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1987O ANO SEM CAMPEÃO
Esther Morel
FACULDADE CÁSPER LÍBERO
ESTHER DE CARVALHO TAVARES MOREL
1987: O ANO SEM CAMPEÃO
SÃO PAULO/2012
ESTHER DE CARVALHO TAVARES MOREL
1987: O ANO SEM CAMPEÃO
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Jornalismo pela Faculdade
Cásper Líbero - FCL.
Orientador: Prof. Celso Unzelte
SÃO PAULO/2012
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a minha mãe
Carmen e ao meu pai Pedro, que sempre me
apoiaram em tudo e foram os responsáveis
por despertar em mim a paixão pelo futebol.
A minha imensa família, que além de me
divertir me ensina um pouco de tudo,
especialmente a minha tia Ca-Cátia.
Ao Gilberto e à Amanda, que mesmo longe
ainda são os dois pilares da minha vida.
À Gabriela, à Letícia e ao Rafael, meus
refúgios e companhias no caos de São Paulo.
Ao Bruno, antes de qualquer coisa meu
melhor amigo, sempre paciente e otimista.
Aos colegas de LANCE!, pessoas maravilhosas
com quem tive o prazer de conviver e
aprender mais do que em qualquer lugar.
E a todos que direta ou indiretamente me
ajudaram a chegar até aqui.
"Não existe meio de verificar qual é a decisão
acertada, pois não existe termo de
comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e
sem preparação. Como se um ator entrasse
em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que
pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida
já é a própria vida? É isso que leva a vida a
parecer sempre um esboço. No entanto,
mesmo esboço não é a palavra certa, pois um
esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a
preparação de um quadro, ao passo que o
esboço que é a nossa vida não é o esboço de
nada, é um esboço sem quadro."
Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser
Aos torcedores de mesa de bar
Sumário
Conversa de bar..........................................................................................................................7
O campeonato do álbum de figurinhas......................................................................................9
O campeonato que a imprensa não viu ...................................................................................12
A primeira puxada de tapete....................................................................................................16
Não tem dinheiro! ....................................................................................................................19
A União dos Grandes Clubes de Futebol ..................................................................................25
Os excluídos..............................................................................................................................28
Vilão ou mocinho?....................................................................................................................33
Como fazer um Campeonato Brasileiro ...................................................................................37
Os patrocinadores ....................................................................................................................41
Superando o amadorismo ........................................................................................................45
Dentro das quatro linhas..........................................................................................................48
Um defensor vascaíno..............................................................................................................55
Legalidade x legitimidade.........................................................................................................60
E a Taça das Bolinhas?..............................................................................................................64
O legado da Copa União...........................................................................................................67
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................70
7
Conversa de bar
Antes de ser jornalista esportivo, todo mundo é torcedor. Pode até não divulgar o clube
favorito e eventualmente acaba aprendendo a ver o lado bom do arquiinimigo por causa da
profissão, mas a paixão nunca morre.
Ainda no início da faculdade, em uma mesa de bar, o tema deste livro-reportagem surgiu.
Naquele momento era mais uma discussão entre torcedores de vários times sobre uma das
maiores polêmicas do futebol brasileiro. A famosa Taça das Bolinhas aparecia pelo menos
uma vez por semana no noticiário, principalmente por causa da boa colocação do Flamengo
no Campeonato Brasileiro de 2009, do qual acabou sendo campeão, e a briga com o São
Paulo, que também reivindicava a taça.
Durante a conversa, os legalistas lembraram que a decisão a favor do Sport já estava
transitada em julgado na Justiça, sem possibilidade de recurso. Os que prezam a rivalidade
defenderam o Sport com qualquer argumento, só para não dar o braço a torcer. O único
flamenguista da turma alegou inveja dos que não eram, até aquele momento,
pentacampeões. E alguns ainda tentaram ser razoáveis, ressaltando que o Flamengo jogou
com os melhores times do país e venceu.
Mesmo com vários pontos de vista, eram poucas explicações sólidas, seguindo uma mesma
linha de raciocínio, devido à falta de conhecimento dos torcedores de cada um dos times
envolvidos na polêmica. Mesmo algumas fontes não sabem todos os detalhes e acabam
tomando partido baseadas em rumores e informações nebulosas.
Vinte e cinco anos depois, a necessidade de uma documentação dos eventos que levaram a
essa indefinição parece cada vez maior. Não para decretar quem é o verdadeiro campeão
brasileiro de 1987, mas para dar mais ferramentas às discussões de bar, que são as mais
legais.
Este livro, portanto, não tem como intenção pôr um ponto final na discussão, mas permitir
que mais pessoas conheçam as várias histórias por trás daquele Campeonato Brasileiro de
1987, muitas delas até então perdidas nas páginas amareladas dos jornais e revistas da
época. A revolução dos maiores clubes do país, a montagem da Copa União, a bagunça da
CBF, o advento do marketing esportivo, a competição dentro das quatro linhas, a repercussão
dos títulos e os frutos que ainda são colhidos depois de tantos anos.
“Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia”, disse o príncipe
Hamlet a seu guarda, na homônima peça escrita por William Shakespeare há mais de 400
anos. A frase virou clichê, mas durante o processo de apuração do material que agora consta
neste livro só ficou mais clara.
8
A mente humana esquece e ao mesmo tempo cria. Até quem acompanhou 1987 de perto
não lembra detalhes, às vezes omite deliberadamente para tentar apagar o que aconteceu ou
simplesmente não ficou sabendo de nada. Juntar os relatos para criar uma linha do tempo
fiel foi o trabalho mais difícil, mas que sanou muitas dúvidas e lendas urbanas sobre o
assunto.
Para o torcedor, pouco importa se era Copa União, Módulo Verde, Módulo Amarelo, Copa
Brasil ou Campeonato Brasileiro. Pouco interessa se a CBF, o CND ou a Fifa reconhecem o
título. Nada se compara à emoção de ver seu ídolo em campo, vestir o manto sagrado e
beijar o escudo quando o jogo acaba.
O que vale mesmo é o que ele reconhece, o que ele sentiu. Seja quando viu o gol do
zagueiro Marco Antônio, estufando a rede do goleiro Sérgio Nery do Guarani, na Ilha do
Retiro, ou quando mal conseguiu enxergar o gol do atacante Bebeto, desbancando Taffarel
do Internacional, de tanta gente que tinha na arquibancada do Maracanã.
9
O campeonato do álbum de figurinhas
“Quando me perguntam sobre o campeão de 1987, eu apenas sorrio. Minha memória
ninguém tira e, para mim, se o Flamengo jogasse com qualquer outro adversário naquele
cruzamento final dez vezes, ganharia 11. Flamenguistas sempre dizem que ‘deixou chegar,
ninguém toma’. Naquela época, isso era uma grande verdade.”
Um dos mais polêmicos títulos do futebol brasileiro não é assim tão polêmico na memória
de Arthur Chrispin, que, na época, tinha apenas nove anos. Dia 13 de dezembro foi especial.
Terminou com emoção, choro e o grito de campeão.
“Eu nunca discuti o título de 1987. Nem sabia que existiam Módulos Amarelo, Azul e
Branco. Para mim, só tinha o campeonato do álbum de figurinhas. Copa União era
Brasileirão. Ponto”, conta o hoje já crescido Arthur, lembrando o álbum lançando pela
Editora Abril que virou febre durante o segundo semestre daquele ano, e que ele colecionou
como todo garoto de sua idade.
A paixão pelo Flamengo começou antes mesmo do berço, quando seu pai, vindo de Cabo
Verde, do outro lado do Oceano Atlântico, foi esquecido pelo navio em que trabalhava e
firmou moradia no Rio de Janeiro, apenas com a roupa do corpo. Foi aí que a paixão veio.
Segundo o próprio seu Fernando, “não se explica, foi amor à primeira vista” e não tem
discussão.
Antes mesmo de ser planejado, Arthur, que quase se chamou Sérgio, já morria de amores
pelo Flamengo. Na hora de escolher o nome, o pai não gostou de Sérgio, que a mãe tinha
sugerido, mas concordou sem pestanejar com o nome do ídolo, do Galinho de Quintino,
Zico, que já brilhava na Gávea naquele 1978: “Se dependesse dele (pai) era Arthur Antunes
Coimbra II”.
Tendo apenas no pai a inspiração para amar o Rubro-Negro, já que sua mãe, mesmo não
gostando muito de futebol, se dizia botafoguense – “minha mãe é Botafogo, como seria
fanática?”, lembra Arthur entre risos –, o garoto finalmente viu chegar a oportunidade de
acompanhar de perto os jogadores que tanto venerava e cujos nomes decorara durante a
infância.
Foi no dia 22 de novembro de 1987 que ele estreou no Maracanã, para assistir um
Flamengo x Santa Cruz, válido pela segunda fase do Módulo Verde. E não poderia ter sido
um jogo melhor: “1987 foi um ano muito especial pra mim. Foi quando estreei no Maracanã,
o meu quintal. Vendo Zico fazer barba, cabelo e bigode e destruir o Santa Cruz, de Birigui
(goleiro), num 3 a 1 inspirado. Aquele campeonato tem todo um valor sentimental, que não
diminui sua importância”.
10
Alheio a imbróglios e ao que a mídia dizia ou não dizia sobre aquele Brasileirão, Arthur
acompanhava o pai ao estádio, torcendo pelo seu Mengão, e nada mais importava naquele
ano. “Aquele time do Flamengo era espetacular. No gol, o saudoso Zé Carlos, o Zé Grandão,
que não era um goleiro espetacular, mas não comprometia. Na lateral direita, Jorginho, o
segundo melhor lateral direito da história do Flamengo, porque o primeiro deles, Leandro, já
estava em fim de carreira e jogava na zaga em 1987. Aliás, Leandro foi o jogador mais
técnico que eu já vi jogar com a camisa do Flamengo. Mais do que o Zico, inclusive”, recorda
ele, com detalhes, do time que se sagrou vencedor da Copa União. “No miolo de zaga,
Leandro era acompanhado por Edinho, que mesmo com seu passado tricolor abrilhantou a
campanha. E na lateral esquerda, um garoto Leonardo já estava no time. No meio de campo,
dois volantes que jogavam muita bola: Aílton e Andrade, acompanhados do menino Zinho,
grata revelação, e o Deus Zico, lutando contra os joelhos, mas jogando o fino da bola na reta
final. No ataque, os infernais Bebeto e Renato Gaúcho. No banco, um novato zagueiro dos
juniores, Aldair. Nunes, o João Danado, ainda compunha o elenco. Alcindo, o careca
cabeludo, Kita, Cantarelli...”
Era o resquício do Flamengo que havia conquistado a América e o mundo em 1981, mas
que ainda trazia na raiz as glórias e os frutos daquela época. Zico, que encantou com seu
futebol, já não era mais o mesmo. Não desde que Márcio Nunes, que jogava no Bangu, deu
uma entrada violenta e desleal no craque, no Campeonato Carioca de 1985. O Galinho
sofreu torções nos dois joelhos e teve que se submeter a três cirurgias para não ser obrigado
a parar de jogar.Mudando seu estilo, Zico foi o protagonista da conquista do Módulo Verde.
“Dos 11 jogadores, ‘apenas’ todos vestiram a camisa da Seleção Brasileira. Foi o ano em que
o Flamengo dos sonhos encontrou seus herdeiros”, afirma Arthur, categoricamente.
Recuperando-se de um mau começo naquela competição, o Flamengo ficou com a
segunda melhor campanha após a segunda fase, atrás apenas de seu adversário das
semifinais, o Atlético-MG, que poderia se dar ao luxo de apenas empatar os dois jogos para
seguir na briga pelo título.
“O time começou mal o campeonato, mas cresceu demais e garantiu a vaga nas semifinais.
Em dois jogos antológicos contra o Atlético Mineiro de João Leite (goleiro) e Sérgio Araújo
(atacante), melhor time do campeonato, despachou o adversário mais constante dos anos
80, com direito a show de Renato Gaúcho, interpretando a Milonga de las Misiones (dança
tradicional do sul da América do Sul) em pleno Mineirão”, conta Arthur.
Então vieram a final e a primeira partida contra um grande adversário, o Internacional, que
terminou empatada por 1 a 1, gols de Amarildo e Bebeto. Até ali, qualquer coisa poderia
acontecer: “O adversário da final era o Inter de Taffarel, o diabo loiro, de Luiz Carlos Winck,
Aloísio, Balalo, Amarildo, entre outros. Era um timaço. Aliás, naquela época, eram muitos
timaços. Memória afetiva tende a ser superlativa. Mas foram dois jogos muito duros. Um a
um no Gigante da Beira-Rio e 1 a 0 no Maracanã”.
11
No entanto, quando o dia da final chegou, o garotinho apaixonado pelo Mengão e pelo
Zico não pôde ir ao estádio. Como era final de campeonato, sua família ficou apreensiva,
com razão, já que o Maracanã contou com a presença de mais de 90 mil torcedores naquele
jogo contra o Colorado, muitos dos quais nem conseguiram ver o gramado direito entretanta
gente.
O nervosismo tomava conta dos dois fanáticos, pai e filho, que levaram todas as simpatias
e mandingas, juntamente com o manto sagrado, para a frente da televisão de casa. Mas
Arthur, confiante de que suas superstições dão certo para o time do coração, não conta
nada: “Tenho mandingas que não posso revelar, senão deixam de ser mandingas. Eu sou
filho de um africano com uma médium. O fato de eu respirar já é uma mandinga. Não falo
senão não funcionam”, explica, rindo.
E foi em pouco tempo que as mandingas deram certo. Com apenas 16 minutos de jogo,
Bebeto matou a espera, fazendo o gol do título. “A sensação é a mesma que tenho até hoje,
quando o Mengão faz gol. Aquele chute foi meu. E de mais 40 milhões de pessoas. Bebeto
brilhou demais, o time jogou muito. Aliás, os dois times jogaram muito. Taffarel fechou o gol
e Zé Carlos, além de fazer o mesmo, engoliu a chave do cadeado”.
Não tinha quem tirasse da cabeça de Arthur que o Flamengo não era o campeão brasileiro.
E nem tinha motivo. Foi o que deu na televisão, nos jornais e na boca do Rio de Janeiro
inteiro. Por que não seria campeão?
“Eu me lembro da sala de aula no dia seguinte cheia de camisas rubro-negras e das ruas
em vermelho e preto. Sempre é assim. Não somos nação à toa”, justifica. “Só depois fui
saber do imbróglio. Não sou daqueles que amaldiçoam o Sport. Nem discuto sobre isso, pois
acho que ambos têm seus motivos e suas razões. Mas, para mim, Campeonato Brasileiro foi
o que eu vi.”
12
O campeonato que a imprensa não viu
O almoço do dia 5 de fevereiro de 1988 na casa da família Borba tinha tudo para ser
apenas mais um, mas seu Fernando garantiu o contrário. Sem avisar ninguém, chegou em
casa naquela sexta-feira com ingressospara toda a família assistir ao jogo que, dois dias
depois, definiria o campeão brasileiro de 1987, no domingo, entre Sport e Guarani.
“Lembro claramente de meu pai chegando em casa na hora do almoço, na sexta-feira, com
os ingressos comprados para o domingo. Era um época diferente do futebol e fomos ao jogo
eu, meus pais e minhas duas irmãs. Somos proprietários de cadeiras cativas há muito tempo
e assistimos ao jogo nelas”, conta Frederico de Farias Borba, filho de seu Fernando, que, em
suas próprias palavras, é rubro-negro pernambucano desde a barriga de sua mãe, e na época
tinha apenas 13 anos.
Todo o estado de Pernambuco parou para ver o que aconteceria. Sejam os leoninos, como
são chamados os torcedores do Sport, ou até mesmo os torcedores rivais de Náutico e Santa
Cruz, muitos dos quais fizeram questão de vestir a camisa do Bugre só para “secar” o Sport.
“A gente aqui chama de NaCruz. Eles torcem um pelo outro descaradamente, eles vibram,
vão para jogos, então a rivalidade local fala muito mais alto. Eles não apoiam nosso título de
jeito nenhum e também não queremos. Desse pessoal a gente só quer distância. A gente
acha graça porque, como eles nunca ganharam nada fora de Pernambuco, então não têm
título nacional e querem tirar o nosso primeiro.”
O clima que antecedeu a partida foi dos mais pesados. Sem internet, sem redes sociais, o
torcedor, para saber o que estava acontecendo com seu clube,ainda dependia das
informações que conseguia nos jornais diários e na televisão.
Ainda em dezembro, na final do Módulo Amarelo, chave do Leão, a confusão já era grande.
No jogo de ida, no dia 6, em Campinas, o Guarani venceu o Sport por 2 a 0, com os dois gols
marcados por Evair. Na segunda partida, dessa vez no Recife, Nando e Macaé, este com dois
gols anotados, comandaram uma vitória por 3 a 0, que levava a decisão para a prorrogação.
Sem gols no tempo extra, o título do módulo seria definido nos pênaltis. Depois das cinco
primeiras cobranças, ainda não tinha campeão. E o Módulo Amarelo continuou sem um
vencedor nas seis cobranças seguintes. Após onze jogadores de cada lado converterem suas
penalidades, as comissões técnicas de ambas as equipes pediram um tempo para decidir
qual seria o procedimento a partir daquele momento.
Pelas regras do futebol, o primeiro atleta da lista bateria novamente, dando início a uma
nova sequência até que alguém errasse. No entanto, as delegações de Guarani e Sport
13
decidiram que não cobrariam mais pênaltis e as duas equipes dividiriam o título. Apenas
para fins de organização da tabela do cruzamento com o Módulo Verde, que aconteceria no
ano seguinte, o time campineiro abriu mão do primeiro lugar e o rubro-negro
pernambucano foi declarado campeão.
“A final foi uma confusão daquelas que só existem no nosso futebol. Perdemos o primeiro
jogo de 2 a 0. Fomos para o segundo jogo sem saber o regulamento direito. Tínhamos a
melhor campanha, mas não se sabia se o 2 a 0 bastaria, se 3 a 0 acabaria ou se qualquer
vitória forçaria a prorrogação. O dia do jogo foi tranquilo, porque a torcida do Sport
acreditava no cruzamento e aquele jogo não decidiria o campeonato. Aí ganhamos de 3 a 0.
Teve prorrogação e os penais foram algo que nunca mais vi na vida. Empate em 11 a 11,
quase ninguém errava! Cada time errou só um pênalti. Nosso melhor jogador, o Ribamar,
perdeu. Mas o Leonel Oliveira, presidente do Guarani, disse que o Módulo Amarelo não
importava e que valeria o cruzamento. Abriu mão do título e liberou seus jogadores daquela
tensão que tava matando todos no estádio, inclusive eu, que vi o jogo no lugar de sempre,
nas cadeiras”, lembra Fred, que ainda aproveita para elogiar o desempenho do time de
coração, que não fez feio diante de um Guarani repleto de estrelas. “Ganhar sempre é bom e
nos 90 minutos foi um verdadeiro baile do Sport contra o Guarani, que era um timaço, cheio
de jogadores que jogavam ou viriam a jogar na Seleção, como Ricardo Rocha e Evair.”
A partir do dia 13 de dezembro, com os dois títulos dos grupos definidos, a pergunta que
reinava na cabeça dos sportistas era apenas uma: vai ter cruzamento ou não?
“Não tinha a informação que a gente tem hoje, não tinha internet, não tinha celular. Então
a gente tinha que esperar o jornal do dia seguinte para ter notícia. Era a única fonte de
informação que a gente tinha e todo dia surgia um fato novo.”
Ninguém sabia responder essa pergunta, nem mesmo os envolvidos diretamente com a
organização do campeonato. Desta forma, ao torcedor só restava esperar, independente do
time para o qual ele torcia.
Assim que 1988 chegou Nabi Abi Chedid, vice-presidente da Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) na época, apresentou uma tabela com as datas dos jogos a serem realizados
entre Flamengo, Internacional, Sport e Guarani.
Mas as batalhas judiciais não paravam, pois o Clube dos 13 – associação dos principais
clubes de futebol do Brasil que deu o pontapé inicial do campeonato de 1987 – se mantinha
firme em sua decisão de não jogar o quadrangular com os vencedores do Módulo Amarelo. E
a CBF não recuava com a ideia.
Aos trancos e barrancos, Sport e Guarani chegaram à tão polêmica e esperada final. Depois
de vários W.O.s contra Flamengo e Inter, e um empate por 1 a 1, no dia 30 de janeiro, no
Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, o sonho ainda estava vivo para qualquer um dos
times erguer o caneco. Mesmo com o pênalti convertido por Catatau, o gol de Betão foi
14
suficiente para que os rubro-negros não desistissem e comparecessem em peso no jogo de
volta.
A Ilha do Retiro ficou cheia com 26.282 torcedores. No entanto, Fred acredita que o
público divulgado oficialmente não faz jus ao número de pessoas, muito maior, que
realmente estavam no estádio.
Antes mesmo de sair de casa a tensão já dominava a família Borba. Apenas munidos da
confiança no título nacional e de seus mantos sagrados, pai, mãe, filho e filhas foram
prestigiar seu time de coração.
“Eu nunca tive nenhuma preparação especial. Fui ficar supersticioso depois de mais velho,
mas quando criança, não. Mas eu tinha uma cisma com a minha irmã mais velha (Anamaria),
eu achava que quando ela ia para o jogo não dava muita sorte, mas era cisma mesmo. Tanto
é que, até hoje, ela fala, quando eu vou reclamar que ela quer ir em algum jogo, que estava
no campo quando fomos campeões em 87.”
Mesmo essa implicância entre as crianças não impediu que os cinco integrantes dos Borba
ajudassem a lotar a Ilha. Naquele dia, nada impediria. Das cadeiras cativas, que a família
tinha desde aquela época, o jogo era o melhor possível. Com alguns amigos, dona Lúcia
sofria e vibrava a cada chute para fora, a cada raspão na trave, a cada finalização do
adversário. Sem gols, o primeiro tempo só trouxe sustos e serviu para deixar o torcedor
leonino com o coração na mão.
Mas o gol veio. Aos 19 minutos da segunda etapa, escanteio para o time da casa cobrar.
Bem posicionado no meio da zaga do Guarani, o zagueiro Marco Antônio pulou mais alto
para alcançar o cruzamento de Betão e encheu a rede do goleiro Sérgio Nery, que não teve
chance. Foi o único gol da partida. O gol do título.
“Minha família chora por tudo. É uma família muito emotiva. Então teve muito choro. Na
hora do gol foi uma emoção muito grande. O time do Guarani era muito bom, tinha Evair,
Ricardo Rocha, João Paulo, que depois jogou na Itália. Era um time muito forte. Teve muita
emoção na hora do gol.”
O restante do jogo foi só para cumprir o tempo. O Bugre bem que tentou, mas não
conseguiu reverter o placar e o torcedor do Sport pode esquecer todos os problemas, toda a
desorganização e soltar o grito de campeão, que estava preso na garganta havia 28 anos,
desde a disputa do primeiro Campeonato Brasileiro oficial, a Taça Brasil, em 1959.
“Acabou o jogo e teve a entrega da taça. Deu um tempinho, enquanto os jogadores
estavam no campo, depois a torcida invadiu o gramado e foi aquele negócio de volta
olímpica, carregar jogador nas costas. Na cidade são duas avenidas muito grandes, próximas
ao estádio, e todas as duas ficaram completamente paradas. Era um engarrafamento
quilométrico, era um mar vermelho e preto, de carro, de bandeira, de buzina.”
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No dia seguinte, o Diário de Pernambuco retratou muito bem o sentimento do torcedor.
Na capa do caderno de esportes, a manchete “Sport, o Brasil é teu!” entrou para a história.
Fred conta que tem o jornal guardado até hoje, representando as emoções daquele
momento, daquele título.
Para o apaixonado torcedor, que agora tem 37 anos, mesmo quando ainda tinha 13 e viu o
campeonato, nunca houve dúvidas sobre quem é o campeão brasileiro de 1987: é o Sport
Club do Recife.
Na briga com o Flamengo, que já dura 25 anos, o principal argumento no qual o lado
rubro-negro pernambucano se baseia é a legalidade. Para Fred, como o processo está
transitado em julgado, ou seja, todos os recursos possíveis já foram feitos. Portanto, não
cabe mais nenhum recurso, o título é legalmente do Sport. Não é possível refutar a decisão
na Justiça.
