1. TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Camila Ingrid da Paz – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Resumo:
O presente trabalho versa discutir questões apresentadas em uma proposta de pesquisa
monográfica, abordando a temática da educação e cultura relacionada ao teatro como
expressão cultural e sua contribuição para o desenvolvimento de crianças. O estudo visa
analisar a relação dialética entre a educação e a cultura presente nas escolas. Para a que a
análise seja efetivada, a escolha de uma escola que tenha o teatro como parte integrante de seu
currículo como forma de expressão cultural foi imprescindível. A metodologia adota a
investigação como instrumento de produção de dados, a observação e entrevista semi-
estruturada com crianças e professores participantes da atividade teatral. A análise do material
empírico faz-se no diálogo com os estudos sobre a infância, sobre arte-educação e
principalmente no teatro para com a infância.
Palavras-chave: “Educação infantil”, “cultura”, “teatro”, “currículo”.
2. Introdução
O objeto deste trabalho é verificar os benefícios do teatro na educação infantil,
analisando o corpo e o movimento das crianças nos espaços destinados a aprendizagem das
mesmas nesta modalidade de Educação Infantil.
As crianças com o tempo ganharam um conceito de infância, que em tempos remotos
não existia, já que a criança era vista como um adulto em miniatura. Foram criados estatutos e
leis próprias para a educação, como a LDB (Lei 9.394/96) que coloca a Educação infantil
como primeira etapa da educação básica, porém há preocupação com conteúdos a serem
transmitidos, muitas vezes esquecendo-se do desenvolvimento da criança, seja intelectual,
cognitivo, até mesmo o seu desenvolvimento corporal. Temos também Referenciais e
Diretrizes que orientam profissionais que atuam na educação infantil, possuímos um Plano
Nacional da Educação (PNE) que inclui a educação infantil em suas metas.
Será somente isso que precisamos, leis? Não, pois as leis impostas precisam de
fiscalização e bastante comprometimento. De acordo com Kramer os projetos políticos
pedagógicos, devem considerar: “todo projeto de educação infantil deve afirmar a igualdade,
entendendo que as crianças – também as de zero a seis anos – são cidadãos de direitos, têm
diferenças que precisam ser reconhecidas e pertencem a diversas classes sócias, vivendo na
maioria das vezes uma situação de desigualdade, que precisa ser superada.” (KRAMER)
Ainda segundo KRAMER, A educação das crianças pequenas não é só um direito
social, mas também humano. Ou seja, o objetivo não é atender porque está na lei, mas porque
nós como seres sociais (professores, mulheres e homens, cidadãos), temos responsabilidade
com esses pequenos cidadãos que são nossas crianças.
Devemos levar em consideração, quando se trabalha com a Educação infantil a cultura
pré-estabelecida (origem) da criança, ou seja, o seu conhecimento acumulado. Justamente é
esse o grande ensinamento de Paulo Freire, que ao falar de educação, se refere
automaticamente à formação cultural. Kramer exemplifica:
O trabalho pedagógico em educação infantil, da maneira como o
entendo, não precisa ser feito sentado em carteira; o que
caracteriza o trabalho pedagógico é a experiência com o
conhecimento cientifico e com a literatura, a musica, a dança, o
teatro, o cinema, a produção artística, histórica e cultural que se
encontra nos museus, a arte. (KRAMER).
Segundo Freire, a análise do educador-educandos na escola é visto com relações
narradoras, que é justamente o princípio da educação bancária, que é uma educação
3. verticalizada, hierárquica, onde o professor tem o conhecimento e o aluno é desprovido dele.
O educador “bancário” faz "depósitos" nos educandos e estes passivamente as recebe, ou seja,
essa educação prima para a ideia de que o professor é o dono da verdade, ele possui o
conhecimento e transmite para o aluno que é visto como um ser sem conhecimento, o
professor geralmente fala e o aluno ouve, de preferência sem discutir e nem perguntar. Neste
tipo de educação não há trocas de ideias, de conhecimentos e de mundo. Sabemos que a
criança vai pra escola ter um conhecimento, mas que ela possui uma vida fora da mesma, com
conhecimentos já pré-estabelecidos do seu mundo, e este não pode ser ignorado; o professor
que consegue perceber os detalhes da visão de mundo desta criança e adequar seus
conhecimentos de acordo, receberá um melhor retorno.
Em se tratando de educação infantil, que a criança ainda não é alfabetizada, é muito
comum o professor se utilizar da educação bancaria, pois possui a ideia de que criança não
possui conhecimento, porém é justamente nesta fase que se deve estimular seu senso crítico,
fazendo que a criança aprenda por ela mesma, praticando, perguntando, criticando.
Para isso, a melhor forma de se trabalhar com a criança nesta fase é se utilizando das
diversas formas de arte: dança, musica, teatro. E cada criança se adapta melhor a um tipo de
arte, a um tipo de estímulo.
