Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anos
1. Estatuto da Criança e do Adolescente
completa 22 anos hoje
A Lei Federal 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, sancionada em 13 de julho de 1990, representa um
avanço extraordinário. Coloca o Brasil na vanguarda de legislações na
área. Mas a realidade concreta vivenciada no Brasil e em Brusque ainda
está distante de garantir a proteção integral para todas as nossas
crianças e adolescentes.
Paulo Vendelino Kons*
Brusque – Nesta sexta-feira, 13 de julho de 2012, o Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA (Lei nº 8.069/1990) completa 22 anos. Verificam-se
avanços, como instalação dos Conselhos Tutelares em 99% dos municípios
brasileiros, o aperfeiçoamento de políticas públicas e a reconfiguração de
relações sociais e familiares em favor da criança, à partir de uma nova
interpretação que privilegia o melhor interesse da infância e adolescência.
Reconhecer em lei o direito à liberdade, de buscar refúgio e proteção, ao
respeito, à dignidade, de ter seus bens, suas convicções, seu direito de
expressão respeitado, à integridade física e psíquica, dentre outros, foram
conquistas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De outro lado, ainda bem perto de nós crianças e adolescentes sofrem
agressões, expostos a maus tratos, abandonados, drogados, usados na
mendicância ou em outras situações de exploração e de desrespeito. Também
multiplicam-se os atos infracionais praticados por adolescentes e, mesmo,
crianças.
O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a incorporar a Convenção
sobre os direitos da criança à sua própria legislação. O Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) foi resultado da articulação de uma ampla mobilização
social.
Na esfera municipal, em um esforço para descentralizar e aumentar a
participação da sociedade civil nas decisões políticas e orçamentárias, o ECA
estabeleceu a criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente
e dos Conselhos Tutelares em todo o país. Não há precedentes na história do
Brasil para esta oportunidade de participação da sociedade civil que, em
muitos aspectos, diferencia-se positivamente de outras partes do mundo.
Não há como negar que o ECA é uma das leis mais bem fundamentadas do
Brasil. Trouxe a ideia inédita de crianças e adolescentes como sujeitos de
direitos em situação peculiar de desenvolvimento, sendo portanto, prioridade
na elaboração e execução de políticas públicas. No artigo 4º., o ECA explicita a
importância da destinação privilegiada de recursos para a realização das
políticas garantidoras dos direitos. O ECA ainda trouxe a perspectiva de
descentralização do poder fortalecendo a cultura democrática, ainda frágil à
época. A participação da sociedade nos Conselhos Tutelares e nos Conselhos
dos Direitos, instâncias locais zeladoras dos direitos, é uma garantia maior de
2. distribuição do poder. O novo marco legal deixa de ser uma lei para punir
crianças pobres para ser uma que defende os direitos e responsabiliza todos.
Alguns direitos assegurados pelo ECA
• o direito à saúde (que prevê atendimento pré e perinatal;
registro/prontuário individual; identificação; declaração de nascimento; teste
do pezinho; exames para diagnóstico e análise terapêutica em caso de
anormalidade; atendimento médico; cobertura vacinal obrigatória; atendimento
especializado, quando portadores de deficiência; disponibilização de programas
de assistência médica e odontológica; medicamentos e próteses; etc.).
• o direito à educação (que estabelece ensino fundamental, obrigatório e
gratuito; progressiva extensão da obrigatoriedade ao ensino médio;
atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos; oferta de ensino
noturno regular para atender o adolescente trabalhador; atendimento
educacional aos portadores de deficiência, etc.).
• o direito à convivência familiar e comunitária (que prevê que toda criança e
adolescente tem direito a ser criado, assistido e educado no seio de uma família
ou excepcionalmente no seio de uma família substituta).
• o direito à profissionalização e proteção ao trabalho, e ainda o direito à
liberdade, respeito e dignidade (que, em síntese, traduz o princípio da proteção
integral: inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral (preservação da
imagem, da identidade, da autonomia de valores, crenças, idéias, dos espaços e
objetos pessoais e proteção contra qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor como tarefas imprescindíveis à
prevenção de ocorrência ou ameaça ou violação desses direitos).
Criança e Adolescente, condição peculiar de pessoa em desenvolvimento:
não atingiram condições de defender seus direitos frente às omissões
e transgressões capazes de violá-los;
não contam com meios próprios para arcar com a satisfação de suas
necessidades básicas;
não podem responder pelo cumprimento das leis e deveres e
obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o adulto, por se tratar
de seres em pleno desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social;
não têm capacidade de autodeterminação;
têm restrições ao exercício consciente e responsável da liberdade.