16
A primeira puxada de tapete
A confusão começou ainda em 1986, quando a CBF passava por eleições presidenciais.
Otávio Pinto Guimarães, ex-presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FFERJ), e
Nabi Abi Chedid, ex-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), formaram uma chapa
de oposição a Medrado Dias, candidato ligado ao Vasco da Gama e apoiado pelo então
presidente Giulite Coutinho. A princípio, Nabi seria o presidente e Otávio o vice.
Um pouco antes da votação começar, porém, prevendo um empate, Nabi inverteu a
ordem da chapa. É que o estatuto da entidade assegurava que, em caso de empate, o
candidato mais velho é empossado. Daí a mudança, já que Otávio era três anos mais velho
que Medrado, enquanto Nabi era sete anos mais novo.
“Eles acharam que pela contagem dos candidatos naquele momento poderia haver um
empate. E também o Otávio já tinha câncer. Era como se ele fosse sumir, não ia aguentar
seis meses. Morre ou fica doente”, explica o jornalista Mauro Beting.
A chapa de oposição venceu. Inclusive nem haveria necessidade da inversão, já que foram
13 votos a 12 em seu favor. Apesar disso, a mudança deveria ter sido apenas burocrática,
com Nabi assumindo efetivamente a presidência. Otávio, porém, não cedeu o cargo, o que
gerou conflitos políticos entre a dupla desde o momento inicial até sua saída da CBF, em
1989.
Não é preciso ir muito longe para ver onde os problemas começaram a aparecer. Ainda na
montagem do Campeonato Brasileiro de 1986 era possível identificar uma bagunça
generalizada que, eventualmente, culminaria na grande revolução dos clubes no ano
seguinte.
O primeiro campeonato com os dedos de Otávio/Nabi foi surreal. Juntaram-se as Taças de
Ouro, de Prata e de Bronze – equivalentes às Séries A, B e C, respectivamente –, totalizando
oitenta clubes, que foram divididos em oito grupos de dez. Quatro desses grupos eram
compostos pelos melhores times da época, a chamada elite, enquanto os outros quatro
eram um catadão do restante do país. A segunda fase era ainda mais absurda: os seis
melhores dos quatro primeiros grupos avançavam junto com os quatro melhores fora da
zona de classificação, independentemente dos grupos em que estavam, além dos primeiros
colocados dos quatro grupos restantes, totalizando 32 equipes. Para completar, foi acordado
entre o Conselho Nacional de Desportos (CND) e a CBF, por pressão dos clubes participantes,
que o torneio de 1986 seria classificatório para o ano seguinte, com 24 times dos módulos
principais formando uma primeira divisão.
17
Lá pelas tantas da competição, no final da primeira fase, o Superior Tribunal de Justiça
Desportiva (STJD) causou, indiretamente, a eliminação do Vasco, depois de dar dois pontos
ao Joinville, referentes a uma partida contra o Sergipe, no dia 29 de setembro, que terminou
empatada por 1 a 1, na qual houve comprovação de doping de Carlos Alberto, atleta da
equipe nordestina. Vale ressaltar que, na época, o ministro da Educação era o catarinense
Jorge Bornhausen, que exercia grande influência política dentro do CND, órgão controlado
por seu ministério. Sentindo-se prejudicado, o Vasco entrou na Justiça comum para cassar a
decisão do STJD e conseguiu reverter a situação.
Tentando resolver todas as questões pendentes na Justiça antes que elas tomassem uma
dimensão ainda maior, a CBF alegou uma irregularidade na venda de ingressos para
conseguir desclassificar a Portuguesa – segunda colocada do Grupo D, com 12 pontos –, mas
os demais clubes de São Paulo, em auxílio à co-irmã que seria prejudicada, ameaçaram um
boicote à segunda fase do campeonato caso a entidade levasse a história das entradas
adiante. Com as mãos atadas, a melhor solução que a CBF conseguiu arranjar foi classificar
todo mundo, o que resultou em 33 equipes, e não 32, como previsto inicialmente.
Devido ao número ímpar, a tabela e os cruzamentos seriam praticamente impossíveis de
serem montados. Assim, Santa Cruz-PE – nono colocado do Grupo D, com nove pontos –,
Sobradinho-DF – sétimo colocado do Grupo A, com oito pontos – e Náutico-PE – oitavo
colocado do Grupo C, com oito pontos – foram convidados a se juntar aos demais clubes na
sequência da competição, completando 36 times a serem divididos em quatro grupos de
nove.
No final das contas, o São Paulo se sagrou campeão brasileiro de 1986 ao derrotar o
Guarani nos pênaltis, já no final de fevereiro do ano seguinte. Atlético-MG, que somou 45
pontos e foi eliminado pelo Bugre, e América-RJ, com 34 pontos, após perder para o Tricolor,
foram terceiro e quarto colocados, nesta ordem.
Em meio a tudo isso, o país ensaiava para voltar a ser uma democracia, depois de 21 anos
sob domíno da ditadura militar, com as eleições indiretas para presidente da República, em
janeiro de 1985, que iniciaram a chamada Nova República. Sem nem chegar a tomar posse,
Tancredo Neves morreu, deixando o cargo livre para seu vice, o ex-situacionista José Sarney,
assumir em 21 de abril de 1985.
Ainda sem ter um conjunto de leis que condiziam com a nova realidade política do Brasil,
um Congresso Constituinte foi votado em novembro do ano seguinte, tendo como principal
objetivo reformar o país por meio de uma nova Constituição Federal.
Naquela época, o futebol, assim como todos os outros esportes, ainda era atrelado ao
Ministério da Educação, por meio do CND, em vezde ter um ministério específico com
autonomia para regulamentar a prática desportiva, o que aumentava a necessidade de uma
mudança radical neste setor. E de maneira urgente. Além disso, a questão envolvendo o
18
Campeonato Brasileiro se tornou uma ótima plataforma de votos, despertando interesse
político.
19
Não tem dinheiro!
Em fevereiro de 1987, a Copa Brasil-86 – nome do Campeonato Brasileiro naquela época –
chegava a sua reta final. Com 28 equipes classificadas – Palmeiras-SP, São Paulo-SP, Joinville-
SC, América-RJ, Guarani-SP, Fluminense-RJ, Flamengo-RJ, Grêmio-RS, Cruzeiro-MG,
Portuguesa-SP, Bahia-BA, Internacional de Limeira-SP, Atlético-MG, Corinthians-SP, Atlético-
PR, Internacional-RS, Vasco-RJ, Criciúma-SC, Santos-SP, Bangu-RJ, Treze-PB, Goiás-GO, Santa
Cruz-PE, Atlético-GO, Náutico-PE, CSA-AL, Ceará-CE e Rio Branco-ES – e outras nove já
rebaixadas para a segunda divisão do ano seguinte – Coritiba-PR, Botafogo-RJ, Ponte Preta-
SP, Central-PE, Vitória-BA, Comercial-MS, Sport-PE, Sobradinho-DF e Nacional-AM -, os
problemas só começavam a se delinear.
O campeonato de 1987 estava ameaçado de não acontecer e suas normas ainda não
estavam definidas. No entanto, os clubes rebaixados começaram a fazer fila no STJD e na
Justiça comum, indo atrás dos direitos que acreditavam ter para continuarem na elite do
futebol brasileiro.
Com todas essas confusões jurídicas explodindo, o acordo entre CND e CBF, feito antes do
início do campeonato de 1987, de que o ano anterior seria classificatório, com 24 times na
primeira divisão, foi esquecido, o que evitou que os tradicionais Botafogo e Coritiba fossem
rebaixados.
As entidades que comandavam o futebol brasileiro estavam em constante guerra. As
federações não tinham autonomia, então os campeonatos estaduais estavam talvez até mais
bagunçados do que o nacional. O CND tentava fazer valer sua legitimidade de órgão máximo
do esporte, controlando as federações. A CBF tentava interferir no CND. E os clubes se
recusavam a ajudar a CBF, chegando ao ponto de impedir que jogadores convocados para
representar a Seleção Brasileira se apresentassem.
Segundo a deliberação 17/81 do CND, os estaduais não poderiam começar enquanto as
federações tivessem times disputando o Campeonato Brasileiro. No entanto, Rio de Janeiro
e Rio Grande do Sul, que já tinham começado seus torneios, ainda possuíam representantes
na Copa Brasil de 1986. Dessa forma, forma o presidente da entidade, Manoel Tubino,
paralisou o Carioca e o Gaúcho, alegando irregularidades, mas Nabi Abi Chedid não
concordou. “Em hipótese alguma o CND poderá intervir nas federações sem antes ouvir a
CBF, que é a entidade executora de qualquer intervenção”, declarou o vice-presidente da
CBF em entrevista para A Gazeta Esportiva do dia 11 de fevereiro de 1987.
Ao mesmo tempo, a CBF tentava contratar um técnico que pudesse comandar a Seleção
Brasileira no Torneio Pré-Olímpico, que aconteceria em abril daquele ano, e,
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posteriormente, na Copa América e nos Jogos Pan-Americanos. Nem essa decisão era
consenso entre presidente e vice da CBF.
Cilinho, técnico da Ponte Preta, era o nome mais cotado para assumir o cargo e já dado
como certo pelo presidente Otávio Pinto Guimarães. O treinador, no entanto, em declaração
para A Gazeta Esportiva do dia 27 de fevereiro de 1987, não aceitou o convite: “Agradeço a
lembrança e fico satisfeito, mas sou o técnico da Ponte Preta”. Com a recusa, Carlos Alberto
Silva, favorito de Nabi, foi indicado e aceitou comandar a Seleção Brasileira.
Para ilustrar o racha entre os clubes e a CBF, São Paulo e Flamengo, que tinham o maior
número de jogadores convocados para a Seleção, não liberaram seus atletas para uma
excursão à Europa, que aconteceria antes da disputa da Copa América.
Numa tentativa frustrada de fazer com que os clubes não impedissem que seus jogadores
se apresentassem, Nabi declarou que a excursão teria caráter oficial, como uma preparação
para o torneio sul-americano. Em resposta, Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo,
ameaçou tirar a equipe do Campeonato Paulista, pois não poderia contar com seus
principais jogadores por várias rodadas. “Uma convocação inoportuna. Foi um ‘passa-
moleque’ da CBF dizer que é uma competição oficial. A gente luta para montar uma equipe e
a incompetência da CBF estraga tudo. É mentira que a CBF consultou Careca e que ele teria
pedido para ser convocado. Procuraram o Careca em todo canto e não o encontraram. O
dirigente fica entre a cruz e a espada. Todos os jogadores querem participar da Seleção,
ganhar projeção e muito dinheiro. Não podemos simplesmente vetar a cessão dos jogadores
e depois ficar com atletas de tromba virada, sem motivação”, desabafou para A Gazeta
Esportiva do dia 9 de maio de 1987.
Para completar a confusão, os dois clubes – Flamengo e São Paulo – entraram com
recursos no CND contra a cessão de seus jogadores para a Seleção, aceitos pela entidade,
que os desconvocou, concedendo as liminares. Com a decisão, a liberação ou não dos atletas
à excursão ficava a critério de cada clube. Mais uma prova de que Manoel Tubino apoiava
os clubes contra a CBF.
Apenas um dia antes do “não” de Cilinho, no dia 25 de fevereiro, é que a Copa Brasil de
1986 chegou ao fim. Os finalistas Guarani, do técnico Carlos Gainete, e São Paulo, de Pepe,
se enfrentaram em dois jogos.O primeiro, no dia 22, no Morumbi, terminou empatado por 1
a 1, gols de Evair e Careca. Já o segundo, no dia 25, no Brinco de Ouro da Princesa, em
Campinas, teve o mesmo resultado nos 90 minutos iniciais, com dois gols contra, um para
cada lado, de Nelsinho e Ricardo Rocha. Durante a prorrogação, mais quatro gols foram
marcados: Boiadeiro e João Paulo fizeram para o Guarani e Pita e Careca para o São Paulo. A
decisão do campeão brasileiro de 1986, portanto, teve que ser levada para os pênaltis. O
Tricolor converteu quatro das cinco penalidades batidas (Careca perdeu a dele), enquanto o
Bugre perdeu duas das cinco (Boiadeiro e João Paulo não acertaram). Assim, a taça ficou
para o São Paulo, que conquistou seu segundo título brasileiro – o primeiro tinha sido em
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1977. Dessa forma, apenas a partir daquele momento é que as federações estavam
autorizadas a começar os campeonatos estaduais, que, no entanto, já aconteciam.
Com a continuidade dos estaduais e as competições da Seleção Brasileira, o momento era
de sentar e resolver como seria a Copa Brasil-87. Muitas sugestões eram dadas, muitas
opiniões eram ouvidas, mas a CBF não parecia inclinada a acatar nenhuma. Pelo contrário,
ela ia contra a maré de clubes e federações que pediam a redução no número de equipes.
Os dirigentes da Confederação pareciam tender a aceitar o maior número possível de times,
aumentando a bagunça, com uma fórmula que, já tinha sido provado,,não dava certo.
No dia 26 de junho de 1987, através da chamada Carta de Curitiba, 26 federações
estaduais pediram à CBF que o Brasileirão tivesse apenas 28 times, sugerindo uma Taça dos
Campeões, que reuniria os clubes campeões de cada estado, junto com a Copa Brasil. Só que
nenhuma resposta foi dada ao pedido e a confusão só aumentava.
José Maria Marin, então presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e futuro
presidente da CBF a partir de 2012, se mostrava indignado com a possibilidade de não haver
rebaixamento. “Se não houver rebaixamento este ano, eu irei sair antes do final do meu
mandato. Esvaziarei minhas gavetas e irei para casa. Não vou concordar com isso”, reclamou
para A Gazeta Esportiva no dia seguinte à entrega da Carta de Curitiba.
A gota d’água veio no dia 7 de julho, quando Otávio Pinto Guimarães declarou que a CBF
não tinha dinheiro para realizar a Copa Brasil de 1987.
A entidade necessita de Cz$ 100 milhões, pois a verba de um teste da Loteria Esportiva de
Cz$ 30 milhões é considerada insuficiente para a entidade patrocinar a competição. Mesmo
assim, Otávio vai estudar várias hipóteses para encontrar uma solução, entre elas a
regionalização da Copa Brasil ou então o convite aos clubes de maior poder aquisitivo para
que eles mesmos financiem suas viagens e hospedagens. Outra tentativa de Otávio será a de
conseguir o patrocínio de uma empresa estatal ou privada, a fim de obter uma verba de Cz$
200 milhões, para a viabilização da Copa Brasil. Se nada disso for conseguido por Otávio, o
Campeonato Brasileiro de Clubes, pela primeira vez, desde 1971, poderá deixar de ser
realizado.
- A Gazeta Esportiva, 7 de julho de 1987
Dentre os diversos motivos que levaram a CBF a não ter condições financeiras de organizar
um campeonato nacional, um dos principais foi a queda da receita da Loteria Esportiva, que
começou a partir de uma matéria feita pelo repórter Sérgio Martins, da revista Placar,
publicada em outubro de 1982. Nela estavam detalhados os esquemas da chamada “Máfia
da Loteria Esportiva”, uma das maiores histórias de corrupção do esporte no Brasil, que
envolveu 125 pessoas diretamente ligadas ao futebol, entre jogadores, dirigentes, árbitros e
técnicos.
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“A Placar foi fundamental na época. A Placar e o Grupo Abril foram muito importantes. Até
mesmo porque tinham interesses também, evidente. Não é só vontade de mudar o negócio,
mas era bom para o próprio negócio”, explica o jornalista esportivo Mauro Beting, que ainda
aponta outras razões. “Não é uma coisa só. Chegou àquilo por conta da incúria, por conta da
incapacidade dos dirigentes e até por conta de questões do Brasil. Plano Cruzado em 1986,
Plano Verão em 87. E ainda era um momento muito incipiente do patrocínio dos clubes. Era
um ou outro dirigente que tinha alguma ideia de marketing, algum conhecimento de
mercado, que trabalhava em agência de publicidade. E até na cobertura da imprensa. Não se
sabia como administrar. Fora as fórmulas absolutamente malucas, para não dizer burras, dos
campeonatos que não viabilizavam coisa alguma. Não tinha a menor condição de fazer uma
coisa bem organizada. Então foi todo um processo que, ainda engatinhando, levou a isso. E,
ao mesmo tempo, um retrocesso político e eu diria até moral.”
Por trás de todos esses problemas, os clubes já se reuniam para tentar resolver a situação
do futebol brasileiro e ter nas mãos o controle que a CBF, aparentemente, não tinha. É o que
conta o jornalista Ubiratan Leal, em seu blog Balípodo.
Enquanto a CBF estava à deriva, os clubes já se organizavam para fazerem valer seus
interesses. No caso, a maior preocupação era fazer lobby para incluir na pauta da
Assembleia Constituinte um artigo que lhes desse autonomia de organização e
funcionamento. A campanha foi bem-sucedida e a união de clubes ganhou força. Em abril de
1987, Flamengo e São Paulo se negaram a ceder seus jogadores para uma excursão da
Seleção Brasileira à Europa e tiveram respaldo do CND. Márcio Braga, presidente do
Flamengo na época, saiu da reunião que anulou a convocação da Seleção dizendo,
triunfante, que era o “fim do autoritarismo no futebol brasileiro”.
Em junho de 1987, Otávio Pinto Guimarães anunciou: “A CBF não tem condições de
organizar o Campeonato Brasileiro deste ano”. O motivo era a falta de dinheiro para arcar
com as viagens dos times e outras despesas do Brasileiro. Sob o risco de ficar sem a
competição que já era a mais importante do calendário nacional, os grandes clubes
resolveram tomar as rédeas da situação. “Liguei para o Nabi e perguntei se era sério o que o
Otávio falava. Ele disse que era e ‘deu a bênção’ para que organizássemos o campeonato
que quiséssemos”, conta Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo e do Clube dos 13.
O à época dirigente confirma a conversa com a CBF, explicando que informou que estava
montando uma nova entidade. “Eu tinha uma relação muito estreita com o Nabi quando ele
tinha sido presidente da Federação Paulista. Então eu tinha uma relação mais próxima com
ele do que com o Otávio Pinto Guimarães. E, na verdade, quem mandava no futebol
brasileiro era o Nabi”, diz Aidar, evidenciando o acordo feito pouco antes da eleição de que,
apesar da mudança na ordem, quem assumiria efetivamente como presidente seria o
paulista. “Eu avisei e o Nabi disse: ‘Vai em frente, eu acho que nós temos que fazer o
campeonato e, se vocês têm condição de fazer, nós vamos ajudar, vamos dar apoio’. E foi o
que aconteceu. Não é que a CBF deu uma bênção. A CBF ficou acuada, a CBF não tinha
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alternativa. Ou nos engolia ou a população brasileira ficaria contra eles. Então eles acharam
por bem nos albergar e nós também aceitamos porque aí nós ficaríamos dentro da
legalidade, não iria ter que brigar também nesse aspecto.”
Foi aí que o racha se tornou claro. A oportunidade estava dada e foi o que os clubes
fizeram. Apenas quatro dias depois da declaração de Otávio, no dia 11 de julho, em uma
reunião no Morumbi, os presidentes de 13 grandes clubes brasileiros – Flamengo,
Fluminense, Botafogo, Vasco, São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Atlético-
MG, Internacional, Grêmio e Bahia – resolveram romper com a Associação dos Presidentes
de Clubes de Futebol, comandada por Roberto Pásqua, ex-presidente do Corinthians, para
fundar a Associação dos Grandes Clubes de Futebol, popularmente conhecida como Clube
dos 13.
Na ocasião, foi elaborado um texto entregue no dia 12 a Otávio e Nabi, no qual os clubes
ameaçavam não participar do Campeonato Brasileiro de 1987 caso não fossem atendidas as
dez propostas que o C13 apresentou, para tornar possível uma reformulação do futebol
brasileiro. O jornalista Mauro Beting, em seu blog no LANCENET!, detalha essas propostas
oferecidas pelo Clube dos 13 à CBF:.
PROPOSTAS BÁSICAS DO CLUBE DOS 13 – AO MENOS NA ATA DE FUNDAÇÃO
1. BR-87 com 13 clubes, turno e returno. Campeões se enfrentam em finais com o time que
fizer mais pontos, num triangular. (modelo semelhante ao campeonato do Rio de então).
2. C13 abre mão da venda da Loteria Esportiva em 1987 – principal fonte de receita na
época.
3. Querem Divisão A com 16 clubes em 1988. Divisão B com 16. Série C regionalizada. Acesso
e descenso entre as divisões a partir de 1989 (no máximo aceitam 20 clubes na primeira
divisão em 1988).
4. Diminuir o número de clubes nos nacionais e estaduais a partir de 1988.
5. Jogos só no fim de semana em 1988. No máximo cinco rodadas nas quartas-feiras.
6. Conselho Arbitral nas Séries A e B. Conselho dos clubes decidiria fórmulas de disputa dos
campeonatos.
7. Só clubes votariam nas eleições da CBF – os presidentes das federações estaduais
compunham o colégio eleitoral até então.
8. Voto qualitativo – determinado pela classificação das equipes nos campeonatos. Desse
modo, teoricamente, os grandes clubes de maior torcida poderiam ter maioria de votos
contra os clubes menores.
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9. Convocação de jogadores para a Seleção seria facultativa, e clubes teriam de ser
previamente consultados antes da divulgação da lista.
10. Calendário planejado e fixo a partir de 1988.
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A União dos Grandes Clubes de Futebol
Vinte e cinco anos depois, Carlos Miguel Aidar, um dos principais responsáveis pela
montagem do Clube dos 13, presidente do novo grupo e então presidente do São Paulo,
lembrou a ideia de que partiu para começar a mudar o rumo do futebol brasileiro, além de
detalhes daquela reunião no Morumbi.
“Eu era presidente do São Paulo Futebol Clube. Era o primeiro ano do meu segundo
mandato, na época os mandatos eram de dois anos. Na véspera de uma reunião da
Associação dos Presidentes, eu reuni alguns presidentes de clube, os quatro maiores de São
Paulo, os quatro do Rio, dois de Minas e dois de Porto Alegre. Chamei eles de lado e falei:
‘Olha, eu não vou ficar mais. Eu, São Paulo Futebol Clube, não vou ficar mais nessa entidade,
porque ela não serve para nada. Não atende aos meus interesses, os interesses são
conflitantes’. Não só isso. Havia várias razões. Quando eu tive essa ideia, eu tive porque eu
estava indo para algum lugar, ouvindo rádio (porque dentro do carro fico procurando jornal,
notícia de esporte), e eu ouvi uma entrevista do então presidente da CBF, Otávio Pinto
Guimarães. E ele dizia que a CBF não teria condição de realizar o Campeonato Brasileiro,
porque não tinha dinheiro para fazer, não tinha como garantir a viagem dos clubes, a
remuneração dos árbitros, a hospedagem dos clubes, o transporte... Aquilo me deu a ideia.
Se ele não pode fazer, vamos fazer nós, porque nós temos condição. E, em razão disso, eu
sugeri que nós montássemos uma entidade. A ideia partiu de mim. Houve uma indagação:
‘Mas o que é que nós vamos fazer com a reunião?’. E eu falei que eu ia na reunião pedir
minha desfiliação: ‘Não vou explicar a razão e não vou mais ficar nessa entidade.”
Segundo Aidar, os presidentes pareceram concordar com a ideia e também combinaram
de cortar os vínculos de seus clubes com a Associação dos Presidentes de Clubes de Futebol,
de modo a ficarem livres para formar um novo grupo com os times mais expressivos do país.
“A ideia era de nos juntarmos e formarmos uma entidade nossa, que atendesse aos nossos
interesses de clube grande. Façamos pesquisas oficialmente, saiamos vendendo
coletivamente a imagem, vendendo patrocínio, fazendo a coisa juntos. Assim nós íamos
ganhar muito mais.” No dia seguinte, durante a reunião, os doze mandatários, encabeçados
por Aidar, pediram a desfiliação e voltaram para seus estados de origem.
Ao voltar para São Paulo, o presidente do tricolor paulista entrou em contato com CBF, FPF
e CND para comunicar a todos que estava montando uma entidade nova. Em contato com
Manoel Tubino, presidente do CND na época, surgiu a sugestão de que o grupo convidasse
um time nordestino. “Falei com o professor Manoel Tubino e ele falou: ‘Aidar, faça o
seguinte: para não ficar uma coisa muito separatista, muito sulista, convida um clube do
Nordeste, pelo menos não fica uma coisa muito elite’.”Foi a partir dessa ligação que
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surgiram os membros originais do Clube dos 13, agora contando com a participação do
Bahia. “Contatei por telefone. Tinha o Bahia e o Vitória. Optamos pelo Bahia.”
