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Chicos 17
chicos.cataletras@hotmail.com
Veja a nossa poesia em:
http://chicoscataletras.blogspot.com/
Um dedim de prosa
Faz alguns dias que Olga Savari esteve por aqui. Para nós, aqui do Chicos, já tão cataguasense quanto o
nosso poeta Francisco Marcelo Cabral. A escritora veio participar da abertura da mostra, “Os Mineiros do Pasquim”.
Nos encontramos também lá no Eva Nil - antiga estação ferroviária, onde os artistas plásticos, Jorge Napoleão, Altamir
Soares e Silva Costa abriam ao público a exposição de arte: Trino. Olga nos presenteou com o livro Ícaro e Eu de Albeniz
Clayton. No prefácio, escrito pela poeta, encontra-se: “... No sistema hieroglífico egípcio há um signo determinante
constituído por três peles formando um nó, que significa nascer. Este signo entra na composição de palavras tais como
engendrar, criança, criar, formar etc. Igual ao signo era um amuleto dado à criança recém-nascida e que representava três
peles de animal atadas a um globo solar. .... O número três do amuleto acima mencionado alude à triplicidade essencial
do ser humano corpo, alma e espírito.”
Para nós a arte é este triangulo. O objeto artístico, entre eles o poema, é o corpo onde a alma do autor dialoga com o
espírito do leitor. Foi com este espírito de leitor que participamos do triangulo formado pela poesia de Guilhermino
César cuja alma Joaquim Palmeira e outro César, o Milton, deram concretude na Chácara D. Catarina, noite em que
Ronaldo Werneck iniciou com seus versos e ganhou ares performáticos com o lisboeta Fernando Aguiar, dessacralizando
palavras com seus objetos-metáforas, remontando uma nova poesia. A noite de poesia, aconteceu numa sexta feira
dentro do já consagrado Terças poéticas, como bem disse o nosso poeta maior Chico Cabral: “Só mesmo em Minas para ter
uma terça na sexta.”
A propósito, este espaço chama-se Chicos em homenagem ao Cabral, ao Peixoto e ao Buarque, todos partícipes da
magia das artes que tanto nos encantaram e continuam a encantar.
Também por estes dias iniciou carreira em Juiz de Fora com o grupo Pirlimpsiquice a peça Alice em Rimas, no País das
Maravilhas com roteiro e direção de Cassiana Lima Cardoso.
Os Chicos
Glamour
a Ronaldo Werneck
*Antonio Jaime
cinema é celofane
embala em belas cenas
estrelas não menos belas
carros sem capota
cabelos em cascata
pérolas e brilhantes
em decotes flamejantes
nos vestidos longos
leves – esvoaçantes
divas doidivanas redivivas
em anita ekberg
in la dolce vita
*Antonio Jaime Soares (Cataguases – MG)
Os algozes do sono
(Fragmento)
*Fernando Cesario
.... "Na penumbra da noite havia um gato, que se movia com lentidão nos telhados da vizinhança. Tive
a nítida impressão de ouvi-lo ronronar em qualquer canto, um gato que eu sabia preto, inteiramente preto.
Rastejava sombrio pelos telhados. Onde? Nas casas ao longo da rua, que eu imaginava de telhas enegrecidas
pelo lodo dos anos, e de madeirame já apodrecido. O gato arrastava-se, pescoço alinhado com o restante do
corpo, reto e retesado. Na escuridão do quarto, aquele pensamento me assombrava, como se o gato fosse
aparecer, a qualquer instante, no vão daquela porta, e saltar sobre meu corpo, idéia que me enchia de pavor.
A vista embaçada procurava localizar os móveis, no interior do cômodo, identificar os espaços ali
dentro, mas a agitação enturvava ainda mais minha visão. Era um miado o que existia na noite? Foi o que ouvi
há pouco? Que rumores eram aqueles? Mas um gato no telhado de um prédio de quatro andares? Não,
possivelmente lá fora, nas casas vizinhas, velando os sonos e os sonhos de outras pessoas. Mas não ali.
Fui até a sala. Percebia o coração bater acelerado, a respiração entrecortada. Caminhava como se não
quisesse despertar ninguém. À medida que passava pelas portas dos demais compartimentos procurava
enxergar lá dentro, como se algum fantasma pudesse irromper a qualquer momento. Até chegar à sala, na
outra extremidade do corredor. O que estou dizendo é que sentia os pés e as mãos geladas, os pêlos do corpo
eriçados.
A porta envidraçada que dá para o alpendre entreaberta. Ventava. O céu carregado de nuvens, que se
acumulavam para o oeste, uma forte cerração sobre a cidade e as ruas e os morros à meia-luz. Faltava ainda
muito para amanhecer. As luzes fracas, mais ao longe, algumas estrelas que piscavam muito timidamente,
uma fatia de lua e a lâmpada do poste, pouco abaixo do nível do piso, que parecia refletir-se na umidade das
pedras do calçamento.
Depois, os telhados escuros das casas, cujos beirais e cumeeiras eu procurava desenhar na imaginação.
Alguém, que não pude divisar, passou assobiando na rua que dá na praça. Muito depois, um cavalo desceu
lentamente a rua, as patas socando os paralelepípedos. A noite quieta, os olhos procurando, procurando
sombras de gatos na escuridão dos telhados." .....
*Fernando Luiz Cesário (Cataguases-MG) autor dos romances:
Os Algozes do Sono (2000) e Alma de Violino (Prêmio Lima Barreto) 2004
Olho muito tempo...
*Ana C.
Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
*Ana Cristina César
(Rio de Janeiro RJ 1952 – 1983)
Discurso e Prática
*José Vecchi
Reconheço que ultimamente tenho andado meio no discurso. Apenas. Não que esteja
utilizando-me de púlpitos e palanques; nem que eu venha me incorrendo em incoerências com
princípios e pensamentos assumidos anteriormente e que permeiam meu dia-a-dia. Mas sabe lá Deus
dos meus embates com estudantes e profissionais que não lêem e nem escrevem ou, quando o fazem,
fazem-no muito mal, demonstrando pouquíssima aptidão; sabe lá Deus do meu sofrimento diante de
uma formação disturbada, podendo eu fazer muito pouco ou nada para mudar essa dura realidade.
