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VERDADE E GÊNERO
De modo que, para contar minha história, aqui estou.
Vocês me escutam falar, mas... me escutam sentir?
Gertrud Kolmar
Gertrud Kolmar, escritora judia assassinada em Auchwitz.
De “La Mujer Poeta”. Esse Infierno, Buenos Ayres, 2006.
A Comissão da Verdade tem como dever investigar as graves violações
de direitos humanos ocorridas durante o período da ditadura militar
(1964 – 1985).
A repressão política da época não poupou mulheres e homens que
ousaram discordar, divergir, protestar e lutar contra a ordem
ditatorial, enfrentar os desmandos, o autoritarismo e as atrocidades
e brutalidades do estado de terror implantado a partir de 1964.
A violência empregada pelo Estado impôs, a ferro e fogo, o silêncio, a
censura, a insegurança, a incerteza, o pânico e o medo. Impôs para
muitas pessoas o exílio, a clandestinidade, o isolamento social e
político. Os militantes políticos viviam sob tensão intensa, risco de
sequestro, tortura, assassinato e pairava a figura sinistra do
desaparecimento forçado. Há uma lista de pelo menos 500 pessoas
mortas, assassinadas pela ditadura. Dentre elas, há aquelas cujos
corpos não foram entregues para que seus familiares pudessem
sepultá-los.
As desigualdades históricas entre homens e mulheres foram reelaboradas e
aprofundadas pela ditadura, que não admitia, em nenhuma hipótese, que
mulheres desenvolvessem ações não condizentes com os estereótipos
femininos de submissão, dependência e falta de iniciativa. As mulheres,
militantes políticas da época, subverteram a ordem patriarcal tão solidamente
acomodada na ideologia ditatorial. Ao ingressarem para as lutas da oposição
política, das mais diversas maneiras, as mulheres pegaram em armas ou
apoiaram ações políticas de protesto, armadas ou não, mantiveram a
segurança de “aparelhos” que escondiam a militância e o material de luta,
participaram da imprensa clandestina, escreveram, fizeram funcionar as
gráficas e distribuíram as publicações produzidas de forma artesanal e em
condições muito precárias. Cuidaram da saúde e da segurança de militantes e
familiares. Tiveram suas crianças na clandestinidade, nas prisões. Viram suas
crianças expostas às sessões de tortura, ameaçadas ou mesmo torturadas.
Sofreram abortos dolorosos, devido aos espancamentos e chutes dos
torturadores. Foram impedidas de amamentar seus bebês nos cárceres,
menstruaram de forma excessiva ou escassa conforme as sessões de torturas.
Foram estupradas e sofreram violência sexual. Tiveram seus corpos nus
expostos para os torturadores espancá-los, queimá-los com pontas de cigarro
ou com choques elétricos, enfiar fios elétricos em suas vaginas e ânus,
arrebentar seus mamilos e cometer estupros.
Houve militantes que foram assassinadas, cujos cadáveres, em muitos
casos, encontram-se desaparecidos até os dias atuais. Muitas dessas
mulheres foram levadas à morte, por meio de um assassinato
friamente calculado, com atos de estupro, mutilação inclusive genital.
Outras, foram assassinadas com o uso da coroa de cristo, como era
chamado um método de tortura, que por meio do emprego de uma
cinta de aço, apertava-se o crânio até esmagá-lo.
Outras foram mortas em acidentes estrategicamente planejados como
foi o caso de Zuzu Angel que, denunciou, insistentemente, o
desaparecimento do seu filho, Stuart Angel Jones. Outras
enlouqueceram, como resultado de tamanha dor e perseguição
policial.
Houve muitas e muitas que lutaram no anonimato. Para que se
alcance a verdade, a história terá que trazer à tona a sua participação.
Ao buscar a verdade, a Comissão da Verdade deve analisar os fatos e
suas circunstâncias, numa perspectiva de gênero, ou seja,
considerando que as desigualdades entre os sexos levaram a
consequências e sequelas distintas entre mulheres e homens, em
decorrência das brutalidades cometidas pela ditadura militar.
Só assim a história poderá fazer justiça às mulheres, a parcela mais
esquecida e menos visível da humanidade. Não basta ouvir as
mulheres, será preciso senti-las em toda a dimensão de suas ações.
Ao buscar a verdade, a Comissão da Verdade deve analisar os fatos e
suas circunstâncias, numa perspectiva de gênero, ou seja,
considerando que as desigualdades entre os sexos levaram a
consequências e sequelas distintas entre mulheres e homens, em
decorrência das brutalidades cometidas pela ditadura militar.
Só assim a história poderá fazer justiça às mulheres, a parcela mais
esquecida e menos visível da humanidade. Não basta ouvir as
mulheres, será preciso senti-las em toda a dimensão de suas ações.