Para dar corpo ao projeto, Carlos Miguel, como advogado formado, decidiu fazer uma
minuta do estatuto da nova entidade para circulá-la entre os possíveis membros, deixando
apenas o nome para ser discutido em reunião posterior. “Marcamos uma reunião no sábado,
4 de julho, no Morumbi, às 10 horas da manhã. Ficamos debatendo, debatendo... Começou
a dar fome às 13, 14 horas, e pedimos um lanche, mas continuamos debatendo. Lá para as
17 horas nós estávamos com o estatuto feito, pronto, delimitado e o nome dado: União dos
Grandes Clubes do Futebol Brasileiro e, com um hífen, Clube dos 13, que seria o nome de
marketing disso”, recorda.
Em declaração para A Gazeta Esportiva do dia 13 de julho de 1987, Aidar explicou o
movimento a partir de seu ponto de vista:
“É mesmo um movimento de subversão, um movimento de revolução. E todo movimento
de revolução não tem a lei a seu favor. Vamos buscá-la agora, para tentar acabar com os
desmandos da CBF. Vejam que o campeão brasileiro do ano passado não tem vaga garantida
na futura competição nacional. O único clube classificado até agora é o Botafogo, por força
de uma decisão do STJD.”
No entanto, a decisão de se formar um grupo com apenas 13 dos principais clubes do país
não foi vista com bons olhos pelos cartolas dos clubes que não foram considerados grandes.
Um dos principais opositores foi o presidente da Portuguesa de Desportos, Osvaldo Teixeira
Duarte, inconformado com a “discriminação” sofrida pela Lusa: “Mais uma vez isso acontece
conosco e mais uma vez não podemos aceitar tal discriminação. A Portuguesa é tão grande
quanto os outros clubes grandes. No Campeonato Paulista de 85, por exemplo, ficamos em
segundo lugar em arrecadação. Nossa torcida tem crescido nos últimos anos; temos feito
boa campanha nos campeonatos e investido em contratações. Isto não é o suficiente para
que sejamos considerados grandes?”
E esse foi o discurso utilizado pela maioria dos clubes de menor expressão que se sentiram
deixados de lado, para o qual Aidar tinha a resposta na ponta da língua.
“A Portuguesa, assim como o Guarani, a Ponte Preta, o Santa Cruz, o Náutico, o Goiás, o
América-RJ, o Bangu, o Coritiba e outros clubes, não foi discriminada. Há tempos vínhamos
negociando isso. O grupo não é perpétuo. Nada é perpétuo no mundo e podemos abrir as
portas para entrar ou sair. A Portuguesa não foi discriminada, mas apenas deixada para uma
nova etapa. Se fez uma triagem no sentido de enxugar e reduzir o número de clubes no
Campeonato Brasileiro e nos campeonatos regionais. Vamos entregar o documento ao vice-
presidente da CBF, Nabi Abi Chedid, que assume a presidência e está por dentro do
movimento”, justificou o presidente são-paulino.
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Assim, é possível constatar que a nova associação tinha apoio importante dentro da CBF, o
que ajudava na busca da legalidade que eles queriam. Além disso, o Clube dos 13 precisou
fazer alguns sacrifícios para separar as equipes e chegar a seu principal objetivo, o de
diminuir significativamente o número de clubes nos campeonatos.
A mudança foi tão importante e inusitada que o próprio presidente da CBF precisou
acionar o departamento jurídico da entidade com a finalidade de analisar se era legal ou não
a criação de um torneio paralelo à Copa Brasil, afirmando que não poderia autorizar uma
ilegalidade, a despeito do que um dos líderes mais radicais, Márcio Braga, queria, que era
deixar a CBF sem opções a não ser aceitar as propostas do Clube. “As mudanças serão
radicais, mas à CBF não restará outra saída a não ser aceitá-las”, disse à A Gazeta Esportiva
de 13 de julho.
O Clube dos 13 era, portanto, um movimento de sobrevivência dos clubes, que
conseguiram colocar as diferenças de lado para se unirem e batalharem pelas mudanças que
tanto queriam e precisavam. “Perto do faroeste sem lei que tinha, era um pessoal mais
antenado, um pessoal mais legal. Não vou dizer que era um pessoal comprometido com o
que havia, mas estava tentando se comprometer com uma nova ordem, com a qual eles
também iriam lucrar muito”, frisa Mauro Beting.
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Os excluídos
Com todos os pontos divergentes nessa história, ainda houve espaço para uma rebelião
contra a rebelião. Liderados pelo presidente da Lusa, os “excluídos” criaram uma associação
própria para fazer frente ao Clube dos 13, o Clube dos 15, composto por Santa Cruz, Náutico,
Sport, Vitória, Remo, Ceará, Goiás, Vila Nova, América-RJ, Guarani, Ponte Preta, Portuguesa,
Operário-MS, Coritiba e Atlético-PR. Mais tarde, o grupo ainda contou com a adesão de
Bangu, Internacional de Limeira (SP) e Atlético-GO. O principal argumento dos opositores era
que o C13 havia traído todos eles e, por isso, eles também queriam a formação de uma
divisão diferente, partindo de um ofício em repúdio ao movimento. Era nítida a falta de
organização dos 15 desde o início, a começarpela falta de consenso em relação ao local em
que se reuniriam.
A principal dúvida que pairava era: como a CBF iria reagir à “revolução”. Não se sabia nem
se o Clube dos 13 seria reconhecido, muito menos se a Confederação levaria seus pedidos
em consideração. Mas as opções não eram as melhores. Eles poderiam romper com a
Associação de Presidentes de Clubes de Futebol, comandada por Roberto Pasqua, do
Corinthians, e montar o campeonato dos 13, ou criar 13 inimigos, representados pelos
principais clubes do país.
O grupo abriu mão das cotas de todos os seus clubes para que a CBF tivesse o dinheiro
para fazer o campeonato paralelo, equivalente à segunda divisão, garantido a Copa União
com o dinheiro do próprio C13, como a primeira divisão. A preocupação ficou por conta da
legalidade do torneio, uma vez que a CBF respondia à Fifa e, caso não tivesse a bênção para
montar a Copa União, ficaria ilegal. “No futebol brasileiro, os clubes estão filiados às
federações. Estas, por sua vez, à CBF, que é diretamente vinculada à Fifa”, disse Nabi, à A
Gazeta Esportiva do dia 15 de julho. Assim, o movimento estava ameaçado e algumas
federações já tinham inclusive informado que não cederiam estádios e árbitros de seu
quadro.
No início da montagem da Copa União, o então presidente do Botafogo, Althemar Dutra de
Castilho, conhecido como Teté, encomendou uma pesquisa nacional ao Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatísticas, o Ibope, paga pelo C13, a fim de avaliar o número de
pessoas no país que torciam para um dos 13 times que compunham a recém-nascida
entidade. O resultado, de que mais de 90% dos brasileiros eram torcedores de times filiados
ao C13, foi explicado por João Henrique Areias, um dos diretores de marketing do Clube dos
13, em seu livro Uma bela jogada – 20 anos de marketing esportivo:
“A iniciativa foi muito bem recebida pela grande imprensa, que em sua maioria criticava o
inchaço do campeonato e o modelo de administração ultrapassado de Otávio e de seu vice-
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presidente, Nabi Abi Chedid. O Jornal do Brasil chegou a fazer uma matéria lembrando que
os 13 clubes representavam 95% dos torcedores brasileiros e, por isso, tinham força, sim,
para superar os obstáculos que apareciam pela frente, entre eles uma suposta ilegalidade da
iniciativa, uma vez que a legislação não permitia a criação de ligas independentes da CBF.
Esta era uma das alegações para que a entidade, mesmo reconhecendo sua incapacidade de
financiar e organizar o campeonato nos moldes antigos, tivesse relutado até o fim contra a
ideia de um campeonato nacional fora de seu controle. A CBF ainda não entendia que, antes
de ser um movimento de rebeldia, o Clube dos 13 era um movimento de sobrevivência das
principais agremiações esportivas do país”.
A União se baseava nos dados dessa pesquisa, divulgada em todos os veículos da época,
para criar um campeonato nacional que, nas palavras de Carlos Miguel Aidar, “não havia
risco nenhum de se malsucedido, considerando que a entidade representava quase que a
unanimidade da massa torcedora do Brasil”.
O que os clubes menores não pareciam lembrar era que, alguns dias antes, a própria CBF já
havia deixado de lado o campeonato nacional por conta da falta de verba, como ressaltou
Nelson Duque, presidente do Palmeiras na época, em A Gazeta Esportiva do dia 15 de julho:
“Estamos defendendo a própria CBF, que dizia há alguns dias que não teria condições de
bancar o Campeonato Brasileiro”.
Várias fórmulas foram sugeridas ao longo do período de negociação inclusive o vice-
presidente do Clube dos 13, Eurico Miranda, afirmou que o grupo estaria disposto a
conversar sobre um campeonato que incluísse 16 ou até 20 times, ao contrário do que os 15
contrários achavam. Em meio aos conflitos e sugestões, o Conselho Consultivo da CBF se
reuniu e, a princípio, aprovou um campeonato com 62 clubes, divididos em dois grupos, o
primeiro com 30 e o segundo com 32. Nabi Abi Chedid abriu a possibilidade de o Brasileirão
acolher quantos fossem os clubes que, assim como Botafogo e Coritiba, conseguissem na
Justiça o direito de participar, o que não fizeram em campo, deixando o campeonato com
um número ilimitado de participantes, totalmente na contramão do que fora proposto
desde o início.
Além disso, Nabi manteve a informação de que o BR-87 não seria subsidiado pela CBF, o
que poderia afastar os clubes menores, que não tinham condições financeiras de bancar
viagens, transporte, alimentação e hospedagem para seus atletas e comissões técnicas. A
medida acelerava a própria falência do futebol brasileiro, de forma técnica e financeira.
A revolta com a decisão foi geral. O absurdo de organizar uma competição na qual muitos
clubes não conseguiriam bancar seus times deixou muitos dirigentes indignados. “A CBF não
tem planejamento e competência. Como organiza uma Copa Brasil em que parte dos clubes
serão obrigados a bancar suas despesas, sem saber que os clubes têm dinheiro? É uma prova
inequívoca de que tudo está errado”, reclamou o presidente da Federação Bahiana de
Futebol, Antonio Pithon.
30
“Agora ficou claro quais são os predadores do futebol brasileiro. As federações são os
predadores e a CBF é a madrasta dos clubes. O sistema faliu, o arcabouço legal ruiu e uma
nova construção deve ser feita. Essas figuras demoliram o futebol e devem ser afastadas do
poder pelo mecanismo democrático, que é o voto livre”, era o que dizia Márcio Braga a
respeito do que a entidade estava tentando fazer com o campeonato.
A manobra, entretanto, permitia à CBF que garantisse um Brasileiro com 20 clubes, já que
muitos desistiriam justamente pelas dificuldades financeiras. Ou seja, dos 30 clubes pré-
estabelecidos para participar da primeira divisão, pelo menos dez não conseguiriam bancar
todos os custos sozinhos e, por isso, não entrariam. Indiretamente, a CBF estava garantindo
a competição nos moldes pedidos pelo C13 e possibilitando a negociação.
Para o então presidente do CND, Manoel Tubino, era necessária a implementação imediata
de um Conselho Arbitral: “O grande erro nisso tudo é que os clubes não foram convidados à
discussão. E isso vai perdurar enquanto não houver um Conselho Arbitral de Clubes na CBF.
Eles desejam uma coisa, mas as federações não atendem e nisso são apoiadas pela CBF”.
Mais do que uma estratégia política dentro da CBF, cujo apoio se confundia em diversos
momentos, a realização ou não da Copa Brasil de 1987 passou a ser uma questão de
revitalizar o futebol brasileiro, que há muito já dava sinais de esgotamento. Por isso o termo
revolução foi tão empregado em referência ao Clube dos 13.
A decisão final foi de dividir os clubes participantes da Copa Brasil em duas chaves, A e B,
cada qual dividida em dois módulos. O primeiro módulo da chave A seria composto pelos 13
grandes juntamente com Guarani e América-RJ, os dois clubes mais bem colocados no
ranking nacional da CBF, e o Coritiba, que tinha conquistado uma vaga através da Justiça
comum. Já o segundo módulo contaria com Sport, Santa Cruz, Náutico, Portuguesa,
Internacional-SP, Bangu, Goiás, Atlético-GO, Atlético-PR, Rio Branco-ES, Treze-PB, CSA,
Criciúma, Joinville e Ceará, e, para completar os 16, a CBF precisaria acrescentar mais uma
equipe. Ponte Preta, Vitória, Sergipe e Fortaleza tinham entrado com recursos no STJD em
busca de uma vaga na chave principal, alegando melhor colocação no ranking do que o
Coritiba, por exemplo.
O título brasileiro seria uma exclusividade apenas dos integrantes da chave A, que também
não receberiam apoio financeiro dos recursos repassados pela Loteria Esportiva,
permanecendo somenteos clubes que pudessem se sustentar no campeonato.
Enquanto isso, a chave B seria formada por 32 clubes divididos em quatro grupos de oito,
regionalizados, a fim de diminuir as despesas. Como prêmio, o campeão e o vice desta chave
poderiam compor a chave A do ano seguinte, além de o campeão poder disputar uma das
vagas destinadas ao Brasil na Libertadores da América.
A situação saiu de controle quando, em uma manobra que hoje é justificada pela
expressividade das torcidas dos três clubes escolhidos para preencher as vagas finais do
31
primeiro módulo da chave A, Guarani e América-RJ, bem colocados na última Copa Brasil e
no ranking nacional, são deixados de lado, passando a compor o segundo módulo.
Segundo Eurico Miranda, a proposta do Clube dos 13 era para que a CBF decidisse os
outros três participantes que comporiam o módulo principal, a partir de seus próprios
critérios. “Nós queríamos que o campeonato daquele ano definisse estas equipes, mas a CBF
se adiantou e já incluiu mais três. Era o que nós queríamos”.
Mas a entidade não seguiu o plano de acrescentar os melhores colocados no ranking
nacional e acabou excluindo o Guarani e o América-RJ. “A Federação Paulista de Futebol não
vai concordar com isso. O Guarani é o 14º colocado no ranking da CBF e queremos nosso
direito cumprido. Não concordamos com esse desrespeito a um filiado nosso”, declarou o
presidente interino da Federação, Eduardo Farah.
Com isso, o critério adotado passou a ser político e não técnico, como era esperado. Pelo
ranking, as vagas restantes deveriam ser de Guarani, América-RJ e Santa Cruz, porém dois
foram excluídos e “rebaixados” ao segundo módulo, abrindo vaga para Coritiba e Goiás.
“O que se pensou foinas praças. Para não ficar sem uma praça. E por torcida. Se você
estava bolando um esquema de marketing, um novo esquema promocional, você precisava
ter time de apelo, de torcida. E, convenhamos, com todo o respeito ao América, mas não
tem torcida”, ressalta Fábio Tubino, filho do falecido presidente do CND, Manoel Tubino,
que acompanhou de perto a carreira do pai na entidade e, consequentemente, a montagem
da Copa União.
No entanto, Mauro Beting defende especialmente o América-RJ, que, a partir daquele ano,
nunca mais foi um clube expressivo no Rio, sendo rebaixado tanto no nacional quanto no
estadual e passando por vários processos de reestruturação, com o intuito de resgatar o
espírito do clube, sem muito sucesso. “O que se fez com o América e o Guarani não é legal.
Mas, ao mesmo tempo, precisava haver uma ruptura, porque era absurdo o campeonato de
80 (times). As maiores vítimas naquele caso foram Guarani e América, mas também o
futebol brasileiro como um todo.”
Para o presidente do Clube dos 13, pouco importavam os escolhidos pela CBF: “A posição é
polêmica quanto ao preenchimento das três vagas, mas o importante é que a CBF atendeu
aos desejos do grupo”. Aidar garante que este era um sacrifício necessário.
Em 26 de julho de 1987, foram divulgados os 32 clubes que participariam da chave A da
Copa Brasil daquele ano.
Módulo Verde (Copa União): Internacional, Grêmio, Palmeiras, Corinthians, Santos, São
Paulo, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Atlético-MG, Bahia, Santa Cruz,
Coritiba e Goiás.
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Módulo Amarelo: Portuguesa, Ceará, Treze-PB, Náutico, CSA, Atlético-GO, Rio Branco,
América-RJ, Bangu, Internacional-SP, Guarani, Atlético-PR, Criciúma, Joinville, Sport e Vitória.
33
Vilão ou mocinho?
Ficou claro, desde o início, o entendimento entre o vice-presidente do Clube dos 13 e
diretor de futebol do Vasco, Eurico Miranda, e o vice-presidente da CBF, Nabi Abi Chedid.
Havia uma nítida convergência de opiniões e interesses.
“Para nós, o campeonato ideal deveria ser disputado em duas chaves de 16 clubes. O que
está sendo discutido agora é a fórmula da disputa e parece que vamos chegar a uma solução
que agradará a todos. Vamos elaborar um sistema que estará de acordo com o Clube dos 13
e com a posição das outras equipes”, disse Eurico à A Gazeta Esportiva do dia 23 de julho.
O que ficou conhecido a respeito do famigerado cruzamento entre os Módulos Verde e
Amarelo para definir o campeão é que, a princípio, um suposto primeiro regulamento
garantia que o quadrangular apenas definiria os representantes brasileiros na Copa
Libertadores da América de 1988. Em uma segunda ocasião, em que Eurico era o procurador
do Clube dos 13, ele teria assinado um documento alterando o primeiro regulamento para
que o cruzamento também definisse o campeão brasileiro de 1987, sem o aval da entidade
que ele representava. Essa é a história contada até hoje, amplamente divulgada na mídia e
que acabou disseminada entre torcedores.
Tudo isso foi dado como verdade absoluta, especialmente pela trajetória pessoal e política
de Eurico Ângelo de Oliveira Miranda não só no futebol.
Filho de imigrantes portugueses que nos anos 1930 fugiram da ditadura de António
Salazar, Eurico entrou no mundo da bola ainda com 23 anos, quando era estudante de
direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ocupando um cargo administrativo.
Durante muitos anos foi braço direito de muitos presidentes que passaram pelo Vasco da
Gama, agindo sempre nos bastidores, mas já com amplo destaque.
Foi o responsável por tirar o ídolo Roberto Dinamite do Barcelona, em 1980, e levá-lo de
volta a São Januário. Ao mesmo tempo, ligou-se à ala conservadora da política brasileira e,
ao longo de sua carreira, se envolveu em vários processos judiciais, como um pedido de
cassação de mandato de deputado federal, em 2001, e uma candidatura indeferida pelo
Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, cinco anos mais tarde.
Depois de tantas “euricadas”, termo que ficou conhecido por ser muito utilizado pelo
jornalista Juca Kfouri em sua coluna do diário LANCE! no início dos anos 2000, quando Eurico
era presidente do Vasco, fica fácil chegar a conclusões, vinte e cinco anos depois, como a de
que, estando ele envolvido em um processo como a montagem da Copa União, seria o
principal responsável por tomar uma decisão com a qual o Clube dos 13 não concordaria.
34
“Conhecendo bem a história do Eurico Miranda, ele realmente fez um acordo de um lado e
fez outro acordo do outro e deveria ter feito um terceiro acordo também. A história do
Eurico leva a crer que ele foi um dos caras que levaram a toda a confusão”, ilustra Mauro
Beting. “Porque foi dada a ele uma procuração que ele, evidentemente, não honrou. Agora,
quem dá uma procuração ao Eurico Miranda também merece, pede para pisar na bola.”
No entanto, de acordo com os dirigentes envolvidos na montagem da Copa União, mesmo
os que não concordaram com a aceitação do quadrangular essa história é um pouco
diferente. Como relata Carlos Miguel Aidar: “O que aconteceu foi que, em um determinado
momento, o campeonato já estava acontecendo e não tinha regulamento. A ideia do
regulamento estava na cabeça de todo mundo, mas não estava escrito. Teve uma reunião no
Rio de Janeiro, numa sexta-feira, mas estava todo mundo com passagem de volta para os
seus estados, então resolveu-se, no fim da reunião, delegar a um dos membros, que era
vice-presidente do Clube dos 13, o Eurico Miranda, a representatividade para ir na CBF e
assinar o regulamento. Nós demos poderes a ele e ele fez a grande besteira de concordar
com o cruzamento do Módulo Verde com o Módulo Amarelo. Quando você dá uma
procuração para alguém e esse alguém faz alguma coisa errada, você não pode fizer que a
procuração não vale mais. Ou você honra a procuração que você deu ou você pode brigar
com o seu procurador. E nós resolvemos brigar com o Eurico. Realmente foi a forma que ele
aceitou (quadrangular), mas se nós estivéssemos lá nós não teríamos aceito. Tanto que, dias
depois, o Clube dos 13 resolveu fazer uma assembleia entre nós para dizer que quem
ganhasse o Módulo Verde não jogaria a partida de cruzamento com o Módulo Amarelo. E,
para nós, Clube dos 13, tanto que os outros três nós nem consideramos, ficou que nós não
jogaríamos. Para nós, a final do Brasileiro foi Flamengo e Inter no Maracanã e foi daí que
saiu a história de que o Flamengo era campeão brasileiro, mas ele é o campeão da Copa
União, tanto que a CBF nunca reconheceu”.
O curioso é que Aidar não lembra se a procuração, que segundo ele foi dada a Eurico, tinha
sido escrita ou não: “Ele falou se essa procuração foi escrita ou verbal? Eu não lembro”.
Eurico, em resposta, garante que a tal procuração, assim como algumas das lendas que
giram em torno da Copa União, nunca existiu: “Não houve procuração nenhuma, nem
acordo verbal. O que aconteceu é que ninguém teve a coragem de ir lá enfrentar os caras.
Todo mundo foi embora e eu fui lá garantir que o campeonato acontecesse. Por que o Carlos
Miguel Aidar não foi lá, então?”
Ou seja: o primeiro e único regulamento da Copa Brasil era legítimo e garantia a definição
do vencedor pelo cruzamento entre os módulos, além da classificação para a Libertadores. O
poder de decisão foi dado ao diretor vascaíno, mas o problema é que, depois, o C13 não
concordou com o que foi acatado por ele na reunião com a CBF.
Eurico também admite que não gostou da ideia logo de início, mas que, com o andamento
das negociações, enxergou que o cruzamento era o único modo de tornar o campeonato
oficial, garantindo o apoio da CBF:
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“Eu queria realizar o campeonato. Tinha pedidos muito mais fortes. Já conseguir dividir,
reconhecer e aceitar que dividia. Agora vamos fazer. A gente não abre mão do cruzamento.
Tá bom. Primeiro, eu não concordei, lógico. Você não negocia assim. Você vai negociando, e
tentamos alternativas, até que não havia solução e a solução foi essa que encontraram.
‘Vamos ceder daqui, você cede dali. E aí vamos tocar o campeonato’. O campeonato ia
parar, não ia ter campeonato. Ou ia seguir o campeonato só no Módulo Amarelo. O
campeonato começou com uma tabela, meio na marra, na discussão, mas saiu logo o
regulamento. A maneira de a CBF reconhecer era tendo o cruzamento. Veio o regulamento e
o Clube dos 13, posteriormente, fez uma reunião para dizer que não concordava com isso.
Mas isso não significa que se você não concorda então vou ter que mudar. Eles achavam que
estavam totalmente independentes da CBF, mas não estavam. Cada um vai dizer uma coisa,
mas só os que participaram, como eu participei diretamente, é que sabem e é por isso que
eu sei como é que foi feito, como é que foi difícil a negociação. Se você vai cumprir ou não o
regulamento, isso é outra coisa, é mais para frente”, destaca Eurico.
