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O CONCEITO DE RISCO
    Sua utilização pela Epidemiologia, Engenharia e Ciências
                             Sociais.

                                  MARIA CRISTINA RODRIGUES GUILAM - Julho de 1996
                     Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/projetos/esterisco/


INTRODUÇÃO
        Contemporaneamente, o conceito de risco foi tomado por diversas disciplinas,
em diferentes áreas do conhecimento. Porto (1991) situa estas disciplinas em quatro
grandes grupos: as ciências econômicas, a epidemiologia, a engenharia e as ciências
sociais.
       As ciências econômicas tratam de transformar as incertezas (as variáveis cujo
comportamento se quer conhecer) em probabilidades, ou seja, tais ciências tratam de
quantificar os riscos para avaliar custos e possíveis perdas. Desta forma funcionam as
seguradoras: é sabido, por exemplo, que o preço que se paga para assegurar um carro é
maior no Rio de Janeiro do que em qualquer outra cidade no Brasil, pois a probabilidade
de roubo nesta cidade é maior do que nas outras.
        Para a moderna Epidemiologia, o conceito de risco é um conceito fundamental, e
a sua incorporação possibilitou à esta disciplina o estudo de doenças não transmissíveis,
o que representou uma enorme ampliação de seu objeto de estudo, como veremos
depois.
       A área da Engenharia que se ocupa com os riscos é hoje internacionalmente
conhecida como Risk Assessment ou Risk Analysis, e analisa o impacto da introdução
de modernas tecnologias na sociedade, seja através de um método quantitativo
(medições ambientais, relação custo-benefício), seja através da discussão do
gerenciamento do risco (Risk Management).
        As Ciências Sociais vêm estudando o risco na perspectiva daquele que o
percebe: como o indivíduo percebe as situações de risco, seja como cidadão, seja como
trabalhador. Para os cientistas sociais, as avaliações de risco não podem deixar de lado
fatores subjetivos (éticos, morais, culturais) que direcionam as opções dos indivíduos.
        Estes quatro grupos podem ser recortados de outra maneira, como propõe
Jasanoff (1993): as ciências quantitativas (as ciências hard), que englobam a
matemática, bioestatística, toxicologia e engenharia, e as ciências não quantitativas ( as
ciências soft) : o direito, psicologia, sociologia, economia e outras. Segundo Jasanoff,
existiria um consenso entre os vários estudiosos de risco a cerca das seguintes questões:
a avaliação dos riscos não é um processo científico, objetivo, que possa ser reduzido a
uma avaliação quantitativa; fatos e valores frequentemente se misturam, quando se lida
com assuntos de alta incerteza; fatores culturais afetam a avaliação que os indivíduos
fazem das situações de risco; experts e leigos percebem o risco de maneira diferente; a
comunicação sobre o risco é mais efetiva se estruturada como um diálogo, e nao como
transferência unidirecional de conhecimento dos experts em relação ao público leigo.


                                                                                        1
No entanto, existem pontos que dificultam a interação entre estas duas culturas
de risco, soft e hard: a crença, por exemplo, de que as ciências "duras" representariam
os riscos tal como eles são, enquanto para as ciências Sociais caberia o papel de explicar
porque o público leigo muitas vezes não aceita as explicações dos cientistas.
"Repetidamente, em encontros profissionais e conferências, ouve-se o esperançoso
refrão de que o "problema" da percepção de risco desapareceria caso as pessoas
entendessem melhor o conceito de probabilidade, ou aprendessem a comparar os riscos
que mais temem com aqueles que encontram em seu cotidiano. Ouve-se, também, que o
público tem um ponto de vista distorcido porque a midia retrata a ciência de forma
inadequada [...] os cientistas argumentam que se as informações científicas fossem
fielmente representadas pela midia, consequentemente as pessoas não teriam uma
percepção equivocada dos riscos que as cercam." 1
       Será verdadeira esta avaliação? Bastaria ao público leigo ter maior quantidade de
informações científicas para que sua avaliação de risco seja idêntica à dos experts? Esta
é uma das questões que abordaremos no decorrer do trabalho.
        O objetivo desta dissertação é percorrer a bibliografia sobre riscos em três áreas
de conhecimento: a Epidemiologia, a Análise de Risco e as Ciências Sociais. No
capítulo dedicado à Epidemiologia, além de estudar a incorporação do conceito de
Risco ao seu referencial teórico, é nosso objetivo analisar como tal incorporação afeta as
práticas médicas e de Saúde Pública. No segundo capítulo abordaremos a Análise de
Risco, o caso particular da Engenharia de Segurança, que é a área da Engenharia que se
ocupa com os riscos profissionais e o Risco Ambiental. O terceiro capítulo se destina ao
enfoque das Ciencias Sociais e a incorporação de dimensões subjetivas às avaliações de
risco.



Capitulo I - O RISCO E A EPIDEMIOLOGIA
        Almeida-Filho(1989)em seu livro "Epidemiologia sem números" define risco
como "a probabilidade de um membro de uma população definida desenvolver uma
dada doença em um período de tempo."2 Nesta definição está implícito que o objeto de
estudo da Epidemiologia inclui: a ocorrência de doença, a população (e não o indivíduo)
e o tempo. Para Almeida-Filho, é em torno do conceito de risco que a moderna
Epidemiologia vai-se estruturar, instaurando-se, a partir da incorporação deste conceito,
um novo modelo explicativo: a Epidemiologia dos fatores de risco. Uma vez que o
modelo de determinação causal das doenças, tão bem aplicado pela Epidemiologia dos
modos de transmissão, não pode dar conta das doenças crônicas, como a hipertensão, o
Cancer, as doenças cardiovasculares, a Epidemiologia, a partir da utilizaçao do conceito
de risco, não procurará mais a causa e sim a associação de determinados fatores (os
fatores de risco) com as patologias.
       Vejamos o caminho percorrido pela Epidemiologia desde a teoria dos Miasmas
até a incorporação do conceito de risco, ao qual Almeida-Filho se refere como "o
correspondente epidemiológico do conceito matemático de probabilidade."3
       Rodrigues da Silva (1990) sugere três momentos históricos distintos na evolução
da Epidemiologia:


                                                                                        2
- Epidemiologia da constituição pestilencial e dos miasmas, relacionadas às teorias pré-
pasteurianas;

- Epidemiologia dos modos de transmissão, cujo início coincide com o da era
bacteriológica, constituindo o modelo explicativo dominante desde o final do séc.
passado até os anos 50; este período explorou fortemente o comportamento das doenças
infecto-contagiosas;

- Epidemiologia dos fatores de risco: modelo hegemônico nos nossos dias, que se
propõe a dar conta das doenças crônico-degenerativas.

        Susser (1973), ao discutir a evolução de conceitos em Epidemiologia, declara
que "diferentes conceitos levam os cientistas a procurar diferentes explicações para as
doenças e a seguir diferentes rumos para eliminá-las. A nossa prática depende se temos
em mente miasmas ou microorganismos, enzimas, moléculas, comportamento humano
ou estrutura das sociedades."4 Além da diferença conceitual, Susser ressalta ainda que:
"As causas de doença visualizadas pelos cientistas médicos são limitadas por seu
conceito de doença e por seu esquema referencial "5 ,apontando para a congruência
entre o modelo explicativo e as práticas adotados no combate às doenças.
        Assim sendo, enquanto os cientistas acreditavam na teoria dos miasmas (e esta
foi dominante na medicina e na Saúde Pública até o início do séc. XIX), a linha de
investigação de doenças era provar os efeitos deletérios dos miasmas e a linha de
prevenção era eliminar as fontes destes e melhorar as condições de saneamento. Depois
das descobertas de Louis Pasteur, os microorganismos passaram a ser incriminados
como as causas das doenças, e a forma de prevenção passou a ser conter sua
disseminação. Nos dias de hoje, a medicina, respaldada na moderna Epidemiologia6,
passa a prevenir as doenças combatendo os fatores de risco a elas associados. Esta
moderna visão epidemiológica permite oferecer armas ao combate das doenças crônico
degenerativas, modificando, talvez o seu desenlace, e tornando-as não tão fatais quanto
sugere a denominação degenerativa. Vejamos um pequeno texto de Rodrigues da Silva
a cerca deste tema: "O novo quadro que surge é dominado pelas entidades que a
patologia designa como doença crônico-degenerativa, ponto de partida para a
construção de novo objeto pela Epidemiologia. A Epidemiologia de uma era
caracterizada por tal crença na eficácia da tecnologia teria de iniciar a construção de
um novo objeto mediante a desagregação do nome do conceito da entidade nosológica
representado pela doença cronico degenerativa, escoimando deste o termo
degenerativa por estar associado à idéia de caminho inevitável para a aniquilação e
morte, parte integrante do próprio processo de envelhecimento biológico. Era
necessário, naquele momento, conceptualizar um objeto potencialmente susceptível à
ação eficaz da tecnologia, e não um objeto imune a essa ação como aquele criado pela
patologia. E não se duvide de que na transição da idéia de doença crônica
degenerativa para a de doença crônica não ocorra algo mais que uma mera mudança
semântica."7




                                                                                       3
- A evolução da Epidemiologia

       Susser (1973) nos diz que a questão central da Epidemiologia é a ocorrência, a
causa e o controle das desordens de saúde, remetidas a uma população. Segundo o
autor, os estudos populacionais são o método central da Epidemiologia, o que a
aproxima de outras disciplinas: nos estudos populacionais " nós damos significado ao
numerador correlacionando os casos, da melhor maneira possível, à população da qual
eles são retirados. Este procedimento cria um padrão de comparação, sem o qual
nenhuma conclusão seria possível a cerca da anormalidade ou singularidade de
nenhum fenômeno. A epidemiologia compartilha este procedimento, de forma geral,
com outras ciências que estudam populações, por exemplo, as ciências sociais, a
biologia e a genética populacional. Estas disciplinas diferem uma das outras na seleção
da variável dependente, a qual é o objeto particular do estudo"8( a variável dependente,
no caso da Epidemiologia, é o estado de saúde). Para a Epidemiologia, o centro das
preocupações são os estados de saúde considerados como efeitos e suas causas.
       Almeida-Filho (1989) ao definir Epidemiologia propõe uma fórmula sintética
que terá dois elementos: doença e população e afirma que o tema da investigação
epidemiológica parece ser causa de doença em população.
        Definido, pois, que o problema com o qual a Epidemiologia busca lidar é a
ocorrência de doenças numa determinada população, vejamos como, historicamente, os
conceitos utilizados por esta disciplina irão contribuir para o avanço da Saúde Pública e
da Medicina. Susser nos diz que o primeiro trabalho epidemiológico historicamente
disponível aparece nos escritos de Hipócrates. Em seu livro "Ares, Águas, Lugares" o
autor teoriza sobre as relações entre doença e ambiente, incluindo o clima, a água, o
solo e os ventos. Vejamos um trecho deste livro. "Eu quero agora tratar das águas, as
quais trazem doença ou muito boa saúde, e do bem e do mal que é capaz de advir da
água. Pois a influência da água sobre a saúde é muito grande. Assim, as águas
pantanosas, estagnadas, devem ser quentes, densas e mau-cheirosas no verão, pois não
há escoamento; e, na medida em que a água da chuva cai sobre elas, e o sol as aquece,
elas adquirem uma cor feia, não saudável e biliosa. Aqueles que as bebem sempre tem
um baço grande e endurecido, e um estômago fino e quente, enquanto seus ombros,
pescoços e faces são emagrecidos. O fato é que sua carne se dissolve para alimentar o
baço, de tal forma que eles se tornam magros."9
       Os trabalhos de Hipócrates já apontam para conceitos fundamentais em
Epidemiologia: o ambiente (representado pelo ar, água, lugar) e o hospedeiro
(representado pela constituição individual). No texto acima, por exemplo, Hipócrates
responsabiliza a água pantanosa (que representa o ambiente) pela doença que está
descrevendo.
       Depois de Hipócrates, as modificações significativas em torno dos conceitos que
explicam as doenças só se deram no séc. XIX., isto é, a teoria dos miasmas serviu como
marco conceitual até o início do séc. XIX, quando se tornaram públicos os trabalhos de
Pasteur. No entanto, é merecedor de nota o trabalho de John Graunt em Londres, em
meados do séc. XVII, o qual introduziu, segundo Mendes Gonçalves (1994), o método
quantitativo em Epidemiologia. Graunt "demonstrou a uniformidade e a
predictibilidade dos [...] fenômentos biológicos tomados em massa e é assim encarado


