1) O documento é uma edição de um periódico chamado Relevo, contendo crônicas e artigos de vários colaboradores.
2) Uma crônica descreve uma noite em um apartamento onde acontece uma festa, com reflexões sobre saudades do parceiro ausente.
3) Outra crônica fala sobre a dificuldade de encontrar tempo para si mesmo com um emprego em tempo integral e a busca pela satisfação.
A crônica como um subgênero aos olhos dos críticos literários
1. Fevereiro de 2011 3
PARANÁ I FEVEREIRO DE 2011 I EDIÇÃO 06
Cintia Aleixo
Camila Rodrigues
Tiemi Lobato
Gabriela Pinheiro
Andréa Moraes
Juliana Dacoregio
Eder Alex
Fred Gazzola
Daniel Zanella
Foto: Marcos Monteiro
2. Edi
2 Fevereiro de 2011
“O estilo é ape- Colaboradores
nas a ordem e o Camila Rodrigues
Cursa 7° período de Jornalismo na Universida-
movimento que de Positivo. Colabora com o Lona e publica seus
textos no endereço relaxeeblogue.blogspot.com
colocamos em
torial
Marcos Monteiro
Cursa 3° período de Jornalismo na Uni-
nossas ideias”.
versidade Positivo. Publica suas fotografias
no endereço flickr.com/marcos_fe e textos
no endereço disfim.wordpress.com
Daniel Zanella
Cursa 3° período de Jornalismo na UP.
Georges Buffon,
É colunista do periódico Notícias Paraná e
em Discurso sobre o Estilo.
integra algumas coletâneas por editoras in-
A crônica como um subgênero aos
olhos dos críticos literários, um
gênero menor e desigual diante do ve-
[Também por isso acusada de linguagem
preguiçosa e superficial.] Apesar da menor
circulação dos impressos nos tempos atuais
mas, seus erros e inadequações. A sobrevi-
vência vigorosa da crônica diante da lenta
agonia dos impressos se deve em grande
dependentes. Publica suas crônicas no ende-
reço letrasnumcanto.com.br
redicto dos contistas e romancistas, en- - quando os periódicos se colocarão à serviço parte ao seu poder de comunicação, a di- Eder Alex
tretanto, essencial aos que a praticam. de seu tempo? - ela segue caminhando segura versidade de vozes que ela proporciona, Professor de Comunicação e Expressão de
Historicamente, a crônica sempre esteve na rotina dos leitores, agora em novos espa- a infinidade de possibilidades e soluções. Textos da FACEAR, publica sobre cinema, li-
relacionada ao cotidiano de seus leitores, ços, mais colaborativa e libertária, em blogues O Relevo pretende perpetuar a crônica no teratura, HQ, crônicas e contos no endereço
transmutada numa prosa acessível e cor- de visibilidade específica e públicos cativos, impresso - sua origem e moradia natural devaneiosdocotidiano.zip.net
riqueira, capturando elementos narrativos em coletivos literários amplos, o leitor como - mas para isso é preciso entender os no-
de todos os gêneros literários, camaleônica, um espião privilegiado da casa do escritor, vos tempos. Estamos tentando. Uma boa Peter Hammer
“ ”
dividindo o café da manhã em tom maior. convivendo com suas paranóias, seus dile- leitura a todos. Fotógrafo e cuteleiro, nascido em Assis, São
Paulo. Fotografa para agências, jornais e revis-
tas e ministra cursos de cutelaria em Curitiba.
