1. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe
Problemática Ambiental dos Rios Urbanos: Vulnerabilidades e Riscos nas
Margens do Riacho da Prata na Cidade de Lajedo-PE
Julio César Félix da Silva1, Clélio Cristiano dos Santos2
1
Especialista em Ensino de Geografia; Universidade de Pernambuco – UPE; Campus Garanhuns; E-mail:
juliocesar.felix@hotmail.com
2
Professor Assistente; Universidade de Pernambuco, Campus Garanhuns;Universidade Estadual de Alagoas, CAMUZP;
E-mail: clegeo2@yahoo.com.br
Artigo recebido em 15/09/2012 e aceito em 15/10/2012
RESUMO
A produção do espaço urbano em bacias hidrográficas constitui a problemática ambiental dos rios urbanos, já que os
rios são negados pela expansão da malha urbana na medida em que suas margens são ocupadas arbitrariamente. Trata-
se de um tema de interesse para os pesquisadores que se dedicam ao estudo da urbanização, processo que quase sempre
é marcado por sérios problemas ambientais. Diante desse contexto, a ideia desta pesquisa é analisar a problemática
ambiental urbana decorrente da ocupação irregular das margens do Riacho da Prata, visando identificar sua origem, as
áreas de vulnerabilidade socioambiental e os possíveis riscos ambientais para moradores ribeirinhos da cidade de
Lajedo – PE. Esta pesquisa parte de um viés crítico dialético, através da pesquisa documental, bibliográfica, histórica e
de campo. Ao final da pesquisa constatou-se que o Riacho da Prata foi negado pelo processo de crescimento urbano
alavancado desde a década de 1960, e por isso se encontra sem vegetação ciliar, assoreado e poluído. Enquanto a
população residente em suas margens, isto é, em áreas de risco ambiental, onde desenvolve diversas práticas sócio-
espaciais que degradam o rio, e que ao mesmo tempo podem comprometê-las nos que se refere à saúde: são elas:
criação de animais, crianças brincando nas margens do rio, acúmulo de lixo nas margens e/ou no leito do rio, dentre
outras. Além disso, percebeu-se que as comunidades mais pobres são mais vulneráveis aos riscos ambientais, tanto pela
escassez de infra-estrutura básica, como pela menor capacidade de se proteger contra algum desastre, como uma
inundação.
Palavras - chave: Problemática ambiental, Rios urbanos, Riacho da Prata, Vulnerabilidade, Risco Ambiental.
Environmental Problems of Urban Rivers: Vulnerabilities and Risks on the
Banks of the Silver Creek in the City of Lajedo-PE
ABSTRACT
The production of urban space in watersheds is the environmental issue of urban rivers, as the rivers are denied by the
expansion of the urban fabric in that its banks are occupied arbitrarily. This is a topic of interest to researchers who are
dedicated to the study of urbanization, a process that is often marked by serious environmental problems. In this
context, the idea of this research is to analyze the environmental problems caused by urban irregular occupation of the
shores of Silver Creek, to identify their origin, areas of environmental vulnerability and potential environmental risks to
residents bordering the city of Lajedo - PE. This research starts from a critical dialectical bias through desk research,
literature, and historical field. At the end of the study it was found that the Silver Creek was denied by the process of
urban growth leveraged since the 1960s, so it is no riparian vegetation, silted and polluted. While the resident
population on its banks, that is, in areas of environmental risk, which develops various socio-spatial practices that
degrade the river, and at the same time may compromise them in relation to health: they are: creating animals, children
playing on the banks of the river, accumulation of garbage in the margins and / or in the riverbed, among others.
Moreover, it was noticed that the poorest communities are more vulnerable to environmental risks, both by the lack of
basic infrastructure, such as poorer ability to protect against a disaster, like a flood.
Keywords: Environmental Issues, Urban Rivers, Silver Creek, Vulnerability, Environmental Risk.
* E-mail para correspondência:
juliocesar.felix@hotmail.com (Silva, J. C. F.).
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 488
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1. Introdução esta é uma descoberta verdadeiramente
No findar do século XX, engendrou- revolucionária numa sociedade que disso se
se um intenso debate concernente à questão esqueceu ao se colocar o projeto de
ambiental, resultante dos agravos do homem à dominação da natureza”.
natureza. A partir de então, o termo meio É por esta ótica de natureza, que o
ambiente torna-se um modismo presente em trabalho em questão irá enveredar, enfocando
diversos segmentos sociais, tais como a a contradição sociedade/natureza, para tanto
mídia, as artes, os partidos políticos, e se adota a concepção de espaço de Milton
também o universo acadêmico, o qual a Santos (1988, p.10), “O espaço deve ser
miúde tem-se ocupado em discuti-lo do ponto considerado como um conjunto indissociável
de vista teórico e conceitual. Dentre as áreas de que participam, de um lado, certo arranjo
do conhecimento que tem se debruçado com de objetos geográficos, objetos naturais e
veemência para esse fim, coloca-se a objetos sociais, e, de outro, a vida que os
Geografia. Na verdade, a Geografia desde que preenche e os anima, seja a sociedade em
se consolidou como ciência no século XIX, movimento”. Sob o viés Miltoniano o espaço
tem como característica marcante o estudo da geográfico é produzido através da relação
natureza. No primeiro momento, até meados sociedade/natureza, a qual é mediada pela
do século XX, a concepção estava eivada por técnica, que é sinônimo de trabalho
um profundo naturalismo, que concebia como (intelectual e físico). Para Santos (2008, p.20)
natureza somente os elementos físico-naturais “A técnica é a grande banalidade e o grande
da Terra, deslocando o homem do meio enigma, e é como enigma que ela comanda
natural, negando a natureza humana. Esta nossa vida, nos impõe relações, modela nosso
concepção se enraizou no meio social através entorno, administra nossas relações com o
do termo meio ambiente, se culturalizou não entorno”.