Lembro-me de um relatório desenvolvido por um profissional com formação superior. Tal
documento tinha a simples intenção de relatar um erro em um cálculo realizado por um programa de
computador e propor medidas para correção do problema. Li e reli o relatório inúmeras vezes. Não
conseguia entender o texto. Fiquei sem saber o que o relatório tentava relatar. Até que, dois dias
depois, falei com o seu autor. Em dez minutos de conversa ele me esclareceu sobre tudo o que havia
ocorrido, o porquê e, em seguida, expôs as medidas para a correção do erro. Fácil. Era um
profissional com bons conhecimentos sobre o assunto, mas tive que alertá-lo para o seu inteiro
despreparo para registrar e comunicar alguma coisa em texto escrito. Torceu o nariz.
Continuo acreditando que a falta de leitura e a falta do exercício da escrita tornam os
indivíduos cada vez mais enferrujados, rangendo as juntas, emperrados.
E, ultimamente, reconheço, tenho lido pouco e escrito menos ainda. Não vou atribuir esse fato
a nada, nem mesmo aos meus dias atribulados, a essa correria sem fim, a um sem-tempo de
endoidecer. Sempre foi assim e sempre reservei um tempo do dia para saber o que estava
acontecendo na cidade, no país e no mundo. Sempre reservei um tempo do dia para mergulhar em
leituras. Quanto à escrita, minhas atividades profissionais exigem que eu escreva quase todo dia.
Tenho diminuído minhas atividades, é certo, e meus memorandos, circulares, relatórios, pareceres e
projetos também têm diminuído e, no mais das vezes, são muito parecidos e exigem cada vez menos
articulação.
Alguns amigos já nem me cobram mais nada, nem insinuam, pois sabem da minha completa
apatia. Às vezes, um ou outro inadvertido ensaia uma cobrança e tenho que explicar minha completa
desorientação na construção de um texto. Às vezes, faltam-me coesão e coerência (Ah, essa eu
arranjei com um lingüista amigo meu). Acho que meu pensamento está meio tolhido ou viciado. Daí
eu poder afirmar contra mim mesmo que ando com o meu discurso distanciado da prática. Confesso
que isso não me causa ansiedades nem inseguranças. Mas tenho observado atentamente que esse
período cíclico tem tido uma duração maior que a de costume. E quando me aproprio de umas horas
do dia que já não me pertencem, penso que está na hora de aproximá-los novamente, sob pena de me
tornar um indivíduo obsoleto, atrofiado e o pior, incoerente.
*José Vecchi de Carvalho (Viçosa – MG) Cataguasense
co-autor de “A casa da rua Alferes e outras crônicas”
Sem título
Do livro Grafoemas
*Milton César Pontes
e agora / sou engenheiro do sol / ouço o negror
em seixos / ásperas fendas / garganta crespa /
quilombo totêmico / redução pendente de tábuas /
papelão / plástico / robustecidas sobras deitadas /
escancaradas perífrases verbais / por onde escorre
o céu súbito de violência e resinosa luta / seca
pancada de quem escuta / pergunta / ferra / obriga a
peerceber o divino / tertúlias sobre as lajes calcárias
dos rios que sinto / eu com essas tolices na cabeça
*Milton César Pontes ( Belo Horizonte – MG)
Colheita da poesia
* Felipe Fortuna
No final dos anos 90, visitei o poeta, tradutor e crítico Michael Hamburger (1924-2007) em sua
casa em Middleton, recanto inglês onde se instalara ao deixar Londres. Ele era o típico produto oriundo da
Europa em guerra: judeu alemão nascido em Berlim que fugira com a família quando os nazistas tomaram
o poder. Enraizando-se ainda criança no Reino Unido, tornou-se um dos intelectuais mais estimados do
país, embora seus poemas tenham lutado por um reconhecimento que o crítico literário e o tradutor de
Hölderlin e de Paul Celan conquistaram prontamente. Na casa e no corpo, tudo parecia um pouco
desarrumado: a biblioteca misturava livros em alemão e em inglês com desmazelo, o cabelo nunca se
assentava por completo. Eu havia acabado de ler String of Beginnings (1991), edição revista da
autobiografia que lançara em 1973, na qual ele conta, com melancolia, o seu transplante para outro país e
outra língua, e como, por volta dos quinze anos, “eu pude começar o meu longo aprendizado como poeta
britânico.”
Inevitavelmente, conversamos sobre A Verdade da Poesia, sua excepcional análise dos cem anos de
poesia ocidental contidos na moldura da modernidade, agora traduzida no Brasil (CosacNaify, 460p.,
R$65). Mencionei a surpresa de encontrar as páginas dedicadas a Carlos Drummond de Andrade – uma
das pouquíssimas referências a um poeta brasileiro em estudos do gênero –, especialmente porque escritas
quando ele ainda se encontrava vivo. Publicado originalmente em 1969, o livro de Michael Hamburger se
detém num poema como “A Bomba”, que consta de Lição de Coisas (1962), o mesmo no qual se lêem
poemas como “Amar-Amaro” e “Isso é Aquilo”, de notável experimentalismo. Mas a variedade do poeta
brasileiro não confunde o crítico, que aponta a “obsessão com dúvidas” sobre a realidade e as “incertezas
ontológicas” como características de Carlos Drummond de Andrade, as quais jamais o conduzem à
antipoesia ou ameaçam a relevância social da sua poesia. Na comparação com poetas internacionais, o
crítico estabelece uma atraente fraternidade entre o poeta brasileiro e o italiano Franco Fortini, que
também soubera dosar a arte hermética com a preocupação política e social. Espanta que a acuidade de
Michael Hamburger seja tão pertinente com o que se lê em A Rosa do Povo (1945) e Claro Enigma (1951),
dois livros de faturas diferentes e até mesmo conflitantes.
No ponto em que conversávamos sobre poesia e guerra (e, nas entrelinhas, sobre o intraduzível tema
do holocausto), já fora convidado para conhecer o jardim que o crítico tratava com marcante atenção. Aos
olhos de quem se acostumara à disciplina e mesmo à ornamentação do jardim inglês, aquele me parecia
bem mais um matagal, uma seqüência tumultuada de arbustos, plantas e flores esparramadas à frente do
visitante, como se não houvesse um caminho. Orgulhoso dono de um éden, Michael Hamburger mostrava
espécies de maçãs, dizia ele, difíceis de encontrar. Subitamente percebi que assim se dera não apenas o
preparo daquele terreno, mas a disposição dos assuntos e dos poetas discutidos em A Verdade da Poesia. A
minha frustração de não encontrar no livro qualquer menção a Elizabeth Bishop, Seamus Heaney, Vasko
Popa, Wislawa Szymborska, Vicente Huidobro, Jorge Luis Borges era afinal compensada não apenas pela
oferta de outro poeta de língua portuguesa, Fernando Pessoa, mas pela presença de análises
inegavelmente fecundas.
