A Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara de Pernambuco realizou importantes trabalhos nos primeiros anos após sua criação, como revelar documentos que desmontaram versões oficiais sobre mortes e atentados durante a ditadura, e corrigiram certidões de óbito de vítimas da repressão para reconhecer a verdade sobre as causas das mortes.
Relação de relatorias - Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câ...
Homenagem da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara a Eduardo Campos
1. POSSE DA COMISSÃO ESTADUAL DA MEMÓRIAE VERDADEDOM HELDER
CÂMARA
1º DE JUNHO DE 2012
PALÁCIO DO CAMPO DAS PRINCESAS
DISCURSO DO GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO,
EDUARDO HENRIQUE ACCIOLY CAMPOS
Lembroas palavrassábiasdo bispoDesmondTutu, presidente daComissãodaVerdade e
ConciliaçãodaÁfricado Sul,que durante ogovernode NelsonMandela,deufimaoregime do
Apartheid.DiziaTutu:“A verdade cura,às vezesarde,mascura”. A democracianão é uma
dádiva.Elaresultade uma construçãocoletivaque avançapasso a passo,geraçãoa geração.
Às vezes,essespassossãorápidose longos.Emoutras vezes,curtose lentos.Emalguns
momentosapenasé possível iràfrente pé ante pé,para que a marcha não pare,para que –
mesmosobo pesoda escuridão– continuemosabuscara luzque nosorienta.
O Brasil venceuaescuridão.Pernambucovenceuaescuridão.Ehoje,nestasolenidade,damos
um largopassopara consolidarademocraciano nossoEstadoe no nossoPaís.Porque não
basta avançar. É preciso terrumo.Do contrário,ficaremoscomoomarinheiroque,tendo
ventoemsuasvelas,nãosabe ajustar o leme parachegar maiscedoao seudestino.
A ComissãoEstadual daMemóriae da Verdade DomHelderCâmaracumprirá– tenhocerteza
– importante papel paraaindicaçãodos rumosda democraciano Brasil.Oseucompromisso
essencial é coma verdade,base sobre aqual se fundaramtodasas sociedades,nasmais
diferentesculturas,que venceramototalitarismoe oarbítrio.E a verdade é ocontrário do
esquecimento,é acapacidade de contar o que aconteceu.
O grande filósofofrancêsVoltairedizia:“Asverdadessãofrutosque apenasdevemser
colhidosquandobemmaduros”.Masnós podemosafirmaraqui:játarda a verdade a respeito
da tenebrosanoite de escuridão que pesousobre geraçõesde brasileirose brasileiras.Masela
irá nosiluminar.Nãopara avivarrancores,nãopara atiçar ódios,nãopara acrescentar
ressentimentos.Maspara que todosnós tenhamosoentendimentodosfatos,tenhamoso
conhecimentodosnomese possamosrefletirsobre ascontingênciasde cadatempo.
A procura da verdade nãoseráa procurada revanche.Nãonosalimentamsentimentos
menores,nemapretensãode julgare sentenciar.CaberáàComissãoenviaraospoderes
constituídos,aoMinistérioPúblicoe àJustiçadesse Paístodos oscrimesque tiver
2. conhecimentoe todosaquelesque emnome doEstado,sujaramas mãosde sangue e
violaramosdiretoshumanos.Sãoestastarefasque cabem, nofim, à História,que registraráos
gestosde cada um para o avanço rápido,lentooumesmopé ante pé da democracia.
Mas, se nãohá revanche,tambémnãohá medo.A Comissãotrabalharácom corageme
determinaçãoparaque as famíliasaindahoje enlutadassaibamde seusmortose
desaparecidos;paraque osatos de violênciasejamconhecidose osque lutarampara construir
a democraciapossammaisse orgulharda resistênciaaoarbítrio que fizeram.
E aqui me cabe homenageartantosque aqui estão,que estiverampresosemItamaracá,os
que lutarampara que nós aqui estivéssemoshojetendoascondiçõespolíticasde viverumdia
de busca da verdade.Paraque,enfim, osilêncionãocontinue aprevalecer,comose a Nação
não tivesse tidoumpassadode horrore que,para esquecê-lo,omelhorcaminhoserianunca
desvendá-lo.
Não,o melhorcaminhoé lançar a luzsobre o chumbodos porões.Conheceraverdade do
passadoé assegurara firmezae a constânciado avançodemocrático.Devemosissoaosnossos
filhos,devemosissoàsgeraçõesque virão,devemosissoànossaprópriaconsciênciae ànossa
própriamilitância.
Lembro,nesse momento,de umhomemque,aolongode todasua vida,lutousemtréguas
contra todasas formasde opressão.Perseguido,presoe exilado,Miguel Arraesde Alencar
nunca se curvouà força dospoderosos.Comele aprendi osvaloresdemocráticos,aprendi a
não guardar mágoase rancores,mas aprendi aresistire a acreditarno povoe nofuturodo
nossopaís. AogovernadorArraes,prestoasnossashomenagens.