Mesmo sem procuração, Eurico afirma que tinha poder para chegar a um acordo com a
CBF sobre as normas da competição devido a seu cargo dentro do C13, o de vice-presidente:
“Eu, vice-presidente do Clube dos 13, tinha poderes para tal. Senão não iria à reunião. Por
que o Aidar não foi à reunião, então? Sabia que não tinha condição. Eu não fui à reunião
para fazer aquilo que o Clube dos 13 queria. Eu fui à reunião para encontrar uma solução e
só tinha aquela maneira. Sem cruzamento, o campeonato iria parar ou seguir só no Módulo
Amarelo. Agora, não me venham com história de que querer me usar, porque eu não fui o
fundamental nisso. Eu não fui lá para cumprir ordens e ser moço de recado de ninguém. Eu
fui lá para decidir e encontrar uma solução, porque ninguém ia, ninguém tinha coragem de
enfrentar a situação.”
Ele ainda explica que, caso a CBF não reconhecesse a Copa União, o torneio corria o risco
de não ter árbitros, que são cedidos pela entidade, além das federações, que fazem a
logística dos jogos, e se recusariam a participar. “Eles se arrependeram, mas era muito mais.
Eles queriam saber do clamor popular”, complementa Eurico.
Para não transformar a Copa União em um campeonato “pirata”, era fundamental que o
C13 chegasse a um acordo com a CBF para legitimar, de alguma forma, a competição
proposta. Caso a CBF não reconhecesse, o plano iria por água abaixo, já que a única entidade
brasileira reconhecida pela Fifa é a Confederação.
Muitas vezes pintado de vilão por outros integrantes do C13, Eurico afirma que apenas fez
o que ninguém parecia interessado em fazer: negociou com a CBF e garantiu a legitimidade
da Copa União.
“Nós decidimos fazer um campeonato, não da maneira como a CBF queria, e a CBF tinha
dito que não tinha condições de fazer o campeonato. A Copa União tinha que ser o
Campeonato Brasileiro. Se a CBF não participasse, não era Campeonato Brasileiro, era um
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campeonato pirata. Então começaram as negociações. Nós tínhamos aqueles que nós
entendíamos que podiam participar da competição, os que nós queríamos. A CBF tinha
outros. Nós tínhamos o Módulo Verde e o Amarelo, que era composto por esses outros
clubes. A maneira de ter o campeonato foi o cruzamento final de um vencedor do Módulo
Verde com o campeão do Módulo Amarelo. Essa foi a maneira que se encontrou para que
pudesse, efetivamente, o campeonato ter a aquiescência da CBF. Se não tiver a aquiescência
da CBF, o campeonato não vale nada, porque a Fifa só reconhece a CBF e não reconhece
nenhuma outra entidade. Então isso foi uma longa negociação que se conseguiu. Só que, já
no andamento da competição, o Clube dos 13 fez uma reunião e disse que não faria o
cruzamento no final. Já tinha sido aprovado o cruzamento desde o início.”
O acordo feito não tornava a Copa União um campeonato equivalente ao Brasileirão, mas
sim uma primeira fase do campeonato que desembocaria na decisão. Mas a diferença de
pensamento não termina na questão do quadrangular. Para Eurico, a reunião feita pelo C13
não garantia que qualquer um dos clubes que vencesse a Copa União não faria os jogos de
cruzamento. “Eu garanto que se fosse outro clube que tivesse ganhado o Módulo Verde
teria cruzado. Numa hipótese, se o Vasco tivesse ganhado, o Vasco ia cruzar. Isso eu já tinha
resolvido e muitos outros fariam a mesma coisa. Como o (Carlos) Miguel Aidar. Se o São
Paulo tivesse ganhado, ele faria o cruzamento, não tenho a menor dúvida. E ia receber
pressão para isso. Mas o Flamengo, baseado na opinião pública, achando que a mídia ia dar
cobertura, não cruzou e hoje o campeão brasileiro é o Sport, de direito, pela Justiça. E eu
aprendi, até pela minha formação, que decisão judicial não se discute.”
Carlos Miguel, entretanto, se defende da acusação: “Esse é o Eurico. Mas eu falo pelo São
Paulo da época, de quando eu era presidente. Se o São Paulo fosse campeão do Módulo
Verde, ele não ia entrar em campo para jogar com o Módulo Amarelo de jeito nenhum. Nós
estávamos muito unidos nesse sentido. Eu posso falar pelo Inter e pelo Flamengo, porque
eles fizeram isso, e posso falar pelo São Paulo, porque eu o representava. Os outros eu não
posso falar”.
Mauro Beting conclui: “Acho que não tem mocinho nessa história. Uns mais, outros
menos, mas não tem mocinho”. Ele destaca que todos, de uma forma ou de outra, sempre
de acordo com as decisões que tomaram individualmente, contribuíram para a bagunça que
ainda estava por vir.
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Como fazer um Campeonato Brasileiro
Antes mesmo de chegar a um regulamento, o principal objetivo do Clube dos 13 era
viabilizar o campeonato que eles propuseram à CBF. Mas como fazer isso? Era necessário
criar tabelas, definir horários, contratar patrocinadores que poderiam bancar o BR-87,
garantir transporte, hospedagem e alimentação das delegações de cada uma das equipes,
árbitros, estádios e muitos outros fatores impreteríveis. Como transformar um torneio
claramente deficitário em lucrativo para os clubes e atraente para os torcedores? É neste
momento que surge uma nova e emblemática figura no futebol nacional: o diretor de
marketing.
Até ali, os clubes sobreviviam com as receitas das bilheterias dos jogos e da Loteria
Esportiva. Poucos eram os outros recursos que aumentavam o dinheiro dos cofres. A
televisão era considerada inimiga número 1, já que, no entendimento dos cartolas, o
torcedor optaria por ficar no conforto de seu sofá em vez de sair de casa para ver o time de
coração. Apenas em jogos importantes, como finais de campeonatos estaduais, é que a
transmissão ao vivo era liberada, considerando que o estádio estaria obrigatoriamente
lotado. Mesmo assim, a partida não era previamente anunciada pela emissora, sendo
inserida na programação apenas alguns minutos antes do início. Tudo para não roubar
público dos estádios. Além disso, não existia o pagamento de direitos de transmissão, pois as
câmeras eram da TV Educativa, do Governo Federal, que filmava e repassava o sinal para os
canais.
Patrocínio era algo pouco trabalhado e marketing não tinha muito a ver com o mundo da
bola. As ações que eram feitas em geral envolviam contratos grandes que repatriavam os
maiores ídolos do país, como Zico, que deixou a Udinese, da Itália, em 1985, para voltar para
o Flamengo, e Paulo Roberto Falcão, volante revelado pelo Internacional que depois ganhou
destaque na Roma e antes de se aposentar foi repatriado pelo São Paulo. No entanto, era
necessário seguir o fluxo da grande mudança e aproveitar para levantar o máximo de fundos
possível. É aí que entra um dos principais personagens que tirou a Copa União do papel,
transformando um torneio em dinheiro puro.
Formado em Ciências Contábeis, João Henrique Areias trabalhava como gerente de
eventos e promoções na filial da IBM no Brasil, uma das maiores fabricantes de
computadores da época. Sua primeira incursão pelo mundo do marketing esportivo foi
justamente no início de 1987.
Torcedor do Flamengo, Areias foi convidado pelo então presidente Márcio Braga para
assumir a vice-presidência de marketing do clube, convite que o pegou de surpresa,
conforme relata em seu livro 20 anos de marketing esportivo:
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“Acostumado a formalismos do mundo das grandes corporações, cheguei na sala do
presidente recém-eleito Márcio Braga esperando, pelo menos, uma entrevista, ou algo do
gênero. Conversamos um pouco sobre o clube, suas ideias de marketing, ainda embrionárias,
e ele não demorou muito para decretar: ‘Está empossado’”.
Naquele momento, sem nem pensar em Clube dos 13, o Flamengo dava as primeiras
engatinhadas em direção a um novo modo de gerir o futebol. A ideia do presidente era atrair
empresas para ajudar a levantar o clube, principalmente valorizando sua marca.
Depois de reformular o Baile do Vermelho e Preto, um dos mais tradicionais do carnaval do
Rio de Janeiro, estender o contrato de patrocínio com a Petrobras do futebol para a equipe
de vôlei profissional, renovar o contrato de Zico – talvez a missão mais difícil do dirigente,
uma vez que, depois da grave lesão de dois anos antes, o craque virara visitante assíduo do
departamento médico – e atingir uma receita anual de US$ 850 mil para o clube da Gávea,
Areias ainda iria passar por seu maior desafio naquele ano.
No dia 24 de agosto, foi marcada uma reunião na sede do Flamengo, na qual o C13 iria
decidir se continuaria com o plano de montar um campeonato sem a CBF. Ao questionar
Márcio Braga sobre os planos do grupo para basear essa decisão, o presidente externou que
eram muitos problemas para dar continuidade à ideia. “Não entendia como uma entidade
que reunia os maiores clubes do país fosse incapaz de encontrar uma agência de publicidade
para vender um projeto de marketing”, questionou João Henrique na ocasião.
Sem pestanejar, Braga “desafiou” o dirigente a elaborar e apresentar um projeto para o
Clube dos 13 na ocasião da reunião. “Confesso que me deu um frio na barriga. Eu tinha
apenas um fim de semana pela frente para dar uma solução para o Campeonato Brasileiro.”
Baseando-se em um projeto de comunicação e imagem da IBM, Areias montou um plano
que garantiria a formação do campeonato e, pelo menos na teoria, sanaria todas as dúvidas
do C13, que, naquele momento, estava a ponto de sofrer um racha que poderia impedir a
continuidade da “revolução”.
No dia da reunião, o principal objetivo era convencer todos os 13 clubes a incorporarem a
televisão como aliada para o aumento da renda, ou seja, quebrar um tabu de que uma
transmissão ao vivo afastaria ainda mais os torcedores do estádio.
Com o futuro do Brasileirão nas mãos, João Henrique mostrou o plano que havia traçado
para tentar salvar o futebol brasileiro de uma falência em potencial. A ideia geral que tinha
se formado entre os presidentes era de que US$ 1 milhão seria o valor ideal para montar o
campeonato. Sendo assim, antes mesmo de abordar outros aspectos do projeto, o dirigente
já avisou a todos os presentes que seria impossível levantar esse valor sem a televisão,
tentando justificar que, com ela, o alcance do clube deixaria de ser de 100 mil pessoas num
estádio para passar a ser de 40 milhões de torcedores em todo o país.
39
Além disso, outro argumento que fundamentou a entrada da televisão foi a atração de
patrocinadores, mais um elemento importante para divulgar um campeonato novo. “A
massificação pela televisão era um fenômeno inexorável, não podíamos lutar contra ela.
Cabia a nós explorar o seu potencial da melhor maneira possível. Assim, a TV não tiraria
público do estádio, mas ajudaria a consolidar ainda mais a paixão do torcedor pelo seu
time”, explicou Areias, baseando-se no que, na mesma época, já acontecia nos Estados
Unidos com o futebol americano e o beisebol, que passaram a trabalhar diretamente com a
televisão, e também com o próprio futebol, só que na Europa.
Com a inclusão de uma emissora, o projeto teria que contar com uma tabela previamente
montada, do começo ao fim, abrangendo todos os jogos da Copa União. Segundo Areias, isso
era importante para que a TV comprasse o produto, sabendo seu conteúdo completo.
Ora, naquela época, calendário era algo improvável, apesar de ser cobrado por alguns
clubes. Era rara uma rodada de uma competição que não tivesse pelo menos um jogo com
atraso ou cancelado, por quaisquer motivos. E a exigência era de uma tabela completa, mais
difícil ainda de ser montada.
A base para a organização dos jogos seria o Monday Night Game, um jogo de futebol
americano para os Estados Unidos inteiro, na segunda-feira à noite, como diz o nome,
inclusive para a cidade na qual ele seria disputado. Assim, com uma ligeira adaptação para o
Brasil, as partidas seriam apenas no fim da semana (sexta-feira, sábado e domingo),
eliminando os jogos no meio da semana, que causavam desgaste nos atletas.
Era uma proposta muito radical e, até certo ponto, megalomaníaca, se a mentalidade da
gestão do futebol na época for levada em consideração, mas indispensável para que a
montagem do campeonato continuasse a evoluir. Claro que João Henrique entendia as
reações negativas que chegou a perceber. Como a do presidente do Internacional, Gilberto
Medeiros, que expressou o pensamento de muitos em apenas uma frase, tipicamente
gaúcha: “Eu quebro, mas não envergo”.
Sem saber da resposta, Areias deixou a assembleia tendo apenas plantado a semente da
televisão na cabeça dos cartolas. Qual não foi sua surpresa quando, nos jornais do dia
seguinte, seu plano estava copiado na íntegra, anunciando a salvação do futebol no Brasil.
Inclusive, o primeiro pensamento que passou em sua cabeça foi uma possível demissão da
IBM (que não aconteceu), já que a base do plano tinha sido copiada da empresa em que
trabalhava.
Ao falar com Márcio Braga, o presidente flamenguista explicou o motivo das matérias: usar o
projeto como uma pressão para os clubes que estavam pensando em abandonar o Clube dos
13. Com a ampla divulgação, foi dado o primeiro passo para a aceitação da Copa União pela
imprensa, que, posteriormente, abraçou o torneio por inteiro. Aceitação essa que também
seria essencial em relação à opinião popular.
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Agora cabia a ele, João Henrique Areias, tirar o campeonato do papel e torná-lo viável. E
sua primeira ação para transformar o sonho em realidade foi entrar em contato com o então
diretor de marketing do São Paulo, Celso Grellet, que naquele mesmo ano tinha negociado a
transmissão da final do Campeonato Paulista com a Rede Globo, na qual o Tricolor enfrentou
o Corinthians, cobrando US$ 70 mil.
Era um parâmetro para começar as conversas que levantariam o valor que o C13 tinha
estipulado como fundamental para montar a Copa Brasil: US$ 1 milhão.
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Os patrocinadores
O carro-chefe da negociação do campeonato seria a televisão e já estava decidido que 16
times comporiam a Copa União, permitindo uma tabela mais simples. Como a única base era
o valor cobrado pelos clubes na final do Paulistão daquele ano, João Henrique estabeleceu
US$ 70 mil como o preço de cada uma das 42 partidas que seriam realizadas entre setembro
e dezembro de 1987 e escolhidas para fazerem parte da programação da emissora que
comprasse o pacote. Assim, o Clube dos 13 venderia um pacote fechado, no total de US$ 3,4
milhões apenas pelos direitos de transmissão. Um valor astronômico e, até certo ponto,
absurdo para a época, considerando que era a primeira tentativa de vender um torneio
completo para a TV.
Apesar da incredulidade de Celso Grellet em relação a essas contas, Areias seguiu com seu
plano justificando que a intenção não era vender jogos aleatórios pelo preço de uma final,
mas sim um conceito, que era o de recuperar a paixão do brasileiro pelo futebol, que, com
toda a bagunça, idas e vindas dos últimos anos, só diminuía. “Estamos oferecendo a salvação
do futebol brasileiro”, explicou ele ao companheiro, e passou a usar essa justificativa em
todas as negociações que envolveram a montagem da Copa União.
Poucos dias depois da reunião do C13, os diretores de marketing se encontraram com Ivan
Borges, diretor da TV Globo, para vender o produto. A princípio a incredulidade com o valor
foi a mesma de Grellet, já que era muito mais do que a emissora tinha pago para transmitir o
principal evento futebolístico no ano anterior, a Copa do Mundo.
De acordo com o relato de João Henrique, apesar do pé atrás que o representante da
Globo aparentava ter, ele deixou claro que havia pessoas, em cargos mais altos que ele,
interessadas na compra do campeonato, mas que não esperavam gastar tanto dinheiro.
“Pois então havia gente graúda esperando o fim dessa negociação, era um negócio que
despertara mesmo o interesse da alta cúpula da TV Globo. O Ivan se referia ao Boni, todo-
poderoso da emissora, ao Armando Nogueira, diretor de jornalismo, ao Roberto Buzzoni,
diretor de programação, e ao Ricardo Scalamandré, diretor comercial.” Assim, sem ter nada
a perder, Areias pediu para apresentar seu projeto aos “chefões” da emissora.
No dia seguinte, depois de horas de negociação com Nogueira, Buzzoni e Scalamandré,
João Henrique Areias e Celso Grellet conseguiram vender a Copa União pelo valor proposto,
US$ 3,4 milhões, fechando um contrato de cinco anos. O acordo era de entregar US$ 2,1
milhões em dinheiro, valor que já passava do dobro estipulado pelos clubes, enquanto o
restante, US$ 1,3 milhão, seria pago em espaços comerciais institucionais de 15
segundos.Para ceder, a Globo exigiu sua participação na montagem do calendário da
competição.
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Pronto. O campeonato estava garantido. Mas ainda havia muito mais a ser feito, muitos
detalhes a serem resolvidos para tirar a ideia do papel. O sucesso da negociação com a
Globo só aumentou a responsabilidade de Areias e Grellet, que foram convidados pelo Clube
dos 13 para cuidar diretamente dos contratos de publicidade que ainda seriam assinados,
assumindo os cargos de diretores profissionais de marketing do grupo.
A partir daquele momento, sem incluir o contrato de televisão, todas as negociações
concretizadas seriam divididas em 17 cotas, sendo 16 para os clubes e outra a ser dividida
entre os dois, que, com isso, passaram a ser os primeiros dirigentes remunerados da história
do futebol brasileiro, como lembra Carlos Miguel Aidar: “Ambos eram remunerados pelo
Clube dos 13, mas o Celso devolvia a cota da parte do São Paulo, e do Flamengo o João
Henrique, para ninguém acusar que estavam ganhando dinheiro às custas do clube”.
O apoio da Globo foi essencial para a difusão da Copa União na imprensa, que passou a
adotar o campeonato como o legítimo Campeonato Brasileiro. A revista Placar, que na
época ainda era semanal, estampou na edição do dia 14 de setembro de 1987, em que
apresentava um guia completo sobre a competição, a seguinte manchete: “O verdadeiro
Campeonato Brasileiro”.
“O Armando Nogueira foi diretor de jornalismo da Globo e me ligava assim: ‘Seu Carlos,
está precisando de alguma coisa? Quer entrar em algum programa? Tem alguma mensagem
para dar? O que você pode ajudar para alavancar a audiência? Quer entrar no Sul? Eu te
ponho no jornal de lá’”, explica Aidar, que, como presidente do C13, tinha maior contato
com a emissora. “Para a Globo interessava a audiência por causa de patrocínio. Então eu
tinha o jornalismo da Globo à minha disposição. Isso, em termos de jornalismo, é
impressionante”.
Uma das primeiras ideias dos diretores foi chamar o açúcar União para fazer parte do
projeto, principalmente para aproveitar o gancho do nome. Mas a empresa, ainda
traumatizada com a experiência que teve com o fracasso da escuderia Fittipaldi nos anos 70,
única equipe de Fórmula 1 brasileira e que acabou deixando a Copersucar com grande
prejuízo financeiro, não quis participar de nenhuma ação que envolvesse esportes.
Mesmo assim, outros nomes foram aparecendo, já que o interesse em torno da
publicidade que o BR-87 geraria era imenso. Um dos principais foi a Coca-Cola, patrocinador
mais lembrado pelos que viram a montagem do campeonato.
“Não é só a vontade de mudar o negócio, mas era bom para o próprio negócio. Era o lado
bom”, ressalta Mauro Beting. “Mas também é fundamental dizer que para todos os lados,
uns mais, outros menos, não era só gente que estava em prol do esporte, mas estava em
prol do próprio negócio. E com coisas absurdas. A questão do patrocínio da Coca-Cola no
gramado, no círculo central, atrás das metas, é de uma estupidez monstra. Pode ser bom
para quem vende Coca-Cola, mas era só ler o livro de regra. Claro que na época o livro era
menos acessível, mas era o mínimo.”
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O nome da empresa de refrigerantes surgiu quando a Pepsi, principal concorrente, lançou
uma campanha para apresentar sua versão de um litro, que a Coca ainda não tinha. No
entanto, os dois garotos-propagandas seriam importados: Rod Stewart e Tina Turner, dois
cantores americanos, estampariam a campanha brasileira. A associação foi instantânea:
chamar a Coca-Cola para fazer frente à Pepsi usando um produto nacional, o futebol.
Em contato com os diretores da Coca-Cola, o Clube dos 13 ofereceu espaço nos uniformes,
placas nos estádios, anúncios institucionais na emissora, que tiveram que ser repensados
uma vez que a Globo queria mensagens neutras sem o caráter de um comercial, e o espaço
no círculo central do campo, um dos itens mais polêmicos, mas que já tinha sido feito no
Campeonato Mexicano. Segundo Areias em seu livro, “estávamos oferecendo também o
nosso conceito. Enquanto a sua maior concorrente recorre a ídolos estrangeiros para tentar
crescer no mercado brasileiro, a Coca-Cola investiria num produto tipicamente nacional, o
futebol. Era a hora de uma multinacional mostrar mais carinho pelo Brasil para vencer todas
as resistências que existiam contra marcas internacionais”.
A assinatura do contrato entre os participantes do C13 e a Coca-Cola foi um evento à
parte, que acabou se tornando um case dentro do case maior que foi a Copa União.
Durante a reunião, que aconteceu no hotel Mofarrej Sheraton, em São Paulo, os contratos
com a TV Globo e com a Coca-Cola seriam assinados, formalizando os maiores patrocínios do
campeonato. A intenção era assinar ao vivo, em pleno Jornal Nacional, com a presença do
ilustre Roberto Marinho, que raramente se envolvia nessas questões, conforme conta o
jornalista Juca Kfouri, que acompanhou esse processo de perto.
O presidente da Coca-Cola, o argentino Jorge Gigante, estava no hotel representando sua
empresa. Ainda havia alguns detalhes a serem discutidos e acertados, mas nada perto do
que aconteceu. “A Coca-Cola tinha um cheque, uma ampliação de um cheque de cartolina,
que na época era muito. E eles estavam se divertindo com aquilo”, recorda Carlos Miguel.
A princípio, 15 camisas dos 16 clubes levariam a marca da fabricante de refrigerantes.
Apenas a do Flamengo não entraria no acordo, por conta do contrato com a Petrobras. O
Vasco tentava argumentar que os times com maior torcida deveriam receber mais. Mas
nenhum presidente superou o discurso do presidente corintiano Vicente Matheus.
“Quando o livro para as assinaturas começou a passar, parou no Vicente Matheus,
presidente do Corinthians, que falou: ‘Eu não vou assinar’”, relata Kfouri. A declaração criou
um reboliço e não tardaram a entender o motivo da recusa. Segundo o cartola, ele ainda
estava chateado pelo modo como foi tratado no estádio do São Paulo, o Morumbi, durante a
final do último Paulistão, além de guardar mágoa do Tricolor por ter se colocado à frente da
contratação do meia-esquerda Renatinho e por ter emprestado o atacante Bentinho para a
Portuguesa e não para o Corinthians.
44
Como se a situação já não fosse inusitada demais, Matheus soltou uma pérola, colocando
uma rivalidade entre clubes acima de um negócio milionário: “O que é bom para o São Paulo
não pode ser bom para o Corinthians”.
Se um clube desistisse, o acordo não seria selado. Portanto, sentindo o perigo, Carlos
Miguel Aidar, Márcio Braga, Paulo Odone (presidente do Grêmio) e Nelson Duque
(presidente do Palmeiras) levaram Vicente Matheus para uma sala reservada para tentar
convencer o velho cartola, então com 79 anos, a assinar o contrato. “Foi quando o Jorge
Gigante foi chamado. Voltam o Matheus, todo pimpão, os quatro (presidentes) olhando para
o chão e o Jorge Gigante anuncia que, na verdade, a questão é que o Corinthians tinha bem
encaminhado um patrocínio com a Kalunga e que o Corinthians então ficaria de fora do
acordo com a Coca-Cola.”
Entretanto, outro problema maior ainda estava para acontecer, como relata Areias:
“Estávamos já chegando ao acordo final quando o presidente do Grêmio me chamou
reservadamente num canto e me disse que estava com um problema grave. Os conselheiros
do seu clube acabavam de decidir que não aceitariam pôr o logotipo da Coca-Cola na camisa
da equipe pelo simples fato de que era vermelho, a cor do arquiinimigo Internacional. Eu não
acreditava no que estava ouvindo. A Coca-Cola já tinha mais de cem anos de existência e
sempre exibiu aquela logomarca, qualquer criança sabe que ela é vermelha. O Odone, um
homem corretíssimo, disse que me entendia, mas não podia resolver nada sem a aprovação
do conselho”.