permitindo desprendimento da condição do A partir disso, depreende-se que o
homem como um mero fator. Segundo espaço geográfico é constituído por conjunto
Gonçalves (2010), pensar o meio ambiente, indissociável de sistemas de objetos e
seria pensar apenas a metade. Mas, na sistemas de ações. Mas o fato do homem
verdade, o homem é parte da natureza, trabalhar não implica dizer que ele não seja
diferenciado dos demais seres vivos não pelo parte da natureza, pois todos os animais
trabalho, já que outros animais também desenvolvem trabalhos específicos, porém o
exercem algum trabalho específico, mas sim que vai diferenciá-lo dos demais é a reflexão
pelo pensar, por refletir suas ações. Conforme de suas ações para os processos de utilização
Gonçalves (2010, p.9), “O homem é a e transformação da natureza. Assim, a ação
natureza que toma consciência de si própria e humana (trabalho), é a produção do espaço,
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fenômeno dinâmico e contínuo, e a passam a ser culturais e técnicos ao mesmo
intensidade desse processo progressivo resulta tempo. E o terceiro período, o técnico-
das inovações desenvolvidas pelo homem, as científico-informacional, a técnica se desloca
quais moldam o entorno (artificializa, do homem, o conhecimento humano é
culturaliza e humaniza-o) e sua própria vida apropriado para garantir a produção do lucro.
(é naturalizada). As diversas feições decorrem É o conhecimento do homem posto a serviço
da manifestação de um sistema de técnicas. do capital, o trabalho é regido pelo aporte da
Milton Santos divide a tecnicização humana ciência, fomentando a tecnociência, e o motor
(trabalho social) em três momentos: pré- de seu funcionamento é a técnica
técnico, meio técnico e técnico-científico- informacional (informação) que vai
informacional, em cada um destes é marcado possibilitar a relatividade do tempo no
por uma organização e reorganização espacial processo social, e por isso, simultaneamente
diferente com ritmos distintos no tempo e no existe a preocupação com a infra-estrutura de
espaço. comunicação e transporte nas cidades para
No pré-técnico o homem utilizava a que haja uma facilitação da circulação do
força do seu aparato biológico para modificar capital através das redes e para otimização no
a natureza servil, retirava do meio natural uso dos territórios.
apenas o indispensável a sua sobrevivência, e
Nesse mundo, a primeira natureza
assim não preconizava transformações que conta já não é a natureza natural,
mas sim a natureza já artificializada.
profundas, haja vista que era uma relação A produção depende do artifício,
imediatista, onde o homem buscava abrigo, subordinando-se aos determinismos
do artifício. A produção já não é
alimentação, dentre outras necessidades. definida como trabalho intelectual
sobre a natureza natural, mas como
trabalho intelectual vivo sobre o
O meio natural era aquela fase da intelectual morto, natureza artificial.
história na qual o homem escolhia da (Santos, 2008, p.41)
natureza que era fundamental ao
exercício da vida e valorizava Assim, a história das técnicas é a
diferentemente essas condições
naturais, as quais, sem grande história do trabalho social, por conseguinte,
modificação, constituíam a base
dos instrumentos de meios de trabalho
material de existência do grupo. O
fim do século XVIII e, sobretudo, o utilizados na mecanização do entorno, de sua
século XIX vêem a mecanização do
território: o território se mecaniza. organização e reorganização, a qual varia no
(Santos, 2008, p.133)
tempo e espaço, haja vista que cada pedaço,
O segundo momento, meio técnico é não se constrói e metamorfoseia pela
marcado pela utilização de energias, para intervenção de uma única técnica, mas pelo
fazer funcionar máquinas (instrumentos) que conjunto de técnicas, resultando em
facilitara a realização do trabalho, e os objetos temporalidades particulares naquele lugar,
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que refletem na totalidade. espaciais são as múltiplas manifestações de
Segundo Corrêa (2007, p.55), “A grupos humanos sobre o espaço, as quais
organização espacial, ou seja, o conjunto de assumem diferenciação no espaço graças à
objetos criados pelo homem e dispostos sobre heterogeneidade cultural, religiosa, étnica,
a superfície da Terra, é assim um meio de política, econômica da sociedade. Enfim, a
vida no presente (produção), mas também sociedade como totalidade, bem como ao seu
uma condição para o futuro (reprodução)”. potencial técnico em determinado período
Nesta perspectiva, a organização espacial é a histórico e lugar. Desta forma, o espaço
materialização do espaço, são os objetos de geográfico é fruto das diversas
tempos diferentes coexistindo na realidade, intencionalidades humanas que se expressam
velhas (possivelmente com outras no cotidiano, as quais se materializam através
funcionalidades) e novas formas imbrincadas, das formas. As espacialidades são condições
é a totalidade em movimento, ligadas por uma necessárias para o constante e interminável
estrutura que pode se metamorfosear a cada processo de organização do espaço
novo processo, seja no plano político, social, geográfico.
cultural, científico, etc. E um dos pilares No que tange, a nossa pesquisa,
centrais dessa organização e reorganização é a analisa-se especificamente a cidade, que se
natureza, que vem sendo apropriada pelas “apresenta atualmente como o lugar onde a
relações sociais desde os períodos mais maior parte da população desenvolve as suas
remotos, e também as práticas sócio- práticas sociais” (Santos, C. 2002, p. 11),
espaciais. mediadoras da apropriação da cidade em sua
As práticas sócio-espaciais são integralidade ou parte de seus múltiplos
importantes em nossa análise, pois são elas espaços, como as margens dos rios.