Por exemplo, no caso do poeta português, uma antecipação do existencialismo, do nouveau roman e
mesmo do teatro do absurdo de Eugène Ionesco, a partir de uma nova concepção do poeta tal como indica
o poema “Tabacaria”:
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Como anuncia o subtítulo original – “tensões na poesia moderna desde Baudelaire até os anos 60”
–, cada capítulo de A Verdade da Poesia se propõe ao longo comentário de aspectos como “identidades
perdidas” e “múltiplas personalidades”. Por alguma desconhecida motivação editorial, trocou-se
recentemente “poesia moderna” por “poesia modernista”; e deixou-se de registrar a marca final do tempo,
como se a poesia modernista subsistisse até hoje. Essa troca modifica essencialmente o objetivo primordial
de Michael Hamburger, que era, como registra no prefácio, responder à seguinte pergunta: “o que torna
moderna a ‘poesia moderna’”? A edição brasileira, infelizmente, aceita a troca, apesar de não imprimir o
subtítulo na capa.
Resta ao leitor desbravar o viçoso e exuberante solo que o crítico organizou, a seu modo, com
espécimes tão diferentes em aparência: no caso de Charles Baudelaire, a observação de que o poeta francês
atribuía significado social, ético e religioso a assuntos que eram de fato estéticos. A preciosa anotação de
que “a própria linguagem garante que nenhuma linguagem será totalmente ‘desumanizada’, não
importando se o poeta tenta projetar a pura interioridade exteriormente.” (Nesse trecho, a tradução de
Alípio Correia de Franca Neto, em geral correta e atenciosa, não consegue expressar a idéia de Michael
Hamburger). Em seguida, a afirmação de que Tristan Corbière foi de fato um poeta moderno (mas não
modernista) por causa do seu dilema de identidade e da dicção inovadora do seu verso. É o que se lê em
“Épitaphe”, na tradução de Augusto de Campos:
Não foi alguém, nem foi ninguém.
Seu natural era o ar bem
Posto, em pose para a posteridade;
Cínico, na maior ingenuidade;
E mais: há uma importante discussão sobre as simpatias expressadas em relação a movimentos
políticos autoritários de direita por poetas como W.B. Yeats, Ezra Pound e Wallace Stevens, entre outros.
No contexto do final da II Grande Guerra, Michael Hamburger estuda as formas de antipoesia, entre as
quais a da “poesia impura”, tal como praticada tanto por Bertolt Brecht quanto por Pablo Neruda – e, a
seguir, por uma linhagem de poetas inflamados pela política. Pode-se reclamar da escassa atenção do
crítico à poesia visual e a muitos experimentos conceituais. Mas A Verdade da Poesia é campo tão fértil na
apresentação de poetas e, sobretudo, no exame da interação entre poetas e poemas, que o livro pode ser a
melhor opção quando não se estiver lendo poesia a passeio.
*Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e
diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”
A casa de meus avós
* José Antonio Pereira
Na velha estrada do horto
bem no alto do Belém
Minha mãe mostra
a casa em que nascera.
Só vejo o capim angola,
o amarelo da estrada
serpenteando
pelas beiradas da morraria
Ela num olhar turvo
olheiras elípticas de saudades
fala de uma casa, paiol e bica
como se lá ainda estivessem.
Só imagino um esqueleto de paus
a ausência de telhas de coxa
folhas arrastadas pelo vento
num terreiro de secar feijão
Onde um dia foi casa,
uma vaca mastiga capim
ruminando os segredos
dos meus avós.
*José Antonio Pereira (Cataguases -MG)
Anjinhos para quem precisa de anjinhos
(Redação escolar)
*Emanuel Medeiros
A Internet serve para muitas coisas.
Inclusive para que recebamos correntes e mais correntes, (“repasse a mensagem e sua vida mudará em meia
hora”), preces, fotos de anjinhos, palavras edificantes, platitudes, lugares comuns. Agora, elas estão vindo com
imagens.
No geral, os textos são melosos, piegas (um horror!), quando não profundamente imbecilizantes.
Sabemos: a maioria da humanidade tende à mediocridade.
(Parodiando alguém: amo a humanidade, só não amo as pessoas...)
Crêem os mensageiros que estão veiculando alta literatura, que mudarão o mundo tanta tolice.
Pensam que enviam o pão da misericórdia, mas gostam mesmo é do noticiário da desgraça, da revelação
cotidiana dos baixos instintos: meninas jogadas de prédios, gente famosa saindo com sodomitas.
Eu sei: Freud e Marx já haviam detectado que a idéia de Deus é uma inversão compensatória de nossas
incompletudes.
Mas o “massacre” de tais mensagens revela o motivo do sucesso de um Paulo Coelho e seu misticismo de
butique.
Dondocas gostam de folhear “Caras”, enquanto são depiladas em salões de beleza.
Quando chegam em casa, lendo tais mensagens sentem-se “profundas”.
Há uma onda de baixo psicologismo invadindo tudo.
Somos poucos, muito poucos.
A literatura nos educa para a vida.
Mas essa pieguice, esses anjinhos tolos só aumentam a taxa de idiotice no coração da humanidade.
Há uma necessidade de solução mágica para tudo.
Tal santo resolverá todos os problemas.
Ninguém muda sua vida: quer soluções vindas de cima, ou porque internalizaram a “filosofia” das novelas de
TV.
Nunca esquecer: a globalização não é apenas econômica, mas ideológica. Penetra nos corações e mentes. Seu
princípio fundamental é a do economicismo: só tem valor o que dá lucro.
Estamos sendo a luta de lixo da cultura alheia, “reciclando dejetos culturais”.
O que mais vemos são pessoas desesperadas tentando ser o que não são.
E haja anjinho!
Mas não se esqueça de encaminhar a mensagem para 10 pessoas!
Envie! Sua vida vai mudar!
(*Ilhéu que reside em Brasília.)