Depoimentos
“Os 22 anos da inserção das normas positivas do direito da criança e do
adolescente no direito interno brasileiro elevaram o Estado e a Sociedade ao plano
não só do reconhecimento da proteção integral, mas também do compromisso de
realização do interesse superior infanto-juvenil, pela obrigatoriedade legal e pela
3. garantia jurídica, não se admitindo, principalmente, a omissão de quantos adultos
sobre direitos dos que mais necessitam da nossa proteção.” Prof. Msc. Roberto
Diniz Saut, do Curso de Direito da FURB
“O Estatuto da Criança e do Adolescente continua a ser discutido, após 22 anos.
Será que, além de alguns abnegados e compromissados que conhecemos, os
representantes do Poder Público entendem que o Estatuto precisa é ser aplicado
em sua plenitude? Temos ausência de referenciais éticos e morais,
desestruturação familiar e a crise de valores. E a Educação e a orientação?
Infância perdida? Entendo que não há, mas sim a relapsidade dos que deveriam
ter a dignidade de saber que suas posições de poder são exatamente
proporcionais às suas responsabilidades com a boa formação dessa infância.
Assim, a implantação e implementação efetiva do que rege o ECA permitiria a
mudança da atual conjuntura”. Luiz Corrêa dos Santos Neto, publicitário e
artesão
“O Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento desencadeador da
cidadania, da ética e da educação”. Márcia Lucinda Mafra Fagundes,
Conselheira Tutelar em Brusque.
Programas
Os Sete Regimes previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente:
I – ORIENTAÇÃO E APOIO SÓCIO-FAMILIAR
O regime de orientação e apoio sociofamiliar é o mais importante e o menos
praticado dos regimes de atendimento do ECA. Isto ocorre devido à fragilidade
da posição ocupada pela família no contexto das políticas que presidem a
estruturação do ramo social do Estado brasileiro.
Na aplicação - tanto das medidas protetivas como das medidas socioeducativas
- é fundamental começar pela família. A orientação refere-se à ajuda não-
material à família: informação, aconselhamento psicossocial, jurídico e
econômico. Já o apoio refere-se à ajuda material: renda mínima, cesta básica,
materiais de construção, vestuário, medicamentos, fraldas e outros nessa
linha.
II – APOIO SÓCIO-EDUCATIVO EM MEIO ABERTO
Na denominação desse regime, o termo socioeducativo - no contexto do ECA -
foi utilizado de forma inadequada.
Socioeducativo não se refere à implementação de medida judicial aplicada ao
adolescente infrator. O sentido do termo, aqui, se dá na linha de trabalho
social e educativo dirigido a crianças e adolescentes fora dos regimes de
institucionalização (acolhimento institucional e internação).
Nesse sentido, tais programas governamentais ou não-governamentais
desenvolvidos na comunidade são um poderoso instrumento de garantia às
crianças e adolescentes ao direito à convivência familiar e comunitária.
III – COLOCAÇÃO FAMILIAR
A colocação em família substituta em regime de guarda, tutela ou adoção é
uma forma de - quando exauridas todas as alternativas de manter a criança
em sua família natural - assegurar à criança o direito à convivência familiar e
comunitária.
4. Enquanto regime de atendimento praticado por uma entidade de atenção direta
em seu elenco de programas e ações, a colocação emerge como uma forma de
atenção alternativa ao acolhimento institucional.
IV – ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
O acolhimento institucional não é uma internação (privação de liberdade) de
crianças e adolescentes que não cometeram ato infracional. Trata-se, na
verdade, de uma medida de apoio residencial, afetivo e social de caráter
provisório até que a criança ou o adolescente atendido possa retornar à sua
própria família ou colocado em família substituta.
Por isso mesmo, o acolhimento institucional deve ser regido por uma estrita
observância do princípio da incompletude institucional, não reproduzindo em
seu interior formas de atendimento encontráveis na comunidade. Existem
exceções, no entanto, a esse princípio. A principal delas é o caso de crianças
com múltiplas deficiências (paralisia cerebral, por exemplo), que passam a
requerer estruturas com adequados recursos de especialização.