que nos conduzem a compreensão da criação, Neste sentido, a cidade é o lugar onde
manutenção, e transformação das formas e reside múltiplas práticas sócio-espaciais, pois
interações espaciais (Corrêa, R. 2012), e ao pensar a cidade é refletir sobre 80% da
entendimento de como “[...] vivem, população humana, já que tornou-se o
produzem, consomem e lutam”, conforme principal habitat humano, o locus da
Santos, C. (2002, p. 11) os diferentes grupos sociedade, e por isso, é o locus da produção,
humanos no espaço geográfico. Para Loboda da divisão econômica e social do trabalho, da
(2009, p.36), “[...] a materialização das indústria, é o espaço do capital, conforme
formas nada mais é do que o resultado e/ou Carlos (2008), mas a cidade pode ser
produto das práticas socioespaciais num analisada por outras faces. Para Souza (2010)
determinado tempo e espaço”. a cidade é um assentamento humano
Assim sendo, as práticas sócio- extremamente diversificado do ponto de vista
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econômico, é o centro de gestão do território, são distribuídos qualitativamente e
por sediar as empresas, mas que não se pode quantitativamente para os que conseguem
restringir ao seu aspecto econômico. Pois ao pagar. Assim, a cidade é uma condição
mesmo tempo a cidade é também a sede do material de sobrevivência, onde a dignidade e
poder religioso, político e cultural. “O urbano o lazer são adquiridos de acordo com o
é mais que um modo de produzir, é também potencial econômico do cidadão. Desta forma,
um modo de consumir, pensar, sentir; enfim, a cidade é o espaço de todos, isto é, o lugar
é um modo de vida” (Carlos, 2008, p.84). dos ricos que lutam por privilégios, e dos
Assim, a cidade não é unicamente um pobres que lutam para sobreviverem. Então, a
aglomerado onde se concentra os meios de cidade capitalista é um espaço heterogêneo,
produção, o capital e a mão-de-obra. O regido pela reciprocidade entre risco e pobres,
urbano está atrelado à forma de vida da relação essa que se instala como uma fábrica
sociedade, que quando se modifica provoca de perversidades para muitos citadinos, dentre
transformações nos espaço urbano. Em estas a segregação sócio-espacial, a qual
síntese, a cidade vai ser a materialização do expropria os direitos humanos, tais como o de
urbano, isto é, a forma e o conteúdo urbano. E morar corretamente, visto que um dos
o espaço urbano por sua vez, diz respeito às problemas engendrados pela segregação é a
formas da cidade. Nesse sentido, o espaço apropriação social urbana dos rios.
urbano é o resultado das marcas impressas no No que se refere aos rios urbanos, hoje
tempo passado e presente, provenientes de a maioria são receptáculos de esgotos,
atividades econômicas, da regulação política, depósitos de lixo, são ecossistemas negados
e do mosaico religioso e cultural, os quais são pelo crescimento urbano; suas margens são
particulares nos grupos sociais que a ocupadas majoritariamente pelas camadas
constituem. mais pobres da sociedade, que assistem
A cidade é, de certa forma, o ápice da amedrontadas as dinâmicas naturais do rio,
capacidade técnica de sobrevivência da especialmente em dias de chuvas torrenciais,
espécie humana. Mas, ao mesmo tempo é o os quais são marcados por enchentes e
lugar da escassez e da necessidade, já que se alagamentos, eventos catastróficos que
caracteriza pelo modo de produção capitalista promovem danos materiais, a saúde, e até
responsável por um desenvolvimento desigual mortes, das pessoas que moram as suas
e combinado, a partir das relações sociais de margens.
dominação/subordinação, a qual se concretiza
Os rios são aqueles que,
na paisagem urbana através do afloramento de dialeticamente, modificam e são
modificados na sua inter-relação com
contrastes e desigualdades sociais, onde o
as cidades. E a partir dessa interação,
solo urbano e a infra-estrutura que o circunda surge algo que é, ao mesmo tempo,
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natural e cultural, orgânico e denominamos uma álea”. Além disso, as
artificial, sujeito e objeto, algo
híbrido por que não é mais natural, conceituações apresentam termos que são
mas também não se transformou ao praticamente sinônimos, são eles: álea e
ponto de deixar de carregar em si a
Natureza (Almeida; Carvalho, 2009, hazard. Ambos significam acontecimentos
p. 2).
possíveis, porém o termo álea é mais
Sumariando, os rios urbanos são abrangente, envolve diversos processos,
objetos naturais humanizados, ou seja, podendo ser eles de natureza social,
estruturas vivas negadas pelos processos tecnológica, industrial, econômica. Já hazard,
sociais da cidade, e por isso é agente (sujeito), é um termo inglês equivalente à álea,
paralelamente é objeto e vítima da sociedade. entretanto, serve apenas para definir um
Essa problemática decorre da produção do possível acontecimento natural que ocorra na
espaço urbano em bacias hidrográficas, interface da relação Homem/natureza.
promovida pela segregação sócio-espacial, Com um olhar mais específico sobre o
pois a terra adequada para habitação é uma tipo de risco trabalhado nessa pesquisa, Britto
mercadoria que muitas vezes é inacessível e Silva (2006, p.18) definem o risco ambiental
para a demanda não solvável dos citadinos, como “[...] a existência de uma maior
que passa a morar as margens dos rios, que probabilidade de ocorrência de desastres que
são áreas ambientalmente frágeis, isto é, de afetem a integridade física, a saúde ou os
riscos ambientais. Mesmo com a vínculos sociais da população em
probabilidade de acontecer situações determinadas porções do território”.
adversas, todo ser humano necessita de uma Dentro desse contexto, se insere a
moradia, pois de acordo com Rodrigues vulnerabilidade, que para Veyret e
(2003, p.11): “Historicamente mudam as Richemond (2007) decorre da escassez de
características de habitação, no entanto é recursos para enfrentar a crise que pode
sempre preciso morar, pois não é possível sobrevir, bem como da precariedade de infra-
viver sem ocupar espaço”. estrutura do lugar. Portanto, a vulnerabilidade
Para Marandola e Hogan (2004), os ocorre em função das condições de vida de
geógrafos empregam o termo para uma uma população onde a mesma reside, e se
situação de incerteza e insegurança. Estar agrava pela escassez de saneamento ambiental
sujeito a um risco é estar suscetível à e pela situação da moradia. E por isso pode
ocorrência de um hazard. Este conceito ser medida, pois diferencia-se de uma área
converge com a definição de Veyret (2007. para outra, em um mesmo evento catastrófico.