*Emanuel Medeiros Vieira (Brasília DF)
Poema gauche
*Zeca Junqueira
Pela mineira Avenida Astolfo Dutra
(na imaginação toda iluminada)
lá vão o Toquinho e o Zé Antônio no
sábado de carnaval,
eu me despeço,
subo antes a rua da Praça de Esportes
onde em algazarra um dia cortamos águas de
muitos portos – como havia portos!
subo a rua silenciada pela madrugada
desafiando surdos e tamborins
encharcado de uísque (cão engarrafado) e
cerveja tomada à rodo esquivando-me do
cão do Pequeno (xô, bicho!)
nosso anfitrião que encheu o saco
entre um copo e outro e mais outro
péra lá!...
o anfitrião é o Pequeno o cão é o cão e
foi ele – o cão! - que encheu o saco e
nós não bebemos esse cão, acho que não,
tá explicado, momo possuiu o bicho
que não parava de pular, pulou até sumir
...revejo-os,
o Toquinho e o Zé Antônio no meio da avenida
já avistando a folia brancaleone espremida no gueto
(gueto na forma e no conteúdo)
mas o Toquinho se anima e arrisca uma marchinha,
se desajeita e desiste,
“êta bosta de festa ruim!”, teria dito
esquecendo o português professoral
“cadê os carnavais de Cataguases
onde as águas rolavam?”
teria questionado o homem calibrado
de novo a dançar com os braços levantados e
os dedos indicadores apontados para o céu estrelado
- vai nascer birruga, Toquinho! e
ele desiste de vez dos eflúvios de momo.
Prosseguem os dois na caminhada e
sobrevivem ao gueto e à folia e
finalmente alcançam a Vila onde a dupla se desfaz:
Zé Antonio assenta-se no meio-fio fitando o Toquinho
que segue com a folia mal resolvida no ânimo
“parecendo Carlitos naqueles finais de filmes
em que ele caminha solitário rumo ao infinito”,
poetisa rindo com certeza o Zé Antonio
mirando o Toquinho que por ora vai sumindo devagar
na tela da infinita noite estrelada.
Caminha de novo o Zé Antônio, agora só
pela sua avenida antiga de uniforme e livros escolares
pensando na vida pacata sem surdos nem tamborins,
levando a vida mineira de pouca festa,
se esforçando na previdência (melhor seria na providência)
terrena e celeste, por favor
afinal alguém precisa tomar providências!
lá vai o Zé Antônio carregando uma lembrança qualquer
dos amigos?
dos amores perdidos?
das namoradas guardadas no peito?
de outros carnavais?
também sob um céu de estrelas que já brilharam mais,
lá longe, lá na sua adolescência na mesma avenida,
lá vai o Zé Antônio embolado entre a prosa e o verso,
indeciso entre o silêncio e o verbo (e agora, José?)
espremido para caber cotidianamente
entre o dia e a noite
entre o dever e a fuga
entre o ser e o não ser
entre a farsa e o foda-se
lá vai ele caminhando com as mãos nos bolsos,
também parecendo um Carlitos fora das telas
perdido num arremedo de sábado de carnaval
já com ares de quarta-feira de cinzas
onde cai bem um the end com vaias para essa folia gauche
que termina com o Zé Antonio, só,
desaparecendo pela velha avenida rumo a tudo que ele pretende,
sem saber como, tornar infinitamente melhor.
*Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e
autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”
O HOMEM QUE SABIA JAVA 3
*Leocadio
Pois é, velho Barreto! Já ensinei Java 3! Se não sabe, nem eu. Não sabia e não sei. E tenho medo de quem sabe.
Logo eu! Que minha placa mãe é madrasta! Hardware é o que posso chutar. Software, o que só posso xingar.
Sempre preferi Gogol ao Google. E quando desligo o aparato, juro que pra mim aparece: Seu computador já
pode ser arremetido pela janela com segurança... Depois que voltei de Brasília? Não; antes. E, por isso, fui
nomeado. Alto cargo na Esplanada! Se conto mais essa? Conto. Se bebo mais uma? Bebo.
Um homem de boteco é um homem de amigos! E um deles estava no bar. E oferecia um cargo, sei lá.
Perguntou quem sabia, ou conhecia quem soubesse, nem o sabiá sabia, Java 3. Ninguém sabe. Sabe? Eu sei!
Java 3? Ninguém sabe que é Java! Muito menos o 3! Ali estava um cargo que não tinha concorrência. Se
descobrisse na internet uns três comandos, não sei, conceitos, códigos, vai, iria à tal entrevista...
Já em casa, consultei a Wikipedia. Linguagem de programação? Orientada a objeto? James Gosling?
Compilada? Bytecode? Fala baite ou fala bite? Dicionário. Fala baite. Baitecoude. Cousa assim. Máquina virtual?
Public class? Public static? Void main? String? Estranho! Não fazia sentido pra mim. Estava pronto! Salvei tudo
no meu celular. Quem precisa de memória é bar!
E eu estava lá! Diante do Secretário e Tal do Escambau, enfim, de uma repartição pública aí. Que se
informatizara. A repartição. Licitação, Novos softwares. O tal de Java 3. E ninguém mexia com aquilo. Pois eu
mexo! O Secretário chamou todos. Vejam só! Esse é o Lima! Um gênio! Ele sabe Java 3! E o cargo era meu.
Professor de Java 3! Bicho de sete cabeças. Talvez três! Três meses depois, desistiram de aprender. De
entender. E o cargo era meu. Em comissão. Por confiança. Dispensava um tal concurso. Diretor Técnico de
Serviço. O Lima sabe Java 3! Um fulano com inveja – não, mais – ódio, interferiu. Eu sei Parrot, o senhor sabe?
Disse não e nem liguei. Eu sabia Java 3!
Como eu fazia? Não fazia. Fazia o que todos faziam. Aprendi com quem não fazia. Anotei num caderninho.
Deu problema? Reinicie! Continua? Reinstale! Na terceira? É o hardware! E levo o micro para casa. Ora, então
sacrifico o décimo terceiro salário. Décimo-terceirizava o problema. Por fora. Subi de cargo. Diretor de Divisão!
Ele sabe Java 3! Ameacei cair fora! Fizeram uma reforma. Merecia um aumento! E o cargo era meu. Diretor de
Departamento!
Fui pra congresso, seminário! Cheguei a Secretário. Mas não era concursado. Dependia da vontade. Dos
outros. Pra ficar. Ou da minha. Se estudasse. E passasse. No concurso.
Bem-vestido, bem-dormido, bem-comido e bem-pago, só faltou ter estudado. Quem precisa de memória?
Prestei concurso pra tudo. Oficial, escrevente, juiz. Mas não podia celular! Na prova! Só no bar.
Mas minha fama só crescia. O homem sabe Java 3! Me consultavam especialistas. Por e-mails, chats, sites. E
citavam o meu saber. Rejeitei até cadeira. Professor Honoris Causa.
Escrevi pra suplementos. Globo, Estado, Clarín. Fechei o Gogol e fui ao Google. Fui ao celular também. Se
nunca duvidaram? Nunca! Uma vez tive um perrengue. Me chamaram numa empresa. Multinacional e coisa.