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Verdade e Gênero

  • 2. De modo que, para contar minha história, aqui estou. Vocês me escutam falar, mas... me escutam sentir? Gertrud Kolmar Gertrud Kolmar, escritora judia assassinada em Auchwitz. De “La Mujer Poeta”. Esse Infierno, Buenos Ayres, 2006.
  • 3. A Comissão da Verdade tem como dever investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas durante o período da ditadura militar (1964 – 1985). A repressão política da época não poupou mulheres e homens que ousaram discordar, divergir, protestar e lutar contra a ordem ditatorial, enfrentar os desmandos, o autoritarismo e as atrocidades e brutalidades do estado de terror implantado a partir de 1964. A violência empregada pelo Estado impôs, a ferro e fogo, o silêncio, a censura, a insegurança, a incerteza, o pânico e o medo. Impôs para muitas pessoas o exílio, a clandestinidade, o isolamento social e político. Os militantes políticos viviam sob tensão intensa, risco de sequestro, tortura, assassinato e pairava a figura sinistra do desaparecimento forçado. Há uma lista de pelo menos 500 pessoas mortas, assassinadas pela ditadura. Dentre elas, há aquelas cujos corpos não foram entregues para que seus familiares pudessem sepultá-los.
  • 4. As desigualdades históricas entre homens e mulheres foram reelaboradas e aprofundadas pela ditadura, que não admitia, em nenhuma hipótese, que mulheres desenvolvessem ações não condizentes com os estereótipos femininos de submissão, dependência e falta de iniciativa. As mulheres, militantes políticas da época, subverteram a ordem patriarcal tão solidamente acomodada na ideologia ditatorial. Ao ingressarem para as lutas da oposição política, das mais diversas maneiras, as mulheres pegaram em armas ou apoiaram ações políticas de protesto, armadas ou não, mantiveram a segurança de “aparelhos” que escondiam a militância e o material de luta, participaram da imprensa clandestina, escreveram, fizeram funcionar as gráficas e distribuíram as publicações produzidas de forma artesanal e em condições muito precárias. Cuidaram da saúde e da segurança de militantes e familiares. Tiveram suas crianças na clandestinidade, nas prisões. Viram suas crianças expostas às sessões de tortura, ameaçadas ou mesmo torturadas. Sofreram abortos dolorosos, devido aos espancamentos e chutes dos torturadores. Foram impedidas de amamentar seus bebês nos cárceres, menstruaram de forma excessiva ou escassa conforme as sessões de torturas. Foram estupradas e sofreram violência sexual. Tiveram seus corpos nus expostos para os torturadores espancá-los, queimá-los com pontas de cigarro ou com choques elétricos, enfiar fios elétricos em suas vaginas e ânus, arrebentar seus mamilos e cometer estupros.
  • 5. Houve militantes que foram assassinadas, cujos cadáveres, em muitos casos, encontram-se desaparecidos até os dias atuais. Muitas dessas mulheres foram levadas à morte, por meio de um assassinato friamente calculado, com atos de estupro, mutilação inclusive genital. Outras, foram assassinadas com o uso da coroa de cristo, como era chamado um método de tortura, que por meio do emprego de uma cinta de aço, apertava-se o crânio até esmagá-lo. Outras foram mortas em acidentes estrategicamente planejados como foi o caso de Zuzu Angel que, denunciou, insistentemente, o desaparecimento do seu filho, Stuart Angel Jones. Outras enlouqueceram, como resultado de tamanha dor e perseguição policial. Houve muitas e muitas que lutaram no anonimato. Para que se alcance a verdade, a história terá que trazer à tona a sua participação.
  • 6. Ao buscar a verdade, a Comissão da Verdade deve analisar os fatos e suas circunstâncias, numa perspectiva de gênero, ou seja, considerando que as desigualdades entre os sexos levaram a consequências e sequelas distintas entre mulheres e homens, em decorrência das brutalidades cometidas pela ditadura militar. Só assim a história poderá fazer justiça às mulheres, a parcela mais esquecida e menos visível da humanidade. Não basta ouvir as mulheres, será preciso senti-las em toda a dimensão de suas ações.
  • 7. Ao buscar a verdade, a Comissão da Verdade deve analisar os fatos e suas circunstâncias, numa perspectiva de gênero, ou seja, considerando que as desigualdades entre os sexos levaram a consequências e sequelas distintas entre mulheres e homens, em decorrência das brutalidades cometidas pela ditadura militar. Só assim a história poderá fazer justiça às mulheres, a parcela mais esquecida e menos visível da humanidade. Não basta ouvir as mulheres, será preciso senti-las em toda a dimensão de suas ações.