1. Produção da indústria sofre, mas confiança
melhora em setores beneficiados
Passados cinco meses da entrada em vigor da desoneração da folha de pagamentos para os
setores de confecção e calçados, os números dos segmentos continuam desalentadores. A
produção de vestuário e acessórios caiu 13,5% nos quatro primeiros meses do ano, em
comparação com o mesmo período de 2011, segundo o Instituto Brasileiro e Geografia e
Estatística (IBGE). No caso de calçados e artigos de couro, a retração foi um pouco menor, de
3,4%, mas ainda assim o resultado é pior do que o observado para o conjunto da indústria de
transformação, que teve um tombo de 3% no período.
A confiança, no entanto, dá sinais de reação. Para executivos ouvidos pelo Valor, o balanço da
desoneração da folha, até agora, é positivo, não tanto pela redução significativa de custos, mas
porque deu ao segmento margem maior para competir com o produto importado e elevou as
expectativas para os próximos meses.
Para a Döhler, que atua no setor de cama, mesa e banho, o pacote veio "no
momento correto", segundo o diretor comercial, Carlos Alexandre Döhler. Ele
explica que os primeiros cinco meses deste ano foram difíceis e que a concorrência
com o produto importado continuou a incomodar os fabricantes locais. Mas, na
briga por preços mais baixos, a Döhler conseguiu condições mais favoráveis de
competição. "Nós tivemos um crescimento do faturamento inferior ao que
observamos no mesmo período do ano passado, mas, se não fosse a desoneração, o
resultado poderia ter sido negativo."
Para ele, a mudança do regime de tributação também para o setor têxtil a partir de
julho irá abranger mais funcionários da empresa. Por esse fator e pela perspectiva
de um segundo semestre marcado por aumento da demanda, após um início de
ano de ajuste de orçamento das famílias, a empresa espera aumento do
faturamento da ordem de 10% neste ano, para R$ 415 milhões.
A Lupo avalia que, de concreto, a alteração da base de incidência da contribuição previdenciária
do setor permitiu uma correção um pouco menor dos preços neste ano, segundo o diretor
comercial da companhia, Valquírio Cabral. Em vez de uma alta de 7%, o repasse feito pela
empresa de confecção de moda íntima, que recentemente entrou no segmento de roupas
esportivas, foi um pouco menor, de 6,5%.
O executivo ressalta também a contratação de 300 funcionários no início deste ano, para
atender à expectativa de um aumento de 20% do faturamento em 2012. "O varejo vai ficar mais
forte na segunda metade do ano, com a redução dos juros e aumento da concessão de crédito",
diz Cabral.
Até o momento, as vendas de roupas e calçados não foram bem. Apesar do forte crescimento de
10,3% do varejo no primeiro trimestre deste ano, em relação a igual período de 2011, as vendas
de tecidos, vestuário e calçados tiveram alta bem mais modesta, de 0,9% na mesma comparação.
Neste ano, a Lupo, que tem 5.000 funcionários, projeta faturar R$ 750 milhões. Segundo
Cabral, a folha de pagamentos anual é de R$ 150 milhões - a alíquota de 20% de contribuição
patronal com o INSS sobre os salários equivale, então, a R$ 30 milhões - 4% do faturamento
estimado para este ano.
2. A troca é, portanto, vantajosa para a empresa, já que a contribuição patronal passou a ser, desde
janeiro, de 1,5% sobre o faturamento. Em agosto, haverá redução para 1%, na segunda fase do
Plano Brasil Maior, quando a desoneração tributária será ampliada para outros 15 setores, além
dos já contemplados com a medida.
A manutenção do nível de emprego, que era a contrapartida esperada pelo governo com a
redução dos encargos sobre os salários, não se concretizou. Tanto o segmento de confecção
quanto de produção de calçados demitiram nos quatro primeiros meses do ano, em relação ao
mesmo período de 2011. O pessoal ocupado recuou 6,5% no caso de calçados e couros, e 7% para
empresas de vestuário, quedas bem superiores ao recuo do emprego na indústria de
transformação, que foi de 0,9% no mesmo período de comparação.
Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(Iedi) e professor da Unicamp, avalia que, isoladamente, medidas como a desoneração da folha
têm impacto modesto, mas em conjunto com outras variáveis mais favoráveis, como a
desvalorização do real e o acesso ao crédito mais barato, devem favorecer a atividade econômica
no segundo semestre.
Para Almeida, o governo tem que agir de maneira mais firme para desarmar o quadro de
pessimismo que vem se formando. Uma ideia defendida por ele é a adoção da depreciação
acelerada para máquinas e equipamentos adquiridos nos próximos 12 meses, o que está na
pauta de discussão do governo como uma possibilidade para reativar os investimentos.
Para o empresário João Guariglia, diretor-presidente da Rota Confecções, que produz
uniformes, o mais fácil seria desonerar a compra de bens de capital. Guariglia conta que, por
causa da desvalorização do câmbio, teve que cancelar pedidos de compra de máquinas
importadas que estava encomendando para modernizar a produção na fábrica da empresa em
Sorocaba. "A redução dos juros no BNDES ajuda, mas não compensa o quanto subiu o dólar. Se
o governo der o estímulo, volto a fazer as encomendas."
São investimentos na qualidade e na produtividade que têm permitido que a empresa mantenha
a expectativa de aumento de 15% do faturamento em 2012. Como a Rota conta com folha de
pagamentos enxuta - são 85 funcionários na linha de produção - a desoneração concedida pelo
governo foi de pouca ajuda.
Por outro lado, o empresário começou a sentir os efeitos da redução de juros cobrados pelos
bancos. No fim de maio, conseguiu negociar taxa de 1,2% ao mês para o desconto de duplicatas.
Até então, pagava entre 1,8% e 2% ao mês.
Para a Alpargatas São Paulo, o efeito também não foi significativo. "Há, claro, uma melhoria,
mas é um benefício modesto para uma empresa do tamanho da Alpargatas. Não é algo que nos
dê um diferencial competitivo", afirma o diretor jurídico da companhia, Adalberto Granjo. A
3. Alpargatas também tem fábricas na Argentina, mas abastece o mercado brasileiro apenas por
meio de suas unidades brasileiras, segundo o diretor.
Com marcas fortes no portfólio, como a Havaianas, a empresa considera que ações para
fortalecer a posição do país e incentivos à inovação seriam alavancas mais sólidas para os
negócios. Como exemplo, cita a isenção de remessas para pagamento de despesas com
propaganda e marketing fora do Brasil e uma agenda do governo para otimizar o cenário
tributário para investimento em inovação.
A Dudalina, empresa de confecção de camisas que estima faturar R$ 380 milhões neste ano, não
sentiu grandes diferenças, em termos financeiros, por causa da troca da base de tributação.
Sônia Hess, presidente da empresa, afirma que o principal benefício percebido com a
desoneração da contribuição previdenciária foi o aumento da confiança.
"A medida nos deu uma coragem extra e permitiu prestar menos atenção no quintal chinês." Por
isso, a empresa está investindo na ampliação da capacidade e contratou 300 novos funcionários
desde o início deste ano, somando hoje uma força de trabalho que se aproxima de 2.000
pessoas.
"O efeito psicológico é muito importante", concorda Roberto Chadad, presidente da Associação
Brasileira de Vestuário (Abravest). De acordo com Sondagem da Indústria, da Fundação Getulio
Vargas (FGV), desde agosto, quando o Plano Brasil Maior foi anunciado, a confiança da
indústria de vestuário e calçados aumentou dez pontos e superou a média histórica para o
segmento, de 106,1 pontos.
No mesmo período, a produção prevista, sempre considerando os três meses subsequentes ao
levantamento, avançou 17 pontos. Na pesquisa feita de maio, nenhum dos entrevistados
respondeu que a situação deve piorar nos próximos seis meses para o setor.