Com toda a pompa que cabia. Deu um tilt, coisa assim. Mobilizou autoridades. Que não souberam resolver.
Titubeei, rezei e fui. E olha que nem santo eu tenho. Resolveram o problema. Antes que eu mostrasse intento.
Sei lá que cargas d’água fez o treco funcionar. Se quiser, é só chamar!
E lá fui eu pra Europa. Congresso de computação. Me inscreveram em mesa errada. Google e Outros
Buscadores. Yahoo! Que disso eu manjo. Dessa tinha escapado. Com as desculpas do Prefeito. Que já virou
Deputado. Que me leva aonde for. Como cabo ou assessor. E que agora é Ministro. Volto amanhã para lá.
Fantástico? Fantástico. Mas se não fosse feliz, não estivesse contente, seria cirurgião-plástico. Cirurgião
eminente. Botox, essas coisas, lipo. Se bebo mais uma? Bebo!
*Leandro Leite Leocadio ( São Paulo SP) Poeta, contista, ilustrador
e cartunista, Autor do livro “Os demandamentos” Poesias.
Paisagem
*Emerson Teixeira
Para Altamir
A tinta fresca da manhã
cobriu a cal que só ficou no céu
e nos olhos arregalados do menino
*Emerson Teixeira Cardoso ( Cataguases-MG)
autor de Similes (poesia)
A Ilha do Horizonte
Vanderlei Pequeno
Editora Cataletras
O livro de Vanderlei Pequeno reúne 28 crônicas publicadas em vários jornais da cidade e do Rio de
Janeiro, desde o ano de 2002. Segundo o autor, a idéia é "dar casa própria a esses escritos" para que estejam à
disposição do público em um só local, o livro. A capa foi produzida pelo design Marcus Vinícius, sobre desenho de
Altamir Soares. O prefácio é de Antônio Jaime Soares.
O livro estará à disposição do público a partir de hoje, na Livraria Até Você, no calçadão e na sede da AABB Cataguases,
na Rua Paulino Fernandes, 75.
Se você quer adquirir entre em contato conosco:
chicos.cataletras@hotmail.com

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Chicos 17 - Julho 2008

  • 1. Chicos 17 chicos.cataletras@hotmail.com Veja a nossa poesia em: http://chicoscataletras.blogspot.com/
  • 2. Um dedim de prosa Faz alguns dias que Olga Savari esteve por aqui. Para nós, aqui do Chicos, já tão cataguasense quanto o nosso poeta Francisco Marcelo Cabral. A escritora veio participar da abertura da mostra, “Os Mineiros do Pasquim”. Nos encontramos também lá no Eva Nil - antiga estação ferroviária, onde os artistas plásticos, Jorge Napoleão, Altamir Soares e Silva Costa abriam ao público a exposição de arte: Trino. Olga nos presenteou com o livro Ícaro e Eu de Albeniz Clayton. No prefácio, escrito pela poeta, encontra-se: “... No sistema hieroglífico egípcio há um signo determinante constituído por três peles formando um nó, que significa nascer. Este signo entra na composição de palavras tais como engendrar, criança, criar, formar etc. Igual ao signo era um amuleto dado à criança recém-nascida e que representava três peles de animal atadas a um globo solar. .... O número três do amuleto acima mencionado alude à triplicidade essencial do ser humano corpo, alma e espírito.” Para nós a arte é este triangulo. O objeto artístico, entre eles o poema, é o corpo onde a alma do autor dialoga com o espírito do leitor. Foi com este espírito de leitor que participamos do triangulo formado pela poesia de Guilhermino César cuja alma Joaquim Palmeira e outro César, o Milton, deram concretude na Chácara D. Catarina, noite em que Ronaldo Werneck iniciou com seus versos e ganhou ares performáticos com o lisboeta Fernando Aguiar, dessacralizando palavras com seus objetos-metáforas, remontando uma nova poesia. A noite de poesia, aconteceu numa sexta feira dentro do já consagrado Terças poéticas, como bem disse o nosso poeta maior Chico Cabral: “Só mesmo em Minas para ter uma terça na sexta.” A propósito, este espaço chama-se Chicos em homenagem ao Cabral, ao Peixoto e ao Buarque, todos partícipes da magia das artes que tanto nos encantaram e continuam a encantar. Também por estes dias iniciou carreira em Juiz de Fora com o grupo Pirlimpsiquice a peça Alice em Rimas, no País das Maravilhas com roteiro e direção de Cassiana Lima Cardoso. Os Chicos Glamour a Ronaldo Werneck *Antonio Jaime cinema é celofane embala em belas cenas estrelas não menos belas carros sem capota cabelos em cascata pérolas e brilhantes em decotes flamejantes nos vestidos longos leves – esvoaçantes divas doidivanas redivivas em anita ekberg in la dolce vita *Antonio Jaime Soares (Cataguases – MG)
  • 3. Os algozes do sono (Fragmento) *Fernando Cesario .... "Na penumbra da noite havia um gato, que se movia com lentidão nos telhados da vizinhança. Tive a nítida impressão de ouvi-lo ronronar em qualquer canto, um gato que eu sabia preto, inteiramente preto. Rastejava sombrio pelos telhados. Onde? Nas casas ao longo da rua, que eu imaginava de telhas enegrecidas pelo lodo dos anos, e de madeirame já apodrecido. O gato arrastava-se, pescoço alinhado com o restante do corpo, reto e retesado. Na escuridão do quarto, aquele pensamento me assombrava, como se o gato fosse aparecer, a qualquer instante, no vão daquela porta, e saltar sobre meu corpo, idéia que me enchia de pavor. A vista embaçada procurava localizar os móveis, no interior do cômodo, identificar os espaços ali dentro, mas a agitação enturvava ainda mais minha visão. Era um miado o que existia na noite? Foi o que ouvi há pouco? Que rumores eram aqueles? Mas um gato no telhado de um prédio de quatro andares? Não, possivelmente lá fora, nas casas vizinhas, velando os sonos e os sonhos de outras pessoas. Mas não ali. Fui até a sala. Percebia o coração bater acelerado, a respiração entrecortada. Caminhava como se não quisesse despertar ninguém. À medida que passava pelas portas dos demais compartimentos procurava enxergar lá dentro, como se algum fantasma pudesse irromper a qualquer momento. Até chegar à sala, na outra extremidade do corredor. O que estou dizendo é que sentia os pés e as mãos geladas, os pêlos do corpo eriçados. A porta envidraçada que dá para o alpendre entreaberta. Ventava. O céu carregado de nuvens, que se acumulavam para o oeste, uma forte cerração sobre a cidade e as ruas e os morros à meia-luz. Faltava ainda muito para amanhecer. As luzes fracas, mais ao longe, algumas estrelas que piscavam muito timidamente, uma fatia de lua e a lâmpada do poste, pouco abaixo do nível do piso, que parecia refletir-se na umidade das pedras do calçamento. Depois, os telhados escuros das casas, cujos beirais e cumeeiras eu procurava desenhar na imaginação. Alguém, que não pude divisar, passou assobiando na rua que dá na praça. Muito depois, um cavalo desceu lentamente a rua, as patas socando os paralelepípedos. A noite quieta, os olhos procurando, procurando sombras de gatos na escuridão dos telhados." ..... *Fernando Luiz Cesário (Cataguases-MG) autor dos romances: Os Algozes do Sono (2000) e Alma de Violino (Prêmio Lima Barreto) 2004 Olho muito tempo... *Ana C. Olho muito tempo o corpo de um poema até perder de vista o que não seja corpo e sentir separado dentre os dentes um filete de sangue nas gengivas *Ana Cristina César (Rio de Janeiro RJ 1952 – 1983)
