario da Rua Joao Pereira. E na Innandade do Senhor Boni
Jesus dos Martirios, em Cachoeira, os jejes expressararn sera rodeios sua
animosidade em relacao aos crioulos no Compromisso de 1765, admitindo-os
se pagassern urea joia dessezeis vezes mais cara e proibindo-os de
exercerem cargo de mesa. Outro caso de hostilidade etnica foi comprovado
atraves do compromisso de 1800 da Irmandade do Senhor Bom Jesus da
Cn,z dos Crioulos, tambern de Cachoeira, que aceitava apenas irmao
natural da terra, e caso entrassem Angola, Benguela ou Costa da Mina,
sera riscado da lrmandade. A excecao                                era apenas           para as inulheres
tefguclas, aiii olanas e da Costa da Mina (-,asadas corn os menibros da

    r,     7 ... c~,. ,ra uo Fr; sil            1, ] ^.5
             '1 ( (   i(PIi Cl   1'
                                  t   S., cc   la'bCli(:O ('S^ IQVQ Pic) 1'r; jj 1 1 7.
32



confraria. Estas eram aceitas em atengao aos maridos. Em caso de viuvez,
se casassem pela segunda vez sem ser cony os da terra perderao toda a
honra da Irmandade.33




    As mulheres na mesa
           As mulheres ocupavain cargos nas confrarias negras, inas a origenn
etnica tambem criava regras entre etas. No caso da Irmandade do Born
Jesus dos Martirios, de Cachoeira, citada ant.eriormente apenas as mulheres
crioulas podiam exercer cargos , mas corno membros comuns as mulheres,
independente de suas origens ,                        eram desejadas nas irmanda .des africana.s,
talvez para aumentar o estreito mercado afetivo dos homens, sendo elas
pouco numerosas na comunidade africana.34
         As inn As do Rosario das Portas do Carmo participavaln de urna mesa
exclusivainente con-rposta por nnrlheres. Erarn juizas,nrordonras e procuradoras.
As mulheres crioulas e angolas poderiam, pelo compromisso de 1820,
ocupar apenas esses cargos. Assim rezava o estatuto:


                                                   Em cada aria se elegerao as Juizas que forem sufti-
                                                  cientes de hurna e outra nac o,doze Mordomas , ou mais
                                                  se poder ser, duas Procuradoras as quacs poder5o ser
                                                  Innis on nao. 3'


            No projeto de conii)roIIIisso de 1872, existe referenda a juizas e
mordornas de festa . Em 1900 , o comprornisso deterrrrinava que as mulheres
tomariani        parte na administragao e gozariam das                            mesmas regalias dos
Irmaos mezarios em tudo que estiver de acordo cons seu sexo. A
l)articipagao administrativa das mulheres est.ava liniitada , pois eranr do sexo


^' P.eis, A rtortc e unto fc:ta ... r,56 C oniprorn ,; o da Inna_idadc do Senior Dom Jesus da 1niz
 1 ' ^'ri^tl,.,c, la Jila da I'tip II r,ttra  I 1 s:001, i-al, 11 'do( 10,111.,; ; Al N S k
'4 T:cis, A !Torte c^ tcnta rc::fo ...1,.5£x
                       l,i   lrTti;vrl^v1, d, N ,In         dui: I c,rl as r1r, 'arnin   I1^Zr'],   ctq' V111, cx 1, d:,r 1,
 1 r:, I.1 14 F'.
33



fragil e, supostamente nao possuiam capacidade de decidir. Essa
desqualificacao do sexo feminino esteve presente desde o estatuto de 1820.
Proibiam-se os escravos de ocuparem certos cargos, as mulheres,
independente de serem ou nao livres , no pcdiam ocupar certos cargos,-os
ma is importantes ou de direrao - porque pela qualidade do sexo nao
exercitao       ato de mesa .          Nesse estatuto , a. funcao                       desempenhada pelas
mulheres seria assistencial : visitar os enfennos , orientar-se do tratamento [que
os doentes ] recebem e da boa ordem. Russel-Wood assinala a importancia
da ala feminina das confrarias de cor no que diz respeito a atividade de
assistencia social: As mulheres das irmandades desempenhavam um papel
vital e essencial na prestacao de servicos sociais aos                                       irmaos e a suas
familias atingidas pela doenca e pela pobreza. 36
        Pelo estatuto de 1765, as irmas do Senhor Bom Jesus dos Martirios,
de cachoeira, tinham como atribuicao cuidar da festa e da procissao. Os
homens pretos do Rosario de Camarnu apresentararn arenas classicas do
patriarcalismo no tratamento de suas mulheres. Pelo compromisso de 1788,
as irmas procuradoras realizavam tarefas tai; como: lavar a roupa branca,
preparando-a com toda limpeza para o use das Missas, cosendo-as e
reforrnando-as.37
       As mulheres na irmandade do Rosario cram maioria subordinadas. Dos
3175 irmaos catalogados pelo Livro de entrada de irmaos para o periodo
1719-1837 , 2204 cram mulheres, representando aproximadamente 69% dos
rnembros, mas continuavam sem ter poder administrativo. Das 161 escravas
que ocupavam cargos nesse periodo, apenas treze registraram sua etnia: seis
erani jejes, cinco crioulas e duas angolas. Aqui apesar do numero reduzido
de dados sobre a origem etnica das mulhel-es, as irmas jejes e crioulas

'6 Frojeto de Compromisso de 1872 , cap.6°, cx 1 ,doc.2, p . 16; Compromisso ... 11900], cap 4°
Plrihui;i:'cs da Prioreza, Oub Priorez a, 1,4cstra de 1^ovi;a e Condig ias cx 1, doc . 3 ;Cornproniisso...
  1820], cap.?:VI, ex l,doc 1,t7, 16; A.J.R Russel-Wood Flack and mulatto hrotheroods in Colonial
Lraril a study in collective hehavio aped Luciano Fiz,ieiredo, C' Avesro da I mdrla . C'ntidiano C
           do   o d 0cr cm 1 i riu
                 u                   icrC: L rev '('L7,do : i71, Fdtl1 ', J('.E' r ]y111 to, 1 993, r 1 C-^.

    a±ri. r, 1,Ojlvt'v, 17re F;aCk C,ci1' _;,, , Rris. A morte 6 w?ic testa ...1' 58'
34



dividiam os cargos, o que demonstra que as regras de discriminacao etnica
foram subvertidas pela ala feminina do Rosario . Entre 1720- 1818 , dez juizas
eram da narao jeje. Isso sugere a no exclusito etnica entre as mulheres, no
periodo anterior ao estatuto de 1820. A partir deste apenas as mulheres
angolanas e crioulas dividiram o poder na mesa . Poder relativo e limitado
pela ala masculina.38
        0 que explicaria o grande numero de mulheres nas irmandades negras?
A oportunidade de usufruir da assistencia material certamente influenciou a
entrada delas, mas os homens tambem foram atraidos pelo mesmo motivo.
Estudando o cotidiano das                   mulheres mineiras            no seculo XVIU, Luciano
Figueiredo explica a paiticiparao das mulheres negras nas irmandades como
um reflexo da vida que desempenhavam nas comunidades mineiras . 0 baixo
nivel de vida a que estavam submetidas e a consequente necessidade de
obter a assistencia social              oferecida constituia-se em importante motivacao
pars o seu ingresso[...].Tambem buscavam ali condicoes para um convivio
social corn seus pares. 09
      Figueiredo comprova a enorme expressac da mulher nas irmandades de
negros e mulatos. Participando ou n io das mesas dirigentes, o elemento
ferninino assurniu realmente urn papel significativo. Talvez em Minas Gerais
as mulheres participassern, decidissem os assuntos da confraria.40
      Em Salvador, as innas do Rosario raramcente aparecem na documentacao
consultada. Sao juizas, oferecem sermoes, constantemente sao cobradas pelo
atraso dos alugueis, sao viuvas defendendo sous rnaridos das cobrancas dos
mesarios. 0 registro de entrada de irmaos no traz dados sobre a condicao
civil dessas mulheres. Mas, atraves dos testamentos de libertos para o
periodo de 1790-1844, foi possivel identificar que das 38 testadoras que
perienciam a irniandade de N.S. do Rosario, 23 erain casadas. Mesmo nao


't JI_I N 5 R Li,,: o de entruda de irrriaos ( 1722-1526Y, cr. 7,duc 1
     u' i;rin      ued^^,
  I iCti irr^i    /•ae sso 1 ^ 2
35


tomando parte das decisoes administrativas, as irmas nao estavam na
confraria apenas em busca de auxilio material. Essas mulheres eram
comerciantes, desinibidas e ganhavam mais dinheiro que os homens . Estavam
ali para ajudar seus maridos e os seus irmaos etnicos.41
        A vida administrativa da irmandade estava assim organizada . Conflitos,

tensoes , monopolizacao etnica, bern como o pratiarcalismo que imperava na
confraria fizeram parte do cotidiano dos membros . Os compromissos definiam
as relaroes sociais e de poder no Rosario . Vida social e vida politica cram
ditadas pelos estatutos.
           Os principais aspectos tratados pelos compromissos do Rosario
rnudavam de acordo com a epoca. 0 projcto de compromisso de 1872
propunha algumas mudancas , o estatuto era mas simplificado e as funcoes
da mesa mais              detalhadas. Entretanto, sua aprovacao nao aconteceu.
Infelizmente a documentapi3o                 nao esclarece          o porque do veto das
autoridades. Talvez, como afinnaram Bacelar e Souza, a proibirao do
estatuto estivesse relacionada ao fato dos irmaos pedirem a elevarao da
instituirao a categoria de ordern terceira.O que significava prestigio na
hierarquia eclesiastica. Aquela no era uma epoca propicia Para se atender
ri solicitacao de negros orgariizados. Os debates em torno da carnpanha
abolicionista favoreciarn aos negros e seus defensores, o que certamente
contrariava os poderosos da epoca. Permitir aquela prornorcao poderia
significar uma brecha favoravel aos irmaos negros. Os irmaos se tornariarn
terceiros eni 1900. Certamente que o nrometito favorecia a pronrocao, mas
quanto a isso tratarei adiante.




41 Agrade^o gentilmente a Profa. Marla Ines Conies de Cli^eira por ter colocado a nrinha disposicao
a listafiern dos testadores que pertenciarn as irmandades entre 1790-1890. Do total de 350
testarnentos de africanos lii ertos pesquisados pela autora, I ? perterrciam a algurrra irmandade, 52
testadores do periodo 1790-1844 faziam parte da irmandade do Rosario das Portas do Carno. Listei
o nir!ncro de mulheres testadoras, que n-mis urna ve:_ erar» rnaioria, e obtive o perfil do estado civil
^lrl,rv ti,r.trt niulhcrrs iiiertas e cscrava^ vr-r l4 ttoso F;,_;ln sec.Jo uma provincra no Inperro
36



                                CAPITULO II


   O TRIUNFO DO ROSARIO SOI3RE 0 ESPIRITO MALIG-
NO: CONFLITOS ENTICE IRMAOS E PADRES.



     A vida nas Irmandades religiosas nao era apenas feita de harmonia e
solidariedade , principalmente quando se tratava do relacionamento entre ir-
maos e clerigos. Queixas contra o vigario da freguesia , o capelao da Igreja,
a vigilancia e o controle or estes da conduta moral dos irmaos , sua intro-
rnissao nas festividades das associacoes , que fi-equenternente consideravam
urn espetaculo profano , alem do n9o pagarrLento de servigos prestados pelos
pobres e , t.ambem, a prestadoo de contas dest.es a instituica .o - eis alguns dos
motivos mais constantes dos conflitos , mutas vezes acirrados , entre padres
e innaos pretos de Nossa Senhora do Rosirio as Portas do Carmo de Sal-
vador.
         E interessante observar que tais corrflitos tinham uma logica propria.
Os leigos se consideravam a propria Igrea e, nutna irmandade negra, essa
tendencia aumentava consideravelmente porque esta representava uma das
poucas chances de organizarao formal e relativarnente autonoma dos negros
na cidade. Pot- outro lado, a hierarquia eclesiastica queria controlar ao maxi-
rrro a Vida dos innaos. Diante dos diverscs interesses em jogo, o choque
cntre as pates era inevitavel. 'J'udo isso parece unr pouco ubvio, mas o que
Lorna essa historia interessante e o fato dessas querelas se arrastarem por
todo o periodo colonial e imperial e trazerenm a tona questoes bastante elu-
cidativas a respeito das relacoes de poder estabelecidas, e is vezes do con-
fi-onto direto, entre o poder leigo e o poder eclesiastico. Ao inesmo tempo
esses eanbales demonstranr a capacidade de organizarao, de negociacao e a
37


combatividade dos negros contra os adversarios, na defesa do que considera-
vam seus direitos e seas interesses.1


 Parocos , vigarios, capelaes na ordem religiosa
      A formacao do Brasil aconteceu em grande parte atraves da acao do
Estado e da Igreja. Estreitamente associado3 , esses poderes ditararn as nor-
mas de conduta dos civis e religiosos no periodo colonial e imperial. Entre-
tanto, por forca do Padroado, a Igreja foi obrigada a exercer urn papel se-
cundario. Os negocios eclesiasticos ficariam inteiramente submetidos ao poder
da coroa. Na realidade, o monarca portugues tomava-se assim uma especie
de delegado pontificio para o Brasil, ou seja, o chefe efetivo da Igreja em
forrnarao. Ao Papa cabia apenas a confirnricao das atividades religiosas do
ref de Portugal.
         Afirma a historiadora Katia Mattoso que, sob o instituto do Padroado,
a Igreja catolica parecia dirigida por leigos. A hierarquia era pouco respei-
tada por padres e fiefs. Na major parte dos casos, o dinheiro destes ultimos
mantinha o culto e a cliama da fe das irmandades. Entretanto, reconhece
Mattoso, foi com o est.imulo da Igreja que a acao dos leigos se tornou
possivel.?
         A vigilancia e o controle da Igreja cram exercidos pelos vigarios das
freguesias, pessoas mrrit.as vezes pouco populares perante os innaos. Acusa-
dos frequentemente de cobrar preros exorbitantes pelos servicos, o clero en-
trava em choque corn os mernbros das inmandades. A.lguns dosses episodios
seriio analisados adiante. Antes disso e born esclar-ecer quaffs os papeis de-
sernpenhados pelos padres na ordem religio^a.


  Julita S._aranc',Llevo4to e E$cravld'do A Irma dadc do 1-foss    Sen/fore do Rosario dos t.cto.^• no
J):stnto ih^7nulntrno no stcuJo }x7111, S'1o Paulo, N cional, 1975, p 51 ; ver tarnhE-m Joio F'.eir, Dife-
r n;s,r e F. is;Fiicias ;io Frasil escra^•i:,ta. Tent, ,n' ^,f
 l.duardn !itwrnirri. IL ^;tcn^1 • c j ro is ' o F',lsjl. Jr-i Ira a, 4, ed , I -trbpolis,'Io:.t::, F'auIiii
1'. ,j 1,;,

i   --
38



     0 vigario era o chefe da freguesia , rnas para ser paroco era nomeado
oficialmente pelo Estado e seu cargo era vitalicio. Os vigarios tambem po-
deriam ser vital icios ( vigario colado ), on encomendados, nomeados pelos bis-
pos temporariamente , ate que viessem a obter nomearcao official, que podia
demorar longos anos.O paroco reunia na sua paroquia as capelas sob a
responsabilidade de capelaes . Alem desses capelaes, Mattoso identifica mais
duas situaroes que encobriam a denominagao de capelao :  a do que exercia
suas funcoes sacerdotais junto a uma irmar.,dade religiosa ou uma familiar e
a do que ajudava no coro catedral , apesar de nao ser conego . Havia tam-
bem capelaes nos engenhos e nos quarteis.4
      Acrescenta ainda Mattoso que os capelaes forain os responsaveis pe-
los encargos das almas de uma parte da populacao numerosa, que escapava
ao clero submetido a autoridade episcopal . Os padres -capelaes que serviam
irmandades eram maioria . Nesse caso , o capelao era nomeado pela Mesa
adrninistrativa da confraria e eni tese estaria sob o controle dos innaos.
Ficavain ate sujeitos a sancoes , se negli €;enciassem atos de culto on se
cobrassern por eles mais do que fora estipulado.5
      Queixas das imrandades contra os parocos e capelaes foram frequentes

durante o periodo colonial e imperial . Os f'ieis no viam seus padres conro

modelo de coml?ortamento. Esses erarn freq-ientemente vistos corno mercena-

rios, preocupados mais corn bens materiais do que com a       assistencia espiri-

tual. Por outro lado, os padres queriam set pag os pelos servicos prestados,

pois precisavaln de clirr}reiro para seu sustelito. 0 comportamento dos padres

brasileiros seria tipico? Que foiinacao terian recebido Horror clerigos? E no

nnininro interessarite conhecer urn pouco da historia desses sacerdotes.