                                                                                       4
como o fundador da ciência da bioestatística. Desde quando essas novas técnicas não
viram aplicação epidemiológica ulterior por quase 200 anos, Graunt deveria ser mais
apropriadamente encarado como um precursor do que como um fundador da
Epidemiologia."10
        O objetivo de Graunt era montar um sistema de monitoramento da Peste e outras
epidemias de tal forma que as classes mais abastadas pudessem deixar a cidade
precocemente, diante de um surto. Utilizando boletins de mortalidade provenientes de
todas as paróquias, Graunt encontrou diferenças na mortalidade entre os sexos, entre os
setores urbano e rural e diferenças ao longo do tempo. O método quantitativo, desde
então, fundamentou os estudos em Saude Pública, tanto na França como na Inglaterra.
Assim sendo, no final do séc. XIX, tanto o conceito de ambiente e a abordagem
numérica do entendimento de problemas relacionados à Saúde Pública, estavam
estabelecidos no raciocínio epidemiológico.
        O segundo momento na evolução dos conceitos epidemiológicos é referido por
Rodrigues da Silva como a Epidemiologia dos Modos de Transmissão, cujo início
coincide com o da era bacteriológica. Embora a noção de contágio já existisse
anteriormente (como pode ilustrar a lei dos Portos, do séc. XIV), foram as descobertas
de Pasteur, na segunda metade do séc. XIX que fundamentaram uma grande revolução
conceitual em relação ao processo de adoecimento: microorganismos específicos podem
causar patologias específicas. Num contexto histórico onde as preocupações de ordem
social "contaminavam" o pensamento médico (como podem atestar os trabalhos de
Rudolf Virchow e Salomonn Neumann na Alemanha; Louis René Villermé e Jules
Guerin na França, todos considerados precursores da Medicina Social), as descobertas
de Pasteur pareciam apontar para um caminho seguro, onde para cada efeito poder-se-ia
estabelecer uma, e sòmente uma causa: os fatores de natureza biológica. Em 1893, Emil
von Behring, grande defensor da bacteriologia declarava que "o estudo das doenças
infecciosas podia agora ser prosseguido com rumo certo, sem ser desviado por
considerações sociais e reflexões sobre política social."11
       Na última metade do séc. XIX, Koch enuncia seus postulados, os quais
pretendem enumerar os requisitos necessários para que um microorganismo seja
considerado como causa de uma doença específica,quais sejam:

- o organismo sempre é encontrado com a doença em acordo com as lesões e o estágio
clínico observado;

- o organismo não é encontrado em outra doença;

- o organismo, isolado de quem tenha a doença e cultivado durante várias gerações,
produz a doença [ em um animal experimental susceptível].

       Koch diz ainda: "Mesmo quando uma doença infecciosa não pode ser
transmitida a animais, a presença regular e exclusiva do organismo ( i.e.,os dois
primeiros postulados são atendidos), prova-se uma relação causal."12
      O aprofundamento da microbiologia permitiu uma reordenação na classificação
de doenças. Se a Medicina das Espécies classificava as entidades clínicas através de


                                                                                     5
suas manifestações, isto é, baseado nos efeitos das doenças, as descobertas
bacteriológicas promoveram uma nova classificação através do critério de causa.
"Algumas das manifestações mórbidas, agrupadas até então como doenças únicas,
foram reclassificadas como doenças diferentes causadas por microrganismos
particulares Com a descoberta do bacilo da tuberculose e o seu papel na doença, por
exemplo, o que anteriormente era chamado de "tisica" foi reordenado numa série de
condições, sendo que sòmente algumas delas eram tuberculose. As formas classificadas
como tuberculose foram aquelas nas quais o bacilo podia ser demonstrado por cultivo e
crescimento em cultura. Uma clara relação foi estabelecida entre o organismo como
agente e várias manifestações da doença. Por definição, tuberculose é causada pelo
bacilo da tuberculose: temos um agente específico como causa para uma entidade
clínica específcia."13
        Além do conceito de agente específico, um outro conceito epidemiológico
importante foi estudado por Pasteur: o conceito de resistência do hospedeiro e
imunidade.O conceito de hospedeiro parece estar relacionado ao conceito hipocrático de
constituição e susceptibilidade, expressa pela teoria dos humores. Como dissemos
anteriormente, na obra de Hipócrates já estão delineadas as noções de ambiente e de
constituição individual, sendo que a última é explicada pela proporção entre os quatro
humores (sangue, fleugma, cólera e melancolia) que compõem o ser humano. A partir
de Pasteur, a noção de constituição individual sofre um resgate, e o hospedeiro passa a
ser alvo de atenção, da mesma forma que o é o agente. Pasteur, e os imunologistas que o
sucederam, valorizam o estudo dos atributos dos indivíduos hospedeiros (sejam eles
adquiridos ou inatos) , uma vez que tais atributos podem "conformar", isto é, dar uma
forma específica às manifestações da doença.
        A questão de privilegiar o agente ou o hospedeiro no estudo dos determinantes
das doenças nos remete a duas concepções de enfermidade que disputarão a hegemonia
até o séc. XIX: a concepção ontológica e a concepção dinâmica de doença. Para a
concepção ontológica, a enfermidade é algo externo ao indivíduo, algo que vem de fora
e toma conta do organismo, trazendo ameaças à sua sobrevivência. Esta concepção pode
ser ilustrada pela Medicina das Espécies, para a qual a enfermidade era uma entidade
com existência própria. Sydenham propõe que para que se atinja um verdadeiro
conhecimento a cerca da patologia do doente, "É preciso que quem descreve uma
doença tenha o cuidado de distribuir os sintomas que a acompanham necessariamente,
e que lhe são próprios, dos que são apenas acidentais e fortuitos, como os que
dependem do temperamento e da idade do paciente."14 Visto desta forma, o paciente é
algo exterior ao seu sofrimento, "a leitura médica só deve tomá-lo em consideração
para colocá-lo entre parênteses"15 (Foucault, 1987).Neste sentido, os atributos
individuais, que expressam a singularidade daquele indivíduo que se enferma, não
fazem sentido.
        Desta concepção ontológica de enfermidade, a moderna Medicina herdou, como
diz Mendes Gonçalves (1994), com muita propriedade, muitos vícios de linguagem:
"...os clínicos contemporâneos falam em "entidades mórbidas" e em "manifestações
clínicas" dessas "entidades", por exemplo, embora não adiram à idéia de que a doença
tenha existência própria; utilizam inadequadamente esses termos apenas em



                                                                                     6
consequência, aparentemente, da relativa continuidade histórica mantida entre a sua
prática e a de seus predecessores."16
        Em contrapartida à concepção ontológica da doença, Canguilhem nos informa
que já nos escritos de Hipócrates podemos observar uma outra concepção, totalizante (e
não mais localizante) e dinâmica (não ontológica). A doença não está mais localizada
em algum sítio, no homem, está em todo o homem, e é toda dele. A natureza (physis)
tanto no homem como fora dele, é harmonia e equilíbrio, e a perturbação desse
equilíbrio, dessa harmonia, é a doença. Segundo esta concepção, a doença seria uma
reação generalizada do organismo com intenção de cura: o organismo fabrica uma
doença para curar a si próprio. A técnica médica se restringiria a imitar a ação médica
natural (vis medicatrix naturae). Segundo Canguilhem, "o pensamento dos médicos
oscila, até hoje, entre essas duas representações da doença... As doenças de carência e
todas as doenças infecciosas ou parasitárias reforçam a teoria ontológica [uma
entidade externa ao organismo se apossa deste, e se manifesta através dos sintomas];
as perturbações endócrinas e todas as doenças marcadas pelo prefixo dis reafirmam a
teoria dinâmica ou funcional."17
        Estas duas concepções tem, no entanto, um ponto em comum: encaram a doença,
ou melhor, a experiência de estar doente, como uma situação polêmica, quer a luta do
organismo contra um ser estranho, quer uma luta interna de forças que se confrontam.
Gonçalves (1994) afirma que ambas as concepções referidas sobre a doença eram
genericamente apropriadas para todas as épocas históricas nas quais a intervenção eficaz
do homem sobre a natureza - a restauração da saúde no sentido de uma ação contra a
natureza - não poderia ser uma pretensão compatível com as formas de organização
social e com suas correspondentes concepções de mundo. Por isso, deram lugar, no séc.
XIX, a uma nova concepção, marcadamente biologicista e individualista..
       "E quase intuitivo perceber como um biologicismo exacerbado do saber médico
serve para estabelecer relações adequadas entre seu portador, o agente do trabalho
médico, e seu objeto, o homem doente. É assim que se fundamenta a pedra angular da
estruturação social da prática médica: sua capacidade de individualizar o doente,
rompendo legitimamente as relações que mantém consigo mesmo e com os outros
homens."18
        Embora a Epidemiologia se ocupe das populações, é interessante observar que
ela conserva a "qualidade biologicista do enfoque individual da Clínica"19, e reduz o
social ao coletivo, isto é, um somatório de indivíduos, ignoradas as relações entre eles.
Esta disciplina obtém a legitimação da causa da distribuição das doenças como
decorrente da distribuição de atributos individuais e a legitimação do social como
unidimensional, homogêneo em substância mas heterogêneo quantitativamente,
desprovido de historicidade; em resumo, "natural".
        Hoje muito se fala na prevenção de doenças através do controle de fatores
inerentes ao indivíduo, ou a grupos de indivíduos.Isto se deu a medida em que a
Epidemiologia incorporou as noções de risco e seus frutos: os grupos de risco e os
fatores de risco. Vejamos, a seguir, como se estrutura a Epidemiologia dos fatores de
risco.




                                                                                       7
- A epidemiologia dos fatores de risco.

        Em 1950 , John Gordon publica sob o nome de "Epidemiology - old and new"
um artigo onde faz considerações sobre qual seria o foco de atenção prioritário da
Epidemiologia. O autor faz considerações sobre o que ele chama de "Shrinking World"
[um mundo encolhido] e sobre o envelhecimento das populações, responsabilizando
estes dois fatores pela transformação que a Epidemiologia deve sofrer. "...o mundo
tende a se fundir num único universo epidemiológico", diz ele. "Esta tendência é tão
definitiva que hoje é difícil reconhecer unidades epidemiológicas separadas que
existiam há pouco tempo atrás, unidades que eram marcadas por fronteiras
continentais e nacionais." E diz ainda: "os trópicos não são mais as áreas remotas que
eram há uma geração. As pessoas vão lá no curso de suas atividades ordinárias e
adquirem as doenças que lá são prevalentes, e muitas vezes as trazem para casa."20
Associando estes argumentos à constatação de que a população americana envelheceu e
doenças cronico degenerativas despontam como grandes causas de morte (as doenças
cardíacas na época deste artigo ocupava o primeiro lugar como causa de morte entre os
americanos, sendo que o Cancer e outras doenças crônicas já tinham grande peso),
Gordon colocava, pois, que a limitação do método epidemiológico às doenças
transmissíveis não mais se justificava. Em 1956, Gordon, juntamente com outros
autores, publica o artigo: "The community problem in coronary heart disease: a
challenge for epidemiological research." Este artigo, que Rodrigues situa
historicamente num momento de transição entre a Epidemiologia dos Modos de
Transmissão das doenças infecciosas e a Epidemiologia dos fatores de risco, das
doenças cronicas não infecciosas, via com otimismo o papel instrumental que o
conhecimento Epidemiológico poderia desempenhar no desvendamento das doenças
crônico-degenerativas. Os autores colocavam as dificuldades trazidas pela
multiplicidade de fatores causais, mas por outro lado, consideravam que "a presença de
fatores múltiplos tem também as suas vantagens, porque ao desvendarmos,
sucessivamente, cada mistério, um de cada vez, não temos necessidade de aguardar a
compreensão de toda a teia de causalidade, nem de recorrer à busca de um único e
específico agente para fundamentar nossa ação de controle da doença . Em outras e
análogas situações, a compreensão de poucos componentes do complexo causal tem
resultado em avanço substancial na prevenção; por exemplo, a fluoração da água tem
resultado em substancial redução da cárie dental, enquanto a causa da doença
permanece múltipla, obscura e complexa."21
       Esta abordagem, que vê a doença como resultante de uma teia de causalidade,
sugere, pois, que o homem não é tão impotente frente tais doenças, como sugere o termo
"crônico degenerativa." É com base nesta idéia que a medicina moderna aborda
doenças cardíacas, coronarianas, câncer, como veremos mais tarde, no decorrer deste
capítulo. E qual a origem da metáfora "teia de causalidade" na Epidemiologia?
        A primeira referência à "teia de causalidade" surge em 1960, em
"Epidemiologic Methods", livro texto de MacMahon, Pugh & Ipsen. Para Krieger
(1994), o objetivo desta obra era incentivar uma nova geração de epidemiólogos a
incluir as condições crônicas de adoecimento, como o Cancer e as Doenças Cardio-
vasculares, ao escopo da Epidemiologia, até então restrito ao âmbito das doenças
infecciosas agudas.

                                                                                    8
Os anos sessenta são marcados por duas grandes tendências dentro da Saúde
Pública: por um lado, alguns epidemiólogos propunham a substituição das teorias de
unicausalidade por modelos mais complexos, como "hospedeiro, agente e ambiente",
enquanto a tendência conhecida como Medicina Social se propunha a examinar os
determinantes sociais da doença. Alguns fatos iriam determinar a hegemonia da
primeira tendência, quais sejam:

1 - a descoberta da estrutura do DNA dupla-hélice,em 1953 por Watson, Crick e
Franklin causou uma explosão na Biologia e apontou para a possibilidade de novas
esperanças para o entendimento da relação entre gen e ambiente. Dai em diante são
desenvolvidos modelos matemáticos que relacionam micromecanismos de causação de
doença a padrões de adoecimento na população.

