1. 18 Março 2010 * www.revdesportiva.pt tema 3
Lombalgia no desporto.
Indicações da fisioterapia
Inês Campos (1); João Páscoa Pinheiro (2) | (1) Médico; internato complementar de Medicina Física e de Reabilitação;
Serviço de Medicina Física e de Reabilitação; Hospitais da Univ. de Coimbra. | (2) Médico; especialista em Medicina Física
e de Reabilitação; especialista em Medicina Desportiva; Clínica Universitária de Medicina Física e de Reabilitação; Univ.
de Coimbra; Serviço de Medicina Física e de Reabilitação; Hospitais da Univ. de Coimbra.
1 - Introdução
A dor lombar é uma patologia muito fre-quente
na população em geral com incidên-cias
descritas entre 85% a 90% (1); no atleta,
independentemente do nível desportivo
(2,3), é também um dos principais motivos
de incapacidade física (3) com prejuízo di-recto
no treino e na competição.
A sua incidência está descrita entre 1% e mais
de 30%, consoante o tipo de desporto, género,
gesto dominante, intensidade e frequência do
treino (2). Os desportos mais frequentemente
envolvidos são a ginástica, o futebol, o remo, a
natação, a halterofilia, os desportos de raque-te,
o triatlo, entre outros (3, 4).
Muitas vezes a dor lombar do atleta res-ponde
ao tratamento analgésico e mior-relaxante
(3); no entanto, outras patologias
como as alterações estruturais do disco in-tervertebral
e a espondilólise, contemplam
uma abordagem mais diferenciada (2, 4).
No âmbito desportivo justifica-se sempre a
formulação de um diagnóstico etiopatogé-nico,
considerando-se a frequência e as ca-racterísticas
específicas das patologias que
muitas vezes justificam a dor lombar.
Como diagnósticos diferenciais mais fre-quentes
são de referir a contractura mus-cular,
a discopatia (degenerativa, protusiva,
herniária), a espondilólise com ou sem es-pondilolistesis
e o síndrome das facetas (2);
outros diagnósticos, tais como a rotura dos
ligamentos inter ou epiespinhoso, a fractura
de fadiga do sacro, a fractura vertebral, as le-sões
inflamatórias das espondiloartropatias
e as espondilodiscites, ainda que menos fre-quentes,
devem também ser considerados.
Os factores de risco mais frequentemente
referidos são a história prévia de lombalgia, o
equipamento desadequado (principalmente
o calçado), as características do gesto domi-nante,
as características do treino/competi-ção
e a programação da época desportiva.
(2, 4). Não existem evidências seguras que o
tempo de aquecimento, os desequilíbrios
músculo-tendinosos (força e flexibilidade) e
as alterações anatómicas dos membros infe-riores
(2, 3, 4, 5, 6) estejam associados ao risco de
dor lombar, mas a sua correcção é habitual-mente
entendida como necessária.
2 - Tratamento de patologias
específicas
2.1 - Contractura muscular
Dreisinger e Nelson (7) tratam as lesões
agudas com um período curto de redu-
Abstract
A lombalgia no atleta é um dos principais motivos de incapacidade física. A abordagem inicial
deve permitir o diagnóstico etiopatogénico. O tratamento é geralmente conservador e envolve
tratamentos de fisioterapia. A prescrição de exercício físico terapêutico adequado a cada uma
das patologias não é consensual. Devem privilegiar-se os exercícios funcionais, orientados de
acordo com o desporto e a manutenção da capacidade de resposta ao esforço.
Low back pain in the athlete is one of the main reasons of disability. The initial approach
should identify the basic structural change. Treatment is usually conservative and involves
physiotherapy treatments. The type of physical therapy appropriate to each of the diseases
is not consensual. Treatment should also focus on functional exercises, targeted according to
the sport, and aerobic exercises to maintain general fitness and conditioning.
Lombalgia (Low Back Pain), Desporto (Sports),
Fisioterapia (Physiotherapy)
Palavras-chave
Keywords
2. Revista de Medicina Desportiva in forma * Março 2010 19
tema 3
ção, ainda que a evidência da técnica seja baixa.
Alguns autores consideram que o atleta pode voltar a praticar a sua
modalidade quando a dor é debelada, independentemente da fusão
radiológica (19), facto que não reúne consenso. Um tempo razoável
de repouso desportivo assegura os melhores resultados funcionais.
