Este artigo debate a possibilidade ou nao de existir alguma forma de desenvolvimento que seja sustentavel ou se o DS trata-se somente de um modo de mascarar e protelar a atual crise ambiental.
Analise de politicas publicas e gerenciamento costeiro na Baixada Santista em...
Desenvolvimento insustentavel
1. A INSUSTENTABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Carlo Romani
No ano de 2004, o candidato derrotado à presidência dos EUA, Al Gore, lançou um
documentário com ampla distribuição mundial pela Paramount cujos objetivos imediatos eram
os de alertar a opinião pública mundial, a classe média consumidora das áreas
economicamente mais desenvolvidas do capitalismo, para uma verdade inconveniente: a da
lenta agonia do planeta Terra. Sua conclusão, a de que a persistência na atual forma de
desenvolvimento econômico é insustentável e se faz necessária uma decisiva e contínua
mudança no modelo. Para além do apelo a recursos visuais, estéticos e didáticos de fácil
assimilação e sensibilização do público leigo, a inconveniência da tese do documentário é
fundamentada pela ampla divulgação de dados empíricos e laudos científicos, ou seja, pelo
aval dos experts. Não vamos neste texto discutir a validade ou não das questões, das propostas
e das conclusões do documentário, nem a gravidade do problema ambiental em si. O que nos
interessa neste texto é investigar, numa perspectiva genealógica, quais as condições históricas
que permitiram a institucionalização de um tema para o qual, duas décadas atrás, tanto os
agentes políticos quanto os agentes econômicos do mainstream internacional torciam o nariz.
A questão ambiental deixa de ser uma atividade ainda em grande parte restrita a
militantes conservacionistas e passa a ser tratada como questão de política internacional a
partir de pressupostos científicos, somente na década de 1960. Fora do campo biológico da
ecologia, num primeiro momento, a problemática ambiental no planeta foi elaborada como
um problema de gestão de recursos naturais. Foram os demógrafos e os economistas
patrocinados pelo Clube de Roma, os primeiros a colocarem o problema. E o fizeram numa
perspectiva neomalthusiana, na medida em que a explosão demográfica registrada no século
XX – a duplicação da população da Terra em menos de cinquenta anos – chocava-se
diretamente com a apropriação dos recursos naturais. E o fizeram dentro do modelo
dominante do liberalismo, do crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento. O
estudo organizado por Daniel Meadows sobre os limites do crescimento pauta a primeira
conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano. Nele detectam-se cinco variáveis
negativas: industrialização crescente, população crescente, desnutrição crescente, recursos
2. não-renováveis em extinção e meio ambiente em degradação. A simulação para o futuro
previa um cenário de catástrofe para o planeta em menos de cem anos.
O ano de 1972 marcou o início do processo de institucionalização da problemática
ambiental. Aquela conferência de Estocolmo organizada pela UNEP, a recém-criada agência da
ONU para os programas ambientais, foi profundamente influenciada pela idéia da finitude do
crescimento e elevou a discussão do problema para um patamar de visibilidade que
ultrapassava o do círculo restrito dos experts e ativistas. E aqui cabe discutir a importância de
ambos na constituição de uma arena política para o problema ambiental no âmbito da
sociedade civil. Vale lembrar as intrínsecas relações entre saber e poder, que no caso da
sociedade moderna se desenvolvem entre a ciência e o direito, entre a legitimação científica e
regulamentação normativa. A sociedade contemporânea que Michel Foucault denomina
biopolítica se organiza a partir de um sistema de veridição, a prova é válida quando tem a
anuência técnica, o laudo de um expert. E foi justamente essa legitimidade científica que
permitiu uma primeira internalização da existência de um problema ambiental nos níveis mais
decisórios do poder. Por outro lado, uma sociedade de massa é vulnerável à propaganda, e a
publicidade sobre o tema não era ainda algo que interessasse diretamente ao establishment
como passou a ocorrer mais recentemente. Nesse sentido, a ação de ambientalistas dos mais
diversos matizes (conservacionistas, ecologistas, anti-nucleares) nos anos setenta e oitenta foi
decisiva para ampliar o espaço de debate e dar maior visibilidade ao problema ambiental.