      Remontando a unra epoca distante, conta-nos Thales de Azevedo que

ON padres que vieram de Portugal pertenciain a escc ria do que la havia de

sacerdotes - uns suspensor de ordens, outros rebeldes e insubnrissos. Sobre a
39


formacao do clero, Azevedo city o caso de Diogo Antonio Feijo, que se
ordenou sem nunca fazer um curso regular. Formava-se o clero de forma
precaria. Acrescenta o autor que , para substituir os jesuitas , ao extinguir-
se a ordem benemerita, o marques de Pombal fez ordenar e seguir para o
Brasil padres preparados as pressas , em coisa de seis meses , recrutando su-
jeitos imbuidos de regalismos e par certo mais preocupados com a politics
e com o emprego do que com a religiao . Na opiniao de Azevedo isso
explica o grande nrirnero de padres sem vocacao para a carreira.6
         Certarnente que os padres do seculo XIX herdaram muitas das carac-
teristicas dos seus antecessores. Era mur.o comum no Brasil os padres
destoarem dos padroes que o Concilio de Trento procurara definir. Em sua
pesquisa sobre a Mesa de Consciencia e Ordem, o historiador Guilherme
Neves identificou varios casos de transgressoes perpetradas pelos clerigos,
corn desmazelo, embriagues, atitudes injustas e violentas e, sobretudo, concu-
binatos. Alem da constante intrornissao dos parocos nos assuntos da admi-
nistracao da justica., como foi o caso do paroco de Carinhanha, as margens
do rio Sao Francisco, que em 1825, valendo-se da ignorancia dos juizes
leigos, extorquia os paroquianos corn direitos excessivos da estola... C ainda
por cima vivia escandalosamente amancebado coin urns prostituta.'
         Trabaihando corn 114 testamentos e 29 inventarios de padres falecidos
na Bahia entre 1801 e 1887, Kat.ia Mattoso pode observar que o clero, ape-
sar de se declarar celibatario, testava a favor dos seus filhos, reconhecendo
seus deslizes. Entretanto, Mattoso acredita que niio se tratava de nenhurna
aventura amorosa e sem consequcncias, pois apenas 25% dos padres decla-
rarain um filho. Quarenta por cento deles chefiavam farnilias numerosas, corn
tres filhos ou mais o que exclui a ideia de relaroes acidentais, result.antes
de fragilidades passageiras. Os padres rnaritinhain sempre a rnesrrra mulher,

  Ill^df; ^Ir f^_rar , I^ Irncrt:o du ^id,^Je to S.^lvcdvr, ^,Iaa,Itaru7a 1'_-'69, 214-15
    ^uilF^-m F'rre^ra d;,^ N v(.^ Fntre o                 I bless de Co±aciencic E, -Irdrus e o

I C^.'r',: 1^,.._. ^. ..:^•^. ^^.;   ). 1.;`^_^. }'.Ijll: _.^'.^ _ •.1^.1P .   1_ G ti:
40



mae de seus filhos. As normas do Concilio de Trento pareciam mais ficcao
do que realidade. Em 1857 , na cidade de A lcobaca, interior da Bahia, os mo-
radores denunciaram o vigario encomendado Francisco Jose de Oliveira
Fonseca, por este ter  uma mulher casada e acha- se com ella concubinato
publics e escandalosamente; passando seu desejo a ponto de apresentar-se
com ella na sua janela, e na ports da run de sus casa de morada, e de
noite deitados na calgada. A regra do cehbato continuava a ser transgredi-
da.
      Alem de comportamento clerical nao tao exemplar, a situarao material
deles era delicada. Os vencimentos, quando recebidos, cram minguados. Os
parocos raramente atingiam os niveis da remunerarao media recebida por
artesaos , pedreiros e marceneiros , que era de 200 mil reis anuais. Os viga-
rios colados possuiam fontes numerosas , mas as quantias arrecadadas varia-

vam segundo o numero e a riqueza dos paroquianos. A situacao dos viga-
rios encomendados era pior ja que s6 podiarn contar cone a generosidade
dos paroquianos. Essa situarao vexatoria explicaria em parte os interesses
do clero nas recompensas materials da vida religiosa. Teremos, desse modo,
padres-funcionarios mal pagos pelo Estado que completavam o orcamento
cobrando por seas serviros valores as vexes exorbitantes.9




  O jogo de interesses e a aprovrrcrio do compromisso
      Os conflitos na Irmandade do Rosario das Portas do Can-no vinham
de lon,ge. A corifi- aria fora erguida e confinnada na Se Catedral , ern 1685.
Entre 1703-1704 os irrnaos conseguiram levantar sua propria capela as Por-
tas do Can-no. Quando, em 1718 , a nova freguesia do Passo foi desmernbra-
da da Se, os paroquianos , ainda sem a SL a rnatriz, ocupararn a capela do




                         rr                       -
41



Rosario dos Pretos. Entretanto, os negros dirigiram- se ao Rei, por intermedio

do govemador do Brasil, conde de Sabu€;osa ao Rei, queixando-se dessa
apropriacao injusta. Carlos Ott assinala o papel importante clue desenvolveu
o conde de Sabugosa, pronunciando-se a favor dos irmftos do Rosario. F
assim urna Carta datada de 1726, obrigou c vigario do Passo a devolver a
igreja aos pretos. Assim dizia:


                                           Fago saber que por parte dos juizes a Irmaos
                                        da Irmandadi, que fizeram hua ermida as suas pr6
                                       prias custas para o que impretaram primeiro do Re
                                       verendo Arcebispo ... a estando assim a sua Inman
                                       dade corn toda a descencia; e como nessa cidade,ser
                                       to da mesma ermida e erigira tambem hua Igreja
                                       para Matrix pedira o dito Arcebispo aos Suppli
                                       cantes que em quanto estava sendo acabada os fre
                                       guezes adrninistrava nos na ermida [ Rosario J. E es
                                       tando assim :ilguns dias intentarlo as ditos freguezes
                                       a se apossarem-nos da stia F.rmida que flies tintra cus
                                       tado tando traballro,e despesa de sua fazenda para lies
                                       servir de fre€vezia e vendo as supplicantes esta injus
                                       tica que lhes queri o fazer recorrer1o a nrirn pars que
                                       os mandasse comerciar na sua antiga posse (...)10


     Aos paroquianos do Passo, no restou otitra alternativa senao acatar a
decisao do Rei e construirern sua propria matriz. Que houve muita oposi-
q5o disfsu-cada dos paroquianos contra a decisao do conde de Sabugosa,
mostra o fato de terenr protelado mais dez anos o inicio da constnrcao da
matriz do Pass,-,). E mesmo quando. em 1736, comecaram corn as obras, os
t.rabaihos se arraslaram por varios anos e no se devem ter rnudado para a
nova rnatriz antes de 1740.
      Nesse acontecido, a justiga prevaleceu gragas a altivez desses negros,
eras o apoio do conde certarnente muito contribrriu para o desfecho. Resta
perguntar o por que da decisao do governador. Acredito que resulta do seu



                  J:,lt' de N de IN i iric' d J - -tc dc, }'e lc,uririhc,,   9* A^ur:, :-;, r ]5

              ^--rrCr.;Iic u N ^i_ I ,_--
42



bom senso , tentando evitar alguma razao dos negros . Havia negros rebeldes
na colonia, sobretudo reunidos em quilombcs . Caso o pedido do governador
fosse desfavorsvel a irmandade , o governo poderia ter de enfrentar reunioes
de negros , pedindo justica, e ninguem sabe onde isso poderia dar. Favorecer
aos membros do Rosario significaria traze-lc,s para mais perto do olhar vigi-
lante das autoridades.12
     Era de se esperar que o trato dos brancos corn os membros das ir-
mandade de cor fosse permeado por muit.cs conflitos , tanto no periodo co-
lonial como imperial . Afinal, o controle social era uma razao     fundamental
para a tolerancia dessas instituicoes e, se tanto o poder eclesisstico como o
poder civil intervirarn muitas vezes nos assuntos da irmandade do Rosario,
foi para corrigir desvios dos negros para melhor controls-los. Nesta batalha,
os padres foram soldados de linha de frerrte e, portanto , mais suscetiveis
de entrarem em choque direto com os irmaos.
         Naquele mundo, controlados pelos brancos, os rnenrbros do Rosario
tentavam burlar os olhares vigilantes dos padres. Com desinibicao , os mesa-
rios da innandade fregiientemente recorriam a intervencao do poder temporal,
e outras vezes ao bispo ou arcebispo local. Talvez o caso da disputa pela
capela, em 1718, tivesse sido o primeiro sinal inrportante de que os negros
nao iriam aceitar qualquer tipo de injustica. E isso se confirmaria, corno ve-
remos mais adiante. Apesar de socialmente fracos, os negros da irmandade
souberam fazer politics, procurrndo apoio, proteyao, intemrediacao ou exigindo
justica dos poderes constituido do governador.
      Diante de qualquer ameaca a confraria, a Mesa logo acionava seas

procuradores para defende-la. A via utilizada para lutar e garantir os direitos

dos imi ios negros era, alem da peticao as altar autoridades, a via juridica.

A rnaioria das causas que envolvia a Inuandade era defendida por urn Pro-
curador Genal. O c'.irupromisso de 1820 estabelecia que fill cargo fosse ocu-

     r
43



pado por um irmao , revezando- se os da serie Angola com os da serie dos
Crioulos. Assim rezava o estatuto:



                                              Haver'a na Mesa hum Procurador Geral pes
                                             soa agil e diligente que ja tenha servido o Car
                                             go de Juiz [...] a este tera a Mesa todo respei
                                             to; hum anno sera da serie dos Angolas, outro
                                             da serie dos Crioulos [...] tomar'a conhecimento
                                             de todas as determinacdes da Mesa que no for
                                             a bem da Irmandade para se oppor e protestar [...]13


      Atraves desses procuradores, os negcos do Rosario reclarnaram seus
direitos diante de autoridades civis e eclesidsticas, pelo simples fato de nao
adrnitirern que a palavra do padre, por exernplo, fosse considerada como a
ultima nos assuntos da confraria. Quase sempre, quando um novo compro-
misso estava para ser aprovado, esses conflitos afloravam. Foi o que aconte-
ceu no processo de aprovacao do compromisso de 1820. Pela docurmentacao
consultada, percebe-se o ernpenho da confrVia em aprova-lo na forma origi-
nalmente concebida. Ern 1810, o entao procurador da confraria, Vicente Porfi-
rio Soares, se encontrava na Corte do Rio de Janeiro, demandando junto a
Real Magestade a confinnaGao do compromisso. A partir dessa data, os
conflitos entre o vigario colado do Passo, Vicente Ferreira de Oliveira, e a
irnandade do Rosario, gartliariain folego no Tribunal da Mesa de Conscien-
cia e Ordens. Aparentemente, a contenda continuou no ano de 1821, quando,
rrtesrno apes aprovado o estattito, o procura:or dessa epoca, Jose Vicente de
Santana, pedia o acrescimo de rnais tres capitulos. Se conseguiu, no fica-
rnos sabendo. Entretanto, o episodio demos!.ra a desarmonia existente entre
lei,gos e clerigos, trazendo a tona a luta dos inmaos negros contra o precon-
ceito e a arrogancia do vigario.



  1,_111 I. I „N,;sn, d:,: InnandadP de N N:n, 11'3
  J2 F 1!] : ,;, ^^ k z C It k!-I! .c 1 11, 1 1 it
    1-! , . :1- :i= .'l 'it i^^1. i. :''.1
44



        Na documentarao consultada, encontrani-se as queixas dos irmaos con-
tra o vigario, acusado de querer interferir, indevidarnente, em assuntos da

confraria, se opondo a aprovagao do compromisso , alem de cobrar de forma
exorbitante os servicos prestados , tirando excessiva vantagem financeira. As-
sim, pronunciava-se por exemplo Jose Vicente escrevendo do Rio de Janeiro:
que elle recebe primeiro os direitos de sua fabrica e por tanto encomenda
os defuntos em sua Casa antes que venhao a ser entetrados nesta Irmanda-
de. Por outro lado, o padre Vicente Ferreira de Oliveira se opunha ao esta-
tuto por este ser muito ofensivo e destruti'vo dos Direitos Paroquiais, con-
siderando-se tambem espoliado pela irmandade. 0 que podemos deduzir, e
veremos adiante, a haver um conflito de interesses nao apenas espiritual, mas
sobretudo material entre a innandade e o vig6rio.15
        Agressoes, xingamentos constam das ca-tas enviadas pelo procurador, do
Rio de Janeiro, aos mesarios da irmandade do Rosario, em Salvador. Quase
sempre o padre era definido como servical do Diabo, que infernizava os
devotos do Rosario, sendo urn espirito maligno. 0 mal aqui estaria sendo
servido pelo mensageiro de Deus. Assim ele escreveu. ...faro guerra ataco
o inimigo e temorizo-o e gritando viva a mae de Deus do Rosario estou
corn a fe, esperanra de levantar estandarle da vitoria contra o inimigo infer-
nal a que protesto vencer com as proteriies tao Diving... Estava declarada
a ,g uerra. Alias esse e um terrno rnuito :rtilizado pelo procurador, quando
fazia referencia ao desenrolar dos acontecimentos. Talvez, Canto o vigario
quanto o defensor da innandade realrnente pensassem que se tratava de uma
luta em que so haveria um vencedor. lb
         Resta-nos saber de forn-ia rnais detall'ada as desavenras entre as par-
tes. Segundo relata Jose Vicente. o vigarie pertubava a paz da confraria,


       Iu', -- uradc,r g11ieizava-ue d l , g' arlc, sc apropnrtr do dilLtiieiro is f5l,rlca, urn fw3o de resrlVa
          ^;r)a I c,ssuSr,. din!lairn t5!:jktui dt vf,na SCr' rel^.:SsI, ln l,ar3 a ITi1r11n-la,JeCr P114 S I-'-
                   , ,,1^ 1 5'vl;:l- dc, }-_ic. Y do n^c,st^, -3F ] 1 I-Qess de ^^_,;i^e iFn is
                  1, jIc'ii d' 1^.
it ^.i it }'. ...'c':'I •l„I'(!I'. .21?   v-,   d!    '..1}.,
                                                          )
45



alem de  ambicionar lucrar so bens temporaes e nao espirituais .... 0 procu-
rador acusava, portanto, que o padre apenF .s se interessava em ganhar di-
nheiro . Talvez houvesse exagero nas declararoes , todavia o que valia era
tentar denunciar a Coroa o mau funcionario espiritual , que teria um carater
mesquinho e ganancioso . Evidentemente o vagario precisava de dinheiro para
seu sustento , e se prestava servigo a irmandade deveria receber por isso. Na
verdade , o que parecia estar em jogo era uma medirao de forcas entre os
dois contendores . A irmandade tentava limitar as funcoes paroquiais e o vi-
gario impor suas vontades.17
       0 que teria o novo compromisso para desagradar e enfurecer o paroco
a ponto deste ser tao veementemente contrario a sua aprovarao? Quaffs os
fatos que teriam tirado o sossego e a pay: dos irrriaos e do seu paroco?
Alguns capitulos propostos pelos irmaos nao foram aceitos pelo paroco por-
que, segundo este , violavam o que determinava o Direito Eclesiastico. Tres
questoes fundamentais desencadearam o conflito entre vigario e inmandade: a
primeira delas dizia respeito ao sepultamer to de irmaos , a segunda ao fato
de ser on nao a capela do Rosario filial da igreja do Passo e , por ultimo,
temos a polemica em torno dos cargos de tesoureiro e escrivao serem
exercidos por negros.'8
           O vigirio, Vicente Ferreira de Oliveira,                                seria urea pessoa detesta-
vel,mesquinha e interesseira, de acordo com o relato do procurador Jose
Vicente. No Rio de Janeiro, tentando fazer valer os direitos da itmandade,
este atacava o outro diretamente , propondo a limitay o das func6es paroqui-
ais. Pelo desejo do representante do Rosario, o dito vigario nao seria pago