Deve considerar-se a intervenção cirúrgica quando existe um défice
neurológico associado e/ou evolução da listesis (2).
2.4 - Síndrome das facetas lombares
O síndrome das facetas consiste num conjunto de alterações que
incluem a lesão capsulo-ligamentar, a lesão da cartilagem articular
e a lesão do músculo multifidus (20). A cápsula articular é enervada
com terminações capsuladas, não capsuladas e livres (21); os meca-norreceptores
sensíveis á deformação mecânica são elementos fun-damentais
no controlo da actividade do arco posterior e limitando
os movimentos excessivos (20, 22). Estas articulações sofrem uma
maior exigência mecânica em extensão e rotação axiais (20, 23).
A incidência desta patologia no atleta é desconhecida (20). Parece ser
mais prevalente em desportos que envolvem a combinação de ex-tensão
e rotação axial repetida, como o ténis, entre outros (24).
Se o atleta não tem competições próximas, o tratamento deve con-sistir
em repouso e agentes físicos que promovam a analgesia e o
relaxamento muscular. Os objectivos primordiais são retirar carga
ao arco posterior e maximizar o controlo muscular dinâmico do
segmento lombar. Os fármacos analgésicos, anti-inflamatórios não
esteróides e miorrelaxantes controlam a dor e a contractura muscu-lar.
Importa uma avaliação objectiva das cadeias cinéticas, sobretu-do
a nível da região lombo-sagrada e cintura pélvica. É importante
avaliar o encurtamento / retracção dos rotadores externos da anca
que, caso exista, aumenta as forças exercidas nas facetas durante
movimentos de rotação. Alterações da extensão torácica, flexibili-dade
dos flexores da anca, flexibilidade da cápsula anterior da anca
e encurtamento do latissimus dorsi conduzem ao aumento da lor-dose
lombar (20). O re-equilíbrio cinesiológico é assim um elemento
importante na terapêutica, particularmente preventiva.
Nos atletas com resposta insuficiente ao tratamento conservador
sugere-se a infiltração local da faceta envolvida (20).
3 - Recomendações para prescrição de exercício
terapêutico na dor lombar
George e Delitto (3) propõem um sistema de classificação para a
lombalgia do atleta, dividindo-a em 3 estádios, de acordo com o
tempo de lesão, a severidade dos sintomas e a incapacidade. O
estádio I corresponde à lombalgia intensa, aguda; o estádio III
engloba atletas capazes de desempenhar as suas actividades de
vida diária, mas sem capacidade para a prática desportiva, bem
como os atletas com episódios de lombalgia recorrente. Os atle-tas
no estádio I são ainda subclassificados de acordo com as pos-turas
desencadeantes de dor em 7 síndromes: extensão, flexão,
ção da actividade, calor superficial, massagem manual de re-laxamento,
estiramento suave e progressivo, seguidos de um
programa de fortalecimento muscular e retorno à actividade
desportiva. Os analgésicos e os miorrelaxantes contribuem
para controlo do contexto sintomático. A adequação da me-todologia
do treino e a correcção do gesto técnico devem ser
implementadas.
2.2 - Patologia discal
A participação em actividades desportivas é um factor de risco para
o desenvolvimento de discopatia, em todos os grupos etários (2).
Não existindo patologia deficitária de índole neuromotora a opção
inicial de tratamento é conservadora (2).
Cooke e Lutz (8) descreveram um protocolo de reabilitação, em 5 es-tádios,
privilegiando o trabalho cinesiológico. No estádio I preconi-zam
um pequeno período de repouso seguido da aplicação de gelo
ou calor, AINE, mobilização de tecidos moles e injecção epidural.
Assim que a dor esteja controlada, o atleta deve iniciar um programa
de mobilização da coluna lombar e membros inferiores. No estádio
II inicia-se um programa de co-contracção isométrica dos músculos
abdominais e extensores da coluna lombar, de forma a estabilizar o
segmento afectado. O estádio III foca-se no fortalecimento muscular
lombar. No estádio IV o atleta retoma a actividade desportiva e inicia
os exercícios pliométricos. O estádio V inclui a instituição de um pro-grama
de aquecimento e de um programa domiciliário.