2 - Nos EUA, o McCarthyismo remeteu a discussão de fenômenos sociais à categoria de
heresia, o que fez com que os epidemiólogos abandonassem as "perigosas
especulações" sobre determinantes sociais da doença, orientando grande parte das
pesquisas para teorias que situassem a doença no âmbito da Biologia e do
indivíduo.(Krieger, 1994).22 Para tais teorias, "population risk was thought to reflect the
sum of individuals' risks, as mediated by their "lifestyles" and genetic predisposition to
disease." 23

       É neste cenário que McMahon et al. introduzem o conceito de "teia de
causalidade"(Web of Causation, no original), conceito este que se tornaria o cânone da
epidemiologia contemporânea. Um dos conceitos centrais da disciplina, que
modernamente substitui as teorias do agente único da doença por modelos mais
complexos, é o de que os padrões de saúde e doença podem ser explicados por uma
complexa trama de fatores de riscos e fatores de proteção interligados, cuja pertinência é
testada por técnicas estatísticas e análise multivariada. A contribuição que a
epidemiologia pode dar à saúde pública é identificar tais fatores, ainda que não se
consiga atingir um completo entendimento a cerca das causas da doença.
       E como os autores explicam o olhar da Epidemiologia na direção das doenças
crônicas? Se Gordon afirma que o foco prioritário da Epidemiologia deve-se deslocar no
sentido das doenças crônicas devido à magnitude destas últimas no perfil de morbi-
mortalidade no Ocidente, MacMahon atribui este deslocamento ao fato de que o estudo
(e o controle) das doenças transmissíveis depende cada vez mais das técnicas de
laboratório de microbiologia e cada vez menos de observações sobre o comportamento
epidêmico das doenças. "O progresso no controle e eliminação desse grupo de doenças
dependerá da aplicação de conhecimento existente e do desenvolvimento de novo
conhecimento concernentes às características biológicas dos microorganismos
mediante técnicas experimentais e nào mediante a abordagem observacional"24 Assim
sendo, para Macmahon, a mudança do enfoque prioritário da Epidemiologia deve-se,
parcialmente, a limitações do próprio método de pesquisa.
       Seja por imposição do objeto de estudo (a crescente magnitude das doenças
crônicas enquanto problema de saúde pública) , seja por deficiência do método
observacional, a moderna Epidemiologia amplia seus horizontes, ao incorporar o
conceito de Risco. "Em face das dificuldades de aplicação de modelos de determinação
causal na abordagem do seu objeto de conhecimento, a Epidemiologia moderna

                                                                                         9
estrutura-se em torno de um conceito fundamental: risco."25 Almeida Filho (1989)
defende a idéia de que esta estruturação da Epidemiologia será crucial para o
desenvolvimento de uma Epidemiologia das doenças não infecciosas, como os
distúrbios mentais, "onde o paradigma da contagiosidade não é facilmente
aplicável"26.
        A seguir, neste capítulo buscaremos apresentar os indicadores de Saúde Pública
criados em torno do conceito de risco - a incidência, o risco relativo, o risco atribuível, e
as práticas médicas calcadas sobre o conceito de fator de risco.



Os indicadores de risco em Saúde Pública

- A incidência ou risco absoluto

        O risco absoluto do uma doença é a incidência da doença (Gordis, 1988). De
acordo com Rouquayrol (1987), a incidência, em Epidemiologia, traduz a idéia de
intensidade com que acontece a morbidade em uma população, sendo esta intensidade
relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia, semana, mês ou ano). Em termos
operacionais, utiliza-se o coeficiente de incidência, o qual pode ser matematicamente
expresso da seguinte maneira:




       Quando dizemos, por exemplo, que a incidência de leucemia em Recife é de 3,6
por 100.000 habitantes, no ano de 1980, estamos dizendo que o risco absoluto de um
habitante de Recife adquirir leucemia neste período é de 3,6/100.000.
       Gordis ressalta a importância deste indicador, alegando que "uma mulher
grávida que tenha sido exposta à rubéola não está interessada no risco relativo, mas no
risco absoluto de ter um bebê mal-formado." 27



- O risco relativo

O risco relativo (RR) é expresso pela seguinte razão:




       Esta razão pode se comportar de três maneiras:




                                                                                          10
a) o risco relativo é igual a 1, isto é, o risco da doença na população exposta é o mesmo
que na população não exposta, o que parece indicar não haver associação da exposição à
doença em questão;

b) o risco relativo é maior que 1, isto é, o risco da doença é maior em indivíduos
expostos do que nos não expostos, indicando uma associação da exposição à doença.
Um exemplo clássico desta situação é a associação entre fumo e câncer de pulmão: num
estudo hipotético, podemos comparar a incidência de Câncer de pulmão em fumantes e
em não fumantes, e obter o seguinte resultado: RR = 4.6 (Hennekens & Buring, 1987).
Este resultado quer dizer que o rsico de fumantes adquirirem Câncer de pulmão é 4.6
vezes maior do que os não fumantes.

c) o risco relativo é menor que 1, isto é, o risco da doença é menor em indivíduos
expostos do que nos não expostos, o que sugere que a exposição possa ter um papel
protetor em relação à doença estudada. Este resultado pode ser encontrado quando
estudamos, por exemplo, a eficácia de uma vacina.

      O risco relativo é uma medida de associação. Este índice se refere à intensidade
com que uma determinada exposição se relaciona com a doença em estudo. Outra
medida de associação importante é o risco atribuível.



- O risco atribuível

        O risco relativo, como vimos anteriormente, é uma razão de riscos. Já o risco
atribuível é uma diferença entre riscos. Suponhamos duas populações, uma exposta e
outra não exposta, e que o risco de uma doença é maior entre os expostos. O nível de
risco nos não expostos pode ser visto como risco de fundo (background risk, no
original), um risco que é compartilhado por ambos os grupos. Se quisermos saber
quanto do risco total nos expostos pode ser realmente atribuível à exposição
propriamente dita (e não ao risco de fundo, o qual os dois grupos apresentam), devemos
tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco nos não expostos (risco de fundo).
       De forma similar, pode ser avaliado o impacto que uma exposição específica
pode ter na população, com respeito a um evento particular. Por exemplo, " a taxa de
mortalidade por câncer de pulmão para não fumantes (0.07) pode ser subtraída da taxa
de mortalidade por cancer de pulmão na população total (0.65); o resultado obtido
pode ser chamado de risco atribuível ao câncer de pulmão relacionado ao hábito de
fumar. Se esta estimativa for aplicada a outra população, sua frequência de exposição
deve ser semelhante à primeira. O conceito de risco atribuível populacional é útil na
medida em que ele estima o quanto a incidência de uma doença particular pode ser
reduzida se uma exposição específica for removida." 28




                                                                                      11
*Figura 1 - Risco em expostos e não expostos




                  *Extraído de Gordis, op. cit.,1988. p.55.

       Em outras palavras, o risco atribuível pretende responder a seguinte pergunta: "o
quanto de risco da doença, em indivíduos expostos, pode ser atribuído à exposição? O
quanto de risco da doença em indivíduos expostos podemos esperar de eliminar se
pudermos diminuir ou eliminar a exposição?" 29 O risco atribuível é assim uma medida
do benefício potencial de uma medida preventiva.



- As limitações do conceito de risco na Epidemiologia

       Almeida-Filho observa que as reflexões teóricas sobre qual seria o objeto de
estudo da Epidemiologia são recentes. Segundo ele, Goldberg (1982) e Miettinen (1985)
são os primeiros autores a desenvolver uma reflexão epistemológica sobre este tema,
colocando em questão uma suposta natureza empiricista da Epidemiologia. "Para os
epidemiologistas, a natureza essencialmente empiricista da sua prática científica
apresenta-se como um suposto fundamental, axiomático, indiscutível. Empiricismo é
aqui referido como o referencial filosófico que advoga uma ciência neutra, livre de
valores, que apreenderia a realidade sem mediações, sendo os conceitos científicos
imediatamente redutíveis à observação".30
        Os epidemiólogos modernos, ao tentarem pensar teoricamente sua disciplina,
parecem retomar o pensamento empiricista, que poderia ser sintetizado pelo aforisma de
John Locke: "No direct measurement, no basic concept"31 Nesta afirmação está
explícita a questão de que só aquilo que for mensurável é passível de um tratamento
científico Rothman, autor de Epidemiologia Moderna (1986) recorre a tradição
empiricista quando afirma: "Quando você puder medir aquilo a que você se
refere,...então você saberá algo sobre aquilo"32 Para olhar, portanto, cientificamente
para o fenômeno do adoecimento, será necessário quantificá-lo, criar indicadores que
meçam a morbidade nas populações e possibilitem comparações entre populações



                                                                                     12
diferentes. Poderíamos acreditar assim, que os indicadores de saúde falariam por si,
como fatos.
       Esta crença baseia-se na concepção positivista de Ciência, segundo a qual esta
deve manter-se neutra, livre de juízos de valor. Para Durkheim, os fatos seriam coisas
objetivas, e não construções : "Se eles [os fatos] são inteiramente inteligíveis, então
bastam tanto à ciência, porque neste caso não há motivo para procurar fora deles
próprios a sua razão de ser, e à prática, porque o seu valor útil é uma das razões."33
       Segundo Minayo (1993), esta concepção que se julga livre de juízos de valor
encaminhou-se, na prática, para a utilização de termos matemáticos, como a linguagem
das variáveis, e o desenvolvimento de métodos de pesquisa quantitativos.
         Mas qual é o objeto da Epidemiologia? Para Almeida-Filho, "a única questão
conceitual que parece monopolizar a atenção dos epidemiologistas (principalmente os
anglo-saxões) tem sido o problema da causalidade e correlatos."34 Krieger (1994)
aponta, também, para o que ela qualifica de pobreza no que tange à reflexão teórica
dentro da epidemiologia, pois, segundo a autora, os epidemiólogos modernos estariam
mais preocupados com o estudo de complexas relações entre fatores de risco do que
com o entendimento de suas origens e implicações para a Saúde Pública. É interessante
a observação de Krieger de que os livros-texto de epidemiologia reservam, em geral,
pouco espaço para a discussão das diferentes teorias explicativas, privilegiando o "study
design" e a análise de dados. O ensino da epidemiologia não habilitaria o estudante a
refletir ou a questionar os conceitos, mas apenas (o que, aliás, não é pouco) a lidar com
a metodologia de pesquisa.
       No entanto, em 1985 Miettinen publica "Epidemiologia teórica", onde a
preocupação com o objeto da disciplina se manifesta: "a relação de uma medida de
ocorrência a um determinante, ou uma série de determinantes, é denominada de
relação ou função de ocorrência. Tais relações são em geral, o objeto da pesquisa
epidemiológica."35. Miettinen e Goldberg compartilham uma proposta em que o "objeto
modelo"36 da Epidemiologia será a própria relação, e não qualquer um dos termos que
compõe a relação. Para Miettinen, é o caráter coletivo do objeto epidemiológico que
preserva a especificidade desta disciplina e que serve como base para a sua expressão
quantificada. Existe uma população de referência e existe um atributo em estudo37, o
qual diferencia um sub-conjunto desta população, sub-conjunto este que podemos
chamar de "portador de ocorrência":
                      Figura 2
                      -




                                  *Baseado em Almeida-Filho, 1992.