Contudo, se a discussão em Estocolmo foi produtiva para institucionalizar e internalizar
o debate nas arenas da governança global e nos círculos acadêmicos e ativistas ambientais, ele
também foi rechaçado pela maioria dos atores políticos tanto à direita quanto à esquerda. As
reações contrárias começaram no próprio campo ideológico de onde partiu a crítica ao
crescimento econômico como sendo inviável para a sobrevivência da vida no planeta. O
capitalismo entendeu que o problema ambiental colocado nesses termos inviabilizaria seu
primeiro e último objetivo: o lucro e a contínua expansão dele. Nessa perspectiva, para os
agentes econômicos dos países industrializados, uma teoria crítica ao crescimento econômico
de um modo geral é uma teoria anti-capitalista. Por outro lado, essa mesma teoria foi vista
pelos governos dos países do então chamado Terceiro Mundo como um cerceamento à sua
possibilidade de desenvolvimento. Em termos brasileiros, por exemplo, isso poderia ser
traduzido pela frase: “vocês já exploraram todas as suas florestas e agora não querem que eu
explore as minhas”. A esquerda tradicional, direcionada pela economia planificada, entendeu
esse problema como uma orquestração do mundo desenvolvido contra o socialismo. Portanto,
3. na década de 1970, a questão ambiental que já se encontrava na agenda da ONU foi
combatida por quase todos os atores políticos institucionais do mundo.
Coincidentemente, foi no campo político da esquerda onde surgiram as primeiras
propostas alternativas à economia neoclássica. A tese do economista romeno Georgescu-
Roegen, de que é possível realizar uma administração de recursos, ou uma economia da
energia, de equilíbrio entrópico entre a necessidade de consumo e o gasto energético, fornece
subsídios para uma teoria da economia ecológica. Essa reformulação do problema econômico
será muito cara aos ativistas e cientistas de esquerda, que propõem diversos modelos de
gestão descentralizados, o retorno à convivencialidade, a ecologia social a partir das pequenas
comunidades, a ecologia popular camponesa e indígena ou o ecosocialismo das trocas
compensatórias. Todos postulam posições marxistas não ortodoxas ou libertárias, ecologistas,
combatem o crescimento, propõem a redução do consumo, fazem a critica radical do fetiche e
constituem o conteúdo programático dos primeiros partido verdes que surgiriam no início da
década de 1980.
Mas, os modelos de gestão pensados no grande arco político da ecologia socialista
permaneceram restritos às pequenas comunidades, às cooperativas de trabalhadores, ou a
movimentos camponeses, que mesmo organizando-se nas redes ecossociais que proliferaram
durante os anos oitenta, não tiveram força para revolucionar as formas convencionais e não
convencionais do liberalismo. Mesmo porque, ao final da década de 1980 estava em curso
uma forte reação conservadora no campo da política, o neoliberalismo, ao mesmo tempo em
que o modelo de gestão socialista da economia planificada esgotava-se. É nesse contexto
político da década de 1980 que novos modos de pensar a economia e o meio ambiente
incorporam algumas das críticas da economia ecológica em relação ao crescimento, porém,
partindo do princípio de que o mercado é impermeável a imposições externas. A idéia do
desenvolvimento ecológico elaborada por Ignacy Sachs, sobre a possibilidade de se manter o
crescimento econômico diminuindo progressivamente a degradação ambiental, é muito cara à
esquerda terceiro-mundista e a muitos ativistas ambientais nos países desenvolvidos.
Simultaneamente, o debate sobre uma segunda modernidade, na qual a política é percebida
como meio de ação reflexiva e a ciência como reafirmação da prova, são os pilares para a
construção e difusão da idéia de que a sociedade humana está em risco e o risco é causado
pelos hábitos errados de consumo. Portanto, trata-se politicamente de internalizar a noção do
risco e de suas externalidades, que está embutida na ação do consumo, e de realizar isso
inclusive com o apoio do empreendedor capitalista. De outro modo, trata-se de construir a
4. idéia de que a variável ambiental não é prejudicial ao capital, e sim de que ela pode ser
incorporada positivamente na gestão da produção.
O período que vai de Estocolmo à nova conferencia mundial sobre o meio ambiente, a
Rio 92, foi marcado por sucessivos desastres ambientais com muitas vítimas, tanto nos países
mais industrializados (Three Mile Islands e Chernobyl, radiativos, e Seveso, gases tóxicos),
como nos em via de desenvolvimento (Cubatão/Petrobrás, Bophal/Union Carbide) que
despertaram o alarme na sociedade civil. O tema da problemática ambiental volta à carga no
âmbito da ONU com o relatório Brundtland que lança as bases difusas da idéia de
desenvolvimento sustentável. O novo conceito ainda será alvo de intensos debates
principalmente durante e logo após a Rio 92, mas desbancará em nível institucional as
propostas ecológicas mais radicais e será a coqueluche do começo do século XXI. Em termos
de discurso, sustentabilidade é a nova palavra que viabilizaria através de um conjunto de
políticas públicas (ambientais, educativas, normativas) e da internalização do problema pelos
consumidores e pelos agentes gestores da produção, a possibilidade de salvação do planeta. E
o que seria melhor, sem impedir o crescimento econômico.