Trabalharemos neste trabalho em questão, o teatro que é a arte menos valorizada e
difundida nas escolas. A palavra teatro (théatron) deriva dos verbos gregos “ver, enxergar” e
significa lugar de onde se vê. O teatro é uma arte cênica, que se trabalha a atividade em
equipe, é uma arte que exercita a escuta do outro e de si próprio. (Guimard).
4. Teatro na educação
Brincar com crianças não é perder tempo, é ganha-lo, se é triste ver meninos sem escola, mais
triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor
para a formação do homem. ( Carlos Drummond de Andrade)
Piaget cita que a criança inicialmente aprende a imitar, imaginando e recriando
contextos da forma como absorveu as cenas do cotidiano. Expressando emoções em forma de
brincadeiras com outras crianças e com bonecas, representando estórias e contos que um dia
ouviu. Ao interpretar em suas brincadeiras, vai criando improvisadamente um pequeno teatro.
“Jogos de imaginação, tendo como subclasses as metamorfoses de
objetos, as vivificações de brinquedos, as criações de brinquedos, as
criações de brinquedos imaginários, as transformações de personagens e
a representação em ato de estórias e contos” (PIAGET, pág. 141, 2009).
Para fundamentar nosso estudo, realizamos uma entrevista com o Prof. Luiz Fernando,
professor de teatro da creche Fiocruz; formado pela UNIRIO em Artes Cênicas e mestre pela
PUC Rio em Educação Infantil; e uma das perguntas feitas foi justamente, “Porque as aulas
de teatro não são valorizadas? Primeiramente a resposta dele foi com uma outra pergunta: “A
arte para a educação brasileira é o que? E ele mesmo respondeu: desenhar.” O desenho é na
verdade a principal atividade de artes nas escolas seja em qualquer segmento. Será que é mas
fácil? Ou será que os professores não estão capacitados?
E então perguntei, o que seria para ele (Fernando) teatro para crianças:
“Na escola é a possibilidade da criança conhecer o mundo através da
sensibilidade. Através da expressividade, da narrativa que é
apresentada, através do jogo, da experimentação com outros
personagens, de aprender a vida através da visão que outros
personagens podem te dar, se colocar no lugar do outro. Mas
basicamente uma aquisição de conhecimento sensível. É uma formação
humanista, uma formação que vai exigir da criança e do profissional
uma visão não mercantilista, não comercial, não conservadora, porque
quando você vai fazer teatro você tem que ter uma visão mais ligada ao
sentimento, aos afetos, ao que a criança tem a oferecer. Ao prazer, ao
lúdico.
A essas coisas todas, diferente do que a escola quer.” (Luiz Fernando)
Pelas palavras do professor, vimos que trabalhar arte na escola não é apenas dar um
papel, caneta e tinta para criança, pois podemos trabalhar com elas usando a imaginação, no
qual o teatro nos dá esta possiblidade. Ao fazer teatro a criança ganha muito com o sentido de
grupo, aprendendo a observar, sendo que no começo copiam e depois passam a criar. É um
5. processo em grupo, porém o tempo é individual. A idéia é de incluir, inserir, e que todos se
desenvolvam, sabendo que alguns desenvolverão mais rápidos e outros ao longo do tempo.
De acordo com o Referencial Curricular da Educação Infantil (BRASIL, 1998, p.27,
v.01):
O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel que
assumem enquanto brincam. Ao adotar outros papéis na brincadeira, as
crianças agem frente à realidade de maneira não-literal, transferindo e
substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel
assumido, utilizando-se de objetos substitutos.
Quando a criança brinca, ela vivencia a realidade e para ela naquele momento, toda a
imaginação não é só uma brincadeira. Trabalhar teatro para crianças não é brincar com elas;
mas não se deve separar, dizendo: “agora é hora de brincar”, pois ela mesma percebe, o que é
brincadeira e o que não é, e quando o assunto é a imaginação a criança leva bem a sério. De
acordo como foi dito por Luiz Fernando: Não. Não é lazer. Você tem que favorecer a
brincadeira da criança. Não é “pedagogizar” a aula, está ligada a educação e a pedagogia,
mas não é lazer no sentido que é uma festinha, para passar o tempo da criança e para
entreter; não. É uma coisa pensada, trabalhada com conhecimento, com fundamentação
teórica, uma coisa mais séria nesse sentido.
O objetivo do teatro na escola é diferente que o teatro fora dela, pois não está centrado
na formação de público, porém pode contribuir para uma plateia crítica, mas para isso, é
necessário realizar um trabalho antes e outro depois da ida ao teatro ou da apresentação na
escola. O grande problema é que se vê o teatro na escola como mera representação de peças
em datas comemorativas, o aluno decora o texto e repete, não havendo nenhuma autonomia,
ou seja, esse teatro promove o exibicionismo e pode constranger os mais tímidos. (Mourão)
Perguntei para Fernando, Se é verdade que o teatro ajuda a desinibir as crianças
tímidas? Para ele: Não só as tímidas. Eu acho que é um processo para todos mesmo as não
tímidas. Porque a criança pode ser tímida e ela pode dançar. As crianças tímidas são só
diferentes, nem maior nem menor, nem melhor nem pior, são só diferentes. A não ser que a
criança tenha algum comprometimento, não só para o teatro, como para tudo vai ter aquele
comprometimento; aí são outras questões que deveriam ser trabalhadas.