     1 14 OR Con•espond eru_ias ( Car-t rnaro do I 1
                                    .as do Rio ), 25 de 8 6, Cr- 2G, duc.U^-b; ;; ubre os
canllitos referentes a falta de pagan i ento ver Tenrios de Resolu;€,o, cr.. 03.
1e A partir das c am as do procurador Jose Vicente de Santa Aria, que se encontram no arquivo da
innarndade do Rosario, corne;ei a buscar o que teria motivado de fato a contenda . Infelinnente a
dculul,enta;eo encolitrada na ioeja do Rosario sobre o episodic' apresentava lacunas, alpunas inclusi
                    p la u;•'io du trrnpo Ihestava tcritar obtr•r iufonrr,.,es rlo Pr-111ivo Ni(ic,nal , t-articu-
lanul;l?r. atr,lves do 1'11ndr, ,le 1A ca de Ccn, scii-ncia e ()rdrns c dc, Descrnbw-gu do }'af,, Ysprcifi-
  !!I1S'II't I,I               d ' 111era de v11SrI91Clit e '_ lrdens l(„al! :off duffs rrla-C, ^ reCllead'r 'le
111 .,:7a, 'Pt 1,1-'lrsol,re fro,I! Erscc d. U:.,P11:C, £ ,.;r 1-1 'l:A,-;1:11 a (LiL-I:.l:L-(' Q''jr

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por defuntos que sejao de Freguezia estranha por                         elle encomendados Para

irmandade . Isto porque o defunto ja teria de pagar aos parocos da sua fre-
guesia de origeni, o que era de acordo coin as Constituiroes Primeiras do

Arcebispado , que regia estes assuntos . Sobrt a encomendadao dos defuntos
de freguesias estranhas , rezava a Constituigao : E, falecendo algua pessoa
fora de sua Freguesia, se dara recado ao Paroco daquella, onde o defunto
falecer e ira encomendar per si, ou por outrem. No ha portanto restricao
ao fato de o paroco encomendar os corpos que nao fossem de sua fregue-
sia, mas tambem nao esclarece e nem determina o pagamento destes pelo
servico.19
       Por outro lado, o vigario explicou ao Tribunal que sempre fora do
costume encomendar Para si ou seus Coadjuntores todos os corpos, que
vem de outra qualquer Freguesia inda ja encomendados pelo seo competente
Paroco a interessar-se as suas Freguezias                        Filiais, e receberem o emolu-
mento perrnitido pela Constituicao ... so o su plicante se acha espoliado deste
Direito, sem que os Suplicados apresentem titulo algurn legitimo, que o ex-
clua, nao querendo eles que o Suplicante encomende os cadaveres, nem que
exija o seu respectivo benez, a so sim que o seu capelao assista a seme-
lhantes funcoes funebres. Talvez fosse costume na freguesia do Passo ga-
iihar pelo sepultainento de irmaos de outros lugares. Os parocos de diversas
freguesias poderiam perfeitainente entrar em acordo e ambos receberem seus
emolumentos. Ate porque, como id foi mencionado, as ConstituirOes nao
proibiam explicitannente tal pratica.cO
       Afimiava ainda o vigario que os Irn-Aos do Rosario nenhumas outras
causas alegao para tzencao, senao a de serem pobres, e a de terem hum
Capelao, mas tal alegacao nao teria fundamento pelo fato de se tratar de