      De acordo com Almeida-Filho, esta representação gráfica do objeto
epidemiológico ilustra o postulado básico da perspectiva epidemiológica: o objeto da
Epidemiologia é de natureza probabilística. "A proporção conjunto/subconjunto D/P



                                                                                      13
deve expressar a probabilidade de qualquer membro de P ser ao mesmo tempo membro
de D. Em outras palavras, indicará a probabilidade de ocorrência do atributo d
(doença ou fenômeno correlato) na população. Sob a forma particular de uma
proporção, a expressão geral D/P corresponde ao conceito de "risco", que por isso
pode ser pensado como o conceito fundamental da Epidemiologia, o seu parâmetro
"primitivo".38
        É admitindo esta natureza probabilística do objeto epidemiológico que podemos
entender o conceito de fator de risco. A moderna Epidemiologia, hoje conhecida como
Epidemiologia dos Fatores de Risco, ao debruçar-se sobre as doenças não
transmissíveis, desloca a questão da causa para a do fator de risco, como comenta
Goldberg (1982), utilizando uma citação de Schwartz (1969): "à definição da palavra
causa, que exige que quando a causa esteja presente o efeito exista e quando suprimida
o efeito desapareça, substitui-se por uma definição de probabilidade: o efeito existe
com maior frequência quando a causa está presente do que quando está ausente".39
        Poderíamos assim sistematizar o percurso do trabalho epidemiológico: uma
variável supostamente relacionada a um fenômeno de saúde é posta em evidência (pela
Clínica, segundo Almeida-Filho40); os métodos estatísticos medirão a forma e a
intensidade desta ligação e por último, baseados nos resultados obtidos na etapa
anterior, os epidemiólogos afirmarão ou refutarão uma associação causal. Numa outra
etapa, em estudos descritivos, as populações serão estudadas para a identificação dos
grupos de risco.
        O discurso médico incorpora hoje os conceitos de fator de risco e grupos de
risco, tanto para lidar com as doenças crônicas quanto para as doenças transmissíveis
(como no caso da AIDS). Vejamos um trecho do livro nacional "Medicina
Ambulatorial": "O manejo de pacientes com cardiopatia isquêmica inclui uma contínua
ação sobre os fatores de risco...Durante toda a história natural da cardiopatia
isquêmica, o médico tem papel importante na orientação de pacientes quanto ao
controle da hipertensão arterial sistêmica e da hipercolesterolemia, a manutenção do
peso ideal, a ingesta de dieta pobre em gorduras, a prática de atividade física regular e
a interrupção do tabagismo."41
        Miettinen (1985) considera o termo "fator de risco" inadequado para expressar
uma relação entre um determinante e uma patologia. Em lugar de usá-lo, o autor sugere
a utilização de "indicador de risco": "Since the relation of an occurrence parameter to a
determinant need not be the result of a causal connection, and since the term "factor"
(form the Latin word for doer) suggests causality, "risk factor" is not a proper substitute
for "determinant of risk".42 A proper synonym is risk indicator - analogously with
"economic indicator", "health indicator" and so on." O autor utiliza a relação entre
hipertensão e AVC como exemplo: a hipertensão não é um determinante de risco para
Acidente Vascular Cerebral; é uma categoria de alto risco - uma indicação de alto risco
- baseada na pressão sanguínea como um determinante ou indicador de risco.
       Como se define fator de risco? Um fator de risco é toda característica ou
circunstância determinável de uma pessoa ou um grupo de pessoas que se sabe estar
associado a um risco anormal de aparecimento ou evolução de processo patológico ou
de afecção especialmente desfavorável por tal processo (OMS, 1983).


                                                                                        14
Ortiz (1989) distingue duas etapas no estudo epidemiológico de fatores de risco
de uma doença:

1 - a identificação dos principais fatores de risco de um dano, através de estudos que
verifiquem a associação entre esse dano e os fatores considerados suspeitos de serem
causais: e

2 - A determinação de quais fatores de risco são na realidades fatores etiológicos ou
causais, com base em critérios tais como a redução de risco de dano quando se reduz a
exposição ao fator em estudo, a validade do estudo e a consistência entre os resultados
de estudos diversos, o grau ou força de associação existente, a sequência no tempo da
exposição ao fator em estudo, a validade do estudo e a consistência entre os resultados
de estudos diversos, o grau ou força da associação existente, a sequência no tempo da
exposição ao fator e o aparecimento do dano, a existência de uma relação de tipo dose-
resposta, a coerência dos novos resultados com o conhecimento existente, etc.43

       Almeida-Filho (1992) advoga que a Epidemiologia dos Fatores de Risco não dá
conta da complexidade que cerca o objeto saúde/doença. O autor sugere que a
Epidemiologia se utilize de um novo paradigma, o qual deverá transcender as limitações
dos paradigmas anteriores: os modos de transmissão e os fatores de risco. Este novo
paradigma seria caracterizado pelo "objeto-totalizado", "modelos de sistemas
dinâmicos", "sistemas de causação circular" descritos por funções não-lineares e
representadas graficamente por atratores.
       Castiel (1994) aponta uma série de limitações da Epidemiologia dos Fatores de
Risco, limitações estas que, no entender do autor, revelam uma crise epistemológica da
Epidemiologia. Se por um lado o autor parece admitir a complexidade como novo
paradigma ("Se encararmos a complexidade como característica dos sistemas auto-
organizados, essa precisa ser considerada na epidemiologia"44 ), por outro, ele sugere
que a crise não repousa na necessidade de substituição paradigmática, mas no espírito
epidemiológico, na visão de mundo do epidemiologista. Haveria necessidade do
estabelecimento de uma nova relação entre objeto e sujeito, "de modo a tornar o
primeiro menos fugidio e o segundo menos obsessivo no seu infrutífero afã de controlar
o primeiro."45



1. JASANOFF, S., Bridging the two cultures of Risk Analysis. Risk Analysis, 13(2):123-129,
   1993.
2. ALMEIDA-FILHO, N., Epidemiologia sem números. Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 24.
3. ALMEIDA-FILHO, N., op.cit., 1989, p. 24.
4. SUSSER, M., Causal Thinking in the health sciences. New York, Oxford University Press,
   1973, p.13.
5. SUSSER, M., op. cit., 1973, p. 41. "The causes of disease sought by a medical scientists are
   limited by his concept of disease and by his frame of reference."




                                                                                            15
6. Gonçalves sugere que a relação entre a investigação epidemiológica e a prática médica seja
   "...de natureza a definir a primeira como um momento da segunda." GONÇALVES,
   R.B.M., Investigação epidemiológica e prática médica, in Epidemiologia: Teoria e Objeto,
   Costa (org.), Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1994.
7. RODRIGUES DA SILVA, G., "Avaliação e perspectivas da epidemiologia no Brasil", in
   Anais do I Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Rio de Janeiro, ABRASCO, 1990. pp.
   109-110.
8. SUSSER, M., op.cit., 1973. p.6. "we give the numeration meaning by relating the cases, as
   best we can, to the population from which they are drawn. This procedure creates a standard
   of comparison, without which no conclusion can be reached on the abnormality or
   distinctiveness of any phenomenon. Epidemiology shares this procedure, in a general way,
   with the other sciences that study population, for instance the social sciences, human
   biology and population genetics. These disciplines differ from each other in the selection of
   the dependent variable that is the particular object of study"
9. HIPÓCRATES, Airs, Waters, Places in The Challenge of Epidemiology, Pan American
   Health Organization, Washington D.C., 1988. pp 18-19. "I wish now to treat of waters,
   those that bring disease or very good health, and of the ill or good that is likely to arise from
   water. For the influence of water upon health is very great. Such as are marshy, standing
   and stagnant must in summer be hot, thick and stinking, because there is no outflow; and as
   fresh rainwater is always flowing in and the sun heats them, they must be of bad colour,
   unhealthy and bilious... Those who drink it have always large, stiff spleens, and hard, thin,
   hot stomachs, while their shoulders, collar-bones and faces are emaciated. The fact is that
   their flesh dissolves to feed the spleen, so that they are lean. "
10. GONÇALVES, R.B.M., Investigação epidemiológica e prática médica, in Epidemiologia:
    Teoria e Objeto, Costa (org), Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1994.
11. BEHRING, E., citado por Rosen, G., Da Polícia Médica à Medicina Social: ensaios sobre a
    história da assitência médica, Rio de Janeiro, Graal, 1979. p.78.
12. KOCK, R., in Susser, op. cit., 1973. p.23. "Even when an infectious disease cannot be
    transmitted to animals, the regular and exclusive presence of the organism ( i.e., the first
    two postulates are satisfied), proves a causal relationship."
13. SUSSER, M., op. cit., 1973. p.23 "Some of the manifestations, grouped until that time as
    unitary diseases, were reassigned among different diseases caused by particular
    microorganisms. With the discovery of the tubercle bacillus and its role in disease, for
    instance, what had been designated "phthises" was reordered into a number of conditions,
    only some forms of which were tuberculosis. The forms assigned as tuberculosis were those
    in which the bacillus could be demonstrated by staming and grown in culture. A neat
    relationship had been created between the organism as agent an the several manifestations
    of disease. By current definition, tuberculosis is caused by the tubercle bacillus: we have a
    specific agent as cause for a specific disease entity."
14. SYDENHAM, citado por FOUCAULT, M., O Nascimento da Clínica. Tradução de Roberto
    Machado. 3a ed. Rio de Janeiro, Forense-Unisersitária, 1987. p.7.
15. FOUCAULT, M., op. cit., 1987. p.7.



                                                                                                 16
16. GONÇALVES, R.B.M., op. cit., 1994. pp.41-42.
17. CANGUILHEM, G., O Normal e o Patológico.Tradução de Maria Thereza R. C. Barrocas.
    2a. ed. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1982. p.20.
18. GONÇALVES, R.B.M., op. cit., 1994. pg 52.
19. GONÇALVES, R.B.M., op. cit., 1994. pg 70.
20. GORDON, J., Epidemiology - Old and New, in The Challenge of Epidemiology, op. cit.,
    1988. pp.135-136.
21. GORDON, J., citado por Rodrigues da Silva, G., op. cit., 1990. p.113.
22. Como vimos anteriormente, Gonçalves (1994) refere-se à uma concepção de doença
    biologizante e individualizante, que emerge ao final do séc. XIX.
23. KRIEGER, N., Epidemiology and the web of causation: has anyone seen the spider? Soc.
    Sci Med., Vol. 39, n. 7 pp 887-903, 1994.
24. MACMAHON, B. Profile: Department of Epidemiology, Havard Publ. Health Alumni Bull.
    Jun: 8-10, 1959, cipado por Rodrigues da Silva, G., op.cit., 1990.
25. ALMEIDA-FILHO, N., op.cit., 1989. p.24.
26. ALMEIDA-FILHO, N., op.cit., 1989. p.24.
27. GORDIS,L.,"Estimating risk and inferring causality", in Epidemiology and Health Risk
    Assessment. Nova York, Oxford University Press, 1988. p. 51. "a pregnant woman with a
    possible exposure to rubella who is contemplating the possibility of terminating her
    pregnancy is interested not in the relative risk but in the absolute risk of her having a
    malformed child."
28. MACMAHON, B., & PUGH, T., Epidemiology - principles and methods. 1ed., Little,
    Brown and Co., Boston, 1970. pp. 233-234. "the lung cancer death rate for nonsmokers
    (0.07) may be subtracted from the lung cancer death rate in the total population (0.65); the
    result obtained might be termed the population attributable risk of lung cancer resulting
    from cigarette smoking. If this estimate is to be applied to some other population, it must
    obviously be one similar in exposure frequency to that from which the estimate was derived.
    The concept of population attributable risk is useful in that it provides an estimate of the
    amount by which a particular disease rate might be reduced if the specified exposure were
    removed."
29. GORDIS, L., op. cit. 1988. p. 54."how much of the risk of disease in exposed individuals
    can be attributed to the exposure? ...how much of the risk of disease in exposed individuals
    could we hope to eliminate if we could reduce or eliminate the exposure?"
30. ALMEIDA-FILHO, N., A Clínica e a Epidemiologia. Salvador, Apce/ABRASCO, 1992.
    p.25.
31. ALMEIDA-FILHO, op. cit., 1992. p.26.
32. ROTHMAN, K., Epiemiologia Moderna. Madrid, Ediciones Diaz de Santos S.A., 1987.p.29.
33. DURKHEIM, E., As regras do método sociológico. Pensadores. São Paulo. Ed. Abril. 1978.
    p.74.



                                                                                             17
34. ALMEIDA FILHO, op.cit., 1994. p.203
35. MIETTINEN, O., Theoretical epidemiology. Principals of occurrence research in medicine.
    Nova York, John Willly & Sons, 1985. p.6. "The relation of an occurence measure to a
    determinant, or a set of determinants, is naturally termed an occurrence relation or an
    occurrence function. These relations are in general the objects of epidemiologic research."
36. Este conceito de "objeto modelo"é visto na obra de Bunge, para quem a conquista conceitual
    da realidade começa pela construção de um objeto-modelo em referência a uma coisa, fato
    ou processo. A seguir, haverá a integração do objeto em uma teoria, ou seja, um conjunto de
    proposições relativas às propriedades de tal objeto, que frequentemente não são
    sensivelmente abordáveis, particularmente seus determinantes.
37. Almeida-Filho (1992) se refere à "diferença crucial", que seria dada pela Clínica, em A
    clínica e a epidemiologia. Salvador, Apce/ABRASCO, 1992.
38. ALMEIDA -FILHO, 1992, op.cit. p. 209.
39. SCHWARTZ, 1969, citado por GOLDBERG,M., Este obscuro objeto da Epidemiologia, in
    Epidiemiologia: Teoria e Objeto, Costa (org), Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1994.
    p.93.
40. ALMEIDA-FILHO, N., O objeto de conhecimento na Epidemiologia, in Epidemiologia :
    Teoria e Objeto, op. cit., 1994. Neste texto, o autor traça um paralele entre a Demografia e a
    Epidemiologia, situando o que seria o objeto modelo de ambas, e onde acontece a
    especificidade de cada uma delas. Vejamos: "...será o objeto-modelo da demografia, que
    também implica a representação de subconjuntos identificados a partir de conjuntos
    populacionais, aquele mais aparentado com o objeto epidemiológico. Entretanto, no caso da
    pesquisa demográfica, o estabelecimento da heterogeneidade fundamental (ou seja, o
    atributo do subconjunto base) será dado por alguma das ciências sociais, enquanto que na
    Epidemiologia tal papel é desempenhado pela Clínica." p.211
41. DUNCAN, SCHMIDT & GIUGLIANI, Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em
    atenção primária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. p. 219.
42. MIETTINEN, O., op. cit., 1985. pg. 10. Esta citação está no original para que seja
    preservada a observação semântica do autor.
43. ORTIZ, E. R., Enfoque de risco e Planejamento de Ações de Saúde in ROUQUAYROL,
    Z.,Epidemiologia & saúde, Rio de Janeiro, MEDSI Ed. , 1988. pp. 449-461. Esta
    observação de Ortiz diz respeito aos cânones de Hill(1965), os quais consideram os
    seguintes aspectos de uma associação encontrada para estabelecer seu caráter causal (ou
    não): 1 - força; 2 - consistência; 3 - especificidade; 4 - temporalidade; 5 - gradiente
    biológico; 6 - plausibilidade; 7 - coerência; 8 - evidência experimental; 9 - analogia. Para
    uma leitura completa sobre o tema, leia, por exemplo, ROTHMAN, op. cit. (1987), pp 23-
    24.
44. CASTIEL, L.D., O buraco e o avestruz, Rio de Janeiro, Papirus, 1994. p. 160.
45. CASTIEL, L.D., op. cit., 1994. p. 169.