V – LIBERDADE ASSISTIDA
A liberdade assistida é considerada por muitos magistrados e especialistas em
trabalho social e educativo a "rainha das medidas". Enquanto regime de
atendimento, eu não tenho dúvidas em considerar que - desde que
adequadamente implementada - essa modalidade de ação socioeducativa é a
mais articulada e consequente das abordagens na grande maioria dos casos de
cometimento de ato infracional por adolescentes.
Para que isso ocorra, no entanto, faz-se necessário o desenvolvimento de um
adequado conjunto de métodos e técnicas de ação socioeducativa e a
estruturação de um adequado conjunto de programas de atendimento de
retaguarda nas áreas de aconselhamento, terapia, reabilitação e, como não
pode deixar de ser, educação básica e profissional. A orientação e, quando
necessário, o apoio sociofamiliar, devem sempre estar presentes.
VI – SEMILIBERDADE
A semiliberdade, enquanto regime de atendimento, é importante em duas
posições na estratégia do atendimento ao adolescente autor de ato infracional.
É a última alternativa antes que se recorra à privação da liberdade. É a
primeira alternativa, quando se pensa na progressão de regime para os
adolescentes que se encontram internados. Sua implementação vale-se de
elementos de ação socioeducativa do regime de internação e também daqueles
próprios do regime de liberdade assistida.
O regime de semiliberdade é adequado tanto para adolescentes primários, que
não se pretende privar inteiramente da liberdade, como para aqueles que, no
regime de privação de liberdade, dão mostras de ter condições já de retorno
controlado ao convívio humano mais amplo do que aquele existente no
internato.
VII – A INTERNAÇÃO
O regime de internação é o mais complexo e difícil de ser implementado.
Parafraseando o prof. Alessandro Baratta, podemos afirmar que "o bom
internato é aquele que não existe". Esta advertência serve para nos alertar da
necessidade de ter-se sempre um compromisso profundo com os princípios da
5. brevidade e da excepcionalidade na aplicação dessa medida e um compromisso
também profundo com a integridade física, psicológica e moral dos jovens e
com seu desenvolvimento pessoal e social na implementação desse regime.
Quanto à ação socioeducativa (conjunto de métodos e técnicas a ser trabalhado
com esses jovens), o ponto principal é sabermos que "tudo que serve para
trabalhar com adolescentes serve para trabalhar com adolescentes autores de
ato infracional". Afinal, estamos diante de um adolescente que, por
circunstâncias, cometeu ato infracional. Não estamos diante de um infrator
que, por circunstâncias, é um adolescente.
O que buscamos?
Um ambiente familiar fortalecido e protetor;
O desenvolvimento integral de nossas crianças e adolescentes,
compreendendo o desenvolvimento FÍSICO, MENTAL, MORAL,
ESPIRITUAL e SOCIAL em condições de liberdade e de dignidade;
O enfrentamento das violências praticadas contra crianças e adolescentes;
A redução da violência juvenil;
O combate ao uso de drogas lícitas e ilícitas e garantia de tratamento
especializado para os que necessitarem;
A inclusão educacional efetiva;
O convívio social saudável, estimulante, interessante, criativo e produtivo;
A ampliação das oportunidades de qualificação e inserção profissional dos
adolescentes;
A ampliação de redes de proteção e de apoio às crianças, aos adolescentes,
aos jovens e suas famílias;
O fortalecimento das estruturas de defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes.
Trajetória histórica:
Da roda dos enjeitados ao Estatuto da Criança
e do Adolescente
Até o começo do século XX, assistência à infância era realizada principalmente
por instituições de obras de caridade, como a Santa Casa de Misericórdia, que
cuidava de doentes, pobres e órfãos, pois não havia políticas sociais
instituídas.
Nas santas casas, havia a roda dos enjeitados, para depositar crianças
indesejadas. A prática foi proibida em 1927. Naquele ano, surgiu o primeiro
Código de Menores do país, reformulado em 1979 e substituído pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente, em 1990.