   LJ) S R. Corresi or,deiirias 1 Ca-tas (j() 02 de ju,-L1,o de IS 16, cx..20, doc.02-c Ter ebastido
11.'iitciro da vide, .1'o l1 t1L 4'3c5 Jnmc1 raS do ArccL!       T11 at Dos Fr1tCrraniCIItos, FXrgiiias e
0 ffra^ios -.1os Defurit^^s ^'rnnn ^, dcfurite^s l^',o de ser erco'oendados Z'elo seu I'aroco antes que
                                      i1 'c,llrtii. d,s I
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS MESTRADO EM HISTORIA IRMAOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENcA: A IRMANDADE DO ROSARIO DO PELOURINHO NA BAHIA DO SECULO XIX. DissertaF o apresentada ao Mestrado de Ilistd- ria da Faculdade de Filosofia a Ciencias Jima nas da UFBa., como requisito parcial para ob tencao do gau de rnestre,sob a orientaF o do prole . Jogo Jose Reis. SARA OLIVEIRA FARIAS SALVADOR, SETEMARO DE 1997 M4 RA DO EM H 3 rH -uUrBB 1, ANA
  • 2. SARA OLIVEIRA FARIAS TRMAOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENcA: IRMANDADE DO ROSARIO DO PELOURINHO NA BAHIA DO SECULO XIX.
  • 3. 2 sUMARIo ABSTRACT ................................................. ........................................................ 3 AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 4 ABREVIATURAS .................................................................................................7 INTRODUcAO .................................................................................................. 8 CAPtTULO I - ORGANIZACAO INTERN A ................................................. 11 A importfincia dos compromissos ................................................ 11 O socorro aos irmos ............. ...................................................... 13 A normatizac0.o da vida leiga ...................................................... 20 Os leigos no poder ...................................................................... 24 Aliancas e rivalidades na me;a ................................................... 29 As mulheres na mesa ................................................. . ................ 32 CAPITULO 11-0 TRIUNFO DO ROSARIO SOBRE 0 ESPIRITO MALIGNO: CONFLITOS ENTRE IRMAOS E PADRES ............................. 36 Parocos, vigarios, capelf es na ordem religiosa ............................ 37 0 jogo de interesses e a aprovacao do compromisso ................40 CapelO.es X irmaos .........................................................................55 Vit6ria negra ? ..................................................................................59 CAPITULO III -A ECONONIIA DOS IRMAOS .............................................. 60 As obrigag6es economicas ......................................................... 61 A receita do Rosario ................................................................. 65 Os legados ..............................................................................65 Os servicos prestados .............................................................70 As propriedades .....................................................................75 A despesa do Rosario ................................................................78 A fortuna dos irm0os .................................................................. 84 CAPITULO IV- FUNERALS, FESTAS E A DEVOcAO DO ROSARIO ......... 90 Irmandades e firnerais .................................................................... 92 A vontade dos irni0os ....................................................................99 Os enferros fora da igreja ........................................................... 103 A FESTA NA CONFRARIA ....................................................... 105 A devoc0o dos irnnttos .................................................................105 O catolicismo frouxo ..................................................................107 O ritual da festa .........................................................................109 As irmandades e o Rosario .........................................................113 A influencia da Romanizac5o no Rosario ..................................115 CONSIDERA(^OES FINALS ..................................................................................120 FON I ES ....................................................................................................................122 AN EX 0 ......................................................................................................................123 R 1 B1.1 O(. RAFLk .......................................................................................................135
  • 4. 9 RESUMO Esta 6 tuna hist6ria institucional da irmandade negra do Rosario dos Pretos das Portas do Carmo em Salvador, Bahia, durante o seculo dezenove . Baseada numa escassa coleg6o de documentos remanescentes, ela discute a organizag6o interne da instituiqao, seus membros , vida econ6mica, rituais , -.omo tamb6m tens6es e conflitos interno e externo, particularmente entre a irmandade e as autoridades eclesiasticas. ABSTRACT his is an institutional history of the black `brotherhood of Rosario dos Pretos das Portas do Carmo in Salvador, Bahia, during the nineteenth century. Basead on a thin collection of surviving documents , it discusses the internal organization of the institution, its membership, economic life, rituals , as well internal and external tensions and conflicts, particulary between the brotherhood and church authorities
  • 5. 4 AGRADECIMEN TOS No decorrer deste trabalho contei com a colaborac o de diversas pessoas. Se por acaso esqueci de alguem, nfo me leve a mal , porque descobri que escrever agradecimentos a tao penoso quanto escrever uma dissertacao . Quero agradecer a boa vontade e paciencia de todos os fmcionarios dos arquivos e bibliotecas onde pesqui- sei. No arquivo da irmandade do Rosario contei corn dedicada paciencia de Alb6rico que me acolheu no maior perfodo da pesquisa , a quern agradeco de coracao. Aos irniaos e irmfs da Veneravel Ordem Terceira do Rosario que bern me receberain e me ouviam falar de tmia hist6ria que ainda estava tneio obsctu-a, eras mesmo assim me incentivavam a sempre seguir adiante. Valeu ! Agradeco a Capes, que financiou a pesquisa mediante concessflo de bolsa de estudos . 0 apoio da UNEB, atrav6.s do programa de ajuda de custo foi importarrte para a finalizagao da redacao. Presenga fundamental tiveram meus colegas , amigos e alunos do Campus IV-UNEB/Jacobina Eles foram fundamentais pela preservaFlto do men born humor dtuarrte 10(10 esse perfodo. Me suporlararn no,., nlonrenlos alegres e dificeis, e ainda hem que supotlanun. Minha gratidao ent especial a Paulo Garcia, Cira4a, Cosine, Iraides, Jorirna A Zacarias agradeco duplannente conio colega de traba- lho e de mestrado. Apesar de nossas at>,gfistias, dividimos os resulta.dos das nossas pesquisas. Agradcco tamberrr to aluno Jose Alves que pacienlemente elaborava cone mestria os dados ntunericos tao cau-o a mini pela minhia aversao a matenraifica. Aos professores que de fonua direta on rndlreta colahorar-am corn este traba- lho. Msu-ia figs Comes de Oliveira centilmente colocou a nrintha disposicflo os testa- nicntos e inventarios de liberlos. Marli Geralda Teixeira sempre acreditou Hesse tra- balho e leunbro-tree quarrdo a ideia surgitr na disciplinn Pesquisa Historica Supervisi- onada, sob sun orientaS io. Lina Aras iconipru)ljct ^ os prirneiros passos (10 tr-abalho. (.'rndido da Cost.] e Silva contribuiu coin till or7macbes sobre a Ilistoria da Isreja. .loilo Reis liri hem rnais quo tun orientador. Este sirn unt verdadeiro ^ nestre ria arie da pesquisa. C'orriciii error, direcionou a Pe(luuisa, nuiiitas ve..es tanlbe In se irritou, urts nmsuno a:,Siun n;io perdeu a(1u< Ie hole e admirav,ei huuuol gun rnuitas ve is se
  • 6. 5 transformava num humor cortante. Mas saiba Jofio que eu gostava Acho agora que mais palavras s.o desnecessarias, voce bem sabe o que tudo isso representou para mim. Aos amigos de muito tempo e os recerites o meu agradecimento mais que especial. Am6lia esteve sempre comigo em varios momentos. A sua bela e atenciosa colaboracno no arquivo da irmandade foi fundamental, al6m disco compartilhou comi- go das minhas dt vidas e aflig6es. Wlamyra foi o que de melhor encontrei nesse traje- to, parte da dissertactfo foi concebida tamb6m por voce e lembro bem como n6s fo- mos solidarias. 0 resultado estd at. Z6 Carlos, Raimundo, Wilma, me fizeram rir de mim e do meu objeto o tempo todo. E como isso valeu. Adriana, Nelia e Jailton sempre torcerain para que tudo desse certo e eu sempre soube disso. Malta acompanhou todo esse processo. Muitas vezes o cansaco me desanima- va, mas o seu amor e carinho me abasteciam. Por mail que eu the agradeca, mesmo assim you ficar the devendo. Pacientemente me ouviu f dar de irmandade, escraviddo entre outras coisas. Minha gratid.o. A Conceicdo Neto pelas maravilhosas fotografias da Igreja do Rosario. Tadeu Luciano com muita gentileza e bem ao seu estilo de serta nejo corrigiu a verstio final da dissertaVao.
  • 7. 6 Psu a I,ourival e Nilde, mess pals Para Malta, coin carinho.
  • 8. 7 ABREVIATURAS A.I.N.S. R. Arquivo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosario APEB Arquivo Publico do Estado da. Bahia ACMS Argnivo da Curia Metropolitana de Salvador ACMRJ Arquivo da Curia Metropolitana do Rio de Janeiro AN. Arquivo Nacional B.N. Biblioteca Nacional A11IRC Arquivo Municipal de Rio de Contas
  • 9. 8 INTRODUCAO As irmandades catolicas foram no seculo passado importantes forma de organizacao negra na cidade de Salvador . Atraves delas a possivel per- ceber como seus associados , ainda que pertencentes a urna religiao official, no caso o catolicismo, nao esqueceram de sus tradicoes. Ao inves de con- frontarem diretamente com o status quo, os confrades negros optaram por outra fonna de resistencia. Lutaram silenciosament.e dentro do que o sistema permitia. Nossa Senhora do Rosario se popularizou entre os negros, tornando-se sua protetora. Na Bahia a irmandade do Rosario foi erguida e confirmada em 1685 na Se Catedral. No inicio do seculo seguinte os confrades levantaram sua propria capela as Portas do Carmo, atual Pelourinho. E a confraria fi- cou conhecida corno irmandade do Rosario dos Pretos do Pelourinho. Na cidade do Salvador, existiram diversa: irmandades do Rosario: a do Joao Pereira,(a igreja existe ate hoje na Av. Sete de Setembro- Merces), Rosario dos Quinze Misterios, nas imediacoes do Santo Antonio Alem do Canso, a de Brotas, a de Itapagipe, entre outras que desapareceram corn o tempo. Mas feliznrente a mail antiga irmandade do Rosario, localizada no largo do Pelourinho, se encontra ern pleno funcionarnento, tanto a igreja conio sua irmandade. A sua historia merece ser contada por varios motivos, entre eles o fato de a rrmandade ter sobrevivido quatro seculos, a major paste do tempo sob a escravidao, contribuindo para a afrinacao dos negros e da cultura negra na Bahia. Este e urn trabalho baseado ern documentos da epoca, que cobre a historia dos confrades do Rosario ro seculo XIX. A restricao a esle periodo Fe da por quest6es praticas. A documentacao que se encontra
  • 10. 9 no arquivo da irmandade e outros de Salvador se refere principalmente ao oitocentos . Vez por outra recuo ao seculo XVI1I, baseada em informaroes de cronistas ou da bibliografia secundaria . Corres-pondencias , livros de atas, de entrada de irmaos , livros de receita e despesa, compromissos fazem parte do acervo documental da irmandade . No Arquivo Publico da Bahia, os testa- mentos e inventarios foram fundamentais par<< tentar descobrir quem eram esses confrades. Corn base nessa documentacao , a dissertarao esta dividida em quatro capitulos: No primeiro capitulo , apresento como se organizava o poder na irman- dade, o que ditava seus compromissos em relacao a quern mandava, ao auxilio- mutuo, as aliancas etnicas, a rede de solidariedade que se estabelecia nesta familia ritual , os conflitos entre os inembros, o papel da mulher na confraria. No segundo capitulo, e retratada a relac:ao entre poder eclesiastico e poder leigo. Destaco aqui o confronto entre o vigario do Passo e os imrios negros por ocasiao da aprovarao do regimen:o da innandade no inicio do seculo M. Atraves desse confronto pude peiceber que, apesar dos irm os sairem parcialmente vitoriosos, tiverain que aceitar a figura autorit.aria do vigario. 0 principal aqui e demonstrar que es:,es negros no aceitaram ludo que as autoridades lhes queriam impor que denunciaram e Iutararn por inde- pendencia no trato de suas instituiroes. No terceiro capitulo, a receita e a despesa do Rosario e estudada. Retrato como os irmaos conseguiain arrecadar clinheiro. Doacoes, peditorios, alugu6is e missas sao algumas fonrmas de arrecadacao de recursos. Em outro momento, tento descrever quais eram as itens que mais sobrecarregavam os cofres do Rosario. A economia da innandade revela confrades na maioria das vezes pobres. Garantir recursos e egtiili'xrar receita-despesa nao era tarefa das mais face).';.
  • 11. 10 Morte e festa sao temas do ultimo capitulo. Elas constituiam datas especiais no calendario dos irmaos . Os pedidos de enterros dos confrades sao analisados atraves dos testamentos , onde se ve que as immndades eram locais preferidos para o chamado descanso final. Os ritos finebres es- tavam presentes nesse rito pos-morte, como pox - exemplo, as missas de cor- po presente e as missas ofertadas em favor de terceiros. Em outro momen- to, analiso a vida festiva dos confrades. A d-.vocao a N.S. do Rosario foi fundamental para que os irmaos sedimentassem sua identidade.
  • 12. 11 CAPITULO I ORGANIZACAO INTERNA A importancia dos compromissos 0 cotidiano dos irmaos negros do Rosario das Portas do Can-no, assim como dos membros de outran innandades leias, era regido por normas de conduta ditadas pelos seus "compromissos". Atraves desses estatutos, vida e a morte dos associados erarn disciplinados e organizados, se asseguravarn direitos e se exigiam o cumprimento de deveres. 0 compromisso, enfirn, impunha ordem, normatizava as relacoes no interior da confraria, recompensava e punia. Para que uma irmandade funcionasse legalmente era preciso ter seu compromisso aprovado pelas autoridades civis e religiosas. Apos a aprovarao, os irmaos estariam aptos a praticar sua devocao ao santo patrono e seu espirito caritativo. 0 que se pretende aqui nao a uma mera descricao dos estatutos que regeram a imiandade de Nossa Senhora do Rosario das Portas do Cam o durante o seculo XIX. Os compromissos sao tratados como fontes imporiantes do periodo escravista que retratam, em certa medida, a mentalidade de determinado grupo, bem como ,ua capacidade de organizacao frente a urea sociedade pouco solidaria e incerta para os negros .' Neste Varios autores trabalhararn corn compromissos de irrnandad?s Entre eles destacarn-se: Juli.ta Scarano, Lh: voydo e Escraviddo . A Irmandade Nossa Senhora do Rosdrro dos Pretos no Distrito Diarnantmo no scrciJo X1 Z11, Sno Paulo, Naciona; , 197.5: Cabo Boschi, Os leigos e o Fodor, Sao Paulo, Attica, 1986; Patricia Mulvey, 'The black lay brotherhoods of colonial Brazil a history", Tese de Doutorado , City University of New York 1970; Jeferson Bacelar & Corn:: i'no Souza , 0 Ros,.no dos Frctos do Fclourrnho, Sa'vador, Funda io do Patrirnnnio Artistic, e Cultural da E^ariia, mimeo, 19'74, Jc' c, Jose Reis, A Morte e uma Festa , Srjo Paulo, AS b:ji I,F'ras, 1 91 1.,1siuta fives t !,l,^rn recut?Jece a brnrcu1ancia d'-'s foll-1pre'llissn's criquarho fonts 1ns:orica ( ' 1 1 1 P. bill mrl-^rucra dos Purti os CrJtnl:,ronnssos das lnnandades " in
  • 13. 12 capitulo, procuro organizar infonnacoes referentes a mutualismo, conflitos latentes, politics interna, padroes de religiosidade entre outran questoes. 0 primeiro compromisso da irmandade do Rosario das Portas do Can-no de que tenho noticia a datado de 1781, mas nao consta entre os documentos existentes nos arquivos baianos, e por isso nao pude analisa-lo. O trabalho se volts entao pare os seguintes compromissos : o de 1820, que vigorou pars todo o seculo XIX, resistindo a urn perlodo de mudanras e as vezes turbulento de revoltas federalistas militares, escravas , romanizacao da Igreja Catolica, aboligao, entre outros acontecimentos que afetaram a sociedade baiana. Esse estatuto desencadeou urn conflito entre o paroco e os irmaos, trazendo a tona questoes elucidativras a respeito do cotidiano e da convivencia entre os irmaos e clero, que tratarei adiante. Na segunda metade do seculo XIX, os irmaos exigiram da Mesa da confraria urn novo compromisso, melhor adegrrado as mudangas do perlodo. Nurn projeto datado de 1872, os confrades acreditavarn na "necessidade da organizarao de urn novo compromisso para reger esta Irmandade [...] em razao dos notaveis defeitos e omissao que se recente o velho compromisso que procedendo com diversas reformas do ano de 1781 a. 1820 ainda rege corn decencia esta Innandade." 0 projeto nao foi adiante e os irmaos continuararn com o antigo regimento. Estudaido este e urn outro projeto datado de 1873, que no encontrei na documentacao da irmandade, e que tambem nao foi aprovado, o antropologo Tefcrson Bacelar e a historiadora Maria Concei4 io Souza afinnam que nao existe nenhuma referencia quanto a sua aprovacao e vigencia, especulando que tais nao foram "been aceito pelas autoridades, especialmente na tentativa de elevacao de categoria para vir i titer privilegios somente concedidos a ordens terceiras." As ordens terceiras cram ordens que estavani ligadas as ordens conventuais, corno a dos h1.ve : , Fuliras l ortus qtu ressi^zcrta^rt , ('refeitura Ivlunici;)al do Salvador , S1,IEC , 1 9 7 5 1 1 1 - 113 'err t1111^^i:j ^. idcr _'rl ThsE Iv9a`liadc' de '^''1IL't:1ra tai 1'c';2c i' r; C1QCli Ir p1tZ11C1CCJCS ^:rltt^orac rnn FJ,; tie In,pr na! ( I ^4O-Ibh'P ) NIttrol , UFF''irc do Mestrado , 1 ,'^5. .