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Conceito de risco sua utilizacao

  • 1. O CONCEITO DE RISCO Sua utilização pela Epidemiologia, Engenharia e Ciências Sociais. MARIA CRISTINA RODRIGUES GUILAM - Julho de 1996 Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/projetos/esterisco/ INTRODUÇÃO Contemporaneamente, o conceito de risco foi tomado por diversas disciplinas, em diferentes áreas do conhecimento. Porto (1991) situa estas disciplinas em quatro grandes grupos: as ciências econômicas, a epidemiologia, a engenharia e as ciências sociais. As ciências econômicas tratam de transformar as incertezas (as variáveis cujo comportamento se quer conhecer) em probabilidades, ou seja, tais ciências tratam de quantificar os riscos para avaliar custos e possíveis perdas. Desta forma funcionam as seguradoras: é sabido, por exemplo, que o preço que se paga para assegurar um carro é maior no Rio de Janeiro do que em qualquer outra cidade no Brasil, pois a probabilidade de roubo nesta cidade é maior do que nas outras. Para a moderna Epidemiologia, o conceito de risco é um conceito fundamental, e a sua incorporação possibilitou à esta disciplina o estudo de doenças não transmissíveis, o que representou uma enorme ampliação de seu objeto de estudo, como veremos depois. A área da Engenharia que se ocupa com os riscos é hoje internacionalmente conhecida como Risk Assessment ou Risk Analysis, e analisa o impacto da introdução de modernas tecnologias na sociedade, seja através de um método quantitativo (medições ambientais, relação custo-benefício), seja através da discussão do gerenciamento do risco (Risk Management). As Ciências Sociais vêm estudando o risco na perspectiva daquele que o percebe: como o indivíduo percebe as situações de risco, seja como cidadão, seja como trabalhador. Para os cientistas sociais, as avaliações de risco não podem deixar de lado fatores subjetivos (éticos, morais, culturais) que direcionam as opções dos indivíduos. Estes quatro grupos podem ser recortados de outra maneira, como propõe Jasanoff (1993): as ciências quantitativas (as ciências hard), que englobam a matemática, bioestatística, toxicologia e engenharia, e as ciências não quantitativas ( as ciências soft) : o direito, psicologia, sociologia, economia e outras. Segundo Jasanoff, existiria um consenso entre os vários estudiosos de risco a cerca das seguintes questões: a avaliação dos riscos não é um processo científico, objetivo, que possa ser reduzido a uma avaliação quantitativa; fatos e valores frequentemente se misturam, quando se lida com assuntos de alta incerteza; fatores culturais afetam a avaliação que os indivíduos fazem das situações de risco; experts e leigos percebem o risco de maneira diferente; a comunicação sobre o risco é mais efetiva se estruturada como um diálogo, e nao como transferência unidirecional de conhecimento dos experts em relação ao público leigo. 1
  • 2. No entanto, existem pontos que dificultam a interação entre estas duas culturas de risco, soft e hard: a crença, por exemplo, de que as ciências "duras" representariam os riscos tal como eles são, enquanto para as ciências Sociais caberia o papel de explicar porque o público leigo muitas vezes não aceita as explicações dos cientistas. "Repetidamente, em encontros profissionais e conferências, ouve-se o esperançoso refrão de que o "problema" da percepção de risco desapareceria caso as pessoas entendessem melhor o conceito de probabilidade, ou aprendessem a comparar os riscos que mais temem com aqueles que encontram em seu cotidiano. Ouve-se, também, que o público tem um ponto de vista distorcido porque a midia retrata a ciência de forma inadequada [...] os cientistas argumentam que se as informações científicas fossem fielmente representadas pela midia, consequentemente as pessoas não teriam uma percepção equivocada dos riscos que as cercam." 1 Será verdadeira esta avaliação? Bastaria ao público leigo ter maior quantidade de informações científicas para que sua avaliação de risco seja idêntica à dos experts? Esta é uma das questões que abordaremos no decorrer do trabalho. O objetivo desta dissertação é percorrer a bibliografia sobre riscos em três áreas de conhecimento: a Epidemiologia, a Análise de Risco e as Ciências Sociais. No capítulo dedicado à Epidemiologia, além de estudar a incorporação do conceito de Risco ao seu referencial teórico, é nosso objetivo analisar como tal incorporação afeta as práticas médicas e de Saúde Pública. No segundo capítulo abordaremos a Análise de Risco, o caso particular da Engenharia de Segurança, que é a área da Engenharia que se ocupa com os riscos profissionais e o Risco Ambiental. O terceiro capítulo se destina ao enfoque das Ciencias Sociais e a incorporação de dimensões subjetivas às avaliações de risco. Capitulo I - O RISCO E A EPIDEMIOLOGIA Almeida-Filho(1989)em seu livro "Epidemiologia sem números" define risco como "a probabilidade de um membro de uma população definida desenvolver uma dada doença em um período de tempo."2 Nesta definição está implícito que o objeto de estudo da Epidemiologia inclui: a ocorrência de doença, a população (e não o indivíduo) e o tempo. Para Almeida-Filho, é em torno do conceito de risco que a moderna Epidemiologia vai-se estruturar, instaurando-se, a partir da incorporação deste conceito, um novo modelo explicativo: a Epidemiologia dos fatores de risco. Uma vez que o modelo de determinação causal das doenças, tão bem aplicado pela Epidemiologia dos modos de transmissão, não pode dar conta das doenças crônicas, como a hipertensão, o Cancer, as doenças cardiovasculares, a Epidemiologia, a partir da utilizaçao do conceito de risco, não procurará mais a causa e sim a associação de determinados fatores (os fatores de risco) com as patologias. Vejamos o caminho percorrido pela Epidemiologia desde a teoria dos Miasmas até a incorporação do conceito de risco, ao qual Almeida-Filho se refere como "o correspondente epidemiológico do conceito matemático de probabilidade."3 Rodrigues da Silva (1990) sugere três momentos históricos distintos na evolução da Epidemiologia: 2
  • 3. - Epidemiologia da constituição pestilencial e dos miasmas, relacionadas às teorias pré- pasteurianas; - Epidemiologia dos modos de transmissão, cujo início coincide com o da era bacteriológica, constituindo o modelo explicativo dominante desde o final do séc. passado até os anos 50; este período explorou fortemente o comportamento das doenças infecto-contagiosas; - Epidemiologia dos fatores de risco: modelo hegemônico nos nossos dias, que se propõe a dar conta das doenças crônico-degenerativas. Susser (1973), ao discutir a evolução de conceitos em Epidemiologia, declara que "diferentes conceitos levam os cientistas a procurar diferentes explicações para as doenças e a seguir diferentes rumos para eliminá-las. A nossa prática depende se temos em mente miasmas ou microorganismos, enzimas, moléculas, comportamento humano ou estrutura das sociedades."4 Além da diferença conceitual, Susser ressalta ainda que: "As causas de doença visualizadas pelos cientistas médicos são limitadas por seu conceito de doença e por seu esquema referencial "5 ,apontando para a congruência entre o modelo explicativo e as práticas adotados no combate às doenças. Assim sendo, enquanto os cientistas acreditavam na teoria dos miasmas (e esta foi dominante na medicina e na Saúde Pública até o início do séc. XIX), a linha de investigação de doenças era provar os efeitos deletérios dos miasmas e a linha de prevenção era eliminar as fontes destes e melhorar as condições de saneamento. Depois das descobertas de Louis Pasteur, os microorganismos passaram a ser incriminados como as causas das doenças, e a forma de prevenção passou a ser conter sua disseminação. Nos dias de hoje, a medicina, respaldada na moderna Epidemiologia6, passa a prevenir as doenças combatendo os fatores de risco a elas associados. Esta moderna visão epidemiológica permite oferecer armas ao combate das doenças crônico degenerativas, modificando, talvez o seu desenlace, e tornando-as não tão fatais quanto sugere a denominação degenerativa. Vejamos um pequeno texto de Rodrigues da Silva a cerca deste tema: "O novo quadro que surge é dominado pelas entidades que a patologia designa como doença crônico-degenerativa, ponto de partida para a construção de novo objeto pela Epidemiologia. A Epidemiologia de uma era caracterizada por tal crença na eficácia da tecnologia teria de iniciar a construção de um novo objeto mediante a desagregação do nome do conceito da entidade nosológica representado pela doença cronico degenerativa, escoimando deste o termo degenerativa por estar associado à idéia de caminho inevitável para a aniquilação e morte, parte integrante do próprio processo de envelhecimento biológico. Era necessário, naquele momento, conceptualizar um objeto potencialmente susceptível à ação eficaz da tecnologia, e não um objeto imune a essa ação como aquele criado pela patologia. E não se duvide de que na transição da idéia de doença crônica degenerativa para a de doença crônica não ocorra algo mais que uma mera mudança semântica."7 3
  • 4. - A evolução da Epidemiologia Susser (1973) nos diz que a questão central da Epidemiologia é a ocorrência, a causa e o controle das desordens de saúde, remetidas a uma população. Segundo o autor, os estudos populacionais são o método central da Epidemiologia, o que a aproxima de outras disciplinas: nos estudos populacionais " nós damos significado ao numerador correlacionando os casos, da melhor maneira possível, à população da qual eles são retirados. Este procedimento cria um padrão de comparação, sem o qual nenhuma conclusão seria possível a cerca da anormalidade ou singularidade de nenhum fenômeno. A epidemiologia compartilha este procedimento, de forma geral, com outras ciências que estudam populações, por exemplo, as ciências sociais, a biologia e a genética populacional. Estas disciplinas diferem uma das outras na seleção da variável dependente, a qual é o objeto particular do estudo"8( a variável dependente, no caso da Epidemiologia, é o estado de saúde). Para a Epidemiologia, o centro das preocupações são os estados de saúde considerados como efeitos e suas causas. Almeida-Filho (1989) ao definir Epidemiologia propõe uma fórmula sintética que terá dois elementos: doença e população e afirma que o tema da investigação epidemiológica parece ser causa de doença em população. Definido, pois, que o problema com o qual a Epidemiologia busca lidar é a ocorrência de doenças numa determinada população, vejamos como, historicamente, os conceitos utilizados por esta disciplina irão contribuir para o avanço da Saúde Pública e da Medicina. Susser nos diz que o primeiro trabalho epidemiológico historicamente disponível aparece nos escritos de Hipócrates. Em seu livro "Ares, Águas, Lugares" o autor teoriza sobre as relações entre doença e ambiente, incluindo o clima, a água, o solo e os ventos. Vejamos um trecho deste livro. "Eu quero agora tratar das águas, as quais trazem doença ou muito boa saúde, e do bem e do mal que é capaz de advir da água. Pois a influência da água sobre a saúde é muito grande. Assim, as águas pantanosas, estagnadas, devem ser quentes, densas e mau-cheirosas no verão, pois não há escoamento; e, na medida em que a água da chuva cai sobre elas, e o sol as aquece, elas adquirem uma cor feia, não saudável e biliosa. Aqueles que as bebem sempre tem um baço grande e endurecido, e um estômago fino e quente, enquanto seus ombros, pescoços e faces são emagrecidos. O fato é que sua carne se dissolve para alimentar o baço, de tal forma que eles se tornam magros."9 Os trabalhos de Hipócrates já apontam para conceitos fundamentais em Epidemiologia: o ambiente (representado pelo ar, água, lugar) e o hospedeiro (representado pela constituição individual). No texto acima, por exemplo, Hipócrates responsabiliza a água pantanosa (que representa o ambiente) pela doença que está descrevendo. Depois de Hipócrates, as modificações significativas em torno dos conceitos que explicam as doenças só se deram no séc. XIX., isto é, a teoria dos miasmas serviu como marco conceitual até o início do séc. XIX, quando se tornaram públicos os trabalhos de Pasteur. No entanto, é merecedor de nota o trabalho de John Graunt em Londres, em meados do séc. XVII, o qual introduziu, segundo Mendes Gonçalves (1994), o método quantitativo em Epidemiologia. Graunt "demonstrou a uniformidade e a predictibilidade dos [...] fenômentos biológicos tomados em massa e é assim encarado 4