Tiemi Lobato
Antropóloga radicada em Curitiba. Publica seus
SONDAGEM
textos no endereço chicamitipo.blogspot.com
Lisa Alves
Estudante de Jornalismo e Gestão Am-
biental, nascida em Araxá(MG) e radicada
em Brasília. Colaborou em projetos teatrais
(Barão da Ralé - 2004), cinematográficos (O
Templo do Deus Capital - 2005), políticos
(Manifesto Potencialista -2001) e literários
(Trilhas – Coletânea de blogueiros pela
O carteiro, conversador amável, não gosta de livros. CBJE ). Publica seus escritos no endereço
lisaallves.blogspot.com
Tornam pesada a carga matinal, que na sua opinião e Gabriela Pinheiro
dado o seu nome burocrático, devia constituir-se ape-
Designer curitibana. Publica seus textos
no endereço chicamitipo.blogspot.com
nas de cartas. No máximo algum jornalzinho leve, mas Juliana Dacoregio
Jornalista e escritora catarinense, autora
esses pacotes e mais pacotes que o senhor recebe, ler de “Diários do Purgatório” - livro autobio-
gráfico de poesia e crônicas -. Publica seus
textos nos endereços julianadacoregio.ops-
tudo isso deve ser de morte! Explico-lhe que não é pre- blog.org e amalgama.blog.br
ciso ler tudo isso, e ele muito se admira: Cintia Aleixo
Cursa 7° período de Jornalismo na
- Então o senhor guarda sem ler? E como é que sabe o Universidade Positivo. Colabora com o
Lona e publica seus textos no endereço
que tem no miolo?
cintiaaleixo.wordpress.com
Carlos Drummond de Andrade
Andréa Moraes
Jornalista radicada em São Paulo, inte-
grou em 2009 a antologia Maus Escritores,
organizada por Marcelino Freire, e publica
Expediente ^ Contato
seus textos no endereço visiteedith.com,
a coletivo literário composto por escritores
em início de carreira, fotógrafos e cineas-
Edição: Daniel Zanella Jornal Relevo no Twitter: www.twitter.com/jornalrelevo tas.
Diagramação: Daniel Zanella Envie suas crônicas, críticas e sugestões para jornalrelevo@gmail.com
!
Fotógrafo responsável: Peter Hammer Fred Gazzola
Diretor Comercial: Marcos Monteiro Músico e compositor, vocalista
Impressão: Gráfica Helvética
O Relevo, às vezes, não se responsabiliza pelo da banda La Vigüela Rock. Publica
Tiragem: 2000 conteúdo publicado de seus autores. seu material fonográfico no endereço
myspace.com/laviguelarock
Edição finalizada em: 31 de janeiro, 20h
3. Choro Bandido
Fevereiro de 2011 3
Noite No Apartamento
Daniel Zanella
Fez das tripas a primeira lira. os sorrisos que só os desconhecidos trocam
entre si, as especulações amorosas. Bebo
Não sei... Já ouvi isso em algum lugar, pouco, não devo beber muito, sei que não
meu amor, mas até que ficou bonito nessa devo. Conheço-me o tanto que preciso. Esse
crônica, viu? Essas letras amorosas que nos é um tempo de sanidade, preciso lidar com
unem entre um oceano e outro. Mas, antes meus demônios, com as distâncias, com as
que me esqueça, não seja assim, tão des- saudades, com os pensamentos de ordem
carado, roube, mas dê algum crédito... Se duvidosa, tantos a dizer que essa é a terra
você me disser novamente que não existe da liberdade, que ele nunca vai saber, que
autor, vou dizer que Rubem Braga está te é preciso aproveitar – minha mãe, sabe de
vendo, viu? Hoje foi um dia cansativo por uma coisa: estou comendo muito mal. Sou
aqui, sabe, uma dor de cabeça que não me um corpo que treme de sua própria carne
deixa, preciso arranjar um trabalho, vou e alimenta severo as angústias, as flechas
escrever, vou dizer meus cansaços. Andar agudas do ciúme. Será que ele vai aguentar
pelas ruas estrangeiras assusta um pouco, um ano de separação? Choro lágrimas qua-
a rua de minha velha casa não tem tantas se secas quando penso nisso, lágrimas tão
coisas, de tanto ver a rua de casa sei que ela densas que quase não querem chorar. Será
é uma rua e é a minha casa, só os objetos que vai me esperar? As pessoas por aqui di-
particulares não se perdem na memória. E zem que não e de tanto dizerem que não,
o que será que você faz nesse momento? a cada dia pergunto as mesmas garantias
Que horas deslizam nesse Brasil insalubre? e peço que diga que me ama, preciso que
Escreve-me todo dia. Amo? Não sei expli- me diga – embora as palavras venham em-
car: do que sei: sinto saudades maiores do butidas de alguma obrigação de dizer que
que o amor que acho que sinto, uma falta ama. Ele escreve crônicas, ora coisas dentro
de beijar sem motivo, de dizer uma coisa de mim ora distantes ora perturbadoras.