Assim, dirimidas as diferenças, isoladas as minorias, a questão ambiental finalmente
pôde tornar-se um problema de primeira grandeza a partir da metade da década de 1990. O
lançamento da Agenda 21 (um conjunto de propostas, ações e metas para o futuro voltadas
para a sustentabilidade) e a criação pela ONU do Global Environmental Facility com recursos
do Banco Mundial, instrumento gestor das políticas ambientais em nível mundial, permitiram a
definição de vários marcos regulatórios estatais negociados através de organizações inter-
governamentais. Os problemas da poluição da biosfera, do efeito estufa, do desmatamento,
do aquecimento global tornaram-se pautas das reuniões de todas as organizações envolvidas
com a governança global e motivaram a realização de conferências globais específicas sobre os
temas como em Kyoto em 1997 e mais recentemente em Copenhagen.
Se o desafio ambiental foi internalizado de forma reflexiva pelos atores envolvidos
com o problema que promoveram novos marcos regulatórios, também foi rapidamente
capturado pelo capitalismo induzido pelo marketing. O programa de certificação de qualidade
ambiental ISO 14000 tornou-se um selo necessário a qualquer grande corporação mundial. O
surgimento de um mercado justo entre consumidores verdes no Norte e produtores nos países
das florestas úmidas do Sul foi incorporado como variável corporativa. Cubatão, a cidade mais
poluída do mundo na década de 1980, tornou-se repentinamente exemplo mundial de
5. recuperação ambiental. Uma corporação como a Shell pode lançar anualmente um relatório
sobre seu programa de mitigação de danos sem que a opinião pública saiba, ou não queira
saber do desastre ambiental em seus campos de petróleo na Nigéria. Onde acaba a
maquiagem e onde começa o dano real, confundem-se, assim como se confunde a floresta
com o jardim. O problema ambiental foi transformado em um grande negócio que envolve um
sistema comunicativo de marketing, uma academia produtora de gestores ambientais e a
ampliação do aparelho jurídico.
Os marcos regulatórios inter-governamentais para a definição de metas para a redução
de emissões de carbono, de nitratos, enxofre, ozônio, e outros particulados na atmosfera,
esbarram antes de tudo, no problema do crescimento econômico. Os certificados de redução
da emissão de carbono tornaram-se commoditie comercializados em bolsa. Isso significa dizer
que o meio ambiente foi internalizado pelo capitalismo como mais uma variável produtora de
capital. Por outro lado, as políticas de redução de poluição que implicam na redução de
consumo ou na transformação do processo produtivo, fato que requer tecnologia avançada e
mão-de-obra especializada, são muito difíceis de serem assimiladas. Parece pouco plausível a
um habitante de um país em desenvolvimento dizer-lhe que o trabalho que ele faz para
atender uma demanda fetichista num país mais desenvolvido não pode mais ser feito. Muito
mais difícil então é convencer o representante político desse habitante que o meio ambiente
não é um “problema”, que não se trata de um entrave ao crescimento. Ou então, visto por
outro prisma, é difícil convencer esse mesmo habitante que apenas está ingressando no
mundo do consumo e iniciando a satisfazer necessidades criadas pela mídia, às quais antes ele
não tinha acesso, que ele deve abdicar desse direito porque a festa está chegando ao fim.
Portanto, o controle dessa relação de demanda e produção será muito difícil de ser realizada
somente de forma reflexiva. Esse é o outro desafio já antecipado por Ivan Illich e André Gorz
na década de 1970: o estabelecimento de metas e de cortes nos níveis de consumo definidos
por uma tecnocracia somente poderem ser executados com o auxílio de uma força coercitiva
internacional.
A verdade inconveniente de Al Gore não pode ser percebida de forma estruturante.
Nela, a inconveniência não está no fato de que a sobrevivência da forma econômica em que
vivemos, ou seja, a economia de mercado capitalista depende, fundamentalmente, de sua
expansão ilimitada. O que significa dizer que ela precisa continuadamente criar, como disse
Marx, novos fetiches, portanto, novas demandas, novas ofertas de consumo para muito além
das necessidades básicas dos indivíduos, o que implicaria num tipo de economia ecológica e
6. não no desenvolvimento sustentável. Mesmo que hipoteticamente esse novo padrão de
consumo global fosse absolutamente sustentável, portanto fundamentado na idéia de reciclar
tudo o que é consumido (alimentar-se dos próprios dejetos), mesmo assim, o dispêndio
energético empenhado na reciclagem dificilmente seria sustentável. A sustentabilidade implica
num consumo minimalista. Mas o minimalismo não faz parte das premissas fundadoras da
economia capitalista.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
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