  • 14. 13 beneditinos, dos franciscanos, dos carmelitas, entre outras. Elas reuniam os segmentos privilegiados da sociedade e certamente gozavam de mais prestigio. z 0 fim do seculo proporcionou a confraria a categoria de Ordem Terceira, representando em certa medida o oomportamento de uma epoca marcada por novos valores. Com isso um novo compromisso foi escrito, em 1900, que tambem sera objeto de analise.3 0 socorro aos irmaos A preocupacao com a sorte dos irmaos e tentativas de atenuar as dificuldades da sua vida material estavam presentes nos regimentos das confrarias. Nas associacoes negras, essa preocupacao aumentava. Assim, proporcionar socorro material em vida e enterro decente constituiam regra geral. Mas, e preciso it alem do auxilio-mutuo. 0 regimento da irmandade do Rosario revela tambem estrategias de aIiancas e rivalidades etnicas. Atraves do controle dos cargos dos mesal-ios a possivel perceber como se dava na pratica a politica etnica entre os irmaos negros. No caso dos africanos, essas confrarias de cor erarn espacos de recriacao das identidades etnicas africanas. Tinham como principal criterio de identidade a cor da pele em combinacao com a nacionalidade.4 As confrarias de cor representavarn uma especie de familia ritual, de parentesco. Urna familia que procurava proteger e arnparar sous membros. Os irmaos da mesma etnia, e em muitos casos de gnipos etnicos diferentes, se ajuciavanl e de certa forma preservavam on recriavam suas identidades. Analisando as confrar-ias medievais por:uguesas, a historiadora Maria Helena da Cruz Coelho, entende que nessas associagoes se encontrava a 2 "Projeto de Conipromisso" ( 1872 ), Razbes da Apresentas o d'este compromisso , cx.l, doc.2 Jeferson Bacelar & Maria Conceicao Souza, 0 Rosario dos Fretos do Felournnho, p.39. 3 " Cornpromisso da Veneravel Ordem 33 do F:nsurio, ( 1900 ), cx 1,doc 3, mss ALN.S F: St^bre ,.. estra?.^s?as de aliarr;a: fl-I" crrifr-m-ras de cor, vr_r Reis, A morle e urna feste, 1 55 e Joao l,it?s '1' !rr-n ac r rrs?s'rrrc as rio l rasr)","lej .1.5
  • 15. 14 familia artificial, permeada "por lacos de afeitcao mutua e solidariedade que reconduzem a seguranca aos homens." Insisto mais uma vez que, no caso das irmandades de cor, e especialmente na confraria do Rosario, essa solidariedade, garantia a seguranra dos negros em um ambiente adverso, marcado pela escravidao africana.5 0 compromisso de 1820, composto de 24 capitulos, retrata, como ja foi assinalado, a preocupacao com seus associados. De acordo com a nocao de caridade, fundamental na ideologia religiosa catolica, assim rezava o capitulo XXIII do compromisso : Da Charidade que se praticara com os Irmaos doentes , pobres e encarcerados 116 a charidade o acto, que mais se deve prezar, pois a praticargo varges exemplares em Artudes; por isso deve- ruos exercer com os nossos Innaos enfermos. Os Irmgos Procuradores terlo cuidado ern sitar qualquer Innlo desta nossa Irmandade que se ache enfenno saber se the lie mis- ter alguma couza tanto para o corporal , como espaitual , e se achar em desamparo e extrerna necessidade darA pane a Mesa on do Irni o Juiz ; para the mandar applicar a provide".ncia que pareca junta; e sendo srrmmamente pobre , e necessitado the con- ferir3 a Meza como cabeca da Innandade alguma esmola [.. ] Da mesma forma os lim5os Procuradores terAo igual cuidado em vi- zitar os carceres onde achando algurn lnnao desta Innandade, po- bre e enfermo prezo [.. ]° Aqui solidariedade se apresent.a como princjpio cristao, traduzido por caridade. A doenra, pobreza, o encarceramento erarn preocupacoes constantes da it-tnandade, porque certamente atingiam corn muita forma os pretos. A Bahia do inicio do seculo XIX era composta por unia popularao rnajoritariamente negra e pobre. A populacao de Salvador ern 1835, ano da Maria 13elena da Crime. Coelho, As confrartas n;edievais portu,9''ucsas: cspaso de solidarredadcs no villa r• n: morte, z;EV Sermi,a de Estudos Medie•vales, E>tella, 1 c' ... _9" 11% da IITIislidade de N S do Rosario dus I'oiaF do Ta7Ttio," ! l^20;, fl . al' III, d:, l,rr,ss AIld^k
  • 16. 15 revolta dos males , foi estimada em 65.500, serido 27. 500 escravos (42%) e 38 800 livres e libertos (58%). Os libertos ocupavam diversas atividades: sapateiros,carpinteiros, vendiam nas runs, carregavam cestos etc. Os escravos tambem se ocupavam nessas mesmas atividades. A Bahia enfrentou, a partir das decadas de 1820 e 1830, uma crise economica e politica sera precedentes, sob o clima anti-portugues desencadeado com a guerra da Independencia de 1822-1823. 0 censo de 1872 registrou uma populacao de 108.138 habitantes entre livres e escravos. A populacao livre era 95.637 habitantes, divididos da seguinte forma: 30,9% brancos, 43% mulatos, 23,5% negros e 2% caboclos. A maioria dessa popularao continuava pobre, e a economia instavel. A sociedade mostrava-se ainda muito desigual, onde o rico era associado ao branco e o negro ao pobre.' Os negros do Rosario, enquanto confrades, pelo menos tiveram a certeza de ver atenuados os efeitos da crise economica sobre si. Uma vez que o governo nao assurnia a assistencia aos pobres coube as irrnandades desenvolver esse papel. O associativismo acompanharia a confraria, embora menos enfaticamente, no projeto de compromisso de 1872, que nada inclui sobre assistencia aos irrnaos. Corn o aparecimento de associaroes civis, como a Sociedade dos Artifices, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, entre outras, as irmandades passaram a no ser as unicas responsaveis pela sorte dos associados que tambem possuem membros dessas outras instituicoes . Por exemplo, sobre a Sociedade dos Desvalidos, fundada em 1832 por um africano livre, o antropologo Julio Braga afirma que nos "sews primeiros anon de existencia, firncionou como junta, uma especie de sist.ema rotativo de credito corn que ajudava 05 seas associadoos e parentes destes, que ainda se cncontravani Ku n 1,,!a,I , f+;:Iua .S'QlJO ^iti . 'Irri': .^ ri^t'lt;Cl C. no Jno.`'no. F.1c, de- 1 c''u F1"U71^E'1f'6. 1 1, 112 )
  • 17. 16 presos ao cativeiro." As irmandades dividiriarn com essas outras instituicoes tarefa de socorrer os destituidos.e A ideia de caridade crista parece diminuida ao longo do seculo XIX na irmandade do Rosario, sendo no projeto de 1900 substituido pela nocao secular de "direito": CAPITULO 4 ( 1.900) DIRRTTOS F GARANTTA!i DOS IRMAOS Artigo 11 & 5° Verificado o estado pecuni5rio da Ordem e julgado sufficiente darn as Ingo pobre e enfenno sem recursos para tratar-se, unra pensgo mensal , ate que a Ordem tenha um Asylo onde devem abrigar-se.9 Tanto em 1872 quanto em 1900 continiava-se a garantir, como era de costume, o direito a enterro, missas, comenioracoes festivas. Em 1900 a ajuda. aos associados estava subordinada ao estado economico da instituicao. Alenr disso, e preciso lembrar que a piedade, mais especificamente a partir da segunda metade do seculo passado, ganhava novos contornos. Viver da caridade passou a ser sinonimo de ociosidade, de vadiagem, alimentar a caridade significava sustentar uma sociedade preguicosa. Merrdicancia e ociosidade passavam a ser questOes discutidas pela elite, e pela Igreja, que detenninavarn uma caridade "comedida," voltada apenas para os verdadeiros necessitados. A discussao atir!gia tambern outros segmentos da populag5o, principalmenle quando vinha a i ona a substituic o do trabalho escravo. "Como em outras regices do pals, a discussao girou em torno da fonna45o do miro-de-obra livre mediante adocao de medidas repressivas tendentes a remover o homem Iivre pobre de urn estado que a elite definia como indolencia e preguira." 10 A caridade agora era tolerada para poucos. f' Julio Praga, Sociedade Protetora dos Desvalidos uma ,rma,rdade de cor, Salvador, lanarna, 1987, ^' Ver "Proieto de C'oni{_^rornissc.^' f 1 872) , Cap. 1 I , do.. "Compromisso da V.03' do I?nss^rio" ( I "'DC) Cap 4 , Cx I dc,c rnss; ALIJ S k ^o^xnIt r Frnt;n Fi!h" , -A 1r- ^t,7irl; .nrclir ;:rcr+ r ra^rv^ rr!z Prtuz dc, •e'citJc> :"A',38-- I'a^r!r,/calvnd^r, 1 ;,'.! 1, 14()
  • 18. 17 O Estado Nacional exigia individuos aptos para o trabalho e os negros da irmandade nao podiam e nem queriam ser associados ao homem ocioso. Eram negros aptos para o trabalho, carregavam cestos, transportavam mercadorias, mercadejavam nas ruas de Salvador. 0 trabalho era por excelencia negro. A ideologia montada pela elite certamente influenciava toda a populacao, inclusive os negros do Rosario. Isso poderia explicar, em parte, a ausencia ou diminuirao das praticas caritativas nos regimentos da confraria na segunda metade do seculo M. O caster mutualista do Rosario nt o c stave apenas evidenciado nos compromissos, mas em documentos escritos por irmaos negros solicitando assistencia da irmandade. Em 1848, Joaquim Timoteo de Jesus, ex- procurador de mordomos, escreveu que durante "quatro annos sucessivos, fazendo a bern da mesma Irmandade tudo quanto coube e meo alcance, como he publico [.e..] achase hoje bastante rniseravel, sem meios de poder subsistir-se, por molestias que padece e athe sera ter agazalho algum, vem por tanto requerer a esta Ilustre Junta roupas e ajuda." Ja em 1856, Clara Maria do Monte Falco da Silva, "pobre c cega", pedia "concessao para edificar urea inorada humilde para uzo da Supplicante, em terreno pertencente a mesrna Irmandade [...] fica do por morte da Supplicante perlencendo por heranca a Nossa Sentiora do Rosario todas as benleitorias. -11 E quant.o a relarao existente entre escravidao e immndades. Alinal, ajudar o irmio escravo a se libertar seria tar ibem urn ato de solidariedade, caridade e ajuda mut.ua. Nao foi encontrado nenhum item de compromisso que tratasse do assunto. Nem mesmo o projeto de estatuto de 1872, elaborado numa conjuntura abolicionista - a lei do Ventre livre acabava de ser aprovada- faz referenda a some dos innaos cativos. Seria de estranlhar o corrq)orlanicnto da innandade ? Ou de Into ela naio teve como objetivo a ll^, P. ,',7 ,1r dr_
  • 19. 18 libertacao dos escravos membros? A ausencia desse item no Rosario me fez rastrear compromissos de outras confrarias negras no Brasil a fim de observar como estas tratavam a quest-do. 0 estatuto de 1786 da Congregacao dos Pretos Minas Mahii, do Rio de Janeiro, por exemplo , afirmava o seguinto: "os Congregados que forem captivos querendo Libertar-se tendo o seu dinheiro e the faltar para o ajuste da sua alforria, fara saber ao regente para este the dar as providencias fazendo juntar os Congregados participando- lhes a necessidade que tem o outro do dinheiro para se libertar." A irmandade de N.S. do Rosario e Sao Benedito, tambern do Rio de Janeiro, em 1891, ditava como um dos deveres da associarao tirar "de sua rends a quantia necessaria para libertar dous irmaos captivos, sendo um de cada sexo." Parece estranho que a in-nandade tratasse dessas questoes em periodo pas-abolicionista. Certamente o regimento fora feito antes de 1888 e so aprovado posteriormente. Consultando outros compromissos das confrarias de cor, corno o da irmandade de S. Benedito de Parati, bem como uma confraria de N.S do Rosario de Minas Gerais, alem dos estatutos de associacoes negras do perbodo colonial pesquisados pela historiadora Patricia Mulvey ern sua tese de doutorado, nenhum deles faz referenda a compra de alfolTias.12 A ausencia da promorao de alforrips pelas confrarias negras foi observado por alguns historiadores. Segundo Julita Scarano, as innandades, nao se opuseram a ordem vigente, quando muito podiam cooperar para a alfon'ia deste on daquele imiio." Para Cabo Boschi, as irnlandades de negros s6 nAio combateram a ordem escravocrata, mas tambem bncorporararn r' .f•grade;o no Prof. Flavio r-'Tomes a iridicaS o do documento dos negros Mahii . Ver AN. "Estatutos da Congrega;ao dos Pretos Minas Mahii" ( 1?86 ,) , CMice 656 ; AC.M.R.J. , "Regimento interno para execuczo do comprornisso da Vene-avel Irmandade de N. S. do Rosario e no P-enedito dos honiens de cor" ( 1891 ), Cx I , p.1 37 ; 'ier tarribem AC.M.R.J. , "Conipromisso In Irmru,dade de S Benedito erecta na Villa de Parati , Rio de Janeiro", ( l 814 ) , s / catalogac3o ; e FA N. , F'undo : Mesa de Corisciencia e Ordens , "Comproniisso de N.S. do Rosario , Erspado de Mariana" , ( 1 41 ( s"ndice 826 Solhhrc- os conipromissos do periodo colonial ver Patricia Mulvey "!l,r f-PU: Lnv 9i-cfl,c•rhordc -f r _,1r,r,i,al Er'r it a I,isrrr^ Trr de Lrutnradn ,City University 1 ldrv; r',rl. .1
  • 20. 19 "padroes e ideologia de um grupo social dominante," Porem esquece o autor que as alforrias eram parte da "ideologia dominante." Era coisa bern comportada. Alforria nao era sinonimo de combate ao sistema escravista. Alem disso era muito caro financiar alforrias. 0 dinheiro nao podia dar pars todos que necessitassem.13 E preciso esclarecer no entanto, que as confrarias negras, quase sempre excluiam o elemento escravo de sua admini :,trarao . Apesar de ser maioria entre 1719- 1837 , os escravos no podiam ser membros da mesa segundo o compromisso de 1820 da confraria do Rosario das Portas do Can-no, a nao ser em casos especiais . E nao podia exercer certos cargo justamente por ser escravo . Assim rezava o capitulo XVI do estatuto:14 DA QUALIDADE DOS IRMAOS DA MESA Para Juizes , Procuradores , e mais Innaos da Mesa se elegerb pessoas libertas e izemptas de escravid5o pars que sej5o promptos em exercer e satisfazer os aclos da Innandade[...1 Assim como tambcm no caso (pie altvrn InnIo sera embargo da sujeicgo scja bent procedido , e o seu captiveiro suav' poderi ser 1mr5o de Mesa, mas em neith m cazo serfi Juiz , Escriv1o Thesoureiro ou Procuradores ; por que estes rigoroza- mente devern ser pessoas libertas . A justificativa para a exclusao e explicitada nesse estatuto. 0 escravo por nao ter liberdade para frequenter e estar a disposicao da irmandade Para realizacao dos servigos era excluido da mesa. A excecao valia para os cativos glue pudessem dedicar um pouco de tempo para a confraria. No 1)rojetO (IC compronisso de 1872, nuio ha restricao explicita aos escravos exercerem cargos de mesa, mas tarnbem nao foi encontrada especificacao 13 Julita Scararno, LarvoCio e Escravrdao ... p.83 ; Caio Boschi, Os Largos e o Poder .. p.156; 14 " Con,prornisso da Inriandade de N.S , do Rosario das Forta:, do Canno," (1820) cap.X`.'I, cx.1, doc.1, nrrs /x.114 R Dc,s 3.175 inn'os rata Iogados no livro de entrada de irrnios ( 17 19-1 8?7 ), 1.821, ou is 5?0'u r,^crefis=tr<^atn sua cor,di,,no ( se era escravo cu form) 1.148 ( 36% ) cram escravoo ] ?5 r:e it larr.a l r, ^ ;,n os 5.64-b
  • 21. 20 sobre o perfil de seus associados, ou seja, se para ingressar poderiam ser libertos ou escravos. Apenas deveriam ser homens de cor preta. Certamente que escravos deveriam compor ainda a irmandade, mas infelizmente nao encontrei documentos que comprovassem sua participacao em cargos. Por outro lado, o projeto de 1872 rezava que deveriam ser mesarios aqueles que "saibao ler e escrever, tenhao boa representacao." Dificilmente o escravo teria boa representacao, ou seja, gozava de respeito publico.15 Outras innandades negras no Brasil tambem restringiram a participacao escrava nas decisoes da mesa. Foi o caso da confraria do Rosario de Pernambuco, em 1765, que nao admitia "irmaos captivos nesta Mesa, pois esta Irmandade ha bern abondantes livres de escravidao , e os ditos captivos sao muita.s vezes impedidos do Senhorio para cumprirem corn suas obrigacoes." 16 A normatizacao da vida leiga Os irmaos tinham deveres a cumprir. Desviar do modelo estabelecido pela irmandade resultava, na maioria das vezes, cm advertencia pelos mesarios e, nos casos mais graves, em expulsao da confraria. Um conjunto de regras determinava o comportaniento no interior dessas associacoes. A primeira regra era o ato de admissao. Na irmandade do Rosario, em 1820, tanto libertos corno escravos davam como joia de entrada a quantia do 2 $000 refs, devendo "eumprir as obrigacoes da Irmanclade no Servico cia 'irgem Sant issir-na." 17 Os rnesar-ios deviam cuidar da integridade moral dos fieis. Por se tratar de uma confraria negra, o comportamento dos sous confrades deveria ser exemplar, para que nao se abrisse brecha a possiveis intervencoes das ' J rojeto de (,ornpromisso " ( 1 872 ),p 8, (a}, 4 °, cx 1, doc 2, niss 11,1 1 4.S R "r'( :i prcniissn da Irm idade de Ni . doi J o;oio dogs horocio pretos da Villa de S A nto n io do i ] Jr do }'cnr^'^il iv' l.ita,()u. AIIiJ, Cc dirr 12 9 3, cap 9 alard l lulvcThe t;lc:; {: ?cn .... } l 18 dr . 1J d 3.r^ruric, d^.^r I'r„iac Ali .d'aiic ,' r 1 ^'2O 1, fls 14-1 5, ra;, 11