Young e col (9) focam o seu programa de tratamento na redução
da dor e contractura, na correcção da postura e no trabalho
dos músculos extra-espinhais (abdominais, hamstrings, flexo-res,
extensores e rotadores da anca). Outro estudo (10) mostra
que o tratamento conservador em atletas com hérnia discal
sintomática foi satisfatório (78.9%) em termos de controlo dos
sintomas e retoma da actividade desportiva.
2.3 - Espondilólise e espondilolistesis
A espondilólise é uma lesão da pars interarticularis, mais frequente
na quinta vértebra lombar, com características de fractura de stress
devido a cargas repetidas e intensas (11,12,13); é mais frequente em
adolescentes (14). A maioria dos atletas com espondilólise respon-dem
bem ao tratamento conservador que consiste num período
de repouso desportivo, com eventual ortótese de estabilização do
tronco, seguido de fisioterapia com exercícios que privilegiem a fle-xão,
o fortalecimento muscular dos abdominais, o estiramento dos
hamstrings e exercícios específicos para estabilização dinâmica da
coluna lombar (2,15). O papel e tipo de imobilização não é consensual,
mas parece haver benefício no uso de uma ortótese que limite a
hiperextensão e os movimentos de rotação da coluna lombar (13, 16).
Dois autores (17, 18) obtiveram resultados animadores com o uso de
estimulação eléctrica externa de baixa frequência, para promover a
fusão da pars interarticularis em 3 atletas com atraso de consolida-
3. 20 Março 2010 * www.revdesportiva.pt tema 3
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mobilização lombar, mobilização sacro-ilíaca, imobilização,
síndrome lateral e tracção. O tratamento é dirigido à restrição
das posturas dolorosas e ao exercício sem dor. No estádio II con-tinua
a privilegiar-se a modulação da dor e incluem-se treino de
força, treino de flexibilidade, condicionamento aeróbio e exer-cícios
de controlo postural. No estádio III incluem-se treinos
funcionais e treino do gesto técnico dominante.
O tratamento da lombalgia do atleta envolve o reforço muscu-lar
e o controlo do movimento, qualquer que seja a causa da
dor. A instabilidade do “core” (incapacidade de estabilizar a co-luna
vertebral, através da contracção muscular, durante os mo-vimentos)
ocorre em praticamente todos os atletas sintomá-ticos
(4,5). O transversus abdominus contrai-se simetricamente
antes de se iniciar o movimento consciente das extremidades,
em doentes sem lombalgia. Esta contracção é significativa-mente
atrasada em doentes com lombalgia (25,26,27).
Um programa de reabilitação voltado para a restauração da
função dos multifidus e transversus abdominus reduziu a re-corrência
de episódios de lombalgia, em comparação com um
grupo controlo, durante um período de 3 anos (28). A extensão
unilateral da anca com o paciente em posição de decúbito ven-tral
com os joelhos afastados é um tipo de exercício dirigido
ao multifidus.
O quadratus lumborum também é importante na estabilização
da coluna lombar (29). O exercício em ponte lateral (lateral side
bridge) tem sido identificado como aquele que contrai prefe-rencialmente
o quadrado lombar, com carga mínima sobre a
coluna (30). O treino com carga reduzida melhora a capacidade
do sistema nervoso central controlar a coordenação muscular
e aumenta a eficiência do movimento, enquanto que a cargas
elevadas alteram a estrutura muscular. O programa de reabili-tação
deve contemplar os 2 tipos de exercício (5).
À medida que a “endurance do core” vai aumentando, o progra-ma
de reabilitação deve expandir-se para incluir outros grupos
musculares que controlam o movimento direccional e contri-buem
para a estabilização da coluna lombar, como é o caso dos
oblíquos do abdómen, recto abdominal ou erectores da coluna
(4). Alguns estudos mostraram que os exercícios tradicionais de
fortalecimento dos abdominais (sit-ups, leg lifts e pelvic tilts)
acarretam uma carga compressiva exagerada, com risco eleva-do
para o atleta lesionado (31).
O programa de reabilitação deve continuar com exercícios
pliométricos, treino de controlo postural, treino propriocepti-vo
e treino do gesto técnico. O treino deve incluir superfícies
instáveis, perturbações súbitas, cargas assimétricas, acelera-ções
e desacelerações súbitas (4).
Para além de todas as medidas enunciadas, o atleta deve ser
sujeito a um programa de condicionamento aeróbio, um pré-requisito
essencial para retomar a actividade desportiva (4).