  • 5. como o fundador da ciência da bioestatística. Desde quando essas novas técnicas não viram aplicação epidemiológica ulterior por quase 200 anos, Graunt deveria ser mais apropriadamente encarado como um precursor do que como um fundador da Epidemiologia."10 O objetivo de Graunt era montar um sistema de monitoramento da Peste e outras epidemias de tal forma que as classes mais abastadas pudessem deixar a cidade precocemente, diante de um surto. Utilizando boletins de mortalidade provenientes de todas as paróquias, Graunt encontrou diferenças na mortalidade entre os sexos, entre os setores urbano e rural e diferenças ao longo do tempo. O método quantitativo, desde então, fundamentou os estudos em Saude Pública, tanto na França como na Inglaterra. Assim sendo, no final do séc. XIX, tanto o conceito de ambiente e a abordagem numérica do entendimento de problemas relacionados à Saúde Pública, estavam estabelecidos no raciocínio epidemiológico. O segundo momento na evolução dos conceitos epidemiológicos é referido por Rodrigues da Silva como a Epidemiologia dos Modos de Transmissão, cujo início coincide com o da era bacteriológica. Embora a noção de contágio já existisse anteriormente (como pode ilustrar a lei dos Portos, do séc. XIV), foram as descobertas de Pasteur, na segunda metade do séc. XIX que fundamentaram uma grande revolução conceitual em relação ao processo de adoecimento: microorganismos específicos podem causar patologias específicas. Num contexto histórico onde as preocupações de ordem social "contaminavam" o pensamento médico (como podem atestar os trabalhos de Rudolf Virchow e Salomonn Neumann na Alemanha; Louis René Villermé e Jules Guerin na França, todos considerados precursores da Medicina Social), as descobertas de Pasteur pareciam apontar para um caminho seguro, onde para cada efeito poder-se-ia estabelecer uma, e sòmente uma causa: os fatores de natureza biológica. Em 1893, Emil von Behring, grande defensor da bacteriologia declarava que "o estudo das doenças infecciosas podia agora ser prosseguido com rumo certo, sem ser desviado por considerações sociais e reflexões sobre política social."11 Na última metade do séc. XIX, Koch enuncia seus postulados, os quais pretendem enumerar os requisitos necessários para que um microorganismo seja considerado como causa de uma doença específica,quais sejam: - o organismo sempre é encontrado com a doença em acordo com as lesões e o estágio clínico observado; - o organismo não é encontrado em outra doença; - o organismo, isolado de quem tenha a doença e cultivado durante várias gerações, produz a doença [ em um animal experimental susceptível]. Koch diz ainda: "Mesmo quando uma doença infecciosa não pode ser transmitida a animais, a presença regular e exclusiva do organismo ( i.e.,os dois primeiros postulados são atendidos), prova-se uma relação causal."12 O aprofundamento da microbiologia permitiu uma reordenação na classificação de doenças. Se a Medicina das Espécies classificava as entidades clínicas através de 5
  • 6. suas manifestações, isto é, baseado nos efeitos das doenças, as descobertas bacteriológicas promoveram uma nova classificação através do critério de causa. "Algumas das manifestações mórbidas, agrupadas até então como doenças únicas, foram reclassificadas como doenças diferentes causadas por microrganismos particulares Com a descoberta do bacilo da tuberculose e o seu papel na doença, por exemplo, o que anteriormente era chamado de "tisica" foi reordenado numa série de condições, sendo que sòmente algumas delas eram tuberculose. As formas classificadas como tuberculose foram aquelas nas quais o bacilo podia ser demonstrado por cultivo e crescimento em cultura. Uma clara relação foi estabelecida entre o organismo como agente e várias manifestações da doença. Por definição, tuberculose é causada pelo bacilo da tuberculose: temos um agente específico como causa para uma entidade clínica específcia."13 Além do conceito de agente específico, um outro conceito epidemiológico importante foi estudado por Pasteur: o conceito de resistência do hospedeiro e imunidade.O conceito de hospedeiro parece estar relacionado ao conceito hipocrático de constituição e susceptibilidade, expressa pela teoria dos humores. Como dissemos anteriormente, na obra de Hipócrates já estão delineadas as noções de ambiente e de constituição individual, sendo que a última é explicada pela proporção entre os quatro humores (sangue, fleugma, cólera e melancolia) que compõem o ser humano. A partir de Pasteur, a noção de constituição individual sofre um resgate, e o hospedeiro passa a ser alvo de atenção, da mesma forma que o é o agente. Pasteur, e os imunologistas que o sucederam, valorizam o estudo dos atributos dos indivíduos hospedeiros (sejam eles adquiridos ou inatos) , uma vez que tais atributos podem "conformar", isto é, dar uma forma específica às manifestações da doença. A questão de privilegiar o agente ou o hospedeiro no estudo dos determinantes das doenças nos remete a duas concepções de enfermidade que disputarão a hegemonia até o séc. XIX: a concepção ontológica e a concepção dinâmica de doença. Para a concepção ontológica, a enfermidade é algo externo ao indivíduo, algo que vem de fora e toma conta do organismo, trazendo ameaças à sua sobrevivência. Esta concepção pode ser ilustrada pela Medicina das Espécies, para a qual a enfermidade era uma entidade com existência própria. Sydenham propõe que para que se atinja um verdadeiro conhecimento a cerca da patologia do doente, "É preciso que quem descreve uma doença tenha o cuidado de distribuir os sintomas que a acompanham necessariamente, e que lhe são próprios, dos que são apenas acidentais e fortuitos, como os que dependem do temperamento e da idade do paciente."14 Visto desta forma, o paciente é algo exterior ao seu sofrimento, "a leitura médica só deve tomá-lo em consideração para colocá-lo entre parênteses"15 (Foucault, 1987).Neste sentido, os atributos individuais, que expressam a singularidade daquele indivíduo que se enferma, não fazem sentido. Desta concepção ontológica de enfermidade, a moderna Medicina herdou, como diz Mendes Gonçalves (1994), com muita propriedade, muitos vícios de linguagem: "...os clínicos contemporâneos falam em "entidades mórbidas" e em "manifestações clínicas" dessas "entidades", por exemplo, embora não adiram à idéia de que a doença tenha existência própria; utilizam inadequadamente esses termos apenas em 6
  • 7. consequência, aparentemente, da relativa continuidade histórica mantida entre a sua prática e a de seus predecessores."16 Em contrapartida à concepção ontológica da doença, Canguilhem nos informa que já nos escritos de Hipócrates podemos observar uma outra concepção, totalizante (e não mais localizante) e dinâmica (não ontológica). A doença não está mais localizada em algum sítio, no homem, está em todo o homem, e é toda dele. A natureza (physis) tanto no homem como fora dele, é harmonia e equilíbrio, e a perturbação desse equilíbrio, dessa harmonia, é a doença. Segundo esta concepção, a doença seria uma reação generalizada do organismo com intenção de cura: o organismo fabrica uma doença para curar a si próprio. A técnica médica se restringiria a imitar a ação médica natural (vis medicatrix naturae). Segundo Canguilhem, "o pensamento dos médicos oscila, até hoje, entre essas duas representações da doença... As doenças de carência e todas as doenças infecciosas ou parasitárias reforçam a teoria ontológica [uma entidade externa ao organismo se apossa deste, e se manifesta através dos sintomas]; as perturbações endócrinas e todas as doenças marcadas pelo prefixo dis reafirmam a teoria dinâmica ou funcional."17 Estas duas concepções tem, no entanto, um ponto em comum: encaram a doença, ou melhor, a experiência de estar doente, como uma situação polêmica, quer a luta do organismo contra um ser estranho, quer uma luta interna de forças que se confrontam. Gonçalves (1994) afirma que ambas as concepções referidas sobre a doença eram genericamente apropriadas para todas as épocas históricas nas quais a intervenção eficaz do homem sobre a natureza - a restauração da saúde no sentido de uma ação contra a natureza - não poderia ser uma pretensão compatível com as formas de organização social e com suas correspondentes concepções de mundo. Por isso, deram lugar, no séc. XIX, a uma nova concepção, marcadamente biologicista e individualista.. "E quase intuitivo perceber como um biologicismo exacerbado do saber médico serve para estabelecer relações adequadas entre seu portador, o agente do trabalho médico, e seu objeto, o homem doente. É assim que se fundamenta a pedra angular da estruturação social da prática médica: sua capacidade de individualizar o doente, rompendo legitimamente as relações que mantém consigo mesmo e com os outros homens."18 Embora a Epidemiologia se ocupe das populações, é interessante observar que ela conserva a "qualidade biologicista do enfoque individual da Clínica"19, e reduz o social ao coletivo, isto é, um somatório de indivíduos, ignoradas as relações entre eles. Esta disciplina obtém a legitimação da causa da distribuição das doenças como decorrente da distribuição de atributos individuais e a legitimação do social como unidimensional, homogêneo em substância mas heterogêneo quantitativamente, desprovido de historicidade; em resumo, "natural". Hoje muito se fala na prevenção de doenças através do controle de fatores inerentes ao indivíduo, ou a grupos de indivíduos.Isto se deu a medida em que a Epidemiologia incorporou as noções de risco e seus frutos: os grupos de risco e os fatores de risco. Vejamos, a seguir, como se estrutura a Epidemiologia dos fatores de risco. 7
  • 8. - A epidemiologia dos fatores de risco. Em 1950 , John Gordon publica sob o nome de "Epidemiology - old and new" um artigo onde faz considerações sobre qual seria o foco de atenção prioritário da Epidemiologia. O autor faz considerações sobre o que ele chama de "Shrinking World" [um mundo encolhido] e sobre o envelhecimento das populações, responsabilizando estes dois fatores pela transformação que a Epidemiologia deve sofrer. "...o mundo tende a se fundir num único universo epidemiológico", diz ele. "Esta tendência é tão definitiva que hoje é difícil reconhecer unidades epidemiológicas separadas que existiam há pouco tempo atrás, unidades que eram marcadas por fronteiras continentais e nacionais." E diz ainda: "os trópicos não são mais as áreas remotas que eram há uma geração. As pessoas vão lá no curso de suas atividades ordinárias e adquirem as doenças que lá são prevalentes, e muitas vezes as trazem para casa."20 Associando estes argumentos à constatação de que a população americana envelheceu e doenças cronico degenerativas despontam como grandes causas de morte (as doenças cardíacas na época deste artigo ocupava o primeiro lugar como causa de morte entre os americanos, sendo que o Cancer e outras doenças crônicas já tinham grande peso), Gordon colocava, pois, que a limitação do método epidemiológico às doenças transmissíveis não mais se justificava. Em 1956, Gordon, juntamente com outros autores, publica o artigo: "The community problem in coronary heart disease: a challenge for epidemiological research." Este artigo, que Rodrigues situa historicamente num momento de transição entre a Epidemiologia dos Modos de Transmissão das doenças infecciosas e a Epidemiologia dos fatores de risco, das doenças cronicas não infecciosas, via com otimismo o papel instrumental que o conhecimento Epidemiológico poderia desempenhar no desvendamento das doenças crônico-degenerativas. Os autores colocavam as dificuldades trazidas pela multiplicidade de fatores causais, mas por outro lado, consideravam que "a presença de fatores múltiplos tem também as suas vantagens, porque ao desvendarmos, sucessivamente, cada mistério, um de cada vez, não temos necessidade de aguardar a compreensão de toda a teia de causalidade, nem de recorrer à busca de um único e específico agente para fundamentar nossa ação de controle da doença . Em outras e análogas situações, a compreensão de poucos componentes do complexo causal tem resultado em avanço substancial na prevenção; por exemplo, a fluoração da água tem resultado em substancial redução da cárie dental, enquanto a causa da doença permanece múltipla, obscura e complexa."21 Esta abordagem, que vê a doença como resultante de uma teia de causalidade, sugere, pois, que o homem não é tão impotente frente tais doenças, como sugere o termo "crônico degenerativa." É com base nesta idéia que a medicina moderna aborda doenças cardíacas, coronarianas, câncer, como veremos mais tarde, no decorrer deste capítulo. E qual a origem da metáfora "teia de causalidade" na Epidemiologia? A primeira referência à "teia de causalidade" surge em 1960, em "Epidemiologic Methods", livro texto de MacMahon, Pugh & Ipsen. Para Krieger (1994), o objetivo desta obra era incentivar uma nova geração de epidemiólogos a incluir as condições crônicas de adoecimento, como o Cancer e as Doenças Cardio- vasculares, ao escopo da Epidemiologia, até então restrito ao âmbito das doenças infecciosas agudas. 8