  • 22. 21 autoridades civis e religiosas. Em 1820, exigia o compromisso que seus associados mantivessem bern ajustada a vida, exercitando-se nos santos costumes. Em 1872, o confrade era convocdo a promover sempre a boa ordem na irmandade. 0 compromisso de 1900 conservaria basicamente as mesmas caracteristicas dos documentos anteriores. A novidade seria um item especifico sobre os casos de afastamento dos irmaos. Neste compromisso utiliza-se o ten-no eliminarao para aqueles que nao se enquadrassem no regime moral e religioso da irmandade. Assim, ditava o capitulo 41' do compromi sso:' 8 ELIMJNAcAO Art. 21. SeriSo elintinados os ImAos que praticarein os actos de que tratam os seguintes paragraphos,sem direito a serem indenisado3. 1° Os que se eliminam voluntariamente. 2° Os que mudarem de Religilo. 3° Os que cometerem he micidio volunt(uio. 4° Os que forem condenados por crimes infamantes. 5° Os que lezarem a Or(lem em seus haveres Ao lado da exclusdo de criminosos, se excluiam os corruptos e os que se convertessem a unia outra religiao. Neste ultimo caso pole-se estar aludindo i expans^io do Protestantismo na Bahia, que se da neste periodo. Devo notar que, apesar dos negros do Rosc^u-io iniprimirem ulna dirnensao festiva a seus rituais que evocavarn as religl es tradicionais da Africa, aqueles que deram origem ao candomble baiano, no encontrei na documentarao compulsada nern repulsa, nern adesao a religioes africanas. Em nenhun] dos colnpromissos (1820,1900) e no projeto de compromisso de 1872 ha algo contra feitiraria, como ocorreu a comprornissos de outras irniandades fora da Bahia. No compromi so de 1900, a alusao ao I, onijIro!russc, (1k'20 ), c;!j^1I, rr. 1, 1(,c 1, fl 1 3v Projelo de coru1rornisso (1872 ), cai^ 2 e 3, x 1 , ]. Tilt's ' 1'otn} dt, VC, er.ivr-1 '_'rdel I1 3' d(, l'i,sz r o, (l ?00 1, raj: 4°, rx 1,
  • 23. 22 desligamento da irmandade aqueles que mudava de religiao se referia, como disse , ao protestantismo . E interessante que riada seja dito a respeito do irmao que praticasse outra religiao - praticar ao inves de mudar - que a como sabemos, e ate nossos dias, o caso do chamado povo -de-santo , que pratica tanto o candomble' , como o catolicismo . 0 silencio em relagao a esta dupla militancia religiosa sugere que o candomble , como hoje , era tolerado entre os membros das irmandades negras. No entanto , nada encontrei, repito, na documentagho , sobre essa dupla militancia no interior da irmandade do Rosario dos Pretos do Carmo durante o seculo XIX. E nao era para encontrar . 0 candomble era o segredo dos negros diante dos brancos e os documentos da irmandade eram, sobretudo embora no exclusivamente escritos como forma de comunicacao no e para o mundo dos brancos. Assim, os compromissos cuidavam do comportamento religioso e social naquilo que podia ser claramente explicitado. Mas isso nao significa que o explicito fosse pouco importante. Era apenas c que entao , e mesmo hoje, era possivel ser escrito. Se por um lado os confrades nao cram rigorosos corn a exclusividade do culto catolico, por outro os mesarios ;:aziarn quest-do de repreender aqueles que prejudicassern a instituicao. Como foi o caso do innao Francisco Higino Carneiro, que ern 1861 fol repreendido pelos mesarios do Rosario por ter publicizado nos jornais da cidade uma festa organizada por ele, a ser realizada na irmandade, onde pedia auxilio para a confraria, e quando chegou o dia do fcstejo, o innao desapareceu fazendo recair [a culpa] sobre a nossa Irrnandade. Scquer pagot. sacerdotes e musicos. l)epois de descoberto o causador da conlusao, este se apresentou a mesa pedindo desculpa e disse que dinheiro no havia. 0 vigario tomou pate da corrfusao e acusou os crioulos do Rozhrio tudo querem fazer sem dirheiro. Por sua vez, a irmandade retribuiu ao vig^ I irio afinnando que
  • 24. 23 estes crioulos nada the devem. Os mesarios enfrentaram tambem o povo que em grande numero havia concorrido ,[e] clamao contra a Irmandade. 0 caso foi levado a junta da confraria para que , em conjunto com a mesa, punisse o culpado.t9 0 bom procedimento e carater dos seus membros era fundamental para a organizagao da confraria . Os mesari os deveriam ser modelos de comportamento para os associados , caso contrario seriam afastados de suas Ibncoes. Foi o que ocorreu em 1846, quando a mesa pediu o afastamento do procurador geral, o angolano Francisco Ramos , porque este so se apresentava embriagado insultante , que a todos os mezarios tem insultado. O procurador causava tanta desordem na irmandade que esta foi cercada por huma patrulha de pollcia e tambem por cluas vezes tem atacado o juiz actual com um cacete sendo este juiz um homem de idade . A resolucao tomada foi a de suspende - lo do cargo , substituindo -o por outro de Angola. E queixas contra os tnesarios continuavam a acontecer. Em 1895 , o mesario Jose Martins de Jesus, foi acusado de ter se tornado incapaz de fazer pane da referida Mesa , pelo seu procedimento reprovado , tomando-se turbulento , rixoso e caluniador a ponto de faze s- os itmaos assignar papel em branco para depois envolver a seu jeito . Alum disso insultava e ameacava a os mesrios, considerando que else the; 71 ou no ponto de offender physicamente na Sacristia a um Mesario .Ap6s tanta desordem praticada, a irmandade resolveu demiti-lo.20 1V / 11 P_ Ti'r:r c F.i c•lu ' , :x _ , do: 112, fl r.i 1 J cz 2 1.doc 03-I, cv. 2 dc,( 1:',
  • 25. 24 Os leigos no poder Com o objetivo de tentar evitar z'buso de poder daqueles que exercessem cargos, o estatuto especificava as funcoes de cada mesario. A Mesa era o drgffo administrativo da innandade e faziam parte dela o juiz, que tambem podia ser chamado de presidente ou provedor, o escrivao, consultores , procuradores , tesoureiro . Havia tarnbem uma mesa de mulheres, mas sobre o papel delas tratarei mais adiante . Os mesarios regiam a confraria, deviam zelar pelos interesses da irmandade , representando -a quando necessario . Como afirmava o projeto de compromisso de 1872 : a mesa e a sede onde reside a disposicao administrativa do estado economico e religioso de suas instituic6es.s21 0 estatuto de 1820 determinava que a mesa fosse composta de dois juizes, urn escrivao, urn tesoureiro, um procurador geral, quatro procuradores e os consultores. Em 1872, a composirao estaria mais simplificada: um juiz, um tesoureiro,um procurador e nove consultores. Ja em 1900 existiria uma mesa tinica, composta de homens e mulheres, conforme a tabela seguinte:22 COMPOSICAO DA, MESA (1900) Homens Mulheres I Prior Mestre cle NoviFos I Priore7a I Sub- wior 14 Definidores 1 Sub- prioreza l Secretario Mestra de Novicas I Tesoureiro 18 Condignas I Procurador Geral 1 Vigario de Culto As funcbes dos mesarios praticamente continuarani inalteradas no decorrer do seculo XIX. Os compromissos arenas detalham suas funroes e ------------------------------- 1're,jeto de romproinisso , ( I R72 ), Das atr• iliui Oes da Mesa, suas sessbes e fonrialidades, ep8',fl23 ' '('!nlromissc^ de ) ^ do Pc^s.ric, d'as 1'orias de anmio ( 1820 cap V1, cz l , doc 1, fl 10 du cc^rrrprouiis •; c, 1 1 - 7 ), cap 1 X72, 1, doc 2,1, 8 t^cvuprornicso ( 1900) caf, 2, cr l , ^lc^c
  • 26. 25 acrescentam novas cargos . Por exemplo, no p.-ojeto de estatuto de 1872 e no compromisso de 1900 aparece o cargo de andador , que seria uma especie de auxiliar do zelador , ajudando-o em tarefas como vigiar e guardar os utensilios da capela, ajudando o capelao nos suns obrigagoes,de assear e zelar pelo patrimonio da irmandade . Em 1872, juizes, escrivaes, tesoureiro, procuradores e consultores tiveram suns fungoes esmiugadas.23 0 juiz, em 1820, possuia as seguintes fungoes : promover a devogao a N.S. do Rosario, acompanhar os enterros , presidir a mesa, alem de fiscalizar todos os neg6cios da irmandade . Em 1872, suas atribuigoes eram muitas, entre elas assistir a todos os atos e reunioes, manter a ordem na associagao, convocar e presidir as sessoes, decidir as eleii oes em caso de empate, alem de tambem administrar todos os neg6cio :r da confraria. Em 1900, a terminologia mudava de juizes pars priore s que deveriam ser irmaos respeitaveis por sua inteligencia , probidade e prudencia e tenham mais de 30 anos . Suas fungoes se assemeihavam aquelas propostas em 1872. No estatuto de 1900, apareciam os cargos de sub-prior e secretario (este equivalia ao escrivao). 0 primeiro substituia o prior, quando necessario. 0 escrivao responsabilizava-se por conservar todos os livros e papeis relativos aos negocios da Irmandade, por organizar as pautas das missas dos irmaos falecidos, lavrar os termos de abertura dos livros de atas, de receita e despesa. Lavrava tambem os termos dos innaos e irmas que entrarem no seu ano. Essas fungoes foram mantidas como nos estatutos anteriores.24 0 tesoureiro arrecadava o dinheiro para a instituigao. Em 1820, suas atribuigoes nao estao detalhadas como nos estatutos posteriores. Era esperado dele inteligencia e habilidade, para langar toda a receita e despesa nos Livros da irmandade, sendo o responsavel por mandar dizer as missas pelas aln)as dos confrades falecidos. Frequenternente havia acusagoes contra ele, ' 1'cc'jcto de comproniisso ' ( 1872 ), ca])9 , 1 3 e 16, cx l , doc 2,;)1-) 44-461 Coin promisso ... (1900 ). a] _' ^xl,doc3 ,4 qI 0 ( c, ), , D. doc l 17 .. -, F'rnj etc) ...28i 9° ronusco 1 k2. j] . , cx I 20 2 1 ( I rap. 9' ] 0°,cr. 6, CompromiFso ... cap 4, cx l ,doc 3.
  • 27. 26 justamente por administrar mal a vida financeira da confraria. Talvez por isso no estatuto de 1872 houvesse maior detalhamento do seu papel. Langava todo o dinheiro nos livros de receita e despesa, administrava os ordenados dos empregados da capela , cobrava os alugueis dos imoveis da confraria, alem de equilibrar a receita e despesa, evitando surpresas desagradaveis para a associagao, prestando contas trimestralmente a mesa. Em 1900, as fungoes praticamente ficararn inalteradas , a excegao da prest.agao de contas, que deixava de ser trimestral: o tesoureiro deveria responder pelo dinheiro sempre que solicitado. E desempenharia sua fungao sempre acompanhado pelo secretario. Parece-mil aqui um tipo de fiscalizagao, tima vez que as contas tinharn que ser conferidas pelo secretario.2' 0 procurador representava e propunha solugoes para o bom andamento da irrnandade. 0 estatuto de 1820 previa urn procurador geral, que ja tivesse ocupado cargo de juiz, e quatro procuradores para servir a confraria, quando necessario, conforme veremos em outro capitulo. Ele defendia a innandade perante autoridades civis e religiosas. Uma fungao importante era avisar os demais mesarios sobre, por exemplo, alguma agao movida contra a associagao, sobre as festividades e os enterros, e the cabia frscalizar os documentos. Acrescentava o cornpromisso de 1900 que o procurador poderia protestar perante a mesa (Iuanclo julgar quc nao esta de acordo con) o compromisso ern suas deliberagoes e contrarias aos interesses da Ordern. Novamente sao os estatutos de 1872 e de 1900 quo explicarn melhor seu papel. 0 cargo de vigario do culto constava apenas no regimento de 1900, cabendo a cie zelar e cuidar dos objetos da irmandade, alem de providenciar cera para as rnissas ,e conservar os aitares corn aceio. Os consultores nao constavam no estatuto de 1900 , mas de acordo corn os regimentos anleriores deveriam scr pessoas prudentes, [del born juizo e f !','(i( '^, rid •7
  • 28. 27 conselho, especie de conselheiros, solicitados pela mesa para opinar sobre questoes administrativas . Tidos como pessoas de bom senso, cram requisitados quando a mesa precisava tomar alguma atitude mais importante. Alem de cuidar da vida admnistrativa, tinham como deveres acompanhar os innaos falecidos, participar das procissoes festivas e estar presente a todas as reunioes da irmandade.26 Atraves do compromisso da innandade , a distribui9do do poder entre os mesarios era oficializada. A representatividade do poder era cuidadosamente explicitada nesses estatutos . Africanos e crioulos por muitos anos determinaram a ordem politica no Rosario. Ern 1872 e 1900 os confrades destrincharain melhor as firncoes da mesa e dos mesarios. 0 poder interno foi cuidadosarnente elaborado para normatizar a vida administrativa da innandade . Quando acusada ou lesada , como no caso das disputas juridicas ou de acusacoes por nao cumprir seu papel, os mesarios obtiveram vitorias e deri otas. Os padres, frequentemente, se queixavam dos innaos, o que demonstra urna certa incornpatibilidade entre o poder leigo e o poder eclesiastico. As relacoes politicas no Rosario forarn cuidadosamente definidas a fim de que nao pairassem duvidas sobre os cargos e suas fiinGi es. Juizes, escrivaes, tesoureiros e demais r:iembros da mesa cram eleitos anualmente e podiarn se reeleger. Os comprcmissos perrnitiam a reeleicao, desde que previamente justihcada. E cs mernbros da confraria constanternente se utilizavam deste recurso. Assim, em outubro de 1866, a mesa solicita reeleicao para continuer as questoes que se achao principiadas pedindo para isso approvacao da junta. Em 1882 tarnbem houve reeleicao cla mesa para que esta pudesse concluir as obras da capela. A reeleicao era, asslin, fato corriqueiro. Consultando os livros de atas observei que aleuns resarios transformariam seas cargos em vitalicios. C) tesoureiro 1;211 1 '{i- 3.;^p Q-20
  • 29. 28 Manuel do Bomfim Galiza, por exemplo, elcito em 1880 , permaneceu no cargo ate 1889 . Certamente esse irmao gozava de prestigio na irmandade para sua reeleicao . Em 1889, o vigario o defendia: este deve ser reeleito no so pelo interesse que tern tornado para o augmento da irmandade, como par estar ainda em obra a capella . Por outro lado , muitos confrades recusavam-se a assumir os cargos da mesa . Os mesarios queixavam-se da ausencia de pessoas para tal. Em 1842, a mesa se preocupava pelo fato de que neste anno nao tern sido possivel aparecer urn so hornem para aceitar este cargo, por motivos particulares, outros talvez por conhecerem a decadencia da Irmandade a maior parte por nao saberem ler, escrever, nem assignar seu nome . Talvez alguns confrades nao se interessassem em a.dnrinistrar uma associacao pobre, outros por nao condizerem corn o modelo de mesario estabelecido pela irmandade , ou ainda por esta nao ser mais um atrativo pars os negros. Isso pode explicar, em parte, as frequentes reeleicoes.27 Acusacoes contra mesarios foram fregeentes na confraria do Rosario. Aqueles que ocupavam cargos cram mais visados. Em 1870, o procurador geral da irmandade foi suspenso e sua eleigho anulada, por este ter se negado a assignar e satisfazer a sua pronressa de leis mil e quatrocentos refs. Ern 1899, acusado de desfalque pelos irmaos da mesa, o encarregado das contarias foi afastado do scu cargo. Na mesma sessao, o tesoureiro da associaciio foi contrario a homenagear o definidor Manoel Nascimento por ser igos prestados a instituicao. Estabelecida a discussao entre eles, a mesa suspendeu a sessao ate que acalmasse as anirnos.28 Esses episc dios revelam que a politica interna no Rosario era cortilit.uosa. Acusacoes e descontentamento dos confrades corn a mesa foram constantes. Cerlamente que o monopolio por detenninados grupos desagradava 27 f-..111 3.R Termo de F:erolu c', 03 de outubro de I FC66, cx.3,doc04,x,.34. Sobre rr_elel;ao ver Lnvros de (1 kF0-1 kk?7. cx 4 : cc^rTesF,on lencias, cx 21, dc'c 024, 1 E,42 1 11 1'1 Terri c it is do='cmlr: d: I P7n cx 1 3, do c 0 4 T1, f 2-« , ec'l'rc c {r.'1 }^l C1Ur c ' 1,P,'r^^ SIP 1,^:^r f 1f 7'):. i.Ic^, f1C:-l- -
  • 30. 29 os demais, principalmente quando se tratava de uma monopolizacao duradoura. Aliangas e rivalidades na mesa. Os mesarios de 1820 cram, via de rcgra, angolanos ou crioulos. 0 poder pertencia estrit.amente a esses grupos. Rezava o compromisso que: no armo ern que for o Escrivao da serie dos An- golas,seja o Thesoureiro da srie dos Crioulos;o mes- mo se ha de praticar corn o Procurador Geral [... J24 No projeto de compromisso de 187;2 nao ha referencia quanto a condicao etnica dos mesarios, o que reflete o contexto da epoca. 0 trafico negreiro havia encerrado e a restricao etnica nao fazia mais sentido, pelo declinio da populacao baiana nascida na Africa. A escassez de homens africanos se refletia na politica etnica das irmandades. 0 Rosario se transformou, na segunda metade do seculo XLX, em unia irmandade crioula e, portanto, brasileira. 0 livro de entrada de innaos do seculo X/'M e inicio do XIX revela que crioulos ja predonrinavanr na immndade. ism seguida, viriliam os jejes e os an olanos. A difereri a entre crioulos e jejes era nruito pequena, nras o numero de negros que se declara pertencer a algum gnrpo etnico e infimo, o que dificulta a analise. Numero de irmaos registrados (1719-1837) 3175 percenlual Crioulos 115 3,6% Jejes 103 3,2 % Angolas 48 Mina -------- 37 Benguela 17 jr 11, 1,' i 1•-^..-.^iro -inr 1 o!1 dc,a.,tic,. ldc c 1,f] 14