Agora,queroprestarnossashomenagensaalgunsbrasileiros,pernambucanosde diferentes
gerações,que tombaramna lutapelademocracia.SaúdoemprimeirolugarDemócritode
SouzaFilhoe Manoel Carvoeiro,vítimasdaditadurado EstadoNovo.Querotambém
homenagearosestudantesIvanAguiare JonasAlbuquerqueque foramasprimeirasvítimasda
repressão,metralhadosnodia1º de abril,nestaPraça da República,porque se manifestavam
contra a tiraniaque se instalava.Queroque sejaeste omomentotambémde manifestara
saudade de PernambucoporFernandoSantaCruz,RamirezMaranhão e EduardoCollier,
jovensque tiveramsuasvidasceifadaspeladitadura.Éemnome delese emrespeitoàssuas
famíliasque estamosreunidosnestatarde.
Os nove integrantesdaComissãohoje empossadaestãoprontosparao trabalhodesafiador
que os espera.Sãomulherese homensde idadesdiferentes,de formaçõesprofissionais
distintase diversaspreferênciaspolíticas.Noentanto,osune ocompromissocomumcoma
lutapelosdireitoshumanos,que levaramavante mesmoquandoessalutapodiatrazerprisão,
tortura e morte.
São portadoresdaconfiançade todos ospernambucanosque,aolongode sua heroica
História,levantaram-se afavordas grandescausaslibertárias.Se necessário,celebrando
pactos; se necessário,indoaosenfrentamentos.
Inspiraa ComissãooinesquecíveldomHelderCâmara.Portodaa suavida,o Arcebispode
Olindae Recife buscouaverdade.A teológica,calcadanosfundamentosdafé,mastambéma
3. verdade davidados homens,nalidapelasobrevivênciae pelodesejode justiçasocial.
Tentaramcalar Dom Helder,perseguirame assassinaramosque lhe erampróximoscomoo
saudosoPadre Henrique.Masnão vergoua verdade que brotavadaspalavrasdaquele gigante
miúdo.Elapermanece e agora,maisuma vez,nosserve de farol e de norte.
A memórianosensinae a verdade nosliberta.Aoempossarossete integrantesdaComissão
nacional,disse,emocionada,apresidenteDilmaRousseff:“A ignorânciasobre aHistórianão
pacifica,pelocontrário,mantémlatentesmágoase rancores.A desinformaçãonãoajudaa
apaziguar,apenasfacilitaotrânsitoda intolerância.A sombrae a mentiranãosão capazesde
promovera concórdia.”Façamostambémnossasas palavrasde sua excelência,apresidenta
da República.Epor elasbalizadas,damoshoje maisumlargopasso,semretorno,rumoà
democraciadas nossasmaisprofundasesperanças.
Comocantam os versosdopoeta,que aqui relembro,AfonsoRomanode Santana:
A natureza,como a História,
Segrega memória e vida
E cedo ou tarde desova
A verdadesobrea aurora.
Não há cova funda quesepulte
A rasa covardia
Não há túmulo queoculte
Os frutosda rebeldia
Cai umdia desgraçada
A maistorpe ditadura.
Quando osvivossaemà praça
E os mortosda sepultura
Vivaa liberdade. Vivaademocracia. VivaPernambuco /VivaoBrasil.
4. Cerimônia de instalação da Comissão Estadual da Memória e
Verdade Dom Helder Câmara
“Senhor governador, vejo – e todos nós vemos – com grande alegria que essa
história aos poucos está sendo passada a limpo. Certamente sem a velocidade
que nós desejaríamos, sem o alcance pelo qual todos ansiamos, mas que aos
poucos vai sendo reescrita. E, sem dúvida, essa cerimônia que hoje aqui se
realiza constitui mais uma pedra para a restauração da verdade. Para que a
versão oficial do Estado venha a ser corrigida e possa corresponder ao que
efetivamente ocorreu. Todos nós, que integramos a Comissão, nos sentimos
profundamente honrados em termos assumido o encargo que V. EX.ª nos
delegou. Honrados e conscientes de termos assumido uma grande
responsabilidade perante o povo pernambucano, perante o povo brasileiro,
perante a própria história deste país.”
“Em Pernambuco talvez tenham ocorrido as cenas mais violentas da repressão,
talvez porque aqui a sociedade estava mais à frente dos demais estados. Talvez
porque aqui na época, com Miguel Arraes governador, os três poderes
republicanos exercendo plenamente suas atribuições, os trabalhadores do
campo começando a serem ouvidos, a juventude arregimentada vivendo em
clima de plena liberdade e assim, a história talvez andasse mais depressa, mais
rapidamente. Um tanto na dianteira do seu tempo. Anunciando o tempo novo.