  • 9. Os anos sessenta são marcados por duas grandes tendências dentro da Saúde Pública: por um lado, alguns epidemiólogos propunham a substituição das teorias de unicausalidade por modelos mais complexos, como "hospedeiro, agente e ambiente", enquanto a tendência conhecida como Medicina Social se propunha a examinar os determinantes sociais da doença. Alguns fatos iriam determinar a hegemonia da primeira tendência, quais sejam: 1 - a descoberta da estrutura do DNA dupla-hélice,em 1953 por Watson, Crick e Franklin causou uma explosão na Biologia e apontou para a possibilidade de novas esperanças para o entendimento da relação entre gen e ambiente. Dai em diante são desenvolvidos modelos matemáticos que relacionam micromecanismos de causação de doença a padrões de adoecimento na população. 2 - Nos EUA, o McCarthyismo remeteu a discussão de fenômenos sociais à categoria de heresia, o que fez com que os epidemiólogos abandonassem as "perigosas especulações" sobre determinantes sociais da doença, orientando grande parte das pesquisas para teorias que situassem a doença no âmbito da Biologia e do indivíduo.(Krieger, 1994).22 Para tais teorias, "population risk was thought to reflect the sum of individuals' risks, as mediated by their "lifestyles" and genetic predisposition to disease." 23 É neste cenário que McMahon et al. introduzem o conceito de "teia de causalidade"(Web of Causation, no original), conceito este que se tornaria o cânone da epidemiologia contemporânea. Um dos conceitos centrais da disciplina, que modernamente substitui as teorias do agente único da doença por modelos mais complexos, é o de que os padrões de saúde e doença podem ser explicados por uma complexa trama de fatores de riscos e fatores de proteção interligados, cuja pertinência é testada por técnicas estatísticas e análise multivariada. A contribuição que a epidemiologia pode dar à saúde pública é identificar tais fatores, ainda que não se consiga atingir um completo entendimento a cerca das causas da doença. E como os autores explicam o olhar da Epidemiologia na direção das doenças crônicas? Se Gordon afirma que o foco prioritário da Epidemiologia deve-se deslocar no sentido das doenças crônicas devido à magnitude destas últimas no perfil de morbi- mortalidade no Ocidente, MacMahon atribui este deslocamento ao fato de que o estudo (e o controle) das doenças transmissíveis depende cada vez mais das técnicas de laboratório de microbiologia e cada vez menos de observações sobre o comportamento epidêmico das doenças. "O progresso no controle e eliminação desse grupo de doenças dependerá da aplicação de conhecimento existente e do desenvolvimento de novo conhecimento concernentes às características biológicas dos microorganismos mediante técnicas experimentais e nào mediante a abordagem observacional"24 Assim sendo, para Macmahon, a mudança do enfoque prioritário da Epidemiologia deve-se, parcialmente, a limitações do próprio método de pesquisa. Seja por imposição do objeto de estudo (a crescente magnitude das doenças crônicas enquanto problema de saúde pública) , seja por deficiência do método observacional, a moderna Epidemiologia amplia seus horizontes, ao incorporar o conceito de Risco. "Em face das dificuldades de aplicação de modelos de determinação causal na abordagem do seu objeto de conhecimento, a Epidemiologia moderna 9
  • 10. estrutura-se em torno de um conceito fundamental: risco."25 Almeida Filho (1989) defende a idéia de que esta estruturação da Epidemiologia será crucial para o desenvolvimento de uma Epidemiologia das doenças não infecciosas, como os distúrbios mentais, "onde o paradigma da contagiosidade não é facilmente aplicável"26. A seguir, neste capítulo buscaremos apresentar os indicadores de Saúde Pública criados em torno do conceito de risco - a incidência, o risco relativo, o risco atribuível, e as práticas médicas calcadas sobre o conceito de fator de risco. Os indicadores de risco em Saúde Pública - A incidência ou risco absoluto O risco absoluto do uma doença é a incidência da doença (Gordis, 1988). De acordo com Rouquayrol (1987), a incidência, em Epidemiologia, traduz a idéia de intensidade com que acontece a morbidade em uma população, sendo esta intensidade relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia, semana, mês ou ano). Em termos operacionais, utiliza-se o coeficiente de incidência, o qual pode ser matematicamente expresso da seguinte maneira: Quando dizemos, por exemplo, que a incidência de leucemia em Recife é de 3,6 por 100.000 habitantes, no ano de 1980, estamos dizendo que o risco absoluto de um habitante de Recife adquirir leucemia neste período é de 3,6/100.000. Gordis ressalta a importância deste indicador, alegando que "uma mulher grávida que tenha sido exposta à rubéola não está interessada no risco relativo, mas no risco absoluto de ter um bebê mal-formado." 27 - O risco relativo O risco relativo (RR) é expresso pela seguinte razão: Esta razão pode se comportar de três maneiras: 10
  • 11. a) o risco relativo é igual a 1, isto é, o risco da doença na população exposta é o mesmo que na população não exposta, o que parece indicar não haver associação da exposição à doença em questão; b) o risco relativo é maior que 1, isto é, o risco da doença é maior em indivíduos expostos do que nos não expostos, indicando uma associação da exposição à doença. Um exemplo clássico desta situação é a associação entre fumo e câncer de pulmão: num estudo hipotético, podemos comparar a incidência de Câncer de pulmão em fumantes e em não fumantes, e obter o seguinte resultado: RR = 4.6 (Hennekens & Buring, 1987). Este resultado quer dizer que o rsico de fumantes adquirirem Câncer de pulmão é 4.6 vezes maior do que os não fumantes. c) o risco relativo é menor que 1, isto é, o risco da doença é menor em indivíduos expostos do que nos não expostos, o que sugere que a exposição possa ter um papel protetor em relação à doença estudada. Este resultado pode ser encontrado quando estudamos, por exemplo, a eficácia de uma vacina. O risco relativo é uma medida de associação. Este índice se refere à intensidade com que uma determinada exposição se relaciona com a doença em estudo. Outra medida de associação importante é o risco atribuível. - O risco atribuível O risco relativo, como vimos anteriormente, é uma razão de riscos. Já o risco atribuível é uma diferença entre riscos. Suponhamos duas populações, uma exposta e outra não exposta, e que o risco de uma doença é maior entre os expostos. O nível de risco nos não expostos pode ser visto como risco de fundo (background risk, no original), um risco que é compartilhado por ambos os grupos. Se quisermos saber quanto do risco total nos expostos pode ser realmente atribuível à exposição propriamente dita (e não ao risco de fundo, o qual os dois grupos apresentam), devemos tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco nos não expostos (risco de fundo). De forma similar, pode ser avaliado o impacto que uma exposição específica pode ter na população, com respeito a um evento particular. Por exemplo, " a taxa de mortalidade por câncer de pulmão para não fumantes (0.07) pode ser subtraída da taxa de mortalidade por cancer de pulmão na população total (0.65); o resultado obtido pode ser chamado de risco atribuível ao câncer de pulmão relacionado ao hábito de fumar. Se esta estimativa for aplicada a outra população, sua frequência de exposição deve ser semelhante à primeira. O conceito de risco atribuível populacional é útil na medida em que ele estima o quanto a incidência de uma doença particular pode ser reduzida se uma exposição específica for removida." 28 11
  • 12. *Figura 1 - Risco em expostos e não expostos *Extraído de Gordis, op. cit.,1988. p.55. Em outras palavras, o risco atribuível pretende responder a seguinte pergunta: "o quanto de risco da doença, em indivíduos expostos, pode ser atribuído à exposição? O quanto de risco da doença em indivíduos expostos podemos esperar de eliminar se pudermos diminuir ou eliminar a exposição?" 29 O risco atribuível é assim uma medida do benefício potencial de uma medida preventiva. - As limitações do conceito de risco na Epidemiologia Almeida-Filho observa que as reflexões teóricas sobre qual seria o objeto de estudo da Epidemiologia são recentes. Segundo ele, Goldberg (1982) e Miettinen (1985) são os primeiros autores a desenvolver uma reflexão epistemológica sobre este tema, colocando em questão uma suposta natureza empiricista da Epidemiologia. "Para os epidemiologistas, a natureza essencialmente empiricista da sua prática científica apresenta-se como um suposto fundamental, axiomático, indiscutível. Empiricismo é aqui referido como o referencial filosófico que advoga uma ciência neutra, livre de valores, que apreenderia a realidade sem mediações, sendo os conceitos científicos imediatamente redutíveis à observação".30 Os epidemiólogos modernos, ao tentarem pensar teoricamente sua disciplina, parecem retomar o pensamento empiricista, que poderia ser sintetizado pelo aforisma de John Locke: "No direct measurement, no basic concept"31 Nesta afirmação está explícita a questão de que só aquilo que for mensurável é passível de um tratamento científico Rothman, autor de Epidemiologia Moderna (1986) recorre a tradição empiricista quando afirma: "Quando você puder medir aquilo a que você se refere,...então você saberá algo sobre aquilo"32 Para olhar, portanto, cientificamente para o fenômeno do adoecimento, será necessário quantificá-lo, criar indicadores que meçam a morbidade nas populações e possibilitem comparações entre populações 12
  • 13. diferentes. Poderíamos acreditar assim, que os indicadores de saúde falariam por si, como fatos. Esta crença baseia-se na concepção positivista de Ciência, segundo a qual esta deve manter-se neutra, livre de juízos de valor. Para Durkheim, os fatos seriam coisas objetivas, e não construções : "Se eles [os fatos] são inteiramente inteligíveis, então bastam tanto à ciência, porque neste caso não há motivo para procurar fora deles próprios a sua razão de ser, e à prática, porque o seu valor útil é uma das razões."33 Segundo Minayo (1993), esta concepção que se julga livre de juízos de valor encaminhou-se, na prática, para a utilização de termos matemáticos, como a linguagem das variáveis, e o desenvolvimento de métodos de pesquisa quantitativos. Mas qual é o objeto da Epidemiologia? Para Almeida-Filho, "a única questão conceitual que parece monopolizar a atenção dos epidemiologistas (principalmente os anglo-saxões) tem sido o problema da causalidade e correlatos."34 Krieger (1994) aponta, também, para o que ela qualifica de pobreza no que tange à reflexão teórica dentro da epidemiologia, pois, segundo a autora, os epidemiólogos modernos estariam mais preocupados com o estudo de complexas relações entre fatores de risco do que com o entendimento de suas origens e implicações para a Saúde Pública. É interessante a observação de Krieger de que os livros-texto de epidemiologia reservam, em geral, pouco espaço para a discussão das diferentes teorias explicativas, privilegiando o "study design" e a análise de dados. O ensino da epidemiologia não habilitaria o estudante a refletir ou a questionar os conceitos, mas apenas (o que, aliás, não é pouco) a lidar com a metodologia de pesquisa. No entanto, em 1985 Miettinen publica "Epidemiologia teórica", onde a preocupação com o objeto da disciplina se manifesta: "a relação de uma medida de ocorrência a um determinante, ou uma série de determinantes, é denominada de relação ou função de ocorrência. Tais relações são em geral, o objeto da pesquisa epidemiológica."35. Miettinen e Goldberg compartilham uma proposta em que o "objeto modelo"36 da Epidemiologia será a própria relação, e não qualquer um dos termos que compõe a relação. Para Miettinen, é o caráter coletivo do objeto epidemiológico que preserva a especificidade desta disciplina e que serve como base para a sua expressão quantificada. Existe uma população de referência e existe um atributo em estudo37, o qual diferencia um sub-conjunto desta população, sub-conjunto este que podemos chamar de "portador de ocorrência": Figura 2 - *Baseado em Almeida-Filho, 1992. De acordo com Almeida-Filho, esta representação gráfica do objeto epidemiológico ilustra o postulado básico da perspectiva epidemiológica: o objeto da Epidemiologia é de natureza probabilística. "A proporção conjunto/subconjunto D/P 13
  • 14. deve expressar a probabilidade de qualquer membro de P ser ao mesmo tempo membro de D. Em outras palavras, indicará a probabilidade de ocorrência do atributo d (doença ou fenômeno correlato) na população. Sob a forma particular de uma proporção, a expressão geral D/P corresponde ao conceito de "risco", que por isso pode ser pensado como o conceito fundamental da Epidemiologia, o seu parâmetro "primitivo".38 É admitindo esta natureza probabilística do objeto epidemiológico que podemos entender o conceito de fator de risco. A moderna Epidemiologia, hoje conhecida como Epidemiologia dos Fatores de Risco, ao debruçar-se sobre as doenças não transmissíveis, desloca a questão da causa para a do fator de risco, como comenta Goldberg (1982), utilizando uma citação de Schwartz (1969): "à definição da palavra causa, que exige que quando a causa esteja presente o efeito exista e quando suprimida o efeito desapareça, substitui-se por uma definição de probabilidade: o efeito existe com maior frequência quando a causa está presente do que quando está ausente".39 Poderíamos assim sistematizar o percurso do trabalho epidemiológico: uma variável supostamente relacionada a um fenômeno de saúde é posta em evidência (pela Clínica, segundo Almeida-Filho40); os métodos estatísticos medirão a forma e a intensidade desta ligação e por último, baseados nos resultados obtidos na etapa anterior, os epidemiólogos afirmarão ou refutarão uma associação causal. Numa outra etapa, em estudos descritivos, as populações serão estudadas para a identificação dos grupos de risco. O discurso médico incorpora hoje os conceitos de fator de risco e grupos de risco, tanto para lidar com as doenças crônicas quanto para as doenças transmissíveis (como no caso da AIDS). Vejamos um trecho do livro nacional "Medicina Ambulatorial": "O manejo de pacientes com cardiopatia isquêmica inclui uma contínua ação sobre os fatores de risco...Durante toda a história natural da cardiopatia isquêmica, o médico tem papel importante na orientação de pacientes quanto ao controle da hipertensão arterial sistêmica e da hipercolesterolemia, a manutenção do peso ideal, a ingesta de dieta pobre em gorduras, a prática de atividade física regular e a interrupção do tabagismo."41 Miettinen (1985) considera o termo "fator de risco" inadequado para expressar uma relação entre um determinante e uma patologia. Em lugar de usá-lo, o autor sugere a utilização de "indicador de risco": "Since the relation of an occurrence parameter to a determinant need not be the result of a causal connection, and since the term "factor" (form the Latin word for doer) suggests causality, "risk factor" is not a proper substitute for "determinant of risk".42 A proper synonym is risk indicator - analogously with "economic indicator", "health indicator" and so on." O autor utiliza a relação entre hipertensão e AVC como exemplo: a hipertensão não é um determinante de risco para Acidente Vascular Cerebral; é uma categoria de alto risco - uma indicação de alto risco - baseada na pressão sanguínea como um determinante ou indicador de risco. Como se define fator de risco? Um fator de risco é toda característica ou circunstância determinável de uma pessoa ou um grupo de pessoas que se sabe estar associado a um risco anormal de aparecimento ou evolução de processo patológico ou de afecção especialmente desfavorável por tal processo (OMS, 1983). 14