  • 31. 30 Nag8s 4 0,1 Mocambique 3 0,09% S/ Declaracdo de origem 3 . 157 89,1% Fonte: Livro de Entrada de Imam (1719-1837 ) Os angolas se aliavam mais com os brasileiros ( crioulos) do que com os patricios africanos. Curiosa a dinamica etnica no Rosario. Apesar dos jejes ingressarem em grande numero, eles eram proibidos de compor a mesa diretora. Esta continuava, ate aproximadamente a segunda metade do seculo XIX, dominada por crioulos e angolas. Na eleicao de 1871, crioulos e angolanos continuavarn dividindo o poder na confraria. Para 1° juiz o vencedor foi o angolano Gaspar da Costa Julio. Da serie dos crioulos, Joao Luiz das Virgens( 20 juiz ). Posteriormente a esta data nao foi encontrado nenhum documento sobre eleicoes que destaque a participacao diferenciada ( crioulos ou angolas) como mesarios.30 A alianca entre crioulos e angolanos talvez possa ser explicada pelo fa.to de terem sido os angolanos os primeiros a chegarem a Bahia, e tivessem se adaptado aos costumes da terra.. Na virada do seculo XLY, continuavatn a chegar e se juntavarn a sous patricios. Nesse momento, eles se transfonnavain ern afro-baianos. Concordo corn Reis, quando afinna clue os angolanos foram introduzidos as rnaneiras e nialicias da terra do branco e guando os sudaneses comeCaraln a chegar ja havia uma longa tradi4ao angolana de interac io com o meio brasileiro e seus habitantes, entre os goals os crioulos. Nao e possivel desprezar o espaco que a cornnunidade anolana ocupava na Bahia. No Rosario, erarn os rnais antigos e nao iriam ceder seus cargos Para outros grupos de aGicanos, principalmente quando estes }ossem sudaneses, sear qualquer 1parenbesco lingi istico on cultural, e jq,
  • 32. 31 que por seu grande numero pudessem n;presentar ameaca a tradigao angolana. Queriam preservar o poder utilizando o criterio da antiguidade.31 Controlar a mesa significava, entre outras coisas , controlar os irmaos de outras etnias, alem de administrar diferenra.s etnicas. As irmandades eram canals de administrarao dessas diferengas. Angolas uniram-se aos crioulos, foram capazes de organizar estrategias de aliangas e rivalidades. 0 que parece estranho e o fato de crioulos e africanos se solidarizarem , porque o comum era o conflito . Basta lembrar que nas revoltas escravas do seculo XIX, crioulos estiveram ausentes . Crioulos, cabras e mulatos no participaram de nenhuma das mais de vinte revoltas escravas baianas anteriores a 1835.32 Cada irmandade negra era dirigida por urn ou mais grupos etnicos. A alianca crioulo/angola tambem se repetiria na Irmandade do Rosario da Conceicao da Praia e na Irmandade de Santo Antonio de Catagero, da matriz de Sao Pedro. Nelas apenas esses dois grupos podiam ocupar cargos de direcao. Mas tambem a origem etnica revela que muitas vezes africanos se uniam a africanos e repugnavam os crioulos. Esse foi o caso dos ben,guelas, que dividiarn com as jejes as cargos de mesarios na lrniandade do Rosario da Rua Joao Pereira. E na Innandade do Senhor Boni Jesus dos Martirios, em Cachoeira, os jejes expressararn sera rodeios sua animosidade em relacao aos crioulos no Compromisso de 1765, admitindo-os se pagassern urea joia dessezeis vezes mais cara e proibindo-os de exercerem cargo de mesa. Outro caso de hostilidade etnica foi comprovado atraves do compromisso de 1800 da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cn,z dos Crioulos, tambern de Cachoeira, que aceitava apenas irmao natural da terra, e caso entrassem Angola, Benguela ou Costa da Mina, sera riscado da lrmandade. A excecao era apenas para as inulheres tefguclas, aiii olanas e da Costa da Mina (-,asadas corn os menibros da r, 7 ... c~,. ,ra uo Fr; sil 1, ] ^.5 '1 ( ( i(PIi Cl 1' t S., cc la'bCli(:O ('S^ IQVQ Pic) 1'r; jj 1 1 7.
  • 33. 32 confraria. Estas eram aceitas em atengao aos maridos. Em caso de viuvez, se casassem pela segunda vez sem ser cony os da terra perderao toda a honra da Irmandade.33 As mulheres na mesa As mulheres ocupavain cargos nas confrarias negras, inas a origenn etnica tambem criava regras entre etas. No caso da Irmandade do Born Jesus dos Martirios, de Cachoeira, citada ant.eriormente apenas as mulheres crioulas podiam exercer cargos , mas corno membros comuns as mulheres, independente de suas origens , eram desejadas nas irmanda .des africana.s, talvez para aumentar o estreito mercado afetivo dos homens, sendo elas pouco numerosas na comunidade africana.34 As inn As do Rosario das Portas do Carmo participavaln de urna mesa exclusivainente con-rposta por nnrlheres. Erarn juizas,nrordonras e procuradoras. As mulheres crioulas e angolas poderiam, pelo compromisso de 1820, ocupar apenas esses cargos. Assim rezava o estatuto: Em cada aria se elegerao as Juizas que forem sufti- cientes de hurna e outra nac o,doze Mordomas , ou mais se poder ser, duas Procuradoras as quacs poder5o ser Innis on nao. 3' No projeto de conii)roIIIisso de 1872, existe referenda a juizas e mordornas de festa . Em 1900 , o comprornisso deterrrrinava que as mulheres tomariani parte na administragao e gozariam das mesmas regalias dos Irmaos mezarios em tudo que estiver de acordo cons seu sexo. A l)articipagao administrativa das mulheres est.ava liniitada , pois eranr do sexo ^' P.eis, A rtortc e unto fc:ta ... r,56 C oniprorn ,; o da Inna_idadc do Senior Dom Jesus da 1niz 1 ' ^'ri^tl,.,c, la Jila da I'tip II r,ttra I 1 s:001, i-al, 11 'do( 10,111.,; ; Al N S k '4 T:cis, A !Torte c^ tcnta rc::fo ...1,.5£x l,i lrTti;vrl^v1, d, N ,In dui: I c,rl as r1r, 'arnin I1^Zr'], ctq' V111, cx 1, d:,r 1, 1 r:, I.1 14 F'.
  • 34. 33 fragil e, supostamente nao possuiam capacidade de decidir. Essa desqualificacao do sexo feminino esteve presente desde o estatuto de 1820. Proibiam-se os escravos de ocuparem certos cargos, as mulheres, independente de serem ou nao livres , no pcdiam ocupar certos cargos,-os ma is importantes ou de direrao - porque pela qualidade do sexo nao exercitao ato de mesa . Nesse estatuto , a. funcao desempenhada pelas mulheres seria assistencial : visitar os enfennos , orientar-se do tratamento [que os doentes ] recebem e da boa ordem. Russel-Wood assinala a importancia da ala feminina das confrarias de cor no que diz respeito a atividade de assistencia social: As mulheres das irmandades desempenhavam um papel vital e essencial na prestacao de servicos sociais aos irmaos e a suas familias atingidas pela doenca e pela pobreza. 36 Pelo estatuto de 1765, as irmas do Senhor Bom Jesus dos Martirios, de cachoeira, tinham como atribuicao cuidar da festa e da procissao. Os homens pretos do Rosario de Camarnu apresentararn arenas classicas do patriarcalismo no tratamento de suas mulheres. Pelo compromisso de 1788, as irmas procuradoras realizavam tarefas tai; como: lavar a roupa branca, preparando-a com toda limpeza para o use das Missas, cosendo-as e reforrnando-as.37 As mulheres na irmandade do Rosario cram maioria subordinadas. Dos 3175 irmaos catalogados pelo Livro de entrada de irmaos para o periodo 1719-1837 , 2204 cram mulheres, representando aproximadamente 69% dos rnembros, mas continuavam sem ter poder administrativo. Das 161 escravas que ocupavam cargos nesse periodo, apenas treze registraram sua etnia: seis erani jejes, cinco crioulas e duas angolas. Aqui apesar do numero reduzido de dados sobre a origem etnica das mulhel-es, as irmas jejes e crioulas '6 Frojeto de Compromisso de 1872 , cap.6°, cx 1 ,doc.2, p . 16; Compromisso ... 11900], cap 4° Plrihui;i:'cs da Prioreza, Oub Priorez a, 1,4cstra de 1^ovi;a e Condig ias cx 1, doc . 3 ;Cornproniisso... 1820], cap.?:VI, ex l,doc 1,t7, 16; A.J.R Russel-Wood Flack and mulatto hrotheroods in Colonial Lraril a study in collective hehavio aped Luciano Fiz,ieiredo, C' Avesro da I mdrla . C'ntidiano C do o d 0cr cm 1 i riu u icrC: L rev '('L7,do : i71, Fdtl1 ', J('.E' r ]y111 to, 1 993, r 1 C-^. a±ri. r, 1,Ojlvt'v, 17re F;aCk C,ci1' _;,, , Rris. A morte 6 w?ic testa ...1' 58'
  • 35. 34 dividiam os cargos, o que demonstra que as regras de discriminacao etnica foram subvertidas pela ala feminina do Rosario . Entre 1720- 1818 , dez juizas eram da narao jeje. Isso sugere a no exclusito etnica entre as mulheres, no periodo anterior ao estatuto de 1820. A partir deste apenas as mulheres angolanas e crioulas dividiram o poder na mesa . Poder relativo e limitado pela ala masculina.38 0 que explicaria o grande numero de mulheres nas irmandades negras? A oportunidade de usufruir da assistencia material certamente influenciou a entrada delas, mas os homens tambem foram atraidos pelo mesmo motivo. Estudando o cotidiano das mulheres mineiras no seculo XVIU, Luciano Figueiredo explica a paiticiparao das mulheres negras nas irmandades como um reflexo da vida que desempenhavam nas comunidades mineiras . 0 baixo nivel de vida a que estavam submetidas e a consequente necessidade de obter a assistencia social oferecida constituia-se em importante motivacao pars o seu ingresso[...].Tambem buscavam ali condicoes para um convivio social corn seus pares. 09 Figueiredo comprova a enorme expressac da mulher nas irmandades de negros e mulatos. Participando ou n io das mesas dirigentes, o elemento ferninino assurniu realmente urn papel significativo. Talvez em Minas Gerais as mulheres participassern, decidissem os assuntos da confraria.40 Em Salvador, as innas do Rosario raramcente aparecem na documentacao consultada. Sao juizas, oferecem sermoes, constantemente sao cobradas pelo atraso dos alugueis, sao viuvas defendendo sous rnaridos das cobrancas dos mesarios. 0 registro de entrada de irmaos no traz dados sobre a condicao civil dessas mulheres. Mas, atraves dos testamentos de libertos para o periodo de 1790-1844, foi possivel identificar que das 38 testadoras que perienciam a irniandade de N.S. do Rosario, 23 erain casadas. Mesmo nao 't JI_I N 5 R Li,,: o de entruda de irrriaos ( 1722-1526Y, cr. 7,duc 1 u' i;rin ued^^, I iCti irr^i /•ae sso 1 ^ 2
  • 36. 35 tomando parte das decisoes administrativas, as irmas nao estavam na confraria apenas em busca de auxilio material. Essas mulheres eram comerciantes, desinibidas e ganhavam mais dinheiro que os homens . Estavam ali para ajudar seus maridos e os seus irmaos etnicos.41 A vida administrativa da irmandade estava assim organizada . Conflitos, tensoes , monopolizacao etnica, bern como o pratiarcalismo que imperava na confraria fizeram parte do cotidiano dos membros . Os compromissos definiam as relaroes sociais e de poder no Rosario . Vida social e vida politica cram ditadas pelos estatutos. Os principais aspectos tratados pelos compromissos do Rosario rnudavam de acordo com a epoca. 0 projcto de compromisso de 1872 propunha algumas mudancas , o estatuto era mas simplificado e as funcoes da mesa mais detalhadas. Entretanto, sua aprovacao nao aconteceu. Infelizmente a documentapi3o nao esclarece o porque do veto das autoridades. Talvez, como afinnaram Bacelar e Souza, a proibirao do estatuto estivesse relacionada ao fato dos irmaos pedirem a elevarao da instituirao a categoria de ordern terceira.O que significava prestigio na hierarquia eclesiastica. Aquela no era uma epoca propicia Para se atender ri solicitacao de negros orgariizados. Os debates em torno da carnpanha abolicionista favoreciarn aos negros e seus defensores, o que certamente contrariava os poderosos da epoca. Permitir aquela prornorcao poderia significar uma brecha favoravel aos irmaos negros. Os irmaos se tornariarn terceiros eni 1900. Certamente que o nrometito favorecia a pronrocao, mas quanto a isso tratarei adiante. 41 Agrade^o gentilmente a Profa. Marla Ines Conies de Cli^eira por ter colocado a nrinha disposicao a listafiern dos testadores que pertenciarn as irmandades entre 1790-1890. Do total de 350 testarnentos de africanos lii ertos pesquisados pela autora, I ? perterrciam a algurrra irmandade, 52 testadores do periodo 1790-1844 faziam parte da irmandade do Rosario das Portas do Carno. Listei o nir!ncro de mulheres testadoras, que n-mis urna ve:_ erar» rnaioria, e obtive o perfil do estado civil ^lrl,rv ti,r.trt niulhcrrs iiiertas e cscrava^ vr-r l4 ttoso F;,_;ln sec.Jo uma provincra no Inperro
  • 37. 36 CAPITULO II O TRIUNFO DO ROSARIO SOI3RE 0 ESPIRITO MALIG- NO: CONFLITOS ENTICE IRMAOS E PADRES. A vida nas Irmandades religiosas nao era apenas feita de harmonia e solidariedade , principalmente quando se tratava do relacionamento entre ir- maos e clerigos. Queixas contra o vigario da freguesia , o capelao da Igreja, a vigilancia e o controle or estes da conduta moral dos irmaos , sua intro- rnissao nas festividades das associacoes , que fi-equenternente consideravam urn espetaculo profano , alem do n9o pagarrLento de servigos prestados pelos pobres e , t.ambem, a prestadoo de contas dest.es a instituica .o - eis alguns dos motivos mais constantes dos conflitos , mutas vezes acirrados , entre padres e innaos pretos de Nossa Senhora do Rosirio as Portas do Carmo de Sal- vador. E interessante observar que tais corrflitos tinham uma logica propria. Os leigos se consideravam a propria Igrea e, nutna irmandade negra, essa tendencia aumentava consideravelmente porque esta representava uma das poucas chances de organizarao formal e relativarnente autonoma dos negros na cidade. Pot- outro lado, a hierarquia eclesiastica queria controlar ao maxi- rrro a Vida dos innaos. Diante dos diverscs interesses em jogo, o choque cntre as pates era inevitavel. 'J'udo isso parece unr pouco ubvio, mas o que Lorna essa historia interessante e o fato dessas querelas se arrastarem por todo o periodo colonial e imperial e trazerenm a tona questoes bastante elu- cidativas a respeito das relacoes de poder estabelecidas, e is vezes do con- fi-onto direto, entre o poder leigo e o poder eclesiastico. Ao inesmo tempo esses eanbales demonstranr a capacidade de organizarao, de negociacao e a
  • 38. 37 combatividade dos negros contra os adversarios, na defesa do que considera- vam seus direitos e seas interesses.1 Parocos , vigarios, capelaes na ordem religiosa A formacao do Brasil aconteceu em grande parte atraves da acao do Estado e da Igreja. Estreitamente associado3 , esses poderes ditararn as nor- mas de conduta dos civis e religiosos no periodo colonial e imperial. Entre- tanto, por forca do Padroado, a Igreja foi obrigada a exercer urn papel se- cundario. Os negocios eclesiasticos ficariam inteiramente submetidos ao poder da coroa. Na realidade, o monarca portugues tomava-se assim uma especie de delegado pontificio para o Brasil, ou seja, o chefe efetivo da Igreja em forrnarao. Ao Papa cabia apenas a confirnricao das atividades religiosas do ref de Portugal. Afirma a historiadora Katia Mattoso que, sob o instituto do Padroado, a Igreja catolica parecia dirigida por leigos. A hierarquia era pouco respei- tada por padres e fiefs. Na major parte dos casos, o dinheiro destes ultimos mantinha o culto e a cliama da fe das irmandades. Entretanto, reconhece Mattoso, foi com o est.imulo da Igreja que a acao dos leigos se tornou possivel.? A vigilancia e o controle da Igreja cram exercidos pelos vigarios das freguesias, pessoas mrrit.as vezes pouco populares perante os innaos. Acusa- dos frequentemente de cobrar preros exorbitantes pelos servicos, o clero en- trava em choque corn os mernbros das inmandades. A.lguns dosses episodios seriio analisados adiante. Antes disso e born esclar-ecer quaffs os papeis de- sernpenhados pelos padres na ordem religio^a. Julita S._aranc',Llevo4to e E$cravld'do A Irma dadc do 1-foss Sen/fore do Rosario dos t.cto.^• no J):stnto ih^7nulntrno no stcuJo }x7111, S'1o Paulo, N cional, 1975, p 51 ; ver tarnhE-m Joio F'.eir, Dife- r n;s,r e F. is;Fiicias ;io Frasil escra^•i:,ta. Tent, ,n' ^,f l.duardn !itwrnirri. IL ^;tcn^1 • c j ro is ' o F',lsjl. Jr-i Ira a, 4, ed , I -trbpolis,'Io:.t::, F'auIiii 1'. ,j 1,;, i --
  • 39. 38 0 vigario era o chefe da freguesia , rnas para ser paroco era nomeado oficialmente pelo Estado e seu cargo era vitalicio. Os vigarios tambem po- deriam ser vital icios ( vigario colado ), on encomendados, nomeados pelos bis- pos temporariamente , ate que viessem a obter nomearcao official, que podia demorar longos anos.O paroco reunia na sua paroquia as capelas sob a responsabilidade de capelaes . Alem desses capelaes, Mattoso identifica mais duas situaroes que encobriam a denominagao de capelao : a do que exercia suas funcoes sacerdotais junto a uma irmar.,dade religiosa ou uma familiar e a do que ajudava no coro catedral , apesar de nao ser conego . Havia tam- bem capelaes nos engenhos e nos quarteis.4 Acrescenta ainda Mattoso que os capelaes forain os responsaveis pe- los encargos das almas de uma parte da populacao numerosa, que escapava ao clero submetido a autoridade episcopal . Os padres -capelaes que serviam irmandades eram maioria . Nesse caso , o capelao era nomeado pela Mesa adrninistrativa da confraria e eni tese estaria sob o controle dos innaos. Ficavain ate sujeitos a sancoes , se negli €;enciassem atos de culto on se cobrassern por eles mais do que fora estipulado.5 Queixas das imrandades contra os parocos e capelaes foram frequentes durante o periodo colonial e imperial . Os f'ieis no viam seus padres conro modelo de coml?ortamento. Esses erarn freq-ientemente vistos corno mercena- rios, preocupados mais corn bens materiais do que com a assistencia espiri- tual. Por outro lado, os padres queriam set pag os pelos servicos prestados, pois precisavaln de clirr}reiro para seu sustelito. 0 comportamento dos padres brasileiros seria tipico? Que foiinacao terian recebido Horror clerigos? E no nnininro interessarite conhecer urn pouco da historia desses sacerdotes. Remontando a unra epoca distante, conta-nos Thales de Azevedo que ON padres que vieram de Portugal pertenciain a escc ria do que la havia de sacerdotes - uns suspensor de ordens, outros rebeldes e insubnrissos. Sobre a