Mais do que uma decisão do conselho do Grêmio, havia uma cláusula pétrea – uma
disposição que não pode sofrer alteração de nenhum tipo – no estatuto do clube que proíbe
o uso da cor vermelha no uniforme. Se assinasse uma autorização que batesse de frente com
essa proibição, Paulo Odone corria o risco de sofrer um impeachment.
“E neste momento seu Jorge Gigante desesperado, Roberto Marinho já tinha ido embora,
não tinha se assinado porcaria nenhuma no Jornal Nacional”, lembra Juca Kfouri. “Então se
concorda que a Coca-Cola apareceria com um logotipo preto na camisa do Grêmio. Mas aí
virou preto na camisa do Grêmio, do Santos, do Atlético. Vermelho ficou na minoria. O que
dá a medida do que era o futebol brasileiro.”
A aceitação da Coca-Cola se deu principalmente pela racionalidade de Jorge Gigante.
Enquanto Odone discorria que a torcida gremista nunca entenderia, muito menos aceitaria
qualquer elemento vermelho no uniforme do time, o argentino foi simpático à situação, por
entender bem a falta de limite de uma rivalidade clubística, como a mais tradicional do seu
país, entre Boca Juniors e River Plate.
Exceções feitas, os contratos foram assinados e, em menos de um mês, a Copa União já
havia levantado US$ 6 milhões, cinco vezes mais do que o valor que os dirigentes tinham
estipulado de início.
O Campeonato do Álbum de Figurinhas
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O Campeonato do Álbum de Figurinhas

  • 1. 1987O ANO SEM CAMPEÃO Esther Morel
  • 2. FACULDADE CÁSPER LÍBERO ESTHER DE CARVALHO TAVARES MOREL 1987: O ANO SEM CAMPEÃO SÃO PAULO/2012
  • 3. ESTHER DE CARVALHO TAVARES MOREL 1987: O ANO SEM CAMPEÃO Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero - FCL. Orientador: Prof. Celso Unzelte SÃO PAULO/2012
  • 4. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a minha mãe Carmen e ao meu pai Pedro, que sempre me apoiaram em tudo e foram os responsáveis por despertar em mim a paixão pelo futebol. A minha imensa família, que além de me divertir me ensina um pouco de tudo, especialmente a minha tia Ca-Cátia. Ao Gilberto e à Amanda, que mesmo longe ainda são os dois pilares da minha vida. À Gabriela, à Letícia e ao Rafael, meus refúgios e companhias no caos de São Paulo. Ao Bruno, antes de qualquer coisa meu melhor amigo, sempre paciente e otimista. Aos colegas de LANCE!, pessoas maravilhosas com quem tive o prazer de conviver e aprender mais do que em qualquer lugar. E a todos que direta ou indiretamente me ajudaram a chegar até aqui.
  • 5. "Não existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que leva a vida a parecer sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa, pois um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro." Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser
  • 6. Aos torcedores de mesa de bar
  • 7. Sumário Conversa de bar..........................................................................................................................7 O campeonato do álbum de figurinhas......................................................................................9 O campeonato que a imprensa não viu ...................................................................................12 A primeira puxada de tapete....................................................................................................16 Não tem dinheiro! ....................................................................................................................19 A União dos Grandes Clubes de Futebol ..................................................................................25 Os excluídos..............................................................................................................................28 Vilão ou mocinho?....................................................................................................................33 Como fazer um Campeonato Brasileiro ...................................................................................37 Os patrocinadores ....................................................................................................................41 Superando o amadorismo ........................................................................................................45 Dentro das quatro linhas..........................................................................................................48 Um defensor vascaíno..............................................................................................................55 Legalidade x legitimidade.........................................................................................................60 E a Taça das Bolinhas?..............................................................................................................64 O legado da Copa União...........................................................................................................67 BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................70
  • 8. 7 Conversa de bar Antes de ser jornalista esportivo, todo mundo é torcedor. Pode até não divulgar o clube favorito e eventualmente acaba aprendendo a ver o lado bom do arquiinimigo por causa da profissão, mas a paixão nunca morre. Ainda no início da faculdade, em uma mesa de bar, o tema deste livro-reportagem surgiu. Naquele momento era mais uma discussão entre torcedores de vários times sobre uma das maiores polêmicas do futebol brasileiro. A famosa Taça das Bolinhas aparecia pelo menos uma vez por semana no noticiário, principalmente por causa da boa colocação do Flamengo no Campeonato Brasileiro de 2009, do qual acabou sendo campeão, e a briga com o São Paulo, que também reivindicava a taça. Durante a conversa, os legalistas lembraram que a decisão a favor do Sport já estava transitada em julgado na Justiça, sem possibilidade de recurso. Os que prezam a rivalidade defenderam o Sport com qualquer argumento, só para não dar o braço a torcer. O único flamenguista da turma alegou inveja dos que não eram, até aquele momento, pentacampeões. E alguns ainda tentaram ser razoáveis, ressaltando que o Flamengo jogou com os melhores times do país e venceu. Mesmo com vários pontos de vista, eram poucas explicações sólidas, seguindo uma mesma linha de raciocínio, devido à falta de conhecimento dos torcedores de cada um dos times envolvidos na polêmica. Mesmo algumas fontes não sabem todos os detalhes e acabam tomando partido baseadas em rumores e informações nebulosas. Vinte e cinco anos depois, a necessidade de uma documentação dos eventos que levaram a essa indefinição parece cada vez maior. Não para decretar quem é o verdadeiro campeão brasileiro de 1987, mas para dar mais ferramentas às discussões de bar, que são as mais legais. Este livro, portanto, não tem como intenção pôr um ponto final na discussão, mas permitir que mais pessoas conheçam as várias histórias por trás daquele Campeonato Brasileiro de 1987, muitas delas até então perdidas nas páginas amareladas dos jornais e revistas da época. A revolução dos maiores clubes do país, a montagem da Copa União, a bagunça da CBF, o advento do marketing esportivo, a competição dentro das quatro linhas, a repercussão dos títulos e os frutos que ainda são colhidos depois de tantos anos. “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia”, disse o príncipe Hamlet a seu guarda, na homônima peça escrita por William Shakespeare há mais de 400 anos. A frase virou clichê, mas durante o processo de apuração do material que agora consta neste livro só ficou mais clara.
  • 9. 8 A mente humana esquece e ao mesmo tempo cria. Até quem acompanhou 1987 de perto não lembra detalhes, às vezes omite deliberadamente para tentar apagar o que aconteceu ou simplesmente não ficou sabendo de nada. Juntar os relatos para criar uma linha do tempo fiel foi o trabalho mais difícil, mas que sanou muitas dúvidas e lendas urbanas sobre o assunto. Para o torcedor, pouco importa se era Copa União, Módulo Verde, Módulo Amarelo, Copa Brasil ou Campeonato Brasileiro. Pouco interessa se a CBF, o CND ou a Fifa reconhecem o título. Nada se compara à emoção de ver seu ídolo em campo, vestir o manto sagrado e beijar o escudo quando o jogo acaba. O que vale mesmo é o que ele reconhece, o que ele sentiu. Seja quando viu o gol do zagueiro Marco Antônio, estufando a rede do goleiro Sérgio Nery do Guarani, na Ilha do Retiro, ou quando mal conseguiu enxergar o gol do atacante Bebeto, desbancando Taffarel do Internacional, de tanta gente que tinha na arquibancada do Maracanã.
  • 10. 9 O campeonato do álbum de figurinhas “Quando me perguntam sobre o campeão de 1987, eu apenas sorrio. Minha memória ninguém tira e, para mim, se o Flamengo jogasse com qualquer outro adversário naquele cruzamento final dez vezes, ganharia 11. Flamenguistas sempre dizem que ‘deixou chegar, ninguém toma’. Naquela época, isso era uma grande verdade.” Um dos mais polêmicos títulos do futebol brasileiro não é assim tão polêmico na memória de Arthur Chrispin, que, na época, tinha apenas nove anos. Dia 13 de dezembro foi especial. Terminou com emoção, choro e o grito de campeão. “Eu nunca discuti o título de 1987. Nem sabia que existiam Módulos Amarelo, Azul e Branco. Para mim, só tinha o campeonato do álbum de figurinhas. Copa União era Brasileirão. Ponto”, conta o hoje já crescido Arthur, lembrando o álbum lançando pela Editora Abril que virou febre durante o segundo semestre daquele ano, e que ele colecionou como todo garoto de sua idade. A paixão pelo Flamengo começou antes mesmo do berço, quando seu pai, vindo de Cabo Verde, do outro lado do Oceano Atlântico, foi esquecido pelo navio em que trabalhava e firmou moradia no Rio de Janeiro, apenas com a roupa do corpo. Foi aí que a paixão veio. Segundo o próprio seu Fernando, “não se explica, foi amor à primeira vista” e não tem discussão. Antes mesmo de ser planejado, Arthur, que quase se chamou Sérgio, já morria de amores pelo Flamengo. Na hora de escolher o nome, o pai não gostou de Sérgio, que a mãe tinha sugerido, mas concordou sem pestanejar com o nome do ídolo, do Galinho de Quintino, Zico, que já brilhava na Gávea naquele 1978: “Se dependesse dele (pai) era Arthur Antunes Coimbra II”. Tendo apenas no pai a inspiração para amar o Rubro-Negro, já que sua mãe, mesmo não gostando muito de futebol, se dizia botafoguense – “minha mãe é Botafogo, como seria fanática?”, lembra Arthur entre risos –, o garoto finalmente viu chegar a oportunidade de acompanhar de perto os jogadores que tanto venerava e cujos nomes decorara durante a infância. Foi no dia 22 de novembro de 1987 que ele estreou no Maracanã, para assistir um Flamengo x Santa Cruz, válido pela segunda fase do Módulo Verde. E não poderia ter sido um jogo melhor: “1987 foi um ano muito especial pra mim. Foi quando estreei no Maracanã, o meu quintal. Vendo Zico fazer barba, cabelo e bigode e destruir o Santa Cruz, de Birigui (goleiro), num 3 a 1 inspirado. Aquele campeonato tem todo um valor sentimental, que não diminui sua importância”.
  • 11. 10 Alheio a imbróglios e ao que a mídia dizia ou não dizia sobre aquele Brasileirão, Arthur acompanhava o pai ao estádio, torcendo pelo seu Mengão, e nada mais importava naquele ano. “Aquele time do Flamengo era espetacular. No gol, o saudoso Zé Carlos, o Zé Grandão, que não era um goleiro espetacular, mas não comprometia. Na lateral direita, Jorginho, o segundo melhor lateral direito da história do Flamengo, porque o primeiro deles, Leandro, já estava em fim de carreira e jogava na zaga em 1987. Aliás, Leandro foi o jogador mais técnico que eu já vi jogar com a camisa do Flamengo. Mais do que o Zico, inclusive”, recorda ele, com detalhes, do time que se sagrou vencedor da Copa União. “No miolo de zaga, Leandro era acompanhado por Edinho, que mesmo com seu passado tricolor abrilhantou a campanha. E na lateral esquerda, um garoto Leonardo já estava no time. No meio de campo, dois volantes que jogavam muita bola: Aílton e Andrade, acompanhados do menino Zinho, grata revelação, e o Deus Zico, lutando contra os joelhos, mas jogando o fino da bola na reta final. No ataque, os infernais Bebeto e Renato Gaúcho. No banco, um novato zagueiro dos juniores, Aldair. Nunes, o João Danado, ainda compunha o elenco. Alcindo, o careca cabeludo, Kita, Cantarelli...” Era o resquício do Flamengo que havia conquistado a América e o mundo em 1981, mas que ainda trazia na raiz as glórias e os frutos daquela época. Zico, que encantou com seu futebol, já não era mais o mesmo. Não desde que Márcio Nunes, que jogava no Bangu, deu uma entrada violenta e desleal no craque, no Campeonato Carioca de 1985. O Galinho sofreu torções nos dois joelhos e teve que se submeter a três cirurgias para não ser obrigado a parar de jogar.Mudando seu estilo, Zico foi o protagonista da conquista do Módulo Verde. “Dos 11 jogadores, ‘apenas’ todos vestiram a camisa da Seleção Brasileira. Foi o ano em que o Flamengo dos sonhos encontrou seus herdeiros”, afirma Arthur, categoricamente. Recuperando-se de um mau começo naquela competição, o Flamengo ficou com a segunda melhor campanha após a segunda fase, atrás apenas de seu adversário das semifinais, o Atlético-MG, que poderia se dar ao luxo de apenas empatar os dois jogos para seguir na briga pelo título. “O time começou mal o campeonato, mas cresceu demais e garantiu a vaga nas semifinais. Em dois jogos antológicos contra o Atlético Mineiro de João Leite (goleiro) e Sérgio Araújo (atacante), melhor time do campeonato, despachou o adversário mais constante dos anos 80, com direito a show de Renato Gaúcho, interpretando a Milonga de las Misiones (dança tradicional do sul da América do Sul) em pleno Mineirão”, conta Arthur. Então vieram a final e a primeira partida contra um grande adversário, o Internacional, que terminou empatada por 1 a 1, gols de Amarildo e Bebeto. Até ali, qualquer coisa poderia acontecer: “O adversário da final era o Inter de Taffarel, o diabo loiro, de Luiz Carlos Winck, Aloísio, Balalo, Amarildo, entre outros. Era um timaço. Aliás, naquela época, eram muitos timaços. Memória afetiva tende a ser superlativa. Mas foram dois jogos muito duros. Um a um no Gigante da Beira-Rio e 1 a 0 no Maracanã”.
  • 12. 11 No entanto, quando o dia da final chegou, o garotinho apaixonado pelo Mengão e pelo Zico não pôde ir ao estádio. Como era final de campeonato, sua família ficou apreensiva, com razão, já que o Maracanã contou com a presença de mais de 90 mil torcedores naquele jogo contra o Colorado, muitos dos quais nem conseguiram ver o gramado direito entretanta gente. O nervosismo tomava conta dos dois fanáticos, pai e filho, que levaram todas as simpatias e mandingas, juntamente com o manto sagrado, para a frente da televisão de casa. Mas Arthur, confiante de que suas superstições dão certo para o time do coração, não conta nada: “Tenho mandingas que não posso revelar, senão deixam de ser mandingas. Eu sou filho de um africano com uma médium. O fato de eu respirar já é uma mandinga. Não falo senão não funcionam”, explica, rindo. E foi em pouco tempo que as mandingas deram certo. Com apenas 16 minutos de jogo, Bebeto matou a espera, fazendo o gol do título. “A sensação é a mesma que tenho até hoje, quando o Mengão faz gol. Aquele chute foi meu. E de mais 40 milhões de pessoas. Bebeto brilhou demais, o time jogou muito. Aliás, os dois times jogaram muito. Taffarel fechou o gol e Zé Carlos, além de fazer o mesmo, engoliu a chave do cadeado”. Não tinha quem tirasse da cabeça de Arthur que o Flamengo não era o campeão brasileiro. E nem tinha motivo. Foi o que deu na televisão, nos jornais e na boca do Rio de Janeiro inteiro. Por que não seria campeão? “Eu me lembro da sala de aula no dia seguinte cheia de camisas rubro-negras e das ruas em vermelho e preto. Sempre é assim. Não somos nação à toa”, justifica. “Só depois fui saber do imbróglio. Não sou daqueles que amaldiçoam o Sport. Nem discuto sobre isso, pois acho que ambos têm seus motivos e suas razões. Mas, para mim, Campeonato Brasileiro foi o que eu vi.”
  • 13. 12 O campeonato que a imprensa não viu O almoço do dia 5 de fevereiro de 1988 na casa da família Borba tinha tudo para ser apenas mais um, mas seu Fernando garantiu o contrário. Sem avisar ninguém, chegou em casa naquela sexta-feira com ingressospara toda a família assistir ao jogo que, dois dias depois, definiria o campeão brasileiro de 1987, no domingo, entre Sport e Guarani. “Lembro claramente de meu pai chegando em casa na hora do almoço, na sexta-feira, com os ingressos comprados para o domingo. Era um época diferente do futebol e fomos ao jogo eu, meus pais e minhas duas irmãs. Somos proprietários de cadeiras cativas há muito tempo e assistimos ao jogo nelas”, conta Frederico de Farias Borba, filho de seu Fernando, que, em suas próprias palavras, é rubro-negro pernambucano desde a barriga de sua mãe, e na época tinha apenas 13 anos. Todo o estado de Pernambuco parou para ver o que aconteceria. Sejam os leoninos, como são chamados os torcedores do Sport, ou até mesmo os torcedores rivais de Náutico e Santa Cruz, muitos dos quais fizeram questão de vestir a camisa do Bugre só para “secar” o Sport. “A gente aqui chama de NaCruz. Eles torcem um pelo outro descaradamente, eles vibram, vão para jogos, então a rivalidade local fala muito mais alto. Eles não apoiam nosso título de jeito nenhum e também não queremos. Desse pessoal a gente só quer distância. A gente acha graça porque, como eles nunca ganharam nada fora de Pernambuco, então não têm título nacional e querem tirar o nosso primeiro.” O clima que antecedeu a partida foi dos mais pesados. Sem internet, sem redes sociais, o torcedor, para saber o que estava acontecendo com seu clube,ainda dependia das informações que conseguia nos jornais diários e na televisão. Ainda em dezembro, na final do Módulo Amarelo, chave do Leão, a confusão já era grande. No jogo de ida, no dia 6, em Campinas, o Guarani venceu o Sport por 2 a 0, com os dois gols marcados por Evair. Na segunda partida, dessa vez no Recife, Nando e Macaé, este com dois gols anotados, comandaram uma vitória por 3 a 0, que levava a decisão para a prorrogação. Sem gols no tempo extra, o título do módulo seria definido nos pênaltis. Depois das cinco primeiras cobranças, ainda não tinha campeão. E o Módulo Amarelo continuou sem um vencedor nas seis cobranças seguintes. Após onze jogadores de cada lado converterem suas penalidades, as comissões técnicas de ambas as equipes pediram um tempo para decidir qual seria o procedimento a partir daquele momento. Pelas regras do futebol, o primeiro atleta da lista bateria novamente, dando início a uma nova sequência até que alguém errasse. No entanto, as delegações de Guarani e Sport
  • 14. 13 decidiram que não cobrariam mais pênaltis e as duas equipes dividiriam o título. Apenas para fins de organização da tabela do cruzamento com o Módulo Verde, que aconteceria no ano seguinte, o time campineiro abriu mão do primeiro lugar e o rubro-negro pernambucano foi declarado campeão. “A final foi uma confusão daquelas que só existem no nosso futebol. Perdemos o primeiro jogo de 2 a 0. Fomos para o segundo jogo sem saber o regulamento direito. Tínhamos a melhor campanha, mas não se sabia se o 2 a 0 bastaria, se 3 a 0 acabaria ou se qualquer vitória forçaria a prorrogação. O dia do jogo foi tranquilo, porque a torcida do Sport acreditava no cruzamento e aquele jogo não decidiria o campeonato. Aí ganhamos de 3 a 0. Teve prorrogação e os penais foram algo que nunca mais vi na vida. Empate em 11 a 11, quase ninguém errava! Cada time errou só um pênalti. Nosso melhor jogador, o Ribamar, perdeu. Mas o Leonel Oliveira, presidente do Guarani, disse que o Módulo Amarelo não importava e que valeria o cruzamento. Abriu mão do título e liberou seus jogadores daquela tensão que tava matando todos no estádio, inclusive eu, que vi o jogo no lugar de sempre, nas cadeiras”, lembra Fred, que ainda aproveita para elogiar o desempenho do time de coração, que não fez feio diante de um Guarani repleto de estrelas. “Ganhar sempre é bom e nos 90 minutos foi um verdadeiro baile do Sport contra o Guarani, que era um timaço, cheio de jogadores que jogavam ou viriam a jogar na Seleção, como Ricardo Rocha e Evair.” A partir do dia 13 de dezembro, com os dois títulos dos grupos definidos, a pergunta que reinava na cabeça dos sportistas era apenas uma: vai ter cruzamento ou não? “Não tinha a informação que a gente tem hoje, não tinha internet, não tinha celular. Então a gente tinha que esperar o jornal do dia seguinte para ter notícia. Era a única fonte de informação que a gente tinha e todo dia surgia um fato novo.” Ninguém sabia responder essa pergunta, nem mesmo os envolvidos diretamente com a organização do campeonato. Desta forma, ao torcedor só restava esperar, independente do time para o qual ele torcia. Assim que 1988 chegou Nabi Abi Chedid, vice-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) na época, apresentou uma tabela com as datas dos jogos a serem realizados entre Flamengo, Internacional, Sport e Guarani. Mas as batalhas judiciais não paravam, pois o Clube dos 13 – associação dos principais clubes de futebol do Brasil que deu o pontapé inicial do campeonato de 1987 – se mantinha firme em sua decisão de não jogar o quadrangular com os vencedores do Módulo Amarelo. E a CBF não recuava com a ideia. Aos trancos e barrancos, Sport e Guarani chegaram à tão polêmica e esperada final. Depois de vários W.O.s contra Flamengo e Inter, e um empate por 1 a 1, no dia 30 de janeiro, no Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, o sonho ainda estava vivo para qualquer um dos times erguer o caneco. Mesmo com o pênalti convertido por Catatau, o gol de Betão foi
  • 15. 14 suficiente para que os rubro-negros não desistissem e comparecessem em peso no jogo de volta. A Ilha do Retiro ficou cheia com 26.282 torcedores. No entanto, Fred acredita que o público divulgado oficialmente não faz jus ao número de pessoas, muito maior, que realmente estavam no estádio. Antes mesmo de sair de casa a tensão já dominava a família Borba. Apenas munidos da confiança no título nacional e de seus mantos sagrados, pai, mãe, filho e filhas foram prestigiar seu time de coração. “Eu nunca tive nenhuma preparação especial. Fui ficar supersticioso depois de mais velho, mas quando criança, não. Mas eu tinha uma cisma com a minha irmã mais velha (Anamaria), eu achava que quando ela ia para o jogo não dava muita sorte, mas era cisma mesmo. Tanto é que, até hoje, ela fala, quando eu vou reclamar que ela quer ir em algum jogo, que estava no campo quando fomos campeões em 87.” Mesmo essa implicância entre as crianças não impediu que os cinco integrantes dos Borba ajudassem a lotar a Ilha. Naquele dia, nada impediria. Das cadeiras cativas, que a família tinha desde aquela época, o jogo era o melhor possível. Com alguns amigos, dona Lúcia sofria e vibrava a cada chute para fora, a cada raspão na trave, a cada finalização do adversário. Sem gols, o primeiro tempo só trouxe sustos e serviu para deixar o torcedor leonino com o coração na mão. Mas o gol veio. Aos 19 minutos da segunda etapa, escanteio para o time da casa cobrar. Bem posicionado no meio da zaga do Guarani, o zagueiro Marco Antônio pulou mais alto para alcançar o cruzamento de Betão e encheu a rede do goleiro Sérgio Nery, que não teve chance. Foi o único gol da partida. O gol do título. “Minha família chora por tudo. É uma família muito emotiva. Então teve muito choro. Na hora do gol foi uma emoção muito grande. O time do Guarani era muito bom, tinha Evair, Ricardo Rocha, João Paulo, que depois jogou na Itália. Era um time muito forte. Teve muita emoção na hora do gol.” O restante do jogo foi só para cumprir o tempo. O Bugre bem que tentou, mas não conseguiu reverter o placar e o torcedor do Sport pode esquecer todos os problemas, toda a desorganização e soltar o grito de campeão, que estava preso na garganta havia 28 anos, desde a disputa do primeiro Campeonato Brasileiro oficial, a Taça Brasil, em 1959. “Acabou o jogo e teve a entrega da taça. Deu um tempinho, enquanto os jogadores estavam no campo, depois a torcida invadiu o gramado e foi aquele negócio de volta olímpica, carregar jogador nas costas. Na cidade são duas avenidas muito grandes, próximas ao estádio, e todas as duas ficaram completamente paradas. Era um engarrafamento quilométrico, era um mar vermelho e preto, de carro, de bandeira, de buzina.”