sem sentido, de rir pra você de qualquer Porque escrever sobre uma moça de chapéu
coisa apercebida, da torção de sobrancelha ou uma escritora de cabelos encaracolados?
que você faz, da calmaria que esconde pro- Peço pra que me preserve um pouco de seus
fundezas selvagens, essas coisas todas sobre devaneios, mas são queixas vãs – o autor e o
todas as coisas que acho que é o amor. Hoje personagem são um só, embora ele acredite
é dia de festa no apartamento. Gosto da no narrador. Um rapaz acaba de perguntar
menina que divide o aluguel, mas ela é um sobre a aliança que ostento quase deslocada
tanto pessimista. Menina, ânimo, você pre- na noite de frio e de rumores alcoolicos ele-
cisa de algum livro? Não, não precisa. Não vados. Conheço essa pergunta. Sim, tenho.
precisamos de livros. Nem de bibliotecas. Ele não está aqui, gosto muito dele, mas
Precisamos de amor e de trabalho. Coisa isso pouco importa pra você, não é? Cerve-
de cronista achar que o mundo encerra nos ja amarga demais. O remédio não resolveu
livros. Uma gente de todo lugar se espalha as dores de cabeça. A moça do apartamento
no apartamento, uma gente de histórias que acaba de entrar num quartinho com alguém
gostaria de conhecer caso os ruídos de com- que nunca vi. Acho que vou tomar um copo
preensão não fossem tantos. É uma gente de água, mais um remédio, trocar de roupa
de tantas faces rotundas, as latas de cerve- e dormir. Sim, vou dormir. Foto: Marcos Monteiro
ja como tentáculos em mãos de algo vazio, Boa noite, meu amor.
4. Satisfaction
4 Fevereiro de 2011
Gabriela Pinheiro
hoje eu tive tempo de lavar o cabelo
e fazer a unha. estou só esperando o es-
malte secar para poder arrumar o quarto
e ir dormir cedo. desde que eu comecei a
trabalhar nesse lugar novo eu ando sem
tempo para nada. até meu intestino resol-
veu funcionar na hora certa, meu orga-
nismo inteiro sacou que hoje a noite eu
tava livre. comi, fiz coco, tomei banho. é
a melhor sequência do mundo.
é meio foda ficar assim na função,
parece que não sobra tempo pra viver.
eu tenho sempre essa impressão de que
trabalho não conta como vida. são duas
coisas: tua vida tá aqui e teu trabalho tá
ali, um precisa do outro. mas o tempo
livre só faz sentido quando temos em-
prego. de nada adianta o tempo livre
sem aquela sensação de que ele preci-
sa ser aproveitado ao máximo, antes
que chegue segunda-feira ou o fim das
férias. eu tava precisando de um em-
prego período integral, mas ao mesmo
tempo eu fico sentindo falta de ficar
sem fazer nada um pouco. engraçado
como a gente nunca está satisfeito. a
satisfação parece ser uma coisa possí-
vel e completa, como se quando tudo
estivesse certo, tudo estaria certo. mas
é bem o contrário, ela é impossível e é
Foto: Peter Hammer
o fim de tudo.