p.30), que diz que: “O risco nasce da Nessa perspectiva, se configura as
percepção de um perigo ou de uma ameaça questões norteadoras de nossa reflexão nesse
potencial que pode ter origens diversas trabalho: quais as áreas de vulnerabilidade
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sócio-ambiental e os riscos ambientais a que dialético, considerando uma abordagem
estão sujeitos os moradores ribeirinhos do histórica, partindo da concepção de
Riacho da Prata na cidade de Lajedo-PE? periodização proposta por Milton Santos,
Quando teve início e como se intensificou tendo como referência a análise dos sistemas
essa problemática? técnicos. Também se desenvolveu uma
Com o desdobramento dessas questões, pesquisa documental e bibliográfica para se
buscamos refletir acerca da produção do obter embasamento teórico, e para o
espaço urbano em bacias hidrográficas, e a desenvolvimento da capacidade de pensar a
partir desse recorte analítico do espaço urbano realidade da cidade e a problemática em
empiricizar por meio do uso e ocupação questão. Por fim, realizou-se uma pesquisa
irregular das margens do Riacho da Prata, das qualitativa na área objeto de estudo, uma
práticas sócio-espaciais dos citadinos que observação in loco, para mediar o diálogo
moram nesse ambiente fluvial, para identificar entre teoria e empiria, pensamento e
as áreas de vulnerabilidade e os riscos realidade, onde se fez uma análise das práticas
ambientais. Mas, também nos posicionamos sócio-espaciais e do uso e ocupação das
na tentativa de analisar como se deu essa margens do rio, entrevistas com moradores
problemática, assim como sua intensificação mais antigos da cidade, e também com
ao longo do tempo. pessoas que moram nas margens do Riacho da
Para tanto, este trabalho tece inicialmente Prata, os quais as inundações tornaram-se
uma argumentação teórica e conceitual parte do cotidiano. Além disso, se realizou um
concernentes ao tema e as questões que o registro fotográfico para apresentar à
norteiam. Em seguida, discute-se problemática.
analiticamente as características e os aspectos
locacionais do Riacho da Prata, na cidade de 2.1 A atual problemática do Riacho da Prata
Lajedo-PE, enfocando a situação atual da O Riacho da Prata (Figura 1) é um rio
problemática em sua trajetória urbana. Por intermitente que se situa no município de
fim, faz-se a abordagem histórica que permite Lajedo-PE, o qual está localizado na
compreender a apropriação social do Riacho mesorregião do Agreste de Pernambuco, se
da Prata na constituição do espaço urbano de apresentando a uma distância de
Lajedo. aproximadamente 192 Km da capital
pernambucana, Recife. A nascente do Riacho
2. Material e Métodos da Prata localiza-se no Sítio Prata 2, e
Para operacionalizar o estudo do desemboca no Riacho Doce no espaço urbano
espaço urbano de Lajedo e a problemática do de Lajedo. Na cidade, o rio passa nas
Riacho da Prata, utilizou-se um viés crítico imediações do Bairro Poço, ulteriormente
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chega a Favela do Açude (localidade) e corta desaguar no Riacho Doce nas proximidades
as principais ruas do centro da cidade, em da comunidade dos Caldeirões (localidade).
alguns momentos coberto por concreto, até
Figura 1. Localização do Riacho da Prata no município de Lajedo.
Fonte: Diagnóstico do Plano Diretor de Lajedo (2002), adaptado.
No Bairro Poço o Riacho da Prata casas (de baixo padrão), que situam-se
passa ao lado de algumas moradias, mas não próximo ao Riacho da Prata, ou melhor, em
há riscos de enchentes, já que se encontram sua margem direita, algumas inclusive se
distantes do leito do rio. Ulteriormente o rio localizam praticamente dentro do rio, a
segue para a Favela do Açude (Figura 2), que poucos metros do leito do Riacho da Prata.
é uma ocupação irregular constituída por três Como pode se observar na Figura 3.
ruas, onde se encontram cerca de 50 pequenas
Figura 2. Favela do Açude Figura 3. Favela do Açude e o Riacho da Prata
Fonte: Julio César Félix (2012). Fonte: Julio César Félix (2012).
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A comunidade da Favela do Açude não é feita porta a porta, os moradores
situa-se em uma área de vulnerabilidade, pois precisam se deslocar para um determinado
é susceptível a ocorrência de enchentes local para depositar o lixo. No entanto, nem
periódicas. Além das enchentes, a população todos seguem esse roteiro, o que “justifica”
convive em meio ao odor exalado pelas águas muito lixo nas imediações (que é queimado
pútridas do rio, aos ratos e insetos, ao solo e a pelos moradores) da Favela do Açude e no
água contaminada. Portanto, os riscos não se Riacho da Prata. Já o abastecimento de água é
manifestam apenas através das enchentes, irregular, ocorre quinzenalmente (às vezes
pois a relação moradores/riacho materializa com atraso). E os outros dois segmentos do
alguns riscos, que podem causar danos à saneamento básico, que são o esgotamento
saúde física e psicológica (desconforto sanitário e a drenagem de águas pluviais ainda
emocional), podendo ocasionar aos indivíduos não fazem parte da realidade dessas pessoas.
doenças como diarréia infecciosa, cólera, Por esse motivo, os efluentes domésticos são
hepatite, esquistossomose, leptospirose, e lançados no rio. E as águas pluviais são
também gerar prejuízos materiais, haja vista drenadas para o Riacho da Prata.