  • 16. 15 No dia seguinte, o Diário de Pernambuco retratou muito bem o sentimento do torcedor. Na capa do caderno de esportes, a manchete “Sport, o Brasil é teu!” entrou para a história. Fred conta que tem o jornal guardado até hoje, representando as emoções daquele momento, daquele título. Para o apaixonado torcedor, que agora tem 37 anos, mesmo quando ainda tinha 13 e viu o campeonato, nunca houve dúvidas sobre quem é o campeão brasileiro de 1987: é o Sport Club do Recife. Na briga com o Flamengo, que já dura 25 anos, o principal argumento no qual o lado rubro-negro pernambucano se baseia é a legalidade. Para Fred, como o processo está transitado em julgado, ou seja, todos os recursos possíveis já foram feitos. Portanto, não cabe mais nenhum recurso, o título é legalmente do Sport. Não é possível refutar a decisão na Justiça.
  • 17. 16 A primeira puxada de tapete A confusão começou ainda em 1986, quando a CBF passava por eleições presidenciais. Otávio Pinto Guimarães, ex-presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FFERJ), e Nabi Abi Chedid, ex-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), formaram uma chapa de oposição a Medrado Dias, candidato ligado ao Vasco da Gama e apoiado pelo então presidente Giulite Coutinho. A princípio, Nabi seria o presidente e Otávio o vice. Um pouco antes da votação começar, porém, prevendo um empate, Nabi inverteu a ordem da chapa. É que o estatuto da entidade assegurava que, em caso de empate, o candidato mais velho é empossado. Daí a mudança, já que Otávio era três anos mais velho que Medrado, enquanto Nabi era sete anos mais novo. “Eles acharam que pela contagem dos candidatos naquele momento poderia haver um empate. E também o Otávio já tinha câncer. Era como se ele fosse sumir, não ia aguentar seis meses. Morre ou fica doente”, explica o jornalista Mauro Beting. A chapa de oposição venceu. Inclusive nem haveria necessidade da inversão, já que foram 13 votos a 12 em seu favor. Apesar disso, a mudança deveria ter sido apenas burocrática, com Nabi assumindo efetivamente a presidência. Otávio, porém, não cedeu o cargo, o que gerou conflitos políticos entre a dupla desde o momento inicial até sua saída da CBF, em 1989. Não é preciso ir muito longe para ver onde os problemas começaram a aparecer. Ainda na montagem do Campeonato Brasileiro de 1986 era possível identificar uma bagunça generalizada que, eventualmente, culminaria na grande revolução dos clubes no ano seguinte. O primeiro campeonato com os dedos de Otávio/Nabi foi surreal. Juntaram-se as Taças de Ouro, de Prata e de Bronze – equivalentes às Séries A, B e C, respectivamente –, totalizando oitenta clubes, que foram divididos em oito grupos de dez. Quatro desses grupos eram compostos pelos melhores times da época, a chamada elite, enquanto os outros quatro eram um catadão do restante do país. A segunda fase era ainda mais absurda: os seis melhores dos quatro primeiros grupos avançavam junto com os quatro melhores fora da zona de classificação, independentemente dos grupos em que estavam, além dos primeiros colocados dos quatro grupos restantes, totalizando 32 equipes. Para completar, foi acordado entre o Conselho Nacional de Desportos (CND) e a CBF, por pressão dos clubes participantes, que o torneio de 1986 seria classificatório para o ano seguinte, com 24 times dos módulos principais formando uma primeira divisão.
  • 18. 17 Lá pelas tantas da competição, no final da primeira fase, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) causou, indiretamente, a eliminação do Vasco, depois de dar dois pontos ao Joinville, referentes a uma partida contra o Sergipe, no dia 29 de setembro, que terminou empatada por 1 a 1, na qual houve comprovação de doping de Carlos Alberto, atleta da equipe nordestina. Vale ressaltar que, na época, o ministro da Educação era o catarinense Jorge Bornhausen, que exercia grande influência política dentro do CND, órgão controlado por seu ministério. Sentindo-se prejudicado, o Vasco entrou na Justiça comum para cassar a decisão do STJD e conseguiu reverter a situação. Tentando resolver todas as questões pendentes na Justiça antes que elas tomassem uma dimensão ainda maior, a CBF alegou uma irregularidade na venda de ingressos para conseguir desclassificar a Portuguesa – segunda colocada do Grupo D, com 12 pontos –, mas os demais clubes de São Paulo, em auxílio à co-irmã que seria prejudicada, ameaçaram um boicote à segunda fase do campeonato caso a entidade levasse a história das entradas adiante. Com as mãos atadas, a melhor solução que a CBF conseguiu arranjar foi classificar todo mundo, o que resultou em 33 equipes, e não 32, como previsto inicialmente. Devido ao número ímpar, a tabela e os cruzamentos seriam praticamente impossíveis de serem montados. Assim, Santa Cruz-PE – nono colocado do Grupo D, com nove pontos –, Sobradinho-DF – sétimo colocado do Grupo A, com oito pontos – e Náutico-PE – oitavo colocado do Grupo C, com oito pontos – foram convidados a se juntar aos demais clubes na sequência da competição, completando 36 times a serem divididos em quatro grupos de nove. No final das contas, o São Paulo se sagrou campeão brasileiro de 1986 ao derrotar o Guarani nos pênaltis, já no final de fevereiro do ano seguinte. Atlético-MG, que somou 45 pontos e foi eliminado pelo Bugre, e América-RJ, com 34 pontos, após perder para o Tricolor, foram terceiro e quarto colocados, nesta ordem. Em meio a tudo isso, o país ensaiava para voltar a ser uma democracia, depois de 21 anos sob domíno da ditadura militar, com as eleições indiretas para presidente da República, em janeiro de 1985, que iniciaram a chamada Nova República. Sem nem chegar a tomar posse, Tancredo Neves morreu, deixando o cargo livre para seu vice, o ex-situacionista José Sarney, assumir em 21 de abril de 1985. Ainda sem ter um conjunto de leis que condiziam com a nova realidade política do Brasil, um Congresso Constituinte foi votado em novembro do ano seguinte, tendo como principal objetivo reformar o país por meio de uma nova Constituição Federal. Naquela época, o futebol, assim como todos os outros esportes, ainda era atrelado ao Ministério da Educação, por meio do CND, em vezde ter um ministério específico com autonomia para regulamentar a prática desportiva, o que aumentava a necessidade de uma mudança radical neste setor. E de maneira urgente. Além disso, a questão envolvendo o
  • 19. 18 Campeonato Brasileiro se tornou uma ótima plataforma de votos, despertando interesse político.
  • 20. 19 Não tem dinheiro! Em fevereiro de 1987, a Copa Brasil-86 – nome do Campeonato Brasileiro naquela época – chegava a sua reta final. Com 28 equipes classificadas – Palmeiras-SP, São Paulo-SP, Joinville- SC, América-RJ, Guarani-SP, Fluminense-RJ, Flamengo-RJ, Grêmio-RS, Cruzeiro-MG, Portuguesa-SP, Bahia-BA, Internacional de Limeira-SP, Atlético-MG, Corinthians-SP, Atlético- PR, Internacional-RS, Vasco-RJ, Criciúma-SC, Santos-SP, Bangu-RJ, Treze-PB, Goiás-GO, Santa Cruz-PE, Atlético-GO, Náutico-PE, CSA-AL, Ceará-CE e Rio Branco-ES – e outras nove já rebaixadas para a segunda divisão do ano seguinte – Coritiba-PR, Botafogo-RJ, Ponte Preta- SP, Central-PE, Vitória-BA, Comercial-MS, Sport-PE, Sobradinho-DF e Nacional-AM -, os problemas só começavam a se delinear. O campeonato de 1987 estava ameaçado de não acontecer e suas normas ainda não estavam definidas. No entanto, os clubes rebaixados começaram a fazer fila no STJD e na Justiça comum, indo atrás dos direitos que acreditavam ter para continuarem na elite do futebol brasileiro. Com todas essas confusões jurídicas explodindo, o acordo entre CND e CBF, feito antes do início do campeonato de 1987, de que o ano anterior seria classificatório, com 24 times na primeira divisão, foi esquecido, o que evitou que os tradicionais Botafogo e Coritiba fossem rebaixados. As entidades que comandavam o futebol brasileiro estavam em constante guerra. As federações não tinham autonomia, então os campeonatos estaduais estavam talvez até mais bagunçados do que o nacional. O CND tentava fazer valer sua legitimidade de órgão máximo do esporte, controlando as federações. A CBF tentava interferir no CND. E os clubes se recusavam a ajudar a CBF, chegando ao ponto de impedir que jogadores convocados para representar a Seleção Brasileira se apresentassem. Segundo a deliberação 17/81 do CND, os estaduais não poderiam começar enquanto as federações tivessem times disputando o Campeonato Brasileiro. No entanto, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que já tinham começado seus torneios, ainda possuíam representantes na Copa Brasil de 1986. Dessa forma, forma o presidente da entidade, Manoel Tubino, paralisou o Carioca e o Gaúcho, alegando irregularidades, mas Nabi Abi Chedid não concordou. “Em hipótese alguma o CND poderá intervir nas federações sem antes ouvir a CBF, que é a entidade executora de qualquer intervenção”, declarou o vice-presidente da CBF em entrevista para A Gazeta Esportiva do dia 11 de fevereiro de 1987. Ao mesmo tempo, a CBF tentava contratar um técnico que pudesse comandar a Seleção Brasileira no Torneio Pré-Olímpico, que aconteceria em abril daquele ano, e,
  • 21. 20 posteriormente, na Copa América e nos Jogos Pan-Americanos. Nem essa decisão era consenso entre presidente e vice da CBF. Cilinho, técnico da Ponte Preta, era o nome mais cotado para assumir o cargo e já dado como certo pelo presidente Otávio Pinto Guimarães. O treinador, no entanto, em declaração para A Gazeta Esportiva do dia 27 de fevereiro de 1987, não aceitou o convite: “Agradeço a lembrança e fico satisfeito, mas sou o técnico da Ponte Preta”. Com a recusa, Carlos Alberto Silva, favorito de Nabi, foi indicado e aceitou comandar a Seleção Brasileira. Para ilustrar o racha entre os clubes e a CBF, São Paulo e Flamengo, que tinham o maior número de jogadores convocados para a Seleção, não liberaram seus atletas para uma excursão à Europa, que aconteceria antes da disputa da Copa América. Numa tentativa frustrada de fazer com que os clubes não impedissem que seus jogadores se apresentassem, Nabi declarou que a excursão teria caráter oficial, como uma preparação para o torneio sul-americano. Em resposta, Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo, ameaçou tirar a equipe do Campeonato Paulista, pois não poderia contar com seus principais jogadores por várias rodadas. “Uma convocação inoportuna. Foi um ‘passa- moleque’ da CBF dizer que é uma competição oficial. A gente luta para montar uma equipe e a incompetência da CBF estraga tudo. É mentira que a CBF consultou Careca e que ele teria pedido para ser convocado. Procuraram o Careca em todo canto e não o encontraram. O dirigente fica entre a cruz e a espada. Todos os jogadores querem participar da Seleção, ganhar projeção e muito dinheiro. Não podemos simplesmente vetar a cessão dos jogadores e depois ficar com atletas de tromba virada, sem motivação”, desabafou para A Gazeta Esportiva do dia 9 de maio de 1987. Para completar a confusão, os dois clubes – Flamengo e São Paulo – entraram com recursos no CND contra a cessão de seus jogadores para a Seleção, aceitos pela entidade, que os desconvocou, concedendo as liminares. Com a decisão, a liberação ou não dos atletas à excursão ficava a critério de cada clube. Mais uma prova de que Manoel Tubino apoiava os clubes contra a CBF. Apenas um dia antes do “não” de Cilinho, no dia 25 de fevereiro, é que a Copa Brasil de 1986 chegou ao fim. Os finalistas Guarani, do técnico Carlos Gainete, e São Paulo, de Pepe, se enfrentaram em dois jogos.O primeiro, no dia 22, no Morumbi, terminou empatado por 1 a 1, gols de Evair e Careca. Já o segundo, no dia 25, no Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, teve o mesmo resultado nos 90 minutos iniciais, com dois gols contra, um para cada lado, de Nelsinho e Ricardo Rocha. Durante a prorrogação, mais quatro gols foram marcados: Boiadeiro e João Paulo fizeram para o Guarani e Pita e Careca para o São Paulo. A decisão do campeão brasileiro de 1986, portanto, teve que ser levada para os pênaltis. O Tricolor converteu quatro das cinco penalidades batidas (Careca perdeu a dele), enquanto o Bugre perdeu duas das cinco (Boiadeiro e João Paulo não acertaram). Assim, a taça ficou para o São Paulo, que conquistou seu segundo título brasileiro – o primeiro tinha sido em
  • 22. 21 1977. Dessa forma, apenas a partir daquele momento é que as federações estavam autorizadas a começar os campeonatos estaduais, que, no entanto, já aconteciam. Com a continuidade dos estaduais e as competições da Seleção Brasileira, o momento era de sentar e resolver como seria a Copa Brasil-87. Muitas sugestões eram dadas, muitas opiniões eram ouvidas, mas a CBF não parecia inclinada a acatar nenhuma. Pelo contrário, ela ia contra a maré de clubes e federações que pediam a redução no número de equipes. Os dirigentes da Confederação pareciam tender a aceitar o maior número possível de times, aumentando a bagunça, com uma fórmula que, já tinha sido provado,,não dava certo. No dia 26 de junho de 1987, através da chamada Carta de Curitiba, 26 federações estaduais pediram à CBF que o Brasileirão tivesse apenas 28 times, sugerindo uma Taça dos Campeões, que reuniria os clubes campeões de cada estado, junto com a Copa Brasil. Só que nenhuma resposta foi dada ao pedido e a confusão só aumentava. José Maria Marin, então presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e futuro presidente da CBF a partir de 2012, se mostrava indignado com a possibilidade de não haver rebaixamento. “Se não houver rebaixamento este ano, eu irei sair antes do final do meu mandato. Esvaziarei minhas gavetas e irei para casa. Não vou concordar com isso”, reclamou para A Gazeta Esportiva no dia seguinte à entrega da Carta de Curitiba. A gota d’água veio no dia 7 de julho, quando Otávio Pinto Guimarães declarou que a CBF não tinha dinheiro para realizar a Copa Brasil de 1987. A entidade necessita de Cz$ 100 milhões, pois a verba de um teste da Loteria Esportiva de Cz$ 30 milhões é considerada insuficiente para a entidade patrocinar a competição. Mesmo assim, Otávio vai estudar várias hipóteses para encontrar uma solução, entre elas a regionalização da Copa Brasil ou então o convite aos clubes de maior poder aquisitivo para que eles mesmos financiem suas viagens e hospedagens. Outra tentativa de Otávio será a de conseguir o patrocínio de uma empresa estatal ou privada, a fim de obter uma verba de Cz$ 200 milhões, para a viabilização da Copa Brasil. Se nada disso for conseguido por Otávio, o Campeonato Brasileiro de Clubes, pela primeira vez, desde 1971, poderá deixar de ser realizado. - A Gazeta Esportiva, 7 de julho de 1987 Dentre os diversos motivos que levaram a CBF a não ter condições financeiras de organizar um campeonato nacional, um dos principais foi a queda da receita da Loteria Esportiva, que começou a partir de uma matéria feita pelo repórter Sérgio Martins, da revista Placar, publicada em outubro de 1982. Nela estavam detalhados os esquemas da chamada “Máfia da Loteria Esportiva”, uma das maiores histórias de corrupção do esporte no Brasil, que envolveu 125 pessoas diretamente ligadas ao futebol, entre jogadores, dirigentes, árbitros e técnicos.
  • 23. 22 “A Placar foi fundamental na época. A Placar e o Grupo Abril foram muito importantes. Até mesmo porque tinham interesses também, evidente. Não é só vontade de mudar o negócio, mas era bom para o próprio negócio”, explica o jornalista esportivo Mauro Beting, que ainda aponta outras razões. “Não é uma coisa só. Chegou àquilo por conta da incúria, por conta da incapacidade dos dirigentes e até por conta de questões do Brasil. Plano Cruzado em 1986, Plano Verão em 87. E ainda era um momento muito incipiente do patrocínio dos clubes. Era um ou outro dirigente que tinha alguma ideia de marketing, algum conhecimento de mercado, que trabalhava em agência de publicidade. E até na cobertura da imprensa. Não se sabia como administrar. Fora as fórmulas absolutamente malucas, para não dizer burras, dos campeonatos que não viabilizavam coisa alguma. Não tinha a menor condição de fazer uma coisa bem organizada. Então foi todo um processo que, ainda engatinhando, levou a isso. E, ao mesmo tempo, um retrocesso político e eu diria até moral.” Por trás de todos esses problemas, os clubes já se reuniam para tentar resolver a situação do futebol brasileiro e ter nas mãos o controle que a CBF, aparentemente, não tinha. É o que conta o jornalista Ubiratan Leal, em seu blog Balípodo. Enquanto a CBF estava à deriva, os clubes já se organizavam para fazerem valer seus interesses. No caso, a maior preocupação era fazer lobby para incluir na pauta da Assembleia Constituinte um artigo que lhes desse autonomia de organização e funcionamento. A campanha foi bem-sucedida e a união de clubes ganhou força. Em abril de 1987, Flamengo e São Paulo se negaram a ceder seus jogadores para uma excursão da Seleção Brasileira à Europa e tiveram respaldo do CND. Márcio Braga, presidente do Flamengo na época, saiu da reunião que anulou a convocação da Seleção dizendo, triunfante, que era o “fim do autoritarismo no futebol brasileiro”. Em junho de 1987, Otávio Pinto Guimarães anunciou: “A CBF não tem condições de organizar o Campeonato Brasileiro deste ano”. O motivo era a falta de dinheiro para arcar com as viagens dos times e outras despesas do Brasileiro. Sob o risco de ficar sem a competição que já era a mais importante do calendário nacional, os grandes clubes resolveram tomar as rédeas da situação. “Liguei para o Nabi e perguntei se era sério o que o Otávio falava. Ele disse que era e ‘deu a bênção’ para que organizássemos o campeonato que quiséssemos”, conta Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo e do Clube dos 13. O à época dirigente confirma a conversa com a CBF, explicando que informou que estava montando uma nova entidade. “Eu tinha uma relação muito estreita com o Nabi quando ele tinha sido presidente da Federação Paulista. Então eu tinha uma relação mais próxima com ele do que com o Otávio Pinto Guimarães. E, na verdade, quem mandava no futebol brasileiro era o Nabi”, diz Aidar, evidenciando o acordo feito pouco antes da eleição de que, apesar da mudança na ordem, quem assumiria efetivamente como presidente seria o paulista. “Eu avisei e o Nabi disse: ‘Vai em frente, eu acho que nós temos que fazer o campeonato e, se vocês têm condição de fazer, nós vamos ajudar, vamos dar apoio’. E foi o que aconteceu. Não é que a CBF deu uma bênção. A CBF ficou acuada, a CBF não tinha
  • 24. 23 alternativa. Ou nos engolia ou a população brasileira ficaria contra eles. Então eles acharam por bem nos albergar e nós também aceitamos porque aí nós ficaríamos dentro da legalidade, não iria ter que brigar também nesse aspecto.” Foi aí que o racha se tornou claro. A oportunidade estava dada e foi o que os clubes fizeram. Apenas quatro dias depois da declaração de Otávio, no dia 11 de julho, em uma reunião no Morumbi, os presidentes de 13 grandes clubes brasileiros – Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Atlético- MG, Internacional, Grêmio e Bahia – resolveram romper com a Associação dos Presidentes de Clubes de Futebol, comandada por Roberto Pásqua, ex-presidente do Corinthians, para fundar a Associação dos Grandes Clubes de Futebol, popularmente conhecida como Clube dos 13. Na ocasião, foi elaborado um texto entregue no dia 12 a Otávio e Nabi, no qual os clubes ameaçavam não participar do Campeonato Brasileiro de 1987 caso não fossem atendidas as dez propostas que o C13 apresentou, para tornar possível uma reformulação do futebol brasileiro. O jornalista Mauro Beting, em seu blog no LANCENET!, detalha essas propostas oferecidas pelo Clube dos 13 à CBF:. PROPOSTAS BÁSICAS DO CLUBE DOS 13 – AO MENOS NA ATA DE FUNDAÇÃO 1. BR-87 com 13 clubes, turno e returno. Campeões se enfrentam em finais com o time que fizer mais pontos, num triangular. (modelo semelhante ao campeonato do Rio de então). 2. C13 abre mão da venda da Loteria Esportiva em 1987 – principal fonte de receita na época. 3. Querem Divisão A com 16 clubes em 1988. Divisão B com 16. Série C regionalizada. Acesso e descenso entre as divisões a partir de 1989 (no máximo aceitam 20 clubes na primeira divisão em 1988). 4. Diminuir o número de clubes nos nacionais e estaduais a partir de 1988. 5. Jogos só no fim de semana em 1988. No máximo cinco rodadas nas quartas-feiras. 6. Conselho Arbitral nas Séries A e B. Conselho dos clubes decidiria fórmulas de disputa dos campeonatos. 7. Só clubes votariam nas eleições da CBF – os presidentes das federações estaduais compunham o colégio eleitoral até então. 8. Voto qualitativo – determinado pela classificação das equipes nos campeonatos. Desse modo, teoricamente, os grandes clubes de maior torcida poderiam ter maioria de votos contra os clubes menores.
  • 25. 24 9. Convocação de jogadores para a Seleção seria facultativa, e clubes teriam de ser previamente consultados antes da divulgação da lista. 10. Calendário planejado e fixo a partir de 1988.
  • 26. 25 A União dos Grandes Clubes de Futebol Vinte e cinco anos depois, Carlos Miguel Aidar, um dos principais responsáveis pela montagem do Clube dos 13, presidente do novo grupo e então presidente do São Paulo, lembrou a ideia de que partiu para começar a mudar o rumo do futebol brasileiro, além de detalhes daquela reunião no Morumbi. “Eu era presidente do São Paulo Futebol Clube. Era o primeiro ano do meu segundo mandato, na época os mandatos eram de dois anos. Na véspera de uma reunião da Associação dos Presidentes, eu reuni alguns presidentes de clube, os quatro maiores de São Paulo, os quatro do Rio, dois de Minas e dois de Porto Alegre. Chamei eles de lado e falei: ‘Olha, eu não vou ficar mais. Eu, São Paulo Futebol Clube, não vou ficar mais nessa entidade, porque ela não serve para nada. Não atende aos meus interesses, os interesses são conflitantes’. Não só isso. Havia várias razões. Quando eu tive essa ideia, eu tive porque eu estava indo para algum lugar, ouvindo rádio (porque dentro do carro fico procurando jornal, notícia de esporte), e eu ouvi uma entrevista do então presidente da CBF, Otávio Pinto Guimarães. E ele dizia que a CBF não teria condição de realizar o Campeonato Brasileiro, porque não tinha dinheiro para fazer, não tinha como garantir a viagem dos clubes, a remuneração dos árbitros, a hospedagem dos clubes, o transporte... Aquilo me deu a ideia. Se ele não pode fazer, vamos fazer nós, porque nós temos condição. E, em razão disso, eu sugeri que nós montássemos uma entidade. A ideia partiu de mim. Houve uma indagação: ‘Mas o que é que nós vamos fazer com a reunião?’. E eu falei que eu ia na reunião pedir minha desfiliação: ‘Não vou explicar a razão e não vou mais ficar nessa entidade.” Segundo Aidar, os presidentes pareceram concordar com a ideia e também combinaram de cortar os vínculos de seus clubes com a Associação dos Presidentes de Clubes de Futebol, de modo a ficarem livres para formar um novo grupo com os times mais expressivos do país. “A ideia era de nos juntarmos e formarmos uma entidade nossa, que atendesse aos nossos interesses de clube grande. Façamos pesquisas oficialmente, saiamos vendendo coletivamente a imagem, vendendo patrocínio, fazendo a coisa juntos. Assim nós íamos ganhar muito mais.” No dia seguinte, durante a reunião, os doze mandatários, encabeçados por Aidar, pediram a desfiliação e voltaram para seus estados de origem. Ao voltar para São Paulo, o presidente do tricolor paulista entrou em contato com CBF, FPF e CND para comunicar a todos que estava montando uma entidade nova. Em contato com Manoel Tubino, presidente do CND na época, surgiu a sugestão de que o grupo convidasse um time nordestino. “Falei com o professor Manoel Tubino e ele falou: ‘Aidar, faça o seguinte: para não ficar uma coisa muito separatista, muito sulista, convida um clube do Nordeste, pelo menos não fica uma coisa muito elite’.”Foi a partir dessa ligação que
  • 27. 26 surgiram os membros originais do Clube dos 13, agora contando com a participação do Bahia. “Contatei por telefone. Tinha o Bahia e o Vitória. Optamos pelo Bahia.” Para dar corpo ao projeto, Carlos Miguel, como advogado formado, decidiu fazer uma minuta do estatuto da nova entidade para circulá-la entre os possíveis membros, deixando apenas o nome para ser discutido em reunião posterior. “Marcamos uma reunião no sábado, 4 de julho, no Morumbi, às 10 horas da manhã. Ficamos debatendo, debatendo... Começou a dar fome às 13, 14 horas, e pedimos um lanche, mas continuamos debatendo. Lá para as 17 horas nós estávamos com o estatuto feito, pronto, delimitado e o nome dado: União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro e, com um hífen, Clube dos 13, que seria o nome de marketing disso”, recorda. Em declaração para A Gazeta Esportiva do dia 13 de julho de 1987, Aidar explicou o movimento a partir de seu ponto de vista: “É mesmo um movimento de subversão, um movimento de revolução. E todo movimento de revolução não tem a lei a seu favor. Vamos buscá-la agora, para tentar acabar com os desmandos da CBF. Vejam que o campeão brasileiro do ano passado não tem vaga garantida na futura competição nacional. O único clube classificado até agora é o Botafogo, por força de uma decisão do STJD.” No entanto, a decisão de se formar um grupo com apenas 13 dos principais clubes do país não foi vista com bons olhos pelos cartolas dos clubes que não foram considerados grandes. Um dos principais opositores foi o presidente da Portuguesa de Desportos, Osvaldo Teixeira Duarte, inconformado com a “discriminação” sofrida pela Lusa: “Mais uma vez isso acontece conosco e mais uma vez não podemos aceitar tal discriminação. A Portuguesa é tão grande quanto os outros clubes grandes. No Campeonato Paulista de 85, por exemplo, ficamos em segundo lugar em arrecadação. Nossa torcida tem crescido nos últimos anos; temos feito boa campanha nos campeonatos e investido em contratações. Isto não é o suficiente para que sejamos considerados grandes?” E esse foi o discurso utilizado pela maioria dos clubes de menor expressão que se sentiram deixados de lado, para o qual Aidar tinha a resposta na ponta da língua. “A Portuguesa, assim como o Guarani, a Ponte Preta, o Santa Cruz, o Náutico, o Goiás, o América-RJ, o Bangu, o Coritiba e outros clubes, não foi discriminada. Há tempos vínhamos negociando isso. O grupo não é perpétuo. Nada é perpétuo no mundo e podemos abrir as portas para entrar ou sair. A Portuguesa não foi discriminada, mas apenas deixada para uma nova etapa. Se fez uma triagem no sentido de enxugar e reduzir o número de clubes no Campeonato Brasileiro e nos campeonatos regionais. Vamos entregar o documento ao vice- presidente da CBF, Nabi Abi Chedid, que assume a presidência e está por dentro do movimento”, justificou o presidente são-paulino.