O nosso trabalho é na perspectiva do professor de teatro, sua formação, seu trabalho.
A preocupação nessa área de artes é a dificuldade de encontrar um profissional das duas áreas,
ou seja, o ator nem sempre é um professor e o professor, principalmente o pedagogo, não se
capacita na área de artes.
6. Para Fernando: “Não só teatro, mas toda a área de artes tem este problema.” Ele diz
que “o aluno de pedagogia tem as mesmas deficiências de todo povo brasileiro, não conhece.
Não tem habito, não vai.” E acrescenta “que o professor de teatro deveria ter conhecimento de
didática, pedagogia. Se não é uma faculdade de teatro, de dança, de desenho. Esse profissional
que lida com a arte tem que ter algumas noções da pedagogia para poder também
compreender como ele planeja uma aula, como ele vai transmitir aqueles conceitos, como é
que ele não deve fazer, como ele deve fazer, jogar fora o que não presta para arte dele.”
Para o professor de educação infantil, pedagogo, deveria haver uma maior capacitação
na área de artes, pois este professor precisa liberar seu corpo e sua timidez, para que possa
também liberar os corpinhos das crianças e assim dar movimento e como disse Fernando: “O
objetivo é desenvolver a criança em linguagens sensíveis. Para que ela compreenda esse
mundo, para que ela aprenda a pensar, aprenda a se expressar, tenha coragem de desenvolver
a sua própria linguagem, que ela não tenha medo de dizer o que ela pensa, que ela possa
discutir os assuntos que as escolas colocam para elas.”
Existem Facilidades e dificuldades em se trabalhar teatro com as crianças, as
facilidades é a interação com a criança e acaba descobrindo coisas interessantes que você
nunca tinha feito; naquele mesmo exercício que você traz todo ano, uma criança traz uma
nova visão. A dificuldade é a criança não entender, não querer, ou não ser possível
desenvolvê-la no ritmo das outras. (FERNANDO)
Mas temos que compreender que a criança ela é única, que ela não tem obrigação de
fazer e que ela não deve ser avaliada porque não faz. “Porque está no currículo mas não é para
ser tratado como uma matéria que vale uma nota. Eu faço até uma avaliação, mas uma
avaliação geral, da turma, do grupo, eu conto o que eu fiz. Eu não digo “fulano fez, fulano não
fez”.” (FERNANDO)
7. Considerações Finais
Concluímos depois de irmos a campo e de acordo com todos os dados levantados no
trabalho, que o teatro para crianças traz muitos benefícios para as mesmas, ajudando seu
pleno desenvolvimento, fazendo-as seres críticos, mas felizes por usarem a imaginação.
Vimos também que toda a teoria que estudamos na faculdade deve ser valorizada
porém temos que buscar a autonomia, levando a criança a entender a sociedade que a cerca
através da criatividade e percepção. Por isso nós, educadores temos que buscar colocar em
prática o que estudamos utilizando também os recursos que a arte nos traz.
“A falta de exercícios de expressão espontânea nas crianças vai
tornando-as máquinas de repetir conceitos, pobres robôs, cópias mal
feitas de adultos ressequidos, porta- vozes do que se ouve todos os dias
nos programas de televisão, anúncios ambulantes de produtos
comerciais, imitadores de heróis mal representados, mal idealizados,
veículos puros de uma agressividade mal dirigida e mal controlada.”
Maria Clara Machado.
O que não pode ser feito é transformar as crianças em robôs, onde são obrigadas a
repetir textos para uma apresentação, esse não é o objetivo do teatro, não é o objetivo da arte,
pois a arte é espontânea, assim como as crianças são.
O teatro ainda precisa ser valorizado, mas para isso precisamos de professores e
pedagogos que se interessem por essa arte. Por isso o currículo do curso de pedagogia precisa
está antenado a essas deficiências.
8. Referências Bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 40ª edição, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação Bancária e Educação Libertadora. livro “Introdução à
Psicologia Escolar” organizado por Maria Helena Patto. São Paulo: T. A. Queiroz, 1971.
KRAMER, Sonia. Direitos da criança e projeto político pedagógico de educação infantil
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil/Ministério da
Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998,
volume: 1 e 2.
GUIMARD, Gabriel. Teatro, infância e escola
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem
erepresentação. Jean Piaget; tradução de Álvaro Cabral e Cristiano Monteiro Oiticica.- 3 ed.
- Rio de Janeiro: LTC, 2009.
MOURÃO, Alessandra. O longo caminho do teatro na educação. Retirado do site:
http://www.criandartes.blogspot.com/
FERNANDO, Luiz. Entrevista realizada dia 27/06/2012 na creche Fiocruz. Cidade do Rio de
Janeiro