  • 4. Discurso e Prática *José Vecchi Reconheço que ultimamente tenho andado meio no discurso. Apenas. Não que esteja utilizando-me de púlpitos e palanques; nem que eu venha me incorrendo em incoerências com princípios e pensamentos assumidos anteriormente e que permeiam meu dia-a-dia. Mas sabe lá Deus dos meus embates com estudantes e profissionais que não lêem e nem escrevem ou, quando o fazem, fazem-no muito mal, demonstrando pouquíssima aptidão; sabe lá Deus do meu sofrimento diante de uma formação disturbada, podendo eu fazer muito pouco ou nada para mudar essa dura realidade. Lembro-me de um relatório desenvolvido por um profissional com formação superior. Tal documento tinha a simples intenção de relatar um erro em um cálculo realizado por um programa de computador e propor medidas para correção do problema. Li e reli o relatório inúmeras vezes. Não conseguia entender o texto. Fiquei sem saber o que o relatório tentava relatar. Até que, dois dias depois, falei com o seu autor. Em dez minutos de conversa ele me esclareceu sobre tudo o que havia ocorrido, o porquê e, em seguida, expôs as medidas para a correção do erro. Fácil. Era um profissional com bons conhecimentos sobre o assunto, mas tive que alertá-lo para o seu inteiro despreparo para registrar e comunicar alguma coisa em texto escrito. Torceu o nariz. Continuo acreditando que a falta de leitura e a falta do exercício da escrita tornam os indivíduos cada vez mais enferrujados, rangendo as juntas, emperrados. E, ultimamente, reconheço, tenho lido pouco e escrito menos ainda. Não vou atribuir esse fato a nada, nem mesmo aos meus dias atribulados, a essa correria sem fim, a um sem-tempo de endoidecer. Sempre foi assim e sempre reservei um tempo do dia para saber o que estava acontecendo na cidade, no país e no mundo. Sempre reservei um tempo do dia para mergulhar em leituras. Quanto à escrita, minhas atividades profissionais exigem que eu escreva quase todo dia. Tenho diminuído minhas atividades, é certo, e meus memorandos, circulares, relatórios, pareceres e projetos também têm diminuído e, no mais das vezes, são muito parecidos e exigem cada vez menos articulação.
  • 5. Alguns amigos já nem me cobram mais nada, nem insinuam, pois sabem da minha completa apatia. Às vezes, um ou outro inadvertido ensaia uma cobrança e tenho que explicar minha completa desorientação na construção de um texto. Às vezes, faltam-me coesão e coerência (Ah, essa eu arranjei com um lingüista amigo meu). Acho que meu pensamento está meio tolhido ou viciado. Daí eu poder afirmar contra mim mesmo que ando com o meu discurso distanciado da prática. Confesso que isso não me causa ansiedades nem inseguranças. Mas tenho observado atentamente que esse período cíclico tem tido uma duração maior que a de costume. E quando me aproprio de umas horas do dia que já não me pertencem, penso que está na hora de aproximá-los novamente, sob pena de me tornar um indivíduo obsoleto, atrofiado e o pior, incoerente. *José Vecchi de Carvalho (Viçosa – MG) Cataguasense co-autor de “A casa da rua Alferes e outras crônicas” Sem título Do livro Grafoemas *Milton César Pontes e agora / sou engenheiro do sol / ouço o negror em seixos / ásperas fendas / garganta crespa / quilombo totêmico / redução pendente de tábuas / papelão / plástico / robustecidas sobras deitadas / escancaradas perífrases verbais / por onde escorre o céu súbito de violência e resinosa luta / seca pancada de quem escuta / pergunta / ferra / obriga a peerceber o divino / tertúlias sobre as lajes calcárias dos rios que sinto / eu com essas tolices na cabeça *Milton César Pontes ( Belo Horizonte – MG) Colheita da poesia * Felipe Fortuna No final dos anos 90, visitei o poeta, tradutor e crítico Michael Hamburger (1924-2007) em sua casa em Middleton, recanto inglês onde se instalara ao deixar Londres. Ele era o típico produto oriundo da Europa em guerra: judeu alemão nascido em Berlim que fugira com a família quando os nazistas tomaram
  • 6. o poder. Enraizando-se ainda criança no Reino Unido, tornou-se um dos intelectuais mais estimados do país, embora seus poemas tenham lutado por um reconhecimento que o crítico literário e o tradutor de Hölderlin e de Paul Celan conquistaram prontamente. Na casa e no corpo, tudo parecia um pouco desarrumado: a biblioteca misturava livros em alemão e em inglês com desmazelo, o cabelo nunca se assentava por completo. Eu havia acabado de ler String of Beginnings (1991), edição revista da autobiografia que lançara em 1973, na qual ele conta, com melancolia, o seu transplante para outro país e outra língua, e como, por volta dos quinze anos, “eu pude começar o meu longo aprendizado como poeta britânico.” Inevitavelmente, conversamos sobre A Verdade da Poesia, sua excepcional análise dos cem anos de poesia ocidental contidos na moldura da modernidade, agora traduzida no Brasil (CosacNaify, 460p., R$65). Mencionei a surpresa de encontrar as páginas dedicadas a Carlos Drummond de Andrade – uma das pouquíssimas referências a um poeta brasileiro em estudos do gênero –, especialmente porque escritas quando ele ainda se encontrava vivo. Publicado originalmente em 1969, o livro de Michael Hamburger se detém num poema como “A Bomba”, que consta de Lição de Coisas (1962), o mesmo no qual se lêem poemas como “Amar-Amaro” e “Isso é Aquilo”, de notável experimentalismo. Mas a variedade do poeta brasileiro não confunde o crítico, que aponta a “obsessão com dúvidas” sobre a realidade e as “incertezas ontológicas” como características de Carlos Drummond de Andrade, as quais jamais o conduzem à antipoesia ou ameaçam a relevância social