Hora de Dormir
Tiemi Lobato
Ando percebendo que tenho meses de trabalho trash e viagens.
muita dificuldade em dormir rápi- Poxa, eu queria muito fazer espe-
do sem estar bêbada ou ter fumado cialização, mestrado, doutorado e
um cigarrinho de artista. Acontece ser uma acadêmica bonita, impor-
que há uns 2 dias atrás eu tava nesse tante e influente. Mas às vezes me
esquema de ficar rolando na cama parece que trampar 1 ano em cada
e fiquei pensando no futuro. Sabe, país do mundo vai me fazer muito
se tem alguma coisa que eu man- mais feliz. Tá certo que meus em-
do muito bem, é planejar o futuro: pregos, geralmente, tem tempo de
“vou morar na Argentina, arranjar expiração de 1 ano (depois disso
um emprego, depois vou comprar não aguento ficar no mesmo lugar),
um carro e um cachorro São Bernar- sendo assim, eu teria que morar em
do, e vou pra Patagônia”. Acontece, vários lugares... O que eu quero di-
pessoal, que hoje descobri que tenho zer é: imagina morar na Austrália
que entregar minha monografia até e dormir abraçada com um Coala?
dia 25 de junho e, isso significa, que Bem melhor do que dormir abra-
depois do dia 25 eu vou ter o triplo çada com “A Ambientalização dos
de tempo pra ficar pirando em o que Conflitos Sociais”.
eu vou fazer depois de formada. Na Sei lá... Acho que no fundo só
verdade, a vida inteira eu fiz isso de tou meio de saco cheio da biblio-
ficar pensando em lugares legais pra teca agora que tem um punk fe-
morar, empregos susse pra ter, e os dido pra caralho por lá, bem nos
cachorros que combinam com cada mesmos horários que eu. Também
situação, e olha que nem tinha pers- acho que ando meio com preguiça
pectiva de me formar. de pensar, sabe? e daí o trabalho
No fim, acho que sempre inter- escravo vira uma opção atraente. Foto: Lisa Alves
calei 2 anos de estudo com alguns merda.
5. 5
I Promisse Aceita Logo
Fevereiro de 2011
Juliana Dacoregio
Não vou demonstrar interesse quando Ah, sabe Highlander?
me desinteressar. A solidão é um Highlander. Só
Não vou cozinhar para você. morre se você cortar a cabeça fora.
Não vou esconder minha mente confusa. O que é muito difícil, já que a so-
Não vou me desesperar se você não pu- lidão está na SUA cabeça, então só
der. se você cortar a SUA cabeça fora.
Não vou dizer que sim, quando quero Já que não é recomendável, nem
dizer não. higiênico… Abrace a solidão!
Não vou conter meu entusiasmo infantil. Também nem adianta tentar
Não vou deixar de tirar meus sapatos e sufocá-la com um travesseiro,
dançar descalça com medo de lhe envergo- porque ela respira através de to-
nhar. dos os poros, assim como os sa-
Não vou frear meus desejos. pos.
Não vou me afastar de meus amigos.
Então, “táca-lhe” uma música
Não vou viajar acompanhada quando
bem alta e aceite: você está so-
precisar de uma jornada só minha.
z i n ho.
Foto: Peter Hammer
Vidros, Folhas e
Foto: Peter Hammer
Outras Borboletas Eder Alex
A porta bateu com violência e eu Na fotografia, o sorriso de quem
permaneci à mesa, esperando que ainda não sabia que o futuro seria
voltasse, arrependida. Folhas caídas ruim. Ela dentro de um vestidinho
arrastavam a madrugada lá fora. e, pela janela, a chuva. Parada no ar.
O vento vai, a vida não
Ela do outro lado do mundo e ele volta. Entre a cabeça e a arma, o vidro,
segurança que estilhaça. Alguém
apenas do outro lado da rua. Eles
buzina, então escapa o tiro. A vida
não sabiam o que sentir e a distância
toda passa num minuto: nem duas
não sabia o que separar.
linhas.
Ainda chorando, revirou o quarto. Fiquei olhando para o chão
As cartas estavam numa gaveta. Ras- imundo da cozinha, os cacos de
gou todas e depois enfiou-as na boca. vidro espalhados exibiam em seus
Não tinham gosto de borboletas. reflexos minha solidão no plural.