Talvez por isso mesmo a repressão aqui tenha sido maior. O esforço para tentar
paralisar a marcha da história tenha exigido mais do que, pela força, haviam se
apossado do Poder.”
“Pode V.Ex.ª estar certo que, conscientes das dificuldades que terão de ser
enfrentadas, esta Comissão fará tudo que estiver ao seu alcance para revelar os
fatos tais como se passaram e possam ainda ser reconstituídos, apesar dos anos
decorridos desde o fim daquela longa noite que se abateu sobre o Brasil. Apesar
da manipulação de arquivos e da morte de tantos que podiam ajudar no
esclarecimento da verdade. Pode V. Ex.ª estar certo que tudo faremos para o
cumprimento da missão que nos foi confiada. Na certeza de que estaremos
fazendo a nossa parte, para que fatos semelhantes nunca mais se repitam na
vida deste país e a própria história possa seguir o seu curso.”
“Muito obrigado, governador. Gratidão é dívida que nunca prescreve.”
Trechos do discurso de Fernando de Vasconcellos Coelho – coordenador da
Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, durante a
solenidade de instauração da Comissão, com o governador Eduardo Campos,
em 1º de junho de 2012, no Palácio do Campo das Princesas.
5. Destaques do trabalho da CEMVDHC
1º de junho de 2012. Nascia pelas mãos do ex-governador Eduardo Campos a
Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara. A primeira do
Brasil instituída por Lei Estadual nº 14.688. Surgiu com a finalidade de “examinar
e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas contra qualquer
pessoa, no território do Estado de Pernambuco, ou contra pernambucanos,
ainda que fora do Estado, praticadas por agentes públicos estaduais” durante a
ditadura militar.
14 de fevereiro de 2013. Coletiva de imprensa. Em pauta, o caso Anatália de
Souza Melo Alves. Jovem potiguar, militante do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário – PCBR - supostamente vítima de suicídio e com indícios de
estupro, dentro das dependências do DOPS/Recife, em janeiro de 1973. No
atestado de óbito, asfixia por enforcamento. Quarenta anos depois, um novo
laudo solicitado ao Instituto de Criminalística de Pernambuco pela Comissão
Dom Helder Câmara traz à tona a versão de que Anatália não se enforcou: fora
vítima de estrangulamento.
03 de dezembro de 2013. O colegiado pernambucano promove coletiva de
imprensa e apresenta documento inédito do laudo tanatoscópico realizado no
corpo do geólogo Ezequias Bezerra da Rocha, morto aos 28 anos de idade, em
12 de março de 1972. No laudo do Instituto Médico Legal de Pernambuco, a
confirmação de morte sob tortura, cujo corpo tinha “mãos e pés amarrados de
corda, envolto em uma rede também de corda, com uma pedra de 30 quilos
atada ao corpo”, segundo documento assinado por Bartolomeu Ferreira de Melo,
delegado à época do crime.
10 de dezembro de 2013. Coletiva de imprensa sobre o episódio da Bomba do
Aeroporto e o Caso Odijas de Carvalho. Na ocasião, a Comissão entregou ao
governador Eduardo Campos documentos dos órgãos de segurança pública,
datados de 1970, que desmontam a versão original de que os culpados pelo
atentado a bomba no saguão do Aeroporto dos Guararapes – na manhã de 25
de julho de 1966 - teriam sido o ex-deputado federal Ricardo Zarattini e o
professor Edinaldo Miranda. Ainda na Coletiva, a viúva de Odijas Carvalho de
Souza recebeu a certidão de óbito do líder estudantil retificada com a verdadeira
causa da morte: homicídio por lesões corporais múltiplas decorrentes de atos de
torturas. O pedido de retificação havia sido remetido à justiça em julho de 2013,
por intermédio dos membros da Comissão da Verdade de Pernambuco.
27 de maio de 2014. Quarenta e cinco anos depois e o desfecho final do
emblemático Caso Padre Henrique. Em recente coletiva à imprensa, a Comissão
apresentou relatório oficial – baseado em documentos confidenciais do Serviço
Nacional de Informações (SNI) - e concluiu que “o assassinato do Padre Antônio
Henrique foi, eminentemente, um crime político”. A tese anterior apresentada
pelas autoridades afirmava tratar-se de ato cometido por jovens em tratamento
6. contra a dependência de drogas, que estariam sob os cuidados do sacerdote.
Consta ainda no relatório que a motivação do assassinato deu-se pelo "trabalho
político de esclarecimento e conscientização dos jovens", realizado por Padre
Henrique, o que fez com que o sacerdote fosse visto como "subversivo pelos
setores conservadores”.