da sua poesia. Na comparação com poetas internacionais, o crítico estabelece uma atraente fraternidade entre o poeta brasileiro e o italiano Franco Fortini, que também soubera dosar a arte hermética com a preocupação política e social. Espanta que a acuidade de Michael Hamburger seja tão pertinente com o que se lê em A Rosa do Povo (1945) e Claro Enigma (1951), dois livros de faturas diferentes e até mesmo conflitantes. No ponto em que conversávamos sobre poesia e guerra (e, nas entrelinhas, sobre o intraduzível tema do holocausto), já fora convidado para conhecer o jardim que o crítico tratava com marcante atenção. Aos olhos de quem se acostumara à disciplina e mesmo à ornamentação do jardim inglês, aquele me parecia bem mais um matagal, uma seqüência tumultuada de arbustos, plantas e flores esparramadas à frente do visitante, como se não houvesse um caminho. Orgulhoso dono de um éden, Michael Hamburger mostrava espécies de maçãs, dizia ele, difíceis de encontrar. Subitamente percebi que assim se dera não apenas o preparo daquele terreno, mas a disposição dos assuntos e dos poetas discutidos em A Verdade da Poesia. A minha frustração de não encontrar no livro qualquer menção a Elizabeth Bishop, Seamus Heaney, Vasko Popa, Wislawa Szymborska, Vicente Huidobro, Jorge Luis Borges era afinal compensada não apenas pela oferta de outro poeta de língua portuguesa, Fernando Pessoa, mas pela presença de análises inegavelmente fecundas. Por exemplo, no caso do poeta português, uma antecipação do existencialismo, do nouveau roman e mesmo do teatro do absurdo de Eugène Ionesco, a partir de uma nova concepção do poeta tal como indica o poema “Tabacaria”: O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. Como anuncia o subtítulo original – “tensões na poesia moderna desde Baudelaire até os anos 60” –, cada capítulo de A Verdade da Poesia se propõe ao longo comentário de aspectos como “identidades perdidas” e “múltiplas personalidades”. Por alguma desconhecida motivação editorial, trocou-se recentemente “poesia moderna” por “poesia modernista”; e deixou-se de registrar a marca final do tempo, como se a poesia modernista subsistisse até hoje. Essa troca modifica essencialmente o objetivo primordial de Michael Hamburger, que era, como registra no prefácio, responder à seguinte pergunta: “o que torna
  • 7. moderna a ‘poesia moderna’”? A edição brasileira, infelizmente, aceita a troca, apesar de não imprimir o subtítulo na capa. Resta ao leitor desbravar o viçoso e exuberante solo que o crítico organizou, a seu modo, com espécimes tão diferentes em aparência: no caso de Charles Baudelaire, a observação de que o poeta francês atribuía significado social, ético e religioso a assuntos que eram de fato estéticos. A preciosa anotação de que “a própria linguagem garante que nenhuma linguagem será totalmente ‘desumanizada’, não importando se o poeta tenta projetar a pura interioridade exteriormente.” (Nesse trecho, a tradução de Alípio Correia de Franca Neto, em geral correta e atenciosa, não consegue expressar a idéia de Michael Hamburger). Em seguida, a afirmação de que Tristan Corbière foi de fato um poeta moderno (mas não modernista) por causa do seu dilema de identidade e da dicção inovadora do seu verso. É o que se lê em “Épitaphe”, na tradução de Augusto de Campos: Não foi alguém, nem foi ninguém. Seu natural era o ar bem Posto, em pose para a posteridade; Cínico, na maior ingenuidade; E mais: há uma importante discussão sobre as simpatias expressadas em relação a movimentos políticos autoritários de direita por poetas como W.B. Yeats, Ezra Pound e Wallace Stevens, entre outros. No contexto do final da II Grande Guerra, Michael Hamburger estuda as formas de antipoesia, entre as quais a da “poesia impura”, tal como praticada tanto por Bertolt Brecht quanto por Pablo Neruda – e, a seguir, por uma linhagem de poetas inflamados pela política. Pode-se reclamar da escassa atenção do crítico à poesia visual e a muitos experimentos conceituais. Mas A Verdade da Poesia é campo tão fértil na apresentação de poetas e, sobretudo, no exame da interação entre poetas e poemas, que o livro pode ser a melhor opção quando não se estiver lendo poesia a passeio. *Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar” A casa de meus avós * José Antonio Pereira Na velha estrada do horto bem no alto do Belém Minha mãe mostra a casa em que nascera. Só vejo o capim angola, o amarelo da estrada serpenteando pelas beiradas da morraria Ela num olhar turvo olheiras elípticas de saudades fala de uma casa, paiol e bica
  • 8. como se lá ainda estivessem. Só imagino um esqueleto de paus a ausência de telhas de coxa folhas arrastadas pelo vento num terreiro de secar feijão Onde um dia foi casa, uma vaca mastiga capim ruminando os segredos dos meus avós. *José Antonio Pereira (Cataguases -MG) Anjinhos para quem precisa de anjinhos (Redação escolar) *Emanuel Medeiros A Internet serve para muitas coisas. Inclusive para que recebamos correntes e mais correntes, (“repasse a mensagem e sua vida mudará em meia hora”), preces, fotos de anjinhos, palavras edificantes, platitudes, lugares comuns. Agora, elas estão vindo com imagens. No geral, os textos são melosos, piegas (um horror!), quando não profundamente imbecilizantes. Sabemos: a maioria da humanidade tende à mediocridade. (Parodiando alguém: amo a humanidade, só não amo as pessoas...) Crêem os mensageiros que estão veiculando alta literatura, que mudarão o mundo tanta tolice. Pensam que enviam o pão da misericórdia, mas gostam mesmo é do noticiário da desgraça, da revelação cotidiana dos baixos instintos: meninas jogadas de prédios, gente famosa saindo com sodomitas. Eu sei: Freud e Marx já haviam detectado que a idéia de Deus é uma inversão compensatória de nossas incompletudes. Mas o “massacre” de tais mensagens revela o motivo do sucesso de um Paulo Coelho e seu misticismo de butique. Dondocas gostam de folhear “Caras”, enquanto são depiladas em salões de beleza. Quando chegam em casa, lendo tais mensagens sentem-se “profundas”. Há uma onda de baixo psicologismo invadindo tudo. Somos poucos, muito poucos. A literatura nos educa para a vida. Mas essa pieguice, esses anjinhos tolos só aumentam a taxa de idiotice no coração da humanidade. Há uma necessidade de solução mágica para tudo.