  • 15. Ortiz (1989) distingue duas etapas no estudo epidemiológico de fatores de risco de uma doença: 1 - a identificação dos principais fatores de risco de um dano, através de estudos que verifiquem a associação entre esse dano e os fatores considerados suspeitos de serem causais: e 2 - A determinação de quais fatores de risco são na realidades fatores etiológicos ou causais, com base em critérios tais como a redução de risco de dano quando se reduz a exposição ao fator em estudo, a validade do estudo e a consistência entre os resultados de estudos diversos, o grau ou força de associação existente, a sequência no tempo da exposição ao fator em estudo, a validade do estudo e a consistência entre os resultados de estudos diversos, o grau ou força da associação existente, a sequência no tempo da exposição ao fator e o aparecimento do dano, a existência de uma relação de tipo dose- resposta, a coerência dos novos resultados com o conhecimento existente, etc.43 Almeida-Filho (1992) advoga que a Epidemiologia dos Fatores de Risco não dá conta da complexidade que cerca o objeto saúde/doença. O autor sugere que a Epidemiologia se utilize de um novo paradigma, o qual deverá transcender as limitações dos paradigmas anteriores: os modos de transmissão e os fatores de risco. Este novo paradigma seria caracterizado pelo "objeto-totalizado", "modelos de sistemas dinâmicos", "sistemas de causação circular" descritos por funções não-lineares e representadas graficamente por atratores. Castiel (1994) aponta uma série de limitações da Epidemiologia dos Fatores de Risco, limitações estas que, no entender do autor, revelam uma crise epistemológica da Epidemiologia. Se por um lado o autor parece admitir a complexidade como novo paradigma ("Se encararmos a complexidade como característica dos sistemas auto- organizados, essa precisa ser considerada na epidemiologia"44 ), por outro, ele sugere que a crise não repousa na necessidade de substituição paradigmática, mas no espírito epidemiológico, na visão de mundo do epidemiologista. Haveria necessidade do estabelecimento de uma nova relação entre objeto e sujeito, "de modo a tornar o primeiro menos fugidio e o segundo menos obsessivo no seu infrutífero afã de controlar o primeiro."45 1. JASANOFF, S., Bridging the two cultures of Risk Analysis. Risk Analysis, 13(2):123-129, 1993. 2. ALMEIDA-FILHO, N., Epidemiologia sem números. Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 24. 3. ALMEIDA-FILHO, N., op.cit., 1989, p. 24. 4. SUSSER, M., Causal Thinking in the health sciences. New York, Oxford University Press, 1973, p.13. 5. SUSSER, M., op. cit., 1973, p. 41. "The causes of disease sought by a medical scientists are limited by his concept of disease and by his frame of reference." 15
  • 16. 6. Gonçalves sugere que a relação entre a investigação epidemiológica e a prática médica seja "...de natureza a definir a primeira como um momento da segunda." GONÇALVES, R.B.M., Investigação epidemiológica e prática médica, in Epidemiologia: Teoria e Objeto, Costa (org.), Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1994. 7. RODRIGUES DA SILVA, G., "Avaliação e perspectivas da epidemiologia no Brasil", in Anais do I Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Rio de Janeiro, ABRASCO, 1990. pp. 109-110. 8. SUSSER, M., op.cit., 1973. p.6. "we give the numeration meaning by relating the cases, as best we can, to the population from which they are drawn. This procedure creates a standard of comparison, without which no conclusion can be reached on the abnormality or distinctiveness of any phenomenon. Epidemiology shares this procedure, in a general way, with the other sciences that study population, for instance the social sciences, human biology and population genetics. These disciplines differ from each other in the selection of the dependent variable that is the particular object of study" 9. HIPÓCRATES, Airs, Waters, Places in The Challenge of Epidemiology, Pan American Health Organization, Washington D.C., 1988. pp 18-19. "I wish now to treat of waters, those that bring disease or very good health, and of the ill or good that is likely to arise from water. For the influence of water upon health is very great. Such as are marshy, standing and stagnant must in summer be hot, thick and stinking, because there is no outflow; and as fresh rainwater is always flowing in and the sun heats them, they must be of bad colour, unhealthy and bilious... Those who drink it have always large, stiff spleens, and hard, thin, hot stomachs, while their shoulders, collar-bones and faces are emaciated. The fact is that their flesh dissolves to feed the spleen, so that they are lean. " 10. GONÇALVES, R.B.M., Investigação epidemiológica e prática médica, in Epidemiologia: Teoria e Objeto, Costa (org), Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1994. 11. BEHRING, E., citado por Rosen, G., Da Polícia Médica à Medicina Social: ensaios sobre a história da assitência médica, Rio de Janeiro, Graal, 1979. p.78. 12. KOCK, R., in Susser, op. cit., 1973. p.23. "Even when an infectious disease cannot be transmitted to animals, the regular and exclusive presence of the organism ( i.e., the first two postulates are satisfied), proves a causal relationship." 13. SUSSER, M., op. cit., 1973. p.23 "Some of the manifestations, grouped until that time as unitary diseases, were reassigned among different diseases caused by particular microorganisms. With the discovery of the tubercle bacillus and its role in disease, for instance, what had been designated "phthises" was reordered into a number of conditions, only some forms of which were tuberculosis. The forms assigned as tuberculosis were those in which the bacillus could be demonstrated by staming and grown in culture. A neat relationship had been created between the organism as agent an the several manifestations of disease. By current definition, tuberculosis is caused by the tubercle bacillus: we have a specific agent as cause for a specific disease entity." 14. SYDENHAM, citado por FOUCAULT, M., O Nascimento da Clínica. Tradução de Roberto Machado. 3a ed. Rio de Janeiro, Forense-Unisersitária, 1987. p.7. 15. FOUCAULT, M., op. cit., 1987. p.7. 16
  • 17. 16. GONÇALVES, R.B.M., op. cit., 1994. pp.41-42. 17. CANGUILHEM, G., O Normal e o Patológico.Tradução de Maria Thereza R. C. Barrocas. 2a. ed. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1982. p.20. 18. GONÇALVES, R.B.M., op. cit., 1994. pg 52. 19. GONÇALVES, R.B.M., op. cit., 1994. pg 70. 20. GORDON, J., Epidemiology - Old and New, in The Challenge of Epidemiology, op. cit., 1988. pp.135-136. 21. GORDON, J., citado por Rodrigues da Silva, G., op. cit., 1990. p.113. 22. Como vimos anteriormente, Gonçalves (1994) refere-se à uma concepção de doença biologizante e individualizante, que emerge ao final do séc. XIX. 23. KRIEGER, N., Epidemiology and the web of causation: has anyone seen the spider? Soc. Sci Med., Vol. 39, n. 7 pp 887-903, 1994. 24. MACMAHON, B. Profile: Department of Epidemiology, Havard Publ. Health Alumni Bull. Jun: 8-10, 1959, cipado por Rodrigues da Silva, G., op.cit., 1990. 25. ALMEIDA-FILHO, N., op.cit., 1989. p.24. 26. ALMEIDA-FILHO, N., op.cit., 1989. p.24. 27. GORDIS,L.,"Estimating risk and inferring causality", in Epidemiology and Health Risk Assessment. Nova York, Oxford University Press, 1988. p. 51. "a pregnant woman with a possible exposure to rubella who is contemplating the possibility of terminating her pregnancy is interested not in the relative risk but in the absolute risk of her having a malformed child." 28. MACMAHON, B., & PUGH, T., Epidemiology - principles and methods. 1ed., Little, Brown and Co., Boston, 1970. pp. 233-234. "the lung cancer death rate for nonsmokers (0.07) may be subtracted from the lung cancer death rate in the total population (0.65); the result obtained might be termed the population attributable risk of lung cancer resulting from cigarette smoking. If this estimate is to be applied to some other population, it must obviously be one similar in exposure frequency to that from which the estimate was derived. The concept of population attributable risk is useful in that it provides an estimate of the amount by which a particular disease rate might be reduced if the specified exposure were removed." 29. GORDIS, L., op. cit. 1988. p. 54."how much of the risk of disease in exposed individuals can be attributed to the exposure? ...how much of the risk of disease in exposed individuals could we hope to eliminate if we could reduce or eliminate the exposure?" 30. ALMEIDA-FILHO, N., A Clínica e a Epidemiologia. Salvador, Apce/ABRASCO, 1992. p.25. 31. ALMEIDA-FILHO, op. cit., 1992. p.26. 32. ROTHMAN, K., Epiemiologia Moderna. Madrid, Ediciones Diaz de Santos S.A., 1987.p.29. 33. DURKHEIM, E., As regras do método sociológico. Pensadores. São Paulo. Ed. Abril. 1978. p.74. 17
  • 18. 34. ALMEIDA FILHO, op.cit., 1994. p.203 35. MIETTINEN, O., Theoretical epidemiology. Principals of occurrence research in medicine. Nova York, John Willly & Sons, 1985. p.6. "The relation of an occurence measure to a determinant, or a set of determinants, is naturally termed an occurrence relation or an occurrence function. These relations are in general the objects of epidemiologic research." 36. Este conceito de "objeto modelo"é visto na obra de Bunge, para quem a conquista conceitual da realidade começa pela construção de um objeto-modelo em referência a uma coisa, fato ou processo. A seguir, haverá a integração do objeto em uma teoria, ou seja, um conjunto de proposições relativas às propriedades de tal objeto, que frequentemente não são sensivelmente abordáveis, particularmente seus determinantes. 37. Almeida-Filho (1992) se refere à "diferença crucial", que seria dada pela Clínica, em A clínica e a epidemiologia. Salvador, Apce/ABRASCO, 1992. 38. ALMEIDA -FILHO, 1992, op.cit. p. 209. 39. SCHWARTZ, 1969, citado por GOLDBERG,M., Este obscuro objeto da Epidemiologia, in Epidiemiologia: Teoria e Objeto, Costa (org), Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1994. p.93. 40. ALMEIDA-FILHO, N., O objeto de conhecimento na Epidemiologia, in Epidemiologia : Teoria e Objeto, op. cit., 1994. Neste texto, o autor traça um paralele entre a Demografia e a Epidemiologia, situando o que seria o objeto modelo de ambas, e onde acontece a especificidade de cada uma delas. Vejamos: "...será o objeto-modelo da demografia, que também implica a representação de subconjuntos identificados a partir de conjuntos populacionais, aquele mais aparentado com o objeto epidemiológico. Entretanto, no caso da pesquisa demográfica, o estabelecimento da heterogeneidade fundamental (ou seja, o atributo do subconjunto base) será dado por alguma das ciências sociais, enquanto que na Epidemiologia tal papel é desempenhado pela Clínica." p.211 41. DUNCAN, SCHMIDT & GIUGLIANI, Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em atenção primária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. p. 219. 42. MIETTINEN, O., op. cit., 1985. pg. 10. Esta citação está no original para que seja preservada a observação semântica do autor. 43. ORTIZ, E. R., Enfoque de risco e Planejamento de Ações de Saúde in ROUQUAYROL, Z.,Epidemiologia & saúde, Rio de Janeiro, MEDSI Ed. , 1988. pp. 449-461. Esta observação de Ortiz diz respeito aos cânones de Hill(1965), os quais consideram os seguintes aspectos de uma associação encontrada para estabelecer seu caráter causal (ou não): 1 - força; 2 - consistência; 3 - especificidade; 4 - temporalidade; 5 - gradiente biológico; 6 - plausibilidade; 7 - coerência; 8 - evidência experimental; 9 - analogia. Para uma leitura completa sobre o tema, leia, por exemplo, ROTHMAN, op. cit. (1987), pp 23- 24. 44. CASTIEL, L.D., O buraco e o avestruz, Rio de Janeiro, Papirus, 1994. p. 160. 45. CASTIEL, L.D., op. cit., 1994. p. 169. 18