Foto: Marcos Monteiro
Foto: Marcos Monteiro
Foto: Marcos Monteiro
6. 6
Dazed and Confused
Fevereiro de 2011
Camila Rodrigues
Era fim de primavera, chovia como cabelos. Entretanto, dentro de cada um
se os pingos nunca quisessem parar de ainda existia um pouco de nós, aqueles
cair, como se os pingos também quises- velhos meninos [e menina] cheios de pe-
sem nos rever sobre a óptica de pingo. sares e convicções.
Chovia como se fosse um sinal, mas não O horizonte cobria-se de laranja, in-
era. Era fim de primavera e alguns da- sinuava um fim de tarde embebido em
quela mesa há anos não se viam. Ten- água – da chuva - e álcool. E como era
távamos encontrar dentro de cada um boa a sensação, como um bálsamo que
de nós os velhos meninos [e menina], acalenta a alma, como um vento forte
que um dia fomos. Era um belo dia para que naufraga nossos medos, como uma
reencontros, para repintar memórias, reza que silencia quebrantos, como um
transformá-las em perigo, aumentando solo ao vivo de qualquer música do Led
suas dimensões, caprichando nas pince- Zeppelin. Éramos menos feios do que
ladas, assim como fazem os bons e ve- pensávamos na época, enfim. Éramos
lhos amigos, como somos. menos pretensiosos.
As autoestimas estavam exaltadas, Um silêncio aterrador perturba mi-
nossos egos etílicos reverberavam calor, nha chegada ao nirvana, o silêncio que
como corpos eletrizados, como apren- precede a partida, a penúltima desco-
demos. Falávamos, interrompíamo-nos, berta. Dizemos junto o sonoro, aflitivo,
ávidos. Aqueles corpos, de quem a co- solitário e definitivo “é...”. Ele é o Franz
ragem escorria pelas pontas dos dedos Ferdinand para a despedida. Desde os
na negra e turbulenta adolescência, qua- primórdios, os amigos o evitam com
se se tocavam, eram condescendentes, destreza. Sabíamos que ele viria, não tão
cúmplices e íntimos. Uma intimidade cedo quando imaginávamos. Meninos
inocente, como a mão esquerda é da [e menina] repetitivos sobre as mesmas
mão direita. Conjurávamos, amaldiçoá- bandas de rock, meninos [e menina]
vamos, criávamos caso com outros que, perdidos em outra década. Meninos [e
assim como nós, tentavam passar pela menina] decididos em nunca pensar em
negra adolescência, com um único obje- despedidas. Abraçamo-nos e tomamos o
tivo: passar dessa fase de merda sem fe- rumo de casa. Meninos [e meninas] saíam
rimentos mais graves. Éramos meninos de todos os cantos, voltavam para a casa, Foto: Peter Hammer
[e menina] sobreviventes, irmãos e, ago- caminhando entre risos e pedras, voltan-
ra, adultos. Jornalista, professor de His- do da escola, passando por caminhos es-
tória, professor de Geografia, radialista, cusos, atrasados para o jantar. De repente
musicista e alguém cuja profissão tem éramos nós, com aqueles uniformes hor-
a ver com informática. Algozes de nós ríveis - os quais, prometi nunca mais usar
- em um tom horrível de azul (Royal, se
mesmos a engendrar planos maquiavé-
não me falha a memória). Numa sexta-
licos e encher nossas veias de um vene-
no libertador de superego. Nossas fei- feira de chuva incomum à estação, no úl-
ções mudaram muito. Os tons de voz, os timo dia de aula. Atordoados e confusos.