  • 40. 39 formacao do clero, Azevedo city o caso de Diogo Antonio Feijo, que se ordenou sem nunca fazer um curso regular. Formava-se o clero de forma precaria. Acrescenta o autor que , para substituir os jesuitas , ao extinguir- se a ordem benemerita, o marques de Pombal fez ordenar e seguir para o Brasil padres preparados as pressas , em coisa de seis meses , recrutando su- jeitos imbuidos de regalismos e par certo mais preocupados com a politics e com o emprego do que com a religiao . Na opiniao de Azevedo isso explica o grande nrirnero de padres sem vocacao para a carreira.6 Certarnente que os padres do seculo XIX herdaram muitas das carac- teristicas dos seus antecessores. Era mur.o comum no Brasil os padres destoarem dos padroes que o Concilio de Trento procurara definir. Em sua pesquisa sobre a Mesa de Consciencia e Ordem, o historiador Guilherme Neves identificou varios casos de transgressoes perpetradas pelos clerigos, corn desmazelo, embriagues, atitudes injustas e violentas e, sobretudo, concu- binatos. Alem da constante intrornissao dos parocos nos assuntos da admi- nistracao da justica., como foi o caso do paroco de Carinhanha, as margens do rio Sao Francisco, que em 1825, valendo-se da ignorancia dos juizes leigos, extorquia os paroquianos corn direitos excessivos da estola... C ainda por cima vivia escandalosamente amancebado coin urns prostituta.' Trabaihando corn 114 testamentos e 29 inventarios de padres falecidos na Bahia entre 1801 e 1887, Kat.ia Mattoso pode observar que o clero, ape- sar de se declarar celibatario, testava a favor dos seus filhos, reconhecendo seus deslizes. Entretanto, Mattoso acredita que niio se tratava de nenhurna aventura amorosa e sem consequcncias, pois apenas 25% dos padres decla- rarain um filho. Quarenta por cento deles chefiavam farnilias numerosas, corn tres filhos ou mais o que exclui a ideia de relaroes acidentais, result.antes de fragilidades passageiras. Os padres rnaritinhain sempre a rnesrrra mulher, Ill^df; ^Ir f^_rar , I^ Irncrt:o du ^id,^Je to S.^lvcdvr, ^,Iaa,Itaru7a 1'_-'69, 214-15 ^uilF^-m F'rre^ra d;,^ N v(.^ Fntre o I bless de Co±aciencic E, -Irdrus e o I C^.'r',: 1^,.._. ^. ..:^•^. ^^.; ). 1.;`^_^. }'.Ijll: _.^'.^ _ •.1^.1P . 1_ G ti:
  • 41. 40 mae de seus filhos. As normas do Concilio de Trento pareciam mais ficcao do que realidade. Em 1857 , na cidade de A lcobaca, interior da Bahia, os mo- radores denunciaram o vigario encomendado Francisco Jose de Oliveira Fonseca, por este ter uma mulher casada e acha- se com ella concubinato publics e escandalosamente; passando seu desejo a ponto de apresentar-se com ella na sua janela, e na ports da run de sus casa de morada, e de noite deitados na calgada. A regra do cehbato continuava a ser transgredi- da. Alem de comportamento clerical nao tao exemplar, a situarao material deles era delicada. Os vencimentos, quando recebidos, cram minguados. Os parocos raramente atingiam os niveis da remunerarao media recebida por artesaos , pedreiros e marceneiros , que era de 200 mil reis anuais. Os viga- rios colados possuiam fontes numerosas , mas as quantias arrecadadas varia- vam segundo o numero e a riqueza dos paroquianos. A situacao dos viga- rios encomendados era pior ja que s6 podiarn contar cone a generosidade dos paroquianos. Essa situarao vexatoria explicaria em parte os interesses do clero nas recompensas materials da vida religiosa. Teremos, desse modo, padres-funcionarios mal pagos pelo Estado que completavam o orcamento cobrando por seas serviros valores as vexes exorbitantes.9 O jogo de interesses e a aprovrrcrio do compromisso Os conflitos na Irmandade do Rosario das Portas do Can-no vinham de lon,ge. A corifi- aria fora erguida e confinnada na Se Catedral , ern 1685. Entre 1703-1704 os irrnaos conseguiram levantar sua propria capela as Por- tas do Can-no. Quando, em 1718 , a nova freguesia do Passo foi desmernbra- da da Se, os paroquianos , ainda sem a SL a rnatriz, ocupararn a capela do rr -
  • 42. 41 Rosario dos Pretos. Entretanto, os negros dirigiram- se ao Rei, por intermedio do govemador do Brasil, conde de Sabu€;osa ao Rei, queixando-se dessa apropriacao injusta. Carlos Ott assinala o papel importante clue desenvolveu o conde de Sabugosa, pronunciando-se a favor dos irmftos do Rosario. F assim urna Carta datada de 1726, obrigou c vigario do Passo a devolver a igreja aos pretos. Assim dizia: Fago saber que por parte dos juizes a Irmaos da Irmandadi, que fizeram hua ermida as suas pr6 prias custas para o que impretaram primeiro do Re verendo Arcebispo ... a estando assim a sua Inman dade corn toda a descencia; e como nessa cidade,ser to da mesma ermida e erigira tambem hua Igreja para Matrix pedira o dito Arcebispo aos Suppli cantes que em quanto estava sendo acabada os fre guezes adrninistrava nos na ermida [ Rosario J. E es tando assim :ilguns dias intentarlo as ditos freguezes a se apossarem-nos da stia F.rmida que flies tintra cus tado tando traballro,e despesa de sua fazenda para lies servir de fre€vezia e vendo as supplicantes esta injus tica que lhes queri o fazer recorrer1o a nrirn pars que os mandasse comerciar na sua antiga posse (...)10 Aos paroquianos do Passo, no restou otitra alternativa senao acatar a decisao do Rei e construirern sua propria matriz. Que houve muita oposi- q5o disfsu-cada dos paroquianos contra a decisao do conde de Sabugosa, mostra o fato de terenr protelado mais dez anos o inicio da constnrcao da matriz do Pass,-,). E mesmo quando. em 1736, comecaram corn as obras, os t.rabaihos se arraslaram por varios anos e no se devem ter rnudado para a nova rnatriz antes de 1740. Nesse acontecido, a justiga prevaleceu gragas a altivez desses negros, eras o apoio do conde certarnente muito contribrriu para o desfecho. Resta perguntar o por que da decisao do governador. Acredito que resulta do seu J:,lt' de N de IN i iric' d J - -tc dc, }'e lc,uririhc,, 9* A^ur:, :-;, r ]5 ^--rrCr.;Iic u N ^i_ I ,_--
  • 43. 42 bom senso , tentando evitar alguma razao dos negros . Havia negros rebeldes na colonia, sobretudo reunidos em quilombcs . Caso o pedido do governador fosse desfavorsvel a irmandade , o governo poderia ter de enfrentar reunioes de negros , pedindo justica, e ninguem sabe onde isso poderia dar. Favorecer aos membros do Rosario significaria traze-lc,s para mais perto do olhar vigi- lante das autoridades.12 Era de se esperar que o trato dos brancos corn os membros das ir- mandade de cor fosse permeado por muit.cs conflitos , tanto no periodo co- lonial como imperial . Afinal, o controle social era uma razao fundamental para a tolerancia dessas instituicoes e, se tanto o poder eclesisstico como o poder civil intervirarn muitas vezes nos assuntos da irmandade do Rosario, foi para corrigir desvios dos negros para melhor controls-los. Nesta batalha, os padres foram soldados de linha de frerrte e, portanto , mais suscetiveis de entrarem em choque direto com os irmaos. Naquele mundo, controlados pelos brancos, os rnenrbros do Rosario tentavam burlar os olhares vigilantes dos padres. Com desinibicao , os mesa- rios da innandade fregiientemente recorriam a intervencao do poder temporal, e outras vezes ao bispo ou arcebispo local. Talvez o caso da disputa pela capela, em 1718, tivesse sido o primeiro sinal inrportante de que os negros nao iriam aceitar qualquer tipo de injustica. E isso se confirmaria, corno ve- remos mais adiante. Apesar de socialmente fracos, os negros da irmandade souberam fazer politics, procurrndo apoio, proteyao, intemrediacao ou exigindo justica dos poderes constituido do governador. Diante de qualquer ameaca a confraria, a Mesa logo acionava seas procuradores para defende-la. A via utilizada para lutar e garantir os direitos dos imi ios negros era, alem da peticao as altar autoridades, a via juridica. A rnaioria das causas que envolvia a Inuandade era defendida por urn Pro- curador Genal. O c'.irupromisso de 1820 estabelecia que fill cargo fosse ocu- r
  • 44. 43 pado por um irmao , revezando- se os da serie Angola com os da serie dos Crioulos. Assim rezava o estatuto: Haver'a na Mesa hum Procurador Geral pes soa agil e diligente que ja tenha servido o Car go de Juiz [...] a este tera a Mesa todo respei to; hum anno sera da serie dos Angolas, outro da serie dos Crioulos [...] tomar'a conhecimento de todas as determinacdes da Mesa que no for a bem da Irmandade para se oppor e protestar [...]13 Atraves desses procuradores, os negcos do Rosario reclarnaram seus direitos diante de autoridades civis e eclesidsticas, pelo simples fato de nao adrnitirern que a palavra do padre, por exernplo, fosse considerada como a ultima nos assuntos da confraria. Quase sempre, quando um novo compro- misso estava para ser aprovado, esses conflitos afloravam. Foi o que aconte- ceu no processo de aprovacao do compromisso de 1820. Pela docurmentacao consultada, percebe-se o ernpenho da confrVia em aprova-lo na forma origi- nalmente concebida. Ern 1810, o entao procurador da confraria, Vicente Porfi- rio Soares, se encontrava na Corte do Rio de Janeiro, demandando junto a Real Magestade a confinnaGao do compromisso. A partir dessa data, os conflitos entre o vigario colado do Passo, Vicente Ferreira de Oliveira, e a irnandade do Rosario, gartliariain folego no Tribunal da Mesa de Conscien- cia e Ordens. Aparentemente, a contenda continuou no ano de 1821, quando, rrtesrno apes aprovado o estattito, o procura:or dessa epoca, Jose Vicente de Santana, pedia o acrescimo de rnais tres capitulos. Se conseguiu, no fica- rnos sabendo. Entretanto, o episodio demos!.ra a desarmonia existente entre lei,gos e clerigos, trazendo a tona a luta dos inmaos negros contra o precon- ceito e a arrogancia do vigario. 1,_111 I. I „N,;sn, d:,: InnandadP de N N:n, 11'3 J2 F 1!] : ,;, ^^ k z C It k!-I! .c 1 11, 1 1 it 1-! , . :1- :i= .'l 'it i^^1. i. :''.1
  • 45. 44 Na documentarao consultada, encontrani-se as queixas dos irmaos con- tra o vigario, acusado de querer interferir, indevidarnente, em assuntos da confraria, se opondo a aprovagao do compromisso , alem de cobrar de forma exorbitante os servicos prestados , tirando excessiva vantagem financeira. As- sim, pronunciava-se por exemplo Jose Vicente escrevendo do Rio de Janeiro: que elle recebe primeiro os direitos de sua fabrica e por tanto encomenda os defuntos em sua Casa antes que venhao a ser entetrados nesta Irmanda- de. Por outro lado, o padre Vicente Ferreira de Oliveira se opunha ao esta- tuto por este ser muito ofensivo e destruti'vo dos Direitos Paroquiais, con- siderando-se tambem espoliado pela irmandade. 0 que podemos deduzir, e veremos adiante, a haver um conflito de interesses nao apenas espiritual, mas sobretudo material entre a innandade e o vig6rio.15 Agressoes, xingamentos constam das ca-tas enviadas pelo procurador, do Rio de Janeiro, aos mesarios da irmandade do Rosario, em Salvador. Quase sempre o padre era definido como servical do Diabo, que infernizava os devotos do Rosario, sendo urn espirito maligno. 0 mal aqui estaria sendo servido pelo mensageiro de Deus. Assim ele escreveu. ...faro guerra ataco o inimigo e temorizo-o e gritando viva a mae de Deus do Rosario estou corn a fe, esperanra de levantar estandarle da vitoria contra o inimigo infer- nal a que protesto vencer com as proteriies tao Diving... Estava declarada a ,g uerra. Alias esse e um terrno rnuito :rtilizado pelo procurador, quando fazia referencia ao desenrolar dos acontecimentos. Talvez, Canto o vigario quanto o defensor da innandade realrnente pensassem que se tratava de uma luta em que so haveria um vencedor. lb Resta-nos saber de forn-ia rnais detall'ada as desavenras entre as par- tes. Segundo relata Jose Vicente. o vigarie pertubava a paz da confraria, Iu', -- uradc,r g11ieizava-ue d l , g' arlc, sc apropnrtr do dilLtiieiro is f5l,rlca, urn fw3o de resrlVa ^;r)a I c,ssuSr,. din!lairn t5!:jktui dt vf,na SCr' rel^.:SsI, ln l,ar3 a ITi1r11n-la,JeCr P114 S I-'- , ,,1^ 1 5'vl;:l- dc, }-_ic. Y do n^c,st^, -3F ] 1 I-Qess de ^^_,;i^e iFn is 1, jIc'ii d' 1^. it ^.i it }'. ...'c':'I •l„I'(!I'. .21? v-, d! '..1}., )
  • 46. 45 alem de ambicionar lucrar so bens temporaes e nao espirituais .... 0 procu- rador acusava, portanto, que o padre apenF .s se interessava em ganhar di- nheiro . Talvez houvesse exagero nas declararoes , todavia o que valia era tentar denunciar a Coroa o mau funcionario espiritual , que teria um carater mesquinho e ganancioso . Evidentemente o vagario precisava de dinheiro para seu sustento , e se prestava servigo a irmandade deveria receber por isso. Na verdade , o que parecia estar em jogo era uma medirao de forcas entre os dois contendores . A irmandade tentava limitar as funcoes paroquiais e o vi- gario impor suas vontades.17 0 que teria o novo compromisso para desagradar e enfurecer o paroco a ponto deste ser tao veementemente contrario a sua aprovarao? Quaffs os fatos que teriam tirado o sossego e a pay: dos irrriaos e do seu paroco? Alguns capitulos propostos pelos irmaos nao foram aceitos pelo paroco por- que, segundo este , violavam o que determinava o Direito Eclesiastico. Tres questoes fundamentais desencadearam o conflito entre vigario e inmandade: a primeira delas dizia respeito ao sepultamer to de irmaos , a segunda ao fato de ser on nao a capela do Rosario filial da igreja do Passo e , por ultimo, temos a polemica em torno dos cargos de tesoureiro e escrivao serem exercidos por negros.'8 O vigirio, Vicente Ferreira de Oliveira, seria urea pessoa detesta- vel,mesquinha e interesseira, de acordo com o relato do procurador Jose Vicente. No Rio de Janeiro, tentando fazer valer os direitos da itmandade, este atacava o outro diretamente , propondo a limitay o das func6es paroqui- ais. Pelo desejo do representante do Rosario, o dito vigario nao seria pago 1 14 OR Con•espond eru_ias ( Car-t rnaro do I 1 .as do Rio ), 25 de 8 6, Cr- 2G, duc.U^-b; ;; ubre os canllitos referentes a falta de pagan i ento ver Tenrios de Resolu;€,o, cr.. 03. 1e A partir das c am as do procurador Jose Vicente de Santa Aria, que se encontram no arquivo da innarndade do Rosario, corne;ei a buscar o que teria motivado de fato a contenda . Infelinnente a dculul,enta;eo encolitrada na ioeja do Rosario sobre o episodic' apresentava lacunas, alpunas inclusi p la u;•'io du trrnpo Ihestava tcritar obtr•r iufonrr,.,es rlo Pr-111ivo Ni(ic,nal , t-articu- lanul;l?r. atr,lves do 1'11ndr, ,le 1A ca de Ccn, scii-ncia e ()rdrns c dc, Descrnbw-gu do }'af,, Ysprcifi- !!I1S'II't I,I d ' 111era de v11SrI91Clit e '_ lrdens l(„al! :off duffs rrla-C, ^ reCllead'r 'le 111 .,:7a, 'Pt 1,1-'lrsol,re fro,I! Erscc d. U:.,P11:C, £ ,.;r 1-1 'l:A,-;1:11 a (LiL-I:.l:L-(' Q''jr ''c-1£ 11e11 a!ii:rt -!1!.E li•'.fl C,f :Ir ^„-i,c t u :=c-'.., li'a;•Ii.
  • 47. 46 por defuntos que sejao de Freguezia estranha por elle encomendados Para irmandade . Isto porque o defunto ja teria de pagar aos parocos da sua fre- guesia de origeni, o que era de acordo coin as Constituiroes Primeiras do Arcebispado , que regia estes assuntos . Sobrt a encomendadao dos defuntos de freguesias estranhas , rezava a Constituigao : E, falecendo algua pessoa fora de sua Freguesia, se dara recado ao Paroco daquella, onde o defunto falecer e ira encomendar per si, ou por outrem. No ha portanto restricao ao fato de o paroco encomendar os corpos que nao fossem de sua fregue- sia, mas tambem nao esclarece e nem determina o pagamento destes pelo servico.19 Por outro lado, o vigario explicou ao Tribunal que sempre fora do costume encomendar Para si ou seus Coadjuntores todos os corpos, que vem de outra qualquer Freguesia inda ja encomendados pelo seo competente Paroco a interessar-se as suas Freguezias Filiais, e receberem o emolu- mento perrnitido pela Constituicao ... so o su plicante se acha espoliado deste Direito, sem que os Suplicados apresentem titulo algurn legitimo, que o ex- clua, nao querendo eles que o Suplicante encomende os cadaveres, nem que exija o seu respectivo benez, a so sim que o seu capelao assista a seme- lhantes funcoes funebres. Talvez fosse costume na freguesia do Passo ga- iihar pelo sepultainento de irmaos de outros lugares. Os parocos de diversas freguesias poderiam perfeitainente entrar em acordo e ambos receberem seus emolumentos. Ate porque, como id foi mencionado, as ConstituirOes nao proibiam explicitannente tal pratica.cO Afimiava ainda o vigario que os Irn-Aos do Rosario nenhumas outras causas alegao para tzencao, senao a de serem pobres, e a de terem hum Capelao, mas tal alegacao nao teria fundamento pelo fato de se tratar de LJ) S R. Corresi or,deiirias 1 Ca-tas (j() 02 de ju,-L1,o de IS 16, cx..20, doc.02-c Ter ebastido 11.'iitciro da vide, .1'o l1 t1L 4'3c5 Jnmc1 raS do ArccL! T11 at Dos Fr1tCrraniCIItos, FXrgiiias e 0 ffra^ios -.1os Defurit^^s ^'rnnn ^, dcfurite^s l^',o de ser erco'oendados Z'elo seu I'aroco antes que i1 'c,llrtii. d,s I