  • 28. 27 Assim, é possível constatar que a nova associação tinha apoio importante dentro da CBF, o que ajudava na busca da legalidade que eles queriam. Além disso, o Clube dos 13 precisou fazer alguns sacrifícios para separar as equipes e chegar a seu principal objetivo, o de diminuir significativamente o número de clubes nos campeonatos. A mudança foi tão importante e inusitada que o próprio presidente da CBF precisou acionar o departamento jurídico da entidade com a finalidade de analisar se era legal ou não a criação de um torneio paralelo à Copa Brasil, afirmando que não poderia autorizar uma ilegalidade, a despeito do que um dos líderes mais radicais, Márcio Braga, queria, que era deixar a CBF sem opções a não ser aceitar as propostas do Clube. “As mudanças serão radicais, mas à CBF não restará outra saída a não ser aceitá-las”, disse à A Gazeta Esportiva de 13 de julho. O Clube dos 13 era, portanto, um movimento de sobrevivência dos clubes, que conseguiram colocar as diferenças de lado para se unirem e batalharem pelas mudanças que tanto queriam e precisavam. “Perto do faroeste sem lei que tinha, era um pessoal mais antenado, um pessoal mais legal. Não vou dizer que era um pessoal comprometido com o que havia, mas estava tentando se comprometer com uma nova ordem, com a qual eles também iriam lucrar muito”, frisa Mauro Beting.
  • 29. 28 Os excluídos Com todos os pontos divergentes nessa história, ainda houve espaço para uma rebelião contra a rebelião. Liderados pelo presidente da Lusa, os “excluídos” criaram uma associação própria para fazer frente ao Clube dos 13, o Clube dos 15, composto por Santa Cruz, Náutico, Sport, Vitória, Remo, Ceará, Goiás, Vila Nova, América-RJ, Guarani, Ponte Preta, Portuguesa, Operário-MS, Coritiba e Atlético-PR. Mais tarde, o grupo ainda contou com a adesão de Bangu, Internacional de Limeira (SP) e Atlético-GO. O principal argumento dos opositores era que o C13 havia traído todos eles e, por isso, eles também queriam a formação de uma divisão diferente, partindo de um ofício em repúdio ao movimento. Era nítida a falta de organização dos 15 desde o início, a começarpela falta de consenso em relação ao local em que se reuniriam. A principal dúvida que pairava era: como a CBF iria reagir à “revolução”. Não se sabia nem se o Clube dos 13 seria reconhecido, muito menos se a Confederação levaria seus pedidos em consideração. Mas as opções não eram as melhores. Eles poderiam romper com a Associação de Presidentes de Clubes de Futebol, comandada por Roberto Pasqua, do Corinthians, e montar o campeonato dos 13, ou criar 13 inimigos, representados pelos principais clubes do país. O grupo abriu mão das cotas de todos os seus clubes para que a CBF tivesse o dinheiro para fazer o campeonato paralelo, equivalente à segunda divisão, garantido a Copa União com o dinheiro do próprio C13, como a primeira divisão. A preocupação ficou por conta da legalidade do torneio, uma vez que a CBF respondia à Fifa e, caso não tivesse a bênção para montar a Copa União, ficaria ilegal. “No futebol brasileiro, os clubes estão filiados às federações. Estas, por sua vez, à CBF, que é diretamente vinculada à Fifa”, disse Nabi, à A Gazeta Esportiva do dia 15 de julho. Assim, o movimento estava ameaçado e algumas federações já tinham inclusive informado que não cederiam estádios e árbitros de seu quadro. No início da montagem da Copa União, o então presidente do Botafogo, Althemar Dutra de Castilho, conhecido como Teté, encomendou uma pesquisa nacional ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatísticas, o Ibope, paga pelo C13, a fim de avaliar o número de pessoas no país que torciam para um dos 13 times que compunham a recém-nascida entidade. O resultado, de que mais de 90% dos brasileiros eram torcedores de times filiados ao C13, foi explicado por João Henrique Areias, um dos diretores de marketing do Clube dos 13, em seu livro Uma bela jogada – 20 anos de marketing esportivo: “A iniciativa foi muito bem recebida pela grande imprensa, que em sua maioria criticava o inchaço do campeonato e o modelo de administração ultrapassado de Otávio e de seu vice-
  • 30. 29 presidente, Nabi Abi Chedid. O Jornal do Brasil chegou a fazer uma matéria lembrando que os 13 clubes representavam 95% dos torcedores brasileiros e, por isso, tinham força, sim, para superar os obstáculos que apareciam pela frente, entre eles uma suposta ilegalidade da iniciativa, uma vez que a legislação não permitia a criação de ligas independentes da CBF. Esta era uma das alegações para que a entidade, mesmo reconhecendo sua incapacidade de financiar e organizar o campeonato nos moldes antigos, tivesse relutado até o fim contra a ideia de um campeonato nacional fora de seu controle. A CBF ainda não entendia que, antes de ser um movimento de rebeldia, o Clube dos 13 era um movimento de sobrevivência das principais agremiações esportivas do país”. A União se baseava nos dados dessa pesquisa, divulgada em todos os veículos da época, para criar um campeonato nacional que, nas palavras de Carlos Miguel Aidar, “não havia risco nenhum de se malsucedido, considerando que a entidade representava quase que a unanimidade da massa torcedora do Brasil”. O que os clubes menores não pareciam lembrar era que, alguns dias antes, a própria CBF já havia deixado de lado o campeonato nacional por conta da falta de verba, como ressaltou Nelson Duque, presidente do Palmeiras na época, em A Gazeta Esportiva do dia 15 de julho: “Estamos defendendo a própria CBF, que dizia há alguns dias que não teria condições de bancar o Campeonato Brasileiro”. Várias fórmulas foram sugeridas ao longo do período de negociação inclusive o vice- presidente do Clube dos 13, Eurico Miranda, afirmou que o grupo estaria disposto a conversar sobre um campeonato que incluísse 16 ou até 20 times, ao contrário do que os 15 contrários achavam. Em meio aos conflitos e sugestões, o Conselho Consultivo da CBF se reuniu e, a princípio, aprovou um campeonato com 62 clubes, divididos em dois grupos, o primeiro com 30 e o segundo com 32. Nabi Abi Chedid abriu a possibilidade de o Brasileirão acolher quantos fossem os clubes que, assim como Botafogo e Coritiba, conseguissem na Justiça o direito de participar, o que não fizeram em campo, deixando o campeonato com um número ilimitado de participantes, totalmente na contramão do que fora proposto desde o início. Além disso, Nabi manteve a informação de que o BR-87 não seria subsidiado pela CBF, o que poderia afastar os clubes menores, que não tinham condições financeiras de bancar viagens, transporte, alimentação e hospedagem para seus atletas e comissões técnicas. A medida acelerava a própria falência do futebol brasileiro, de forma técnica e financeira. A revolta com a decisão foi geral. O absurdo de organizar uma competição na qual muitos clubes não conseguiriam bancar seus times deixou muitos dirigentes indignados. “A CBF não tem planejamento e competência. Como organiza uma Copa Brasil em que parte dos clubes serão obrigados a bancar suas despesas, sem saber que os clubes têm dinheiro? É uma prova inequívoca de que tudo está errado”, reclamou o presidente da Federação Bahiana de Futebol, Antonio Pithon.
  • 31. 30 “Agora ficou claro quais são os predadores do futebol brasileiro. As federações são os predadores e a CBF é a madrasta dos clubes. O sistema faliu, o arcabouço legal ruiu e uma nova construção deve ser feita. Essas figuras demoliram o futebol e devem ser afastadas do poder pelo mecanismo democrático, que é o voto livre”, era o que dizia Márcio Braga a respeito do que a entidade estava tentando fazer com o campeonato. A manobra, entretanto, permitia à CBF que garantisse um Brasileiro com 20 clubes, já que muitos desistiriam justamente pelas dificuldades financeiras. Ou seja, dos 30 clubes pré- estabelecidos para participar da primeira divisão, pelo menos dez não conseguiriam bancar todos os custos sozinhos e, por isso, não entrariam. Indiretamente, a CBF estava garantindo a competição nos moldes pedidos pelo C13 e possibilitando a negociação. Para o então presidente do CND, Manoel Tubino, era necessária a implementação imediata de um Conselho Arbitral: “O grande erro nisso tudo é que os clubes não foram convidados à discussão. E isso vai perdurar enquanto não houver um Conselho Arbitral de Clubes na CBF. Eles desejam uma coisa, mas as federações não atendem e nisso são apoiadas pela CBF”. Mais do que uma estratégia política dentro da CBF, cujo apoio se confundia em diversos momentos, a realização ou não da Copa Brasil de 1987 passou a ser uma questão de revitalizar o futebol brasileiro, que há muito já dava sinais de esgotamento. Por isso o termo revolução foi tão empregado em referência ao Clube dos 13. A decisão final foi de dividir os clubes participantes da Copa Brasil em duas chaves, A e B, cada qual dividida em dois módulos. O primeiro módulo da chave A seria composto pelos 13 grandes juntamente com Guarani e América-RJ, os dois clubes mais bem colocados no ranking nacional da CBF, e o Coritiba, que tinha conquistado uma vaga através da Justiça comum. Já o segundo módulo contaria com Sport, Santa Cruz, Náutico, Portuguesa, Internacional-SP, Bangu, Goiás, Atlético-GO, Atlético-PR, Rio Branco-ES, Treze-PB, CSA, Criciúma, Joinville e Ceará, e, para completar os 16, a CBF precisaria acrescentar mais uma equipe. Ponte Preta, Vitória, Sergipe e Fortaleza tinham entrado com recursos no STJD em busca de uma vaga na chave principal, alegando melhor colocação no ranking do que o Coritiba, por exemplo. O título brasileiro seria uma exclusividade apenas dos integrantes da chave A, que também não receberiam apoio financeiro dos recursos repassados pela Loteria Esportiva, permanecendo somenteos clubes que pudessem se sustentar no campeonato. Enquanto isso, a chave B seria formada por 32 clubes divididos em quatro grupos de oito, regionalizados, a fim de diminuir as despesas. Como prêmio, o campeão e o vice desta chave poderiam compor a chave A do ano seguinte, além de o campeão poder disputar uma das vagas destinadas ao Brasil na Libertadores da América. A situação saiu de controle quando, em uma manobra que hoje é justificada pela expressividade das torcidas dos três clubes escolhidos para preencher as vagas finais do
  • 32. 31 primeiro módulo da chave A, Guarani e América-RJ, bem colocados na última Copa Brasil e no ranking nacional, são deixados de lado, passando a compor o segundo módulo. Segundo Eurico Miranda, a proposta do Clube dos 13 era para que a CBF decidisse os outros três participantes que comporiam o módulo principal, a partir de seus próprios critérios. “Nós queríamos que o campeonato daquele ano definisse estas equipes, mas a CBF se adiantou e já incluiu mais três. Era o que nós queríamos”. Mas a entidade não seguiu o plano de acrescentar os melhores colocados no ranking nacional e acabou excluindo o Guarani e o América-RJ. “A Federação Paulista de Futebol não vai concordar com isso. O Guarani é o 14º colocado no ranking da CBF e queremos nosso direito cumprido. Não concordamos com esse desrespeito a um filiado nosso”, declarou o presidente interino da Federação, Eduardo Farah. Com isso, o critério adotado passou a ser político e não técnico, como era esperado. Pelo ranking, as vagas restantes deveriam ser de Guarani, América-RJ e Santa Cruz, porém dois foram excluídos e “rebaixados” ao segundo módulo, abrindo vaga para Coritiba e Goiás. “O que se pensou foinas praças. Para não ficar sem uma praça. E por torcida. Se você estava bolando um esquema de marketing, um novo esquema promocional, você precisava ter time de apelo, de torcida. E, convenhamos, com todo o respeito ao América, mas não tem torcida”, ressalta Fábio Tubino, filho do falecido presidente do CND, Manoel Tubino, que acompanhou de perto a carreira do pai na entidade e, consequentemente, a montagem da Copa União. No entanto, Mauro Beting defende especialmente o América-RJ, que, a partir daquele ano, nunca mais foi um clube expressivo no Rio, sendo rebaixado tanto no nacional quanto no estadual e passando por vários processos de reestruturação, com o intuito de resgatar o espírito do clube, sem muito sucesso. “O que se fez com o América e o Guarani não é legal. Mas, ao mesmo tempo, precisava haver uma ruptura, porque era absurdo o campeonato de 80 (times). As maiores vítimas naquele caso foram Guarani e América, mas também o futebol brasileiro como um todo.” Para o presidente do Clube dos 13, pouco importavam os escolhidos pela CBF: “A posição é polêmica quanto ao preenchimento das três vagas, mas o importante é que a CBF atendeu aos desejos do grupo”. Aidar garante que este era um sacrifício necessário. Em 26 de julho de 1987, foram divulgados os 32 clubes que participariam da chave A da Copa Brasil daquele ano. Módulo Verde (Copa União): Internacional, Grêmio, Palmeiras, Corinthians, Santos, São Paulo, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Atlético-MG, Bahia, Santa Cruz, Coritiba e Goiás.
  • 33. 32 Módulo Amarelo: Portuguesa, Ceará, Treze-PB, Náutico, CSA, Atlético-GO, Rio Branco, América-RJ, Bangu, Internacional-SP, Guarani, Atlético-PR, Criciúma, Joinville, Sport e Vitória.
  • 34. 33 Vilão ou mocinho? Ficou claro, desde o início, o entendimento entre o vice-presidente do Clube dos 13 e diretor de futebol do Vasco, Eurico Miranda, e o vice-presidente da CBF, Nabi Abi Chedid. Havia uma nítida convergência de opiniões e interesses. “Para nós, o campeonato ideal deveria ser disputado em duas chaves de 16 clubes. O que está sendo discutido agora é a fórmula da disputa e parece que vamos chegar a uma solução que agradará a todos. Vamos elaborar um sistema que estará de acordo com o Clube dos 13 e com a posição das outras equipes”, disse Eurico à A Gazeta Esportiva do dia 23 de julho. O que ficou conhecido a respeito do famigerado cruzamento entre os Módulos Verde e Amarelo para definir o campeão é que, a princípio, um suposto primeiro regulamento garantia que o quadrangular apenas definiria os representantes brasileiros na Copa Libertadores da América de 1988. Em uma segunda ocasião, em que Eurico era o procurador do Clube dos 13, ele teria assinado um documento alterando o primeiro regulamento para que o cruzamento também definisse o campeão brasileiro de 1987, sem o aval da entidade que ele representava. Essa é a história contada até hoje, amplamente divulgada na mídia e que acabou disseminada entre torcedores. Tudo isso foi dado como verdade absoluta, especialmente pela trajetória pessoal e política de Eurico Ângelo de Oliveira Miranda não só no futebol. Filho de imigrantes portugueses que nos anos 1930 fugiram da ditadura de António Salazar, Eurico entrou no mundo da bola ainda com 23 anos, quando era estudante de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ocupando um cargo administrativo. Durante muitos anos foi braço direito de muitos presidentes que passaram pelo Vasco da Gama, agindo sempre nos bastidores, mas já com amplo destaque. Foi o responsável por tirar o ídolo Roberto Dinamite do Barcelona, em 1980, e levá-lo de volta a São Januário. Ao mesmo tempo, ligou-se à ala conservadora da política brasileira e, ao longo de sua carreira, se envolveu em vários processos judiciais, como um pedido de cassação de mandato de deputado federal, em 2001, e uma candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, cinco anos mais tarde. Depois de tantas “euricadas”, termo que ficou conhecido por ser muito utilizado pelo jornalista Juca Kfouri em sua coluna do diário LANCE! no início dos anos 2000, quando Eurico era presidente do Vasco, fica fácil chegar a conclusões, vinte e cinco anos depois, como a de que, estando ele envolvido em um processo como a montagem da Copa União, seria o principal responsável por tomar uma decisão com a qual o Clube dos 13 não concordaria.
  • 35. 34 “Conhecendo bem a história do Eurico Miranda, ele realmente fez um acordo de um lado e fez outro acordo do outro e deveria ter feito um terceiro acordo também. A história do Eurico leva a crer que ele foi um dos caras que levaram a toda a confusão”, ilustra Mauro Beting. “Porque foi dada a ele uma procuração que ele, evidentemente, não honrou. Agora, quem dá uma procuração ao Eurico Miranda também merece, pede para pisar na bola.” No entanto, de acordo com os dirigentes envolvidos na montagem da Copa União, mesmo os que não concordaram com a aceitação do quadrangular essa história é um pouco diferente. Como relata Carlos Miguel Aidar: “O que aconteceu foi que, em um determinado momento, o campeonato já estava acontecendo e não tinha regulamento. A ideia do regulamento estava na cabeça de todo mundo, mas não estava escrito. Teve uma reunião no Rio de Janeiro, numa sexta-feira, mas estava todo mundo com passagem de volta para os seus estados, então resolveu-se, no fim da reunião, delegar a um dos membros, que era vice-presidente do Clube dos 13, o Eurico Miranda, a representatividade para ir na CBF e assinar o regulamento. Nós demos poderes a ele e ele fez a grande besteira de concordar com o cruzamento do Módulo Verde com o Módulo Amarelo. Quando você dá uma procuração para alguém e esse alguém faz alguma coisa errada, você não pode fizer que a procuração não vale mais. Ou você honra a procuração que você deu ou você pode brigar com o seu procurador. E nós resolvemos brigar com o Eurico. Realmente foi a forma que ele aceitou (quadrangular), mas se nós estivéssemos lá nós não teríamos aceito. Tanto que, dias depois, o Clube dos 13 resolveu fazer uma assembleia entre nós para dizer que quem ganhasse o Módulo Verde não jogaria a partida de cruzamento com o Módulo Amarelo. E, para nós, Clube dos 13, tanto que os outros três nós nem consideramos, ficou que nós não jogaríamos. Para nós, a final do Brasileiro foi Flamengo e Inter no Maracanã e foi daí que saiu a história de que o Flamengo era campeão brasileiro, mas ele é o campeão da Copa União, tanto que a CBF nunca reconheceu”. O curioso é que Aidar não lembra se a procuração, que segundo ele foi dada a Eurico, tinha sido escrita ou não: “Ele falou se essa procuração foi escrita ou verbal? Eu não lembro”. Eurico, em resposta, garante que a tal procuração, assim como algumas das lendas que giram em torno da Copa União, nunca existiu: “Não houve procuração nenhuma, nem acordo verbal. O que aconteceu é que ninguém teve a coragem de ir lá enfrentar os caras. Todo mundo foi embora e eu fui lá garantir que o campeonato acontecesse. Por que o Carlos Miguel Aidar não foi lá, então?” Ou seja: o primeiro e único regulamento da Copa Brasil era legítimo e garantia a definição do vencedor pelo cruzamento entre os módulos, além da classificação para a Libertadores. O poder de decisão foi dado ao diretor vascaíno, mas o problema é que, depois, o C13 não concordou com o que foi acatado por ele na reunião com a CBF. Eurico também admite que não gostou da ideia logo de início, mas que, com o andamento das negociações, enxergou que o cruzamento era o único modo de tornar o campeonato oficial, garantindo o apoio da CBF:
  • 36. 35 “Eu queria realizar o campeonato. Tinha pedidos muito mais fortes. Já conseguir dividir, reconhecer e aceitar que dividia. Agora vamos fazer. A gente não abre mão do cruzamento. Tá bom. Primeiro, eu não concordei, lógico. Você não negocia assim. Você vai negociando, e tentamos alternativas, até que não havia solução e a solução foi essa que encontraram. ‘Vamos ceder daqui, você cede dali. E aí vamos tocar o campeonato’. O campeonato ia parar, não ia ter campeonato. Ou ia seguir o campeonato só no Módulo Amarelo. O campeonato começou com uma tabela, meio na marra, na discussão, mas saiu logo o regulamento. A maneira de a CBF reconhecer era tendo o cruzamento. Veio o regulamento e o Clube dos 13, posteriormente, fez uma reunião para dizer que não concordava com isso. Mas isso não significa que se você não concorda então vou ter que mudar. Eles achavam que estavam totalmente independentes da CBF, mas não estavam. Cada um vai dizer uma coisa, mas só os que participaram, como eu participei diretamente, é que sabem e é por isso que eu sei como é que foi feito, como é que foi difícil a negociação. Se você vai cumprir ou não o regulamento, isso é outra coisa, é mais para frente”, destaca Eurico. Mesmo sem procuração, Eurico afirma que tinha poder para chegar a um acordo com a CBF sobre as normas da competição devido a seu cargo dentro do C13, o de vice-presidente: “Eu, vice-presidente do Clube dos 13, tinha poderes para tal. Senão não iria à reunião. Por que o Aidar não foi à reunião, então? Sabia que não tinha condição. Eu não fui à reunião para fazer aquilo que o Clube dos 13 queria. Eu fui à reunião para encontrar uma solução e só tinha aquela maneira. Sem cruzamento, o campeonato iria parar ou seguir só no Módulo Amarelo. Agora, não me venham com história de que querer me usar, porque eu não fui o fundamental nisso. Eu não fui lá para cumprir ordens e ser moço de recado de ninguém. Eu fui lá para decidir e encontrar uma solução, porque ninguém ia, ninguém tinha coragem de enfrentar a situação.” Ele ainda explica que, caso a CBF não reconhecesse a Copa União, o torneio corria o risco de não ter árbitros, que são cedidos pela entidade, além das federações, que fazem a logística dos jogos, e se recusariam a participar. “Eles se arrependeram, mas era muito mais. Eles queriam saber do clamor popular”, complementa Eurico. Para não transformar a Copa União em um campeonato “pirata”, era fundamental que o C13 chegasse a um acordo com a CBF para legitimar, de alguma forma, a competição proposta. Caso a CBF não reconhecesse, o plano iria por água abaixo, já que a única entidade brasileira reconhecida pela Fifa é a Confederação. Muitas vezes pintado de vilão por outros integrantes do C13, Eurico afirma que apenas fez o que ninguém parecia interessado em fazer: negociou com a CBF e garantiu a legitimidade da Copa União. “Nós decidimos fazer um campeonato, não da maneira como a CBF queria, e a CBF tinha dito que não tinha condições de fazer o campeonato. A Copa União tinha que ser o Campeonato Brasileiro. Se a CBF não participasse, não era Campeonato Brasileiro, era um
  • 37. 36 campeonato pirata. Então começaram as negociações. Nós tínhamos aqueles que nós entendíamos que podiam participar da competição, os que nós queríamos. A CBF tinha outros. Nós tínhamos o Módulo Verde e o Amarelo, que era composto por esses outros clubes. A maneira de ter o campeonato foi o cruzamento final de um vencedor do Módulo Verde com o campeão do Módulo Amarelo. Essa foi a maneira que se encontrou para que pudesse, efetivamente, o campeonato ter a aquiescência da CBF. Se não tiver a aquiescência da CBF, o campeonato não vale nada, porque a Fifa só reconhece a CBF e não reconhece nenhuma outra entidade. Então isso foi uma longa negociação que se conseguiu. Só que, já no andamento da competição, o Clube dos 13 fez uma reunião e disse que não faria o cruzamento no final. Já tinha sido aprovado o cruzamento desde o início.” O acordo feito não tornava a Copa União um campeonato equivalente ao Brasileirão, mas sim uma primeira fase do campeonato que desembocaria na decisão. Mas a diferença de pensamento não termina na questão do quadrangular. Para Eurico, a reunião feita pelo C13 não garantia que qualquer um dos clubes que vencesse a Copa União não faria os jogos de cruzamento. “Eu garanto que se fosse outro clube que tivesse ganhado o Módulo Verde teria cruzado. Numa hipótese, se o Vasco tivesse ganhado, o Vasco ia cruzar. Isso eu já tinha resolvido e muitos outros fariam a mesma coisa. Como o (Carlos) Miguel Aidar. Se o São Paulo tivesse ganhado, ele faria o cruzamento, não tenho a menor dúvida. E ia receber pressão para isso. Mas o Flamengo, baseado na opinião pública, achando que a mídia ia dar cobertura, não cruzou e hoje o campeão brasileiro é o Sport, de direito, pela Justiça. E eu aprendi, até pela minha formação, que decisão judicial não se discute.” Carlos Miguel, entretanto, se defende da acusação: “Esse é o Eurico. Mas eu falo pelo São Paulo da época, de quando eu era presidente. Se o São Paulo fosse campeão do Módulo Verde, ele não ia entrar em campo para jogar com o Módulo Amarelo de jeito nenhum. Nós estávamos muito unidos nesse sentido. Eu posso falar pelo Inter e pelo Flamengo, porque eles fizeram isso, e posso falar pelo São Paulo, porque eu o representava. Os outros eu não posso falar”. Mauro Beting conclui: “Acho que não tem mocinho nessa história. Uns mais, outros menos, mas não tem mocinho”. Ele destaca que todos, de uma forma ou de outra, sempre de acordo com as decisões que tomaram individualmente, contribuíram para a bagunça que ainda estava por vir.