  • 9. Tal santo resolverá todos os problemas. Ninguém muda sua vida: quer soluções vindas de cima, ou porque internalizaram a “filosofia” das novelas de TV. Nunca esquecer: a globalização não é apenas econômica, mas ideológica. Penetra nos corações e mentes. Seu princípio fundamental é a do economicismo: só tem valor o que dá lucro. Estamos sendo a luta de lixo da cultura alheia, “reciclando dejetos culturais”. O que mais vemos são pessoas desesperadas tentando ser o que não são. E haja anjinho! Mas não se esqueça de encaminhar a mensagem para 10 pessoas! Envie! Sua vida vai mudar! (*Ilhéu que reside em Brasília.) *Emanuel Medeiros Vieira (Brasília DF) Poema gauche *Zeca Junqueira Pela mineira Avenida Astolfo Dutra (na imaginação toda iluminada) lá vão o Toquinho e o Zé Antônio no sábado de carnaval, eu me despeço, subo antes a rua da Praça de Esportes onde em algazarra um dia cortamos águas de muitos portos – como havia portos! subo a rua silenciada pela madrugada desafiando surdos e tamborins encharcado de uísque (cão engarrafado) e cerveja tomada à rodo esquivando-me do cão do Pequeno (xô, bicho!) nosso anfitrião que encheu o saco entre um copo e outro e mais outro péra lá!... o anfitrião é o Pequeno o cão é o cão e foi ele – o cão! - que encheu o saco e nós não bebemos esse cão, acho que não, tá explicado, momo possuiu o bicho que não parava de pular, pulou até sumir ...revejo-os, o Toquinho e o Zé Antônio no meio da avenida já avistando a folia brancaleone espremida no gueto (gueto na forma e no conteúdo) mas o Toquinho se anima e arrisca uma marchinha,
  • 10. se desajeita e desiste, “êta bosta de festa ruim!”, teria dito esquecendo o português professoral “cadê os carnavais de Cataguases onde as águas rolavam?” teria questionado o homem calibrado de novo a dançar com os braços levantados e os dedos indicadores apontados para o céu estrelado - vai nascer birruga, Toquinho! e ele desiste de vez dos eflúvios de momo. Prosseguem os dois na caminhada e sobrevivem ao gueto e à folia e finalmente alcançam a Vila onde a dupla se desfaz: Zé Antonio assenta-se no meio-fio fitando o Toquinho que segue com a folia mal resolvida no ânimo “parecendo Carlitos naqueles finais de filmes em que ele caminha solitário rumo ao infinito”, poetisa rindo com certeza o Zé Antonio mirando o Toquinho que por ora vai sumindo devagar na tela da infinita noite estrelada. Caminha de novo o Zé Antônio, agora só pela sua avenida antiga de uniforme e livros escolares pensando na vida pacata sem surdos nem tamborins, levando a vida mineira de pouca festa, se esforçando na previdência (melhor seria na providência) terrena e celeste, por favor afinal alguém precisa tomar providências! lá vai o Zé Antônio carregando uma lembrança qualquer dos amigos? dos amores perdidos? das namoradas guardadas no peito? de outros carnavais? também sob um céu de estrelas que já brilharam mais, lá longe, lá na sua adolescência na mesma avenida, lá vai o Zé Antônio embolado entre a prosa e o verso, indeciso entre o silêncio e o verbo (e agora, José?) espremido para caber cotidianamente entre o dia e a noite entre o dever e a fuga entre o ser e o não ser entre a farsa e o foda-se lá vai ele caminhando com as mãos nos bolsos, também parecendo um Carlitos fora das telas perdido num arremedo de sábado de carnaval já com ares de quarta-feira de cinzas onde cai bem um the end com vaias para essa folia gauche
  • 11. que termina com o Zé Antonio, só, desaparecendo pela velha avenida rumo a tudo que ele pretende, sem saber como, tornar infinitamente melhor. *Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson” O HOMEM QUE SABIA JAVA 3 *Leocadio Pois é, velho Barreto! Já ensinei Java 3! Se não sabe, nem eu. Não sabia e não sei. E tenho medo de quem sabe. Logo eu! Que minha placa mãe é madrasta! Hardware é o que posso chutar. Software, o que só posso xingar. Sempre preferi Gogol ao Google. E quando desligo o aparato, juro que pra mim aparece: Seu computador já pode ser arremetido pela janela com segurança... Depois que voltei de Brasília? Não; antes. E, por isso, fui nomeado. Alto cargo na Esplanada! Se conto mais essa? Conto. Se bebo mais uma? Bebo. Um homem de boteco é um homem de amigos! E um deles estava no bar. E oferecia um cargo, sei lá. Perguntou quem sabia, ou conhecia quem soubesse, nem o sabiá sabia, Java 3. Ninguém sabe. Sabe? Eu sei! Java 3? Ninguém sabe que é Java! Muito menos o 3! Ali estava um cargo que não tinha concorrência. Se descobrisse na internet uns três comandos, não sei, conceitos, códigos, vai, iria à tal entrevista... Já em casa, consultei a Wikipedia. Linguagem de programação? Orientada a objeto? James Gosling? Compilada? Bytecode? Fala baite ou fala bite? Dicionário. Fala baite. Baitecoude. Cousa assim. Máquina virtual? Public class? Public static? Void main? String? Estranho! Não fazia sentido pra mim. Estava pronto! Salvei tudo no meu celular. Quem precisa de memória é bar! E eu estava lá! Diante do Secretário e Tal do Escambau, enfim, de uma repartição pública aí. Que se informatizara. A repartição. Licitação, Novos softwares. O tal de Java 3. E ninguém mexia com aquilo. Pois eu mexo! O Secretário chamou todos. Vejam só! Esse é o Lima! Um gênio! Ele sabe Java 3! E o cargo era meu. Professor de Java 3! Bicho de sete cabeças. Talvez três! Três meses depois, desistiram de aprender. De entender. E o cargo era meu. Em comissão. Por confiança. Dispensava um tal concurso. Diretor Técnico de Serviço. O Lima sabe Java 3! Um fulano com inveja – não, mais – ódio, interferiu. Eu sei Parrot, o senhor sabe? Disse não e nem