que a água invade as moradias, destruindo O Riacho da Prata segue sua trajetória
seus bens. Nesse meio insalubre os moradores urbana para o centro da cidade, onde passa
desenvolvem várias práticas sócio-espaciais, pelas seguintes ruas, avenidas e praças: Rua
algumas delas degradam o Riacho da Prata, Sales Brasil, Av. Presidente Vargas, Rua do
mas vale ressaltar que não é do rio que os Socorro (Praça Simpliciano Cardoso), Praça
moradores retiram sustento, haja vista que Manoel Ferreira, Av. Agamenon Magalhães e
poucos são os peixes que sobrevivem em Av. Major Capitu. Esse é um setor uso
meio à tamanha poluição. É também através residencial de poder aquisitivo relativamente
das práticas que os moradores correm o risco alto, comercial (supermercados, padarias,
de contraírem alguma doença, são as farmácias, oficinas, dentre outros), e de
seguintes práticas: despejo de lixo no rio e no equipamentos coletivos (escolas e
entorno, coletam lixo para reciclar, criação de laboratórios). É uma área ocupada por casas
animais e crianças brincando nas margens do de médio padrão, de menor vulnerabilidade,
riacho. pois os risco não se manifestam através do
Além disso, os moradores da Favela contato com a água ou solo contaminado, já
do Açude são muito carentes de infra- que o rio se apresenta coberto, para drenar os
estrutura básica, como o saneamento básico, efluentes domésticos e depositar lixo. Além
pois só são contemplados com a coleta de disso, os riscos ambientais se tornam mais
lixo, e água encanada. Mesmo assim, a coleta perceptíveis e perigosos em alguns trechos
de lixo, que é feita duas vezes por semana, desse percurso pelo rio se encontrar coberto
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por concreto e/ou calçamento (Figura 4), o Observe no Mapa 1 a localização desses
que dificulta a drenagem das águas pluviais, e trechos do curso do rio e das áreas da cidade
facilita o acúmulo de lixo (Figura 5) e, por susceptíveis a enchentes.
conseguinte, a ocorrência de enchentes.
Figura 4. Cobertura no Riacho da Prata Figura 5. Lixo jogado no Riacho da Prata
Fonte: Julio César Félix (2011). Fonte: Julio César Félix (2011).
Os Caldeirões é uma localidade do Riacho da Prata ganham “robustez”, podendo
centro da cidade que se constutui por cerca de assim provocar mortes, e danos materiais e a
80 moradias localizadas irregularmente as saúde dos moradores. Há também o
margens do Riacho da Prata e do Riacho desconforto psicológico causado pelo odor
Doce. Algumas casas se encontram exalado pelos rios, e o medo de ser vítima de
praticamente dentro do rio (Figura 6). Trata- uma enchente. De acordo com Silva, J. C. e
se de uma comunidade pobre, muito carente Santos, A. (2010, p. 68) “[...] dias chuvosos
de infra-estrutura básica. Além disso, os na cidade de Lajedo são dias de insegurança
moradores desenvolvem algumas práticas para os citadinos da comunidade ribeirinha
sócio-espaciais que comprometem o rio ou dos Caldeirões”. Poucos metros depois dos
que podem prejudicar a saúde dos mesmos, Caldeirões o rio desemboca no Riacho Doce,
são elas: despejo de lixo, criação de animais, como pode se observar no Mapa 1 e na Figura
crianças brincando nas margens do rio. 7.
Através dessas práticas sócio-espaciais, os
moradores correm o risco de contrair algumas
doenças em contanto com solo ou água
contaminada, como verminoses, diarréia,
leptospirose, hepatite, dentre outras.
Além dessas implicações, há também
a probabilidade de acontecer enchentes em
dias de chuvas torrenciais, pois as águas do
Figura 6. Caldeirões e o Riacho da Prata
Fonte: Julio César Félix (2010).
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Mapa 1. Áreas de enchentes na cidade de Lajedo – PE.
Fonte: Arquivo do autor (2010), adaptado.
do rio da Prata na cidade de Lajedo, em seu
perímetro urbano, fez-se uso da periodização
dos sistemas técnicos proposta por Milton
Santos, cuja mesma possibilita compreender a
forma como diferentes usos da técnica ao
longo do tempo explicam as diferentes
configurações territoriais dos lugares. Sendo
assim, a partir do evento da emancipação
Figura 7. Riacho da Prata e o Riacho Doce
Fonte: Julio César Félix (2010), adaptada. política do município de Lajedo se
estabeleceu três períodos técnicos que
3. O Processo de Configuração Territorial possibilitam apreender o processo de
da Cidade de Lajedo e a Problemática do configuração territorial deste município e
Riacho da Prata refletir criticamente sobre as origens e o
No intuito de apreender a problemática desenvolvimento da problemática urbana do
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 498
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rio da Prata.
3.1 Da emancipação política à ampliação das
instalações da rede de energia elétrica
O primeiro período tem início em
1948, quando da emancipação política do
município e se estende até os anos de 1960.
Quando da emancipação o Riacho da Prata
apresentava suas margens preservadas, água
Figura 8. Esquema da Formação do Núcleo
limpa, peixes, tanto que a população citadina Urbano de Lajedo
aproveitava suas potencialidades como Fonte: Diagnóstico do Plano Diretor de Lajedo (2002),
adaptada.
recurso hídrico, de pesca e lazer. O mesmo se
encontrava relativamente distante do Mais tarde, na década de 1950, o
aglomerado urbano (Figura 8), que na época comércio paulatinamente vai ganhando força
não passava de poucas casas, existia apenas no núcleo urbano, principalmente armazéns
dois quadros de rua, que formavam o que é onde se comercializava cereais, e surge alguns
hoje a Praça Santo Antônio, pois até a década equipamentos coletivos, como a energia
de 1950 a população do município, segundo o elétrica (apenas no centro da cidade), uma
IBGE não ultrapassava os 2.186, haja vista maternidade, o Açougue Público, a Sede do
que a principal atividade econômica era a IBGE, o coreto, o prédio dos Correios e
agropecuária, estando à configuração Telégrafos, a Primeira Prefeitura de Lajedo, a
territorial do município marcada por pequenas Rádio Difusora “A voz do Agreste”.
e/ou grandes propriedades de terras onde, Paralelamente vai surgindo as primeiras casas
sobretudo, se cultivava mandioca, milho, no entorno do Riacho da Prata, mas havia
algodão, mamona e o fumo. O modo de vida poucas casas nas suas margens. Conforme
das pessoas era marcado fortemente pelos Silva, A. (1995, p.25) “Subia-se para o
traços do período técnico, perceptíveis pela Socorro por uma ruazinha acidentada de
utilização de técnicas elementares, como por poucas casas, cortada por um pequeno
exemplo, a enxada, o lampião, pois não havia riacho”. O riacho que Silva A. se refere é o
energia elétrica, as carroças de burro e carros Riacho da Prata, suas palavras evidenciam
de boi, dentre outras, o trabalho era braçal, e que o mesmo ainda possuía aspectos de rio, já
as atividades predominantemente primárias. que hoje muitos são os citadinos que o
Por esses aspectos, neste período o Riacho da representam como esgoto, devido a sua
Prata possuía as suas particularidades de rio, e degradação evidente. Em outras palavras, a
era representado como tal, pois este era cidade de Lajedo não passava de um pequeno
artificializado lentamente. aglomerado, mas já se inicia a apropriação
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 499
13. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
social urbana das margens do rio para uso Nesse sentido, houve um crescimento
residencial, o que significa o início da urbano arbitrário na direção das margens do
problemática. Riacho da Prata (Figura 10), graças à falta de
Na década de 1960, intensifica-se o um planejamento urbano que leva-se em conta
processo de artificialização do Riacho da as particularidades do rio. Assim, intensifica-
Prata, isto é, a negação do ambiente fluvial, se a problemática do Riacho da Prata, que
de suas margens que passa a ser o lugar não passa a ser negado pelos esgotos e pelo
mais da vegetação ciliar, mas sim do urbano, concreto. E ao mesmo tempo surgem os riscos
para uso residencial e comercial. E as suas para a população que habita em suas margens.
águas, já não são mais límpidas, pois o rio se Segundo um morador da cidade de Lajedo, foi
torna gradativamente receptáculo de esgoto, na década de 1960 que ocorreu a primeira
pois foi exatamente neste momento, enchente.
especificamente em 1965, que o poder
Este riacho que passa na Praça
público, faz algumas benfeitorias na cidade Simpliciano Cardoso na década de
que alavancou a expansão do urbano para o sessenta também colocou uma cheia que
invadiu o armazém do Sr. Pedro Felipe
Riacho da Prata, pois se construiu obras de que negociava na compra de algodão e
mamona para a usina de Farelo
infra-estrutura como, bueiras, esgotos e Limoeiro, o qual teve um prejuízo muito
pontes. Segundo Silva, A. P. (2008, p.43), grande. O empresário Otaviano, dono da
Fábrica de Limoeiro foi quem deu
“Criou pontes no Riacho da Prata, melhorou a cobertura aos prejuízos causados pela
cheia.
estrutura do grupo Dom Expedito Lopes,
dando-lhe capacidade para receber um maior
número de alunos”. A Escola Dom Expedito
Lopes foi construída nas margens do Riacho
da Prata. Observe na Figura 9 o prédio da
escola em questão em 1960, e o atual onde
funciona a Escola Pe. Antônio Barbosa, a menos
de cinco metros do rio.
Figura 10. O Riacho da Prata e a cidade de
Lajedo em 1960.
Fonte: Arquivo de Andreildo Batista.
Essa realidade técnica se manifesta na
cidade de Lajedo se estende até a década de
1960, quando ocorre a ampliação da rede de
Figura 9. Antigo Grupo Escolar Dom
energia elétrica para os outros bairros da
Expedito Lopes. Atual Escola Pe. Antônio
Barbosa cidade, e parte do campo. Esse fato possibilita
Fonte: Dias, P. (2011), Lajedo: uma emocionante
conquista de lutas, conquistas e glórias. ulteriormente a consolidação de um conjunto
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 500
14. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
de objetos técnicos que até então se dito anteriormente, nas margens do Riacho da
encontravam isolados, formando um sistema. Prata, já haviam moradias e se despejava
E assim, dando início ao período técnico. esgotos. Esse processo de degradação do rio,
se intensifica quando ocorre mudanças
3.2 Da ampliação da rede de energia elétrica
estruturais no âmbito técnico e político. No
1968 a chegada da internet 2000
campo técnico, ocorre à disponibilização da
O período técnico ou meio técnico é
eletricidade para outros setores da cidade,
marcado pela mecanização do planeta, a
surgem novos objetos técnicos e sistemas de
natureza passa a sofrer alterações mais
engenharia, tais como, televisão, rodovias,
intensas. De acordo com Santos (2008), esse
veículos a motor, bancos, posto de gasolina, e
período inicia-se no século XVIII e se estende
serviços básicos como água encanada, por
até meados do século XX. No Brasil o
exemplo, foi construída a BR-423 e mais
período começa no século XIX e se prolonga
tarde a PE-170 e a PE-180.
até meados do século XX. Esse período
Concomitantemente, no âmbito político,
impactou profundas transformações técnicas,
Lajedo é marcado por um período de
sobretudo nos processos produtivos em nível
transição política, já que até então as
econômico e social, reorganizando assim a
lideranças políticas do município não tinha
dinâmica social.
oposição, a qual surge e assume no final da
Em Lajedo, o período técnico teve
década a gestão do município.
início em 1968 graças ampliação da rede de
energia elétrica e se estende até o ano 2000.
Quando houve a ampliação da rede de
eletricidade o Riacho da Prata passava por um
processo de artificialização, engendrado pela
retirada de vegetação ciliar e ocupação
irregular de suas margens, pelas pontes
construídas nele e pelo despejo de efluentes
doméstico. Mesmo assim, o Riacho da Prata
ainda era representado pela população como
Figura 11. Malha urbana de Lajedo no ano de
rio, pois ainda eram perceptíveis os seus 1970
Fonte: Arquivo do autor.
aspectos físico-naturais, embora a população
já não aproveitasse as suas potencialidades. Os novos objetos e estruturas técnicas,
Na década seguinte, em 1970, a cidade e a vontade política da nova administração do
de Lajedo não passava de um pequeno município incentivam o crescimento urbano,
aglomerado urbano (Figura 11), mas como pois permitiram a aceleração da
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 501
15. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
materialização das formas, e por conseguinte logo houve um crescimento urbano
da produção do espaço urbano. Como pode-se desordenado que afetou diretamente o Riacho
observar na Figura 12, a utilização da da Prata, além das obras referentes ao
máquina patrol trabalhando para a construção esgotamento sanitário, que destinavam os
do Ceala (Centro de Abastecimento de efluentes domésticos no rio. Observe a
Lajedo), é importante destacar que para dinâmica da população de Lajedo nesse
construção do prédio do Ceala existia na área período na Tabela 1.
um prostíbulo, e nos arredores barracos os
moravam pessoas, que foram deslocadas pelo
poder público para outro lugar, nas margens
do Riacho da Prata, surge aí a Favela do
Açude.
A partir do exposto na tabela, percebe-
se que na década de 1970 a maior parcela da
população lajedense residia no campo, um
total de 14.134. Enquanto, na cidade se
concentrava apenas 7.344, sua taxa de
urbanização não passava de 34,193. No
entanto, uma década depois, em 1980, esse
Figura 12. Máquina Patrol iniciando a quadro começa a se modificar, a população
construção do Ceala rural não diminui, pelo contrário tem um
Fonte: Dias, P. (2011), Lajedo: uma emocionante aumento pouco significativo, em
conquista de lutas, conquistas e glórias.
compensação há um aumento expressivo no
Essas metamorfoses significaram processo de urbanização, que passa a ser de
muito para a população da cidade de Lajedo, 43,446, a população urbana quase se iguala a
no entanto essa nova organização sócio- população rural. Sendo assim, existe uma
espacial significa a intensificação das correlação entre aparecimento de novas
perversidades do processo de apropriação estruturas técnicas, as mudanças políticas,
social urbana do Riacho da Prata, isto é, do ocorridas na década de 1970 e a dinâmica
seu processo de negação, haja vista que essa populacional.
nova realidade promoveu a aceleração da Impulsionado pelas mudanças
urbanização, pois a cidade passa a oferecer estruturais no Brasil, Lajedo vai aos poucos se
mais serviços, mercadorias e oportunidades, (re)organizando, adentrando em outro período
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 502
16. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
histórico. E um de seus aspectos iniciais é a densificação necessária para o funcionamento
chegada de uma nova atividade econômica, a do técnico-científico-informacional, no ano
indústria. “A criação do distrito foi em 1987, 2000, quando chega à internet a cidade, um
pela Lei Municipal n 718/87, contendo 16 dos motores do período atual.
lotes, com indústrias predominantemente do
setor moveleiro” (Diagnóstico do Plano 3.3 Da informatização da cidade a partir de
Diretor de Lajedo. 2002, p.52). 2000 até o período atual
Mas, a indústria só vai ganhar força de Esse terceiro período, o técnico-
atuação na economia de Lajedo, por volta da científico-informacioanl, iniciou-se após a II
década de 1990, mas vale salientar que neste Guerra Mundial, com a difusão do sistema
momento a produção industrial de Lajedo capitalista atingindo praticamente a metade
ainda utilizava maquinário cientificamente dos países do planeta. Esse período se
moderno. No entanto, é quando a indústria caracteriza pelo uso intensivo da ciência e
dos móveis tubulares despontou como fonte tecnologia, que estão impregnados tanto nos
de renda e geração de empregos da cidade, objetos, e a condição necessária para a
simultaneamente, constatou-se que em 1991, emergência desse novo momento é a
houve uma inversão na distribuição da informação. Para Santos e Silveira (2011)
população na cidade e no campo, pois da esse novo contexto só teve início no Brasil em
população total de 29.708, desses 17.993 1970, graças ao avanço exponencial dos
moravam no espaço urbano, o equivalente a transportes e das telecomunicações. Esse
uma taxa de urbanização 60.546 (Tabela 1). A avanço nos sistemas de engenharia é, na
cidade passa crescer exponencialmente em verdade, um reflexo da política econômica
várias direções, inclusive se apropriando do adotada pelo governo federal, isto é, dos
Riacho da Prata, e modificando grande parte investimentos em infra-estrututa para otimizar
do uso residencial para comercial, a partir de a produção e fluidez desta no território,
então a cidade chega ao atual patamar de condições necessárias para a instalação da
ocupação irregular das margens do Riacho da ideologia do consumo, e para se alavancar o
Prata, por isso assoreado e poluído, e passa a crescimento na economia brasileira. De
ser visto não como rio, mas sim como um acordo com Scarlato (2011, p.335), “O
pequeno filete de águas pútridas, como esgoto avanço nos transportes, juntamente com as
a céu-aberto cheio de lixo. comunicações, favoreceu assim a dispersão
A chegada da indústria é um marco geográfica das indústrias, sem prejuízo do
histórico para a cidade, pois é o início de um poder de controle das matrizes sobre
novo momento, entretanto, só adentrar em subsidiárias”. Assim, paralelamente ao
outro período, isto é, só vai haver uma equipamento técnico do território brasileiro,
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 503
17. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
ocorre o fortalecimento da indústria Lajedo na década de 1990, mas sua
(metalúrgicas e siderúrgicas), e também a popularização também se deu por volta do
modernização da agricultura, a mecanização ano 2002.