Manifesto Contra o Desmatamento do Púbis
(Ou em defesa de uma ecologia genital)
Andréa Moraes
Uma das coisas mais irritantes que es- nho, estrelinha e quetais são uma prova por que iria amarelar diante de uns pe- igualdade entre os sexos.
cuto das minhas amigas é essa moda de de falta de imaginação, recurso de quem linhos? Essa história de que pelo saindo pra fora
depilar o púbis. Caraca! Se tantos poetas tem repertório mental mais estreito do Voltando ao púbis, não me venham do biquíni é indecente também não cola.
já chamaram aquilo de flor, por que ar- que de filme pornô exibido em motel dizer que deixá-lo careca ou penteado é Meu marido mesmo já se queixou que mui-
rancar o jardim, a vegetação em volta da (ainda se vai a isso?) de quinta categoria. uma forma de limpeza. Dispenso a as- to homem fica olhando pra minha cara na
caverna? Considero isso a mais absoluta A mulher que se submete à tortura da sepsia da gilete. Pelo é proteção natural praia. Aí o ciúme aparece e com ele o impul-
falta de romantismo. cera quente e à lâmina que talha sua pele e nada mais garantido do que uma vagi- so agressivo, a cópula tão desejada.
Fala sério! O homem que gosta de até encravar seus pelos, criando perebas na coberta por muitos deles. A última vez que depilei a xandanga foi
que detonam visualmente o presente no hospital, antes do parto, cesariana. En-
xana depilada está revelando uma indis- E depois, macho que é macho não
que Deus lhe deu, tá precisando de re- tão, depilar é coisa de doente, de cirurgia,
farçável vocação para a pedofilia. Pois quer saber nem se você lavou. Costuma
bisturi, carnificina.
se até Lolita tinha pelos, por que exigir lho. Já que gosta de sofrer pra gozar, ir direto ao ponto. De preferência, o G.
Eu prefiro preservar minha ancestrali-
que uma mulher adulta os arranque? E então, que apanhe de verdade, nas mãos Na hora do oral, é mentira que pelo dade não me rendendo à opressão sexual
vamos combinar que esses desenhinhos de uma dominatrix. atrapalha. A gente que é mulher aguenta imposta pelas minhas rivais. Pois se tenho
esculpidos com as pinças dos designers Outro dia, uma conhecida me confes- os deles. Homem que não pode encarar coragem de assumir meus pelos publica-
de pentelhos, tipo bigodinho de Hitler – sou que depila até o ânus. Meu, se o teu nossos pentelhos tem que chupar com mente, imagina o que não sou capaz de
argh, que coisa de nazista! – coraçãozi- marido tem coragem de te fazer a curra, canudinho. Pelo, no oral, é expressão de fazer entre quatro paredes.
7. 7
Um Dia de Domingo
Fevereiro de 2011
Cintia Aleixo
Amanhece. É domingo.
Domingo ensolarado. Um sol de 30º
está derretendo os neurônios.
Primavera. As flores estão a colorir a
cidade. De repente do céu caem lágri-
mas. Nada faz sentido, num instante sol,
no outro não!
Sentido? Mas o que realmente faz
sentido? Não sei! Você sabe? Se souber
então me conte. Depois da tempestade
vem a bonança, pelo menos é o que diz
o ditado. Mas na vida não é bem assim.
Após a tempestade vem mais tempesta-
de. Não entendo, nem os pingos da chu-
va nem os pingos que caem dos olhos.
Lágrimas, porque elas existem? Dizem
que é para lavar a dor que assombra a
alma.
Continuo a não entender, nem vida,
Maria
nem chuva, nem lágrimas.
Fred Gazzola
Sempre meio-dia
Essa era a hora de Maria
Acordar
E no pensamento
Lembranças que queria
Apagar
Medos travestidos
Em tolos caprichos
De brincar com o amor
Maria sabia cuidar
Dos seus problemas sozinha
Mas faltava alguém
Pra lhe dar bom dia todo dia
Era quando o sol vinha bater
Na sua janela só pra ver
Maria acordar na solidão
Maria passava
A tarde inteira
A suspirar
Foto: Marcos Monteiro
Revia os planos
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Zanella
De mudar Revistaria, Loja e Livraria
Sonhos resumidos
Num olhar perdido
A buscar alguém
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Maria sabia cuidar DE ASSISTÊNCIA EM INFORMÁTICA
Dos seus problemas sozinha
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