  • 38. 37 Como fazer um Campeonato Brasileiro Antes mesmo de chegar a um regulamento, o principal objetivo do Clube dos 13 era viabilizar o campeonato que eles propuseram à CBF. Mas como fazer isso? Era necessário criar tabelas, definir horários, contratar patrocinadores que poderiam bancar o BR-87, garantir transporte, hospedagem e alimentação das delegações de cada uma das equipes, árbitros, estádios e muitos outros fatores impreteríveis. Como transformar um torneio claramente deficitário em lucrativo para os clubes e atraente para os torcedores? É neste momento que surge uma nova e emblemática figura no futebol nacional: o diretor de marketing. Até ali, os clubes sobreviviam com as receitas das bilheterias dos jogos e da Loteria Esportiva. Poucos eram os outros recursos que aumentavam o dinheiro dos cofres. A televisão era considerada inimiga número 1, já que, no entendimento dos cartolas, o torcedor optaria por ficar no conforto de seu sofá em vez de sair de casa para ver o time de coração. Apenas em jogos importantes, como finais de campeonatos estaduais, é que a transmissão ao vivo era liberada, considerando que o estádio estaria obrigatoriamente lotado. Mesmo assim, a partida não era previamente anunciada pela emissora, sendo inserida na programação apenas alguns minutos antes do início. Tudo para não roubar público dos estádios. Além disso, não existia o pagamento de direitos de transmissão, pois as câmeras eram da TV Educativa, do Governo Federal, que filmava e repassava o sinal para os canais. Patrocínio era algo pouco trabalhado e marketing não tinha muito a ver com o mundo da bola. As ações que eram feitas em geral envolviam contratos grandes que repatriavam os maiores ídolos do país, como Zico, que deixou a Udinese, da Itália, em 1985, para voltar para o Flamengo, e Paulo Roberto Falcão, volante revelado pelo Internacional que depois ganhou destaque na Roma e antes de se aposentar foi repatriado pelo São Paulo. No entanto, era necessário seguir o fluxo da grande mudança e aproveitar para levantar o máximo de fundos possível. É aí que entra um dos principais personagens que tirou a Copa União do papel, transformando um torneio em dinheiro puro. Formado em Ciências Contábeis, João Henrique Areias trabalhava como gerente de eventos e promoções na filial da IBM no Brasil, uma das maiores fabricantes de computadores da época. Sua primeira incursão pelo mundo do marketing esportivo foi justamente no início de 1987. Torcedor do Flamengo, Areias foi convidado pelo então presidente Márcio Braga para assumir a vice-presidência de marketing do clube, convite que o pegou de surpresa, conforme relata em seu livro 20 anos de marketing esportivo:
  • 39. 38 “Acostumado a formalismos do mundo das grandes corporações, cheguei na sala do presidente recém-eleito Márcio Braga esperando, pelo menos, uma entrevista, ou algo do gênero. Conversamos um pouco sobre o clube, suas ideias de marketing, ainda embrionárias, e ele não demorou muito para decretar: ‘Está empossado’”. Naquele momento, sem nem pensar em Clube dos 13, o Flamengo dava as primeiras engatinhadas em direção a um novo modo de gerir o futebol. A ideia do presidente era atrair empresas para ajudar a levantar o clube, principalmente valorizando sua marca. Depois de reformular o Baile do Vermelho e Preto, um dos mais tradicionais do carnaval do Rio de Janeiro, estender o contrato de patrocínio com a Petrobras do futebol para a equipe de vôlei profissional, renovar o contrato de Zico – talvez a missão mais difícil do dirigente, uma vez que, depois da grave lesão de dois anos antes, o craque virara visitante assíduo do departamento médico – e atingir uma receita anual de US$ 850 mil para o clube da Gávea, Areias ainda iria passar por seu maior desafio naquele ano. No dia 24 de agosto, foi marcada uma reunião na sede do Flamengo, na qual o C13 iria decidir se continuaria com o plano de montar um campeonato sem a CBF. Ao questionar Márcio Braga sobre os planos do grupo para basear essa decisão, o presidente externou que eram muitos problemas para dar continuidade à ideia. “Não entendia como uma entidade que reunia os maiores clubes do país fosse incapaz de encontrar uma agência de publicidade para vender um projeto de marketing”, questionou João Henrique na ocasião. Sem pestanejar, Braga “desafiou” o dirigente a elaborar e apresentar um projeto para o Clube dos 13 na ocasião da reunião. “Confesso que me deu um frio na barriga. Eu tinha apenas um fim de semana pela frente para dar uma solução para o Campeonato Brasileiro.” Baseando-se em um projeto de comunicação e imagem da IBM, Areias montou um plano que garantiria a formação do campeonato e, pelo menos na teoria, sanaria todas as dúvidas do C13, que, naquele momento, estava a ponto de sofrer um racha que poderia impedir a continuidade da “revolução”. No dia da reunião, o principal objetivo era convencer todos os 13 clubes a incorporarem a televisão como aliada para o aumento da renda, ou seja, quebrar um tabu de que uma transmissão ao vivo afastaria ainda mais os torcedores do estádio. Com o futuro do Brasileirão nas mãos, João Henrique mostrou o plano que havia traçado para tentar salvar o futebol brasileiro de uma falência em potencial. A ideia geral que tinha se formado entre os presidentes era de que US$ 1 milhão seria o valor ideal para montar o campeonato. Sendo assim, antes mesmo de abordar outros aspectos do projeto, o dirigente já avisou a todos os presentes que seria impossível levantar esse valor sem a televisão, tentando justificar que, com ela, o alcance do clube deixaria de ser de 100 mil pessoas num estádio para passar a ser de 40 milhões de torcedores em todo o país.
  • 40. 39 Além disso, outro argumento que fundamentou a entrada da televisão foi a atração de patrocinadores, mais um elemento importante para divulgar um campeonato novo. “A massificação pela televisão era um fenômeno inexorável, não podíamos lutar contra ela. Cabia a nós explorar o seu potencial da melhor maneira possível. Assim, a TV não tiraria público do estádio, mas ajudaria a consolidar ainda mais a paixão do torcedor pelo seu time”, explicou Areias, baseando-se no que, na mesma época, já acontecia nos Estados Unidos com o futebol americano e o beisebol, que passaram a trabalhar diretamente com a televisão, e também com o próprio futebol, só que na Europa. Com a inclusão de uma emissora, o projeto teria que contar com uma tabela previamente montada, do começo ao fim, abrangendo todos os jogos da Copa União. Segundo Areias, isso era importante para que a TV comprasse o produto, sabendo seu conteúdo completo. Ora, naquela época, calendário era algo improvável, apesar de ser cobrado por alguns clubes. Era rara uma rodada de uma competição que não tivesse pelo menos um jogo com atraso ou cancelado, por quaisquer motivos. E a exigência era de uma tabela completa, mais difícil ainda de ser montada. A base para a organização dos jogos seria o Monday Night Game, um jogo de futebol americano para os Estados Unidos inteiro, na segunda-feira à noite, como diz o nome, inclusive para a cidade na qual ele seria disputado. Assim, com uma ligeira adaptação para o Brasil, as partidas seriam apenas no fim da semana (sexta-feira, sábado e domingo), eliminando os jogos no meio da semana, que causavam desgaste nos atletas. Era uma proposta muito radical e, até certo ponto, megalomaníaca, se a mentalidade da gestão do futebol na época for levada em consideração, mas indispensável para que a montagem do campeonato continuasse a evoluir. Claro que João Henrique entendia as reações negativas que chegou a perceber. Como a do presidente do Internacional, Gilberto Medeiros, que expressou o pensamento de muitos em apenas uma frase, tipicamente gaúcha: “Eu quebro, mas não envergo”. Sem saber da resposta, Areias deixou a assembleia tendo apenas plantado a semente da televisão na cabeça dos cartolas. Qual não foi sua surpresa quando, nos jornais do dia seguinte, seu plano estava copiado na íntegra, anunciando a salvação do futebol no Brasil. Inclusive, o primeiro pensamento que passou em sua cabeça foi uma possível demissão da IBM (que não aconteceu), já que a base do plano tinha sido copiada da empresa em que trabalhava. Ao falar com Márcio Braga, o presidente flamenguista explicou o motivo das matérias: usar o projeto como uma pressão para os clubes que estavam pensando em abandonar o Clube dos 13. Com a ampla divulgação, foi dado o primeiro passo para a aceitação da Copa União pela imprensa, que, posteriormente, abraçou o torneio por inteiro. Aceitação essa que também seria essencial em relação à opinião popular.
  • 41. 40 Agora cabia a ele, João Henrique Areias, tirar o campeonato do papel e torná-lo viável. E sua primeira ação para transformar o sonho em realidade foi entrar em contato com o então diretor de marketing do São Paulo, Celso Grellet, que naquele mesmo ano tinha negociado a transmissão da final do Campeonato Paulista com a Rede Globo, na qual o Tricolor enfrentou o Corinthians, cobrando US$ 70 mil. Era um parâmetro para começar as conversas que levantariam o valor que o C13 tinha estipulado como fundamental para montar a Copa Brasil: US$ 1 milhão.
  • 42. 41 Os patrocinadores O carro-chefe da negociação do campeonato seria a televisão e já estava decidido que 16 times comporiam a Copa União, permitindo uma tabela mais simples. Como a única base era o valor cobrado pelos clubes na final do Paulistão daquele ano, João Henrique estabeleceu US$ 70 mil como o preço de cada uma das 42 partidas que seriam realizadas entre setembro e dezembro de 1987 e escolhidas para fazerem parte da programação da emissora que comprasse o pacote. Assim, o Clube dos 13 venderia um pacote fechado, no total de US$ 3,4 milhões apenas pelos direitos de transmissão. Um valor astronômico e, até certo ponto, absurdo para a época, considerando que era a primeira tentativa de vender um torneio completo para a TV. Apesar da incredulidade de Celso Grellet em relação a essas contas, Areias seguiu com seu plano justificando que a intenção não era vender jogos aleatórios pelo preço de uma final, mas sim um conceito, que era o de recuperar a paixão do brasileiro pelo futebol, que, com toda a bagunça, idas e vindas dos últimos anos, só diminuía. “Estamos oferecendo a salvação do futebol brasileiro”, explicou ele ao companheiro, e passou a usar essa justificativa em todas as negociações que envolveram a montagem da Copa União. Poucos dias depois da reunião do C13, os diretores de marketing se encontraram com Ivan Borges, diretor da TV Globo, para vender o produto. A princípio a incredulidade com o valor foi a mesma de Grellet, já que era muito mais do que a emissora tinha pago para transmitir o principal evento futebolístico no ano anterior, a Copa do Mundo. De acordo com o relato de João Henrique, apesar do pé atrás que o representante da Globo aparentava ter, ele deixou claro que havia pessoas, em cargos mais altos que ele, interessadas na compra do campeonato, mas que não esperavam gastar tanto dinheiro. “Pois então havia gente graúda esperando o fim dessa negociação, era um negócio que despertara mesmo o interesse da alta cúpula da TV Globo. O Ivan se referia ao Boni, todo- poderoso da emissora, ao Armando Nogueira, diretor de jornalismo, ao Roberto Buzzoni, diretor de programação, e ao Ricardo Scalamandré, diretor comercial.” Assim, sem ter nada a perder, Areias pediu para apresentar seu projeto aos “chefões” da emissora. No dia seguinte, depois de horas de negociação com Nogueira, Buzzoni e Scalamandré, João Henrique Areias e Celso Grellet conseguiram vender a Copa União pelo valor proposto, US$ 3,4 milhões, fechando um contrato de cinco anos. O acordo era de entregar US$ 2,1 milhões em dinheiro, valor que já passava do dobro estipulado pelos clubes, enquanto o restante, US$ 1,3 milhão, seria pago em espaços comerciais institucionais de 15 segundos.Para ceder, a Globo exigiu sua participação na montagem do calendário da competição.
  • 43. 42 Pronto. O campeonato estava garantido. Mas ainda havia muito mais a ser feito, muitos detalhes a serem resolvidos para tirar a ideia do papel. O sucesso da negociação com a Globo só aumentou a responsabilidade de Areias e Grellet, que foram convidados pelo Clube dos 13 para cuidar diretamente dos contratos de publicidade que ainda seriam assinados, assumindo os cargos de diretores profissionais de marketing do grupo. A partir daquele momento, sem incluir o contrato de televisão, todas as negociações concretizadas seriam divididas em 17 cotas, sendo 16 para os clubes e outra a ser dividida entre os dois, que, com isso, passaram a ser os primeiros dirigentes remunerados da história do futebol brasileiro, como lembra Carlos Miguel Aidar: “Ambos eram remunerados pelo Clube dos 13, mas o Celso devolvia a cota da parte do São Paulo, e do Flamengo o João Henrique, para ninguém acusar que estavam ganhando dinheiro às custas do clube”. O apoio da Globo foi essencial para a difusão da Copa União na imprensa, que passou a adotar o campeonato como o legítimo Campeonato Brasileiro. A revista Placar, que na época ainda era semanal, estampou na edição do dia 14 de setembro de 1987, em que apresentava um guia completo sobre a competição, a seguinte manchete: “O verdadeiro Campeonato Brasileiro”. “O Armando Nogueira foi diretor de jornalismo da Globo e me ligava assim: ‘Seu Carlos, está precisando de alguma coisa? Quer entrar em algum programa? Tem alguma mensagem para dar? O que você pode ajudar para alavancar a audiência? Quer entrar no Sul? Eu te ponho no jornal de lá’”, explica Aidar, que, como presidente do C13, tinha maior contato com a emissora. “Para a Globo interessava a audiência por causa de patrocínio. Então eu tinha o jornalismo da Globo à minha disposição. Isso, em termos de jornalismo, é impressionante”. Uma das primeiras ideias dos diretores foi chamar o açúcar União para fazer parte do projeto, principalmente para aproveitar o gancho do nome. Mas a empresa, ainda traumatizada com a experiência que teve com o fracasso da escuderia Fittipaldi nos anos 70, única equipe de Fórmula 1 brasileira e que acabou deixando a Copersucar com grande prejuízo financeiro, não quis participar de nenhuma ação que envolvesse esportes. Mesmo assim, outros nomes foram aparecendo, já que o interesse em torno da publicidade que o BR-87 geraria era imenso. Um dos principais foi a Coca-Cola, patrocinador mais lembrado pelos que viram a montagem do campeonato. “Não é só a vontade de mudar o negócio, mas era bom para o próprio negócio. Era o lado bom”, ressalta Mauro Beting. “Mas também é fundamental dizer que para todos os lados, uns mais, outros menos, não era só gente que estava em prol do esporte, mas estava em prol do próprio negócio. E com coisas absurdas. A questão do patrocínio da Coca-Cola no gramado, no círculo central, atrás das metas, é de uma estupidez monstra. Pode ser bom para quem vende Coca-Cola, mas era só ler o livro de regra. Claro que na época o livro era menos acessível, mas era o mínimo.”
  • 44. 43 O nome da empresa de refrigerantes surgiu quando a Pepsi, principal concorrente, lançou uma campanha para apresentar sua versão de um litro, que a Coca ainda não tinha. No entanto, os dois garotos-propagandas seriam importados: Rod Stewart e Tina Turner, dois cantores americanos, estampariam a campanha brasileira. A associação foi instantânea: chamar a Coca-Cola para fazer frente à Pepsi usando um produto nacional, o futebol. Em contato com os diretores da Coca-Cola, o Clube dos 13 ofereceu espaço nos uniformes, placas nos estádios, anúncios institucionais na emissora, que tiveram que ser repensados uma vez que a Globo queria mensagens neutras sem o caráter de um comercial, e o espaço no círculo central do campo, um dos itens mais polêmicos, mas que já tinha sido feito no Campeonato Mexicano. Segundo Areias em seu livro, “estávamos oferecendo também o nosso conceito. Enquanto a sua maior concorrente recorre a ídolos estrangeiros para tentar crescer no mercado brasileiro, a Coca-Cola investiria num produto tipicamente nacional, o futebol. Era a hora de uma multinacional mostrar mais carinho pelo Brasil para vencer todas as resistências que existiam contra marcas internacionais”. A assinatura do contrato entre os participantes do C13 e a Coca-Cola foi um evento à parte, que acabou se tornando um case dentro do case maior que foi a Copa União. Durante a reunião, que aconteceu no hotel Mofarrej Sheraton, em São Paulo, os contratos com a TV Globo e com a Coca-Cola seriam assinados, formalizando os maiores patrocínios do campeonato. A intenção era assinar ao vivo, em pleno Jornal Nacional, com a presença do ilustre Roberto Marinho, que raramente se envolvia nessas questões, conforme conta o jornalista Juca Kfouri, que acompanhou esse processo de perto. O presidente da Coca-Cola, o argentino Jorge Gigante, estava no hotel representando sua empresa. Ainda havia alguns detalhes a serem discutidos e acertados, mas nada perto do que aconteceu. “A Coca-Cola tinha um cheque, uma ampliação de um cheque de cartolina, que na época era muito. E eles estavam se divertindo com aquilo”, recorda Carlos Miguel. A princípio, 15 camisas dos 16 clubes levariam a marca da fabricante de refrigerantes. Apenas a do Flamengo não entraria no acordo, por conta do contrato com a Petrobras. O Vasco tentava argumentar que os times com maior torcida deveriam receber mais. Mas nenhum presidente superou o discurso do presidente corintiano Vicente Matheus. “Quando o livro para as assinaturas começou a passar, parou no Vicente Matheus, presidente do Corinthians, que falou: ‘Eu não vou assinar’”, relata Kfouri. A declaração criou um reboliço e não tardaram a entender o motivo da recusa. Segundo o cartola, ele ainda estava chateado pelo modo como foi tratado no estádio do São Paulo, o Morumbi, durante a final do último Paulistão, além de guardar mágoa do Tricolor por ter se colocado à frente da contratação do meia-esquerda Renatinho e por ter emprestado o atacante Bentinho para a Portuguesa e não para o Corinthians.
  • 45. 44 Como se a situação já não fosse inusitada demais, Matheus soltou uma pérola, colocando uma rivalidade entre clubes acima de um negócio milionário: “O que é bom para o São Paulo não pode ser bom para o Corinthians”. Se um clube desistisse, o acordo não seria selado. Portanto, sentindo o perigo, Carlos Miguel Aidar, Márcio Braga, Paulo Odone (presidente do Grêmio) e Nelson Duque (presidente do Palmeiras) levaram Vicente Matheus para uma sala reservada para tentar convencer o velho cartola, então com 79 anos, a assinar o contrato. “Foi quando o Jorge Gigante foi chamado. Voltam o Matheus, todo pimpão, os quatro (presidentes) olhando para o chão e o Jorge Gigante anuncia que, na verdade, a questão é que o Corinthians tinha bem encaminhado um patrocínio com a Kalunga e que o Corinthians então ficaria de fora do acordo com a Coca-Cola.” Entretanto, outro problema maior ainda estava para acontecer, como relata Areias: “Estávamos já chegando ao acordo final quando o presidente do Grêmio me chamou reservadamente num canto e me disse que estava com um problema grave. Os conselheiros do seu clube acabavam de decidir que não aceitariam pôr o logotipo da Coca-Cola na camisa da equipe pelo simples fato de que era vermelho, a cor do arquiinimigo Internacional. Eu não acreditava no que estava ouvindo. A Coca-Cola já tinha mais de cem anos de existência e sempre exibiu aquela logomarca, qualquer criança sabe que ela é vermelha. O Odone, um homem corretíssimo, disse que me entendia, mas não podia resolver nada sem a aprovação do conselho”. Mais do que uma decisão do conselho do Grêmio, havia uma cláusula pétrea – uma disposição que não pode sofrer alteração de nenhum tipo – no estatuto do clube que proíbe o uso da cor vermelha no uniforme. Se assinasse uma autorização que batesse de frente com essa proibição, Paulo Odone corria o risco de sofrer um impeachment. “E neste momento seu Jorge Gigante desesperado, Roberto Marinho já tinha ido embora, não tinha se assinado porcaria nenhuma no Jornal Nacional”, lembra Juca Kfouri. “Então se concorda que a Coca-Cola apareceria com um logotipo preto na camisa do Grêmio. Mas aí virou preto na camisa do Grêmio, do Santos, do Atlético. Vermelho ficou na minoria. O que dá a medida do que era o futebol brasileiro.” A aceitação da Coca-Cola se deu principalmente pela racionalidade de Jorge Gigante. Enquanto Odone discorria que a torcida gremista nunca entenderia, muito menos aceitaria qualquer elemento vermelho no uniforme do time, o argentino foi simpático à situação, por entender bem a falta de limite de uma rivalidade clubística, como a mais tradicional do seu país, entre Boca Juniors e River Plate. Exceções feitas, os contratos foram assinados e, em menos de um mês, a Copa União já havia levantado US$ 6 milhões, cinco vezes mais do que o valor que os dirigentes tinham estipulado de início.