do campo. É na década de 1990, que o Além disso, o período técnico-
território brasileiro, ganha novas feições no científico-informacional colocou o Brasil em
que se refere aos sistemas técnicos, quando um novo patamar de urbanização, tanto que,
ocorre a informatização e com a chegada dos em 1980, houve um aumento exponencial na
telefones móveis. Esta revolução no campo da urbanização brasileira. É quando a população
cibernética interliga os territórios, os lugares citadina de todas as regiões brasileiras supera
se tornam globais. a população rural. E no ano 2000, a população
Como dito, esses dispositivos técnicos urbana ultrapassa 80%. Esse percentual de
permitiram o dispersão geográfica das 80%, constatado no ano 2000, está
indústrias, fazendo com que em 2000, Lajedo correlacionado com a maior densificação de
passasse por uma reforma em sua sistemas de engenharia e de objetos técnicos
configuração territorial, graças à no território, por exemplo, a construção de
informatização e aos novos objetos técnicos rodovias. E a cidade de Lajedo acompanha
no ramo das telecomunicações. A partir de esse ritmo de crescimento urbano, seguido da
então, surgem mais bancos na cidade, há um artificialização dos objetos naturais, como é o
crescimento comercial relativamente grande, caso do Riacho da Prata. Em 1991, a taxa de
mas indústria não comanda a economia urbanização de Lajedo alcança o patamar de
lajedense, pois as poucas que se encontram 60%. E recentemente, em 2010, atinge 70%, o
em Lajedo atualmente são de pequeno e equivalente a 26.391 citadinos. Durante esse
médio porte. Já no que tange a processo de urbanização, ocorreu um
informatização de Lajedo, esse processo crescimento urbano que não considerou o
inicia-se por volta de 1992. Em 1994, surgem Riacho da Prata, pois não se criou leis para
às primeiras escolas de informática, e lojas de organizar o espaço urbano. Desta forma, o
manutenção em Lajedo, o que favoreceu a período-técnico-científico informacional
popularização da tecnologia. Nessa época engendrou uma nova lógica de organização da
devido aos preços, os computadores ainda não cidade de Lajedo, e essa remodelagem não
eram acessíveis às pessoas, só às empresas. levou em conta o Riacho da Prata, que
Tornaram-se mais acessíveis por volta do ano atualmente se encontra, canalizado, coberto e
2000, momento em que chega a internet na ocupado pelos citadinos, para uso residencial
cidade por meio das seguintes empresas: IG, e comercial, e também em situação crítica no
Oxente.net, e Hotlink. Já no que se refere aos que se refere à poluição, já que hoje não passa
telefones móveis, estes também chegam a de um receptáculo de esgoto e lixo, e por
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 504
18. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
esses aspectos não é representado como rio.
Observe a situação atual do Riacho da Prata
na figura 13. De acordo com Diagnóstico do
Plano Diretor de Lajedo (2002), o espaço
urbano de Lajedo vem sendo construído, ao
longo do tempo, sem legislação para tratar
especificamente do ordenamento do território.
Sendo assim, o Riacho da Prata teve
suas margens ocupadas arbitrariamente para
uso residencial e comercial, e por isso, hoje o
Riacho da Prata não passa de um receptáculo
de esgotos, o que leva muitos lajedenses a não
considerá-lo como rio. Entretanto, em dias de Figura 14. Periodização da Expansão do
chuvas torrenciais o riacho evidencia sua espaço de urbano de Lajedo.
vitalidade através do aumento de sua vazão, Fonte: Julio César Félix (2012).
causando inundações em alguns logradouros,
4. Considerações Finais
a última grande enchente ocorreu em 2004.
Constatou-se que as margens do
Essa problemática ambiental urbana, se
Riacho da Prata são áreas de vulnerabilidade
engendrou desde a emancipação política de
sócio-ambiental, pois os moradores estão
Lajedo, com o crescimento urbano, e esse
sujeitos a riscos que se materializam através
quadro foi sendo intensificado ao longo do
da possibilidade de acontecer inundações,
processo histórico dos períodos técnicos,
e/ou dos moradores contraírem alguma
atingindo o atual patamar de ocupação
doença por estarem localizados em uma área
irregular as margens do Riacho da Prata desde
insalubre, onde a água e o solo são
o período técnico, conforme a Figura 14.
contaminados. Assim, os riscos podem se
manifestar através das práticas sócio-espaciais
desenvolvidas pelos moradores as margens do
rio, bem como pela ocorrência de enchentes,
que podem provocar mortes, danos à saúde
física e psicológica, e prejuízos materiais.
Ainda no que tange a vulnerabilidade, se
constatou que os moradores da Favela do
Figura 13. Desabamento da Praça construída Açude e dos Caldeirões são mais vulneráveis
sobre o Riacho da Prata. aos riscos, tanto pela precariedade de infra-
Fonte: Julio César Félix (2012). estrutura básica, como pela menor
Silva, J. C. F.; Santos, C. C. 505
19. Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2012) 488-508
incapacidade de se proteger de um evento eficaz, e também do crescimento desigual da
catastrófico, como uma inundação. cidade, que os segregou espacialmente para
Essa realidade é o resultado da um lugar inadequado para habitação,
acumulação de tempos, pois a ocupação agudizando assim a qualidade de vida desses
irregular das margens do Riacho da Prata data citadinos. Assim, para os citadinos que
da emancipação política do município. Neste residem nas margens do Riacho da Prata, uma
momento havia poucas moradias próximas ao gota d’água que cai do céu significa o pior
rio, que tinha suas potencialidades dos pesadelos.
aproveitadas pela população citadina, a qual
era muito pequena. A partir daí a 5. Agradecimentos
problemática vai se intensificando, Agradecemos a Universidade de
inicialmente com a construção de esgotos, Pernambuco pelo apoio ao desenvolvimento
calçamento e pontes no rio. Em seguida, no desta pesquisa.
período técnico, há um acelerado processo de
urbanização, que alavanca um crescimento 6. Referências
urbano vertiginoso e desordenado, e durante Almeida, L. Q.; Carvalho, P. F. A negação
essa dinâmica o Riacho da Prata foi negado, dos rios urbanos numa metrópole brasileira,
pois houve um aumento exponencial nas XII Encuentro de Geógrafos de América
moradias as suas margens, além de pontes, Latina, 2009. Disponível em:
bueiras, calçamentos e praças que foram http://egal2009.easyplanners.info/area07/7006
construídas sobre o riacho, além de ter se _Almeida_Lutiane_Queiroz_de.pdf. Acesso
tornado a receptáculo esgoto e lixo. E por em: 26 de Agosto de 2009.
isso, não é considerado como rio por muito
Britto, A. Silva, V. A. (2006). Viver às
lajedenses. No terceiro momento, no período
margens dos rios: uma análise da situação dos
técnico-científico-informacional, ocorre um
moradores da favela Parque Unidos de Acari.
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pelo uso residencial e comercial de suas
paisagens urbanas em cidades brasileiras. Rio
margens, e pelo intenso despejo de esgoto e
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lixo no seu leito.
Por fim, pode-se dizer que as pessoas
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Espaço Urbano. São Paulo: Editora
não moram corretamente, já que habitam uma
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