1891 - O Decreto 1.313 estabelece que crianças com menos de 12 anos não
podem trabalhar
1919 - Na Inglaterra, é criada uma instituição internacional com objetivo de
proteger a infância
6. 1923 - É criado, no Brasil, o 1º Juizado de Menores da América Latina
1924 - Aprovada a Declaração de Genebra, primeiro documento internacional
sobre os direitos da criança
1927 - Promulgado o primeiro Código de Menores do país, conhecido como
Código Mello Mattos
1942 - O presidente Getúlio Vargas institui o Serviço de Assistência ao Menor
(SAM)
1946 - Criação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
1948 - É aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos
1950 - O escritório do Unicef no Brasil é instalado em João Pessoa
1959 - A Assembleia Geral da ONU aprova a Declaração Universal dos Direitos
da Criança
1964 - Governo cria a Fundação do Bem-Estar do Menor (Funabem)
1979 - O Código de Menores é substituído por outro documento. Prevalece,
porém, o caráter punitivo e assistencialista da lei
1987 - A Assembleia Nacional Constituinte é instalada em 1º de fevereiro. Um
grupo de trabalho redige o artigo 227, base para a elaboração do Estatuto da
Criança e do Adolescente
1988 - Promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil
1989 - A Assembleia Geral da ONU aprova a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança
1990 – É sancionado em 13 de julho o Estatuto da Criança e do Adolescente,
considerado um documento exemplar de direitos humanos
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Texto: Conselheiro Tutelar brusquense Paulo Vendelino
Kons, 43, do Grupo de Proteção da Infância e Adolescência
– GRUPIA
Contatos: paulo_kons@yahoo.com.br, 47 3396 8942, 47
9997 9581
7. No aniversário de 22 anos do
ECA, dá para comemorar?
Paulo Vendelino Kons
Conselheiro Tutelar em Brusque
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 22 anos de sanção
nesta sexta-feira. Fruto de intensa mobilização social, a lei federal 8.069,
sancionada em 13 de julho de 1990, tornou-se referência para países e
organismos internacionais.
Mas, bem perto de nós, crianças e adolescentes ainda sofrem agressões,
expostos a maus tratos, abandonados, drogados, usados na mendicância ou em
outras situações de exploração e de desrespeito. Também multiplicam-se os atos
infracionais praticados por adolescentes e, mesmo, crianças. Afinal, temos ou
não o que comemorar após 22 anos do ECA?
O nosso texto constitucional, a ratificação da Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança e o ECA são instrumentos muito significativos. A realidade,
de outro lado, é adversa. Entretanto, parece-me evidente ser melhor termos
ferramentas jurídicas qualificadas para a luta pela modificação desta realidade,
apesar de ainda parcialmente sonegados no dia a dia de nossas crianças e
adolescentes. É marcante o desinteresse velado de autoridades, do poder
econômico e de outros segmentos acerca desses direitos na prática. Realidade
manifestada, por exemplo, na inexpressiva alocação de recursos orçamentários
para a área e o não planejamento de ações claras e permanentes.
8. Vivenciando bem de perto essa trajetória, com convicção afirmo que o Estatuto da
Criança e do Adolescente é sim um instrumento essencial para assegurar a
proteção integral de nossas crianças e adolescentes. Mas, apesar dos avanços e
conquistas, não é possível que famílias, comunidades e governos permaneçam
anestesiados frente à situação grave e emergente com a qual nos deparamos
diariamente na área da infância e da adolescência, que exige o reconhecimento
das lacunas e de nossas omissões, mas sobretudo de ações que garantam
concretamente o que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegurou há 22
anos. E a pergunta que não quer calar é: a Lei garante, mas nós - família,
comunidade e poder público - garantimos a proteção integral de todas as nossas
crianças e adolescentes?
Entendo oportuno, neste aniversário, reiterar a reflexão que tenho apresentado
em conferências e colóquios realizadas em várias regiões do Brasil: a família
constitui o primeiro e o mais importante grupo social de toda a pessoa. E
cotidianamente depara-se com tantos desafios sociais e econômicos, culturais e
religiosos que a sociedade contemporânea enfrenta. A violência tem se instalado
em todos os ambientes de forma avassaladora. Sendo que é na família que
ouvimos as batidas do próprio coração e o que ele verdadeiramente aspira como
forma de realização pessoal e coletiva, precisamos nos mobilizar para assegurar
que a família seja cada vez mais o espaço para formação do ser humano.
Aos que permanentemente lutam para assegurar, na prática, os direitos
legalmente previstos, enfrentando os obstáculos dos que querem impedir a
garantia da proteção integral para todas as crianças e adolescentes, nosso
reconhecimento e gratidão da infância e adolescência. Sob a inspiração de
Deus, a promessa do Estatuto está em nossas mãos, em nosso coração.
Depende de cada um de nós.
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Paulo Vendelino Kons, 43, é Conselheiro Tutelar em Brusque/SC.
Contatos: conselhotutelar@brusque.sc.gov.br e 47 3396 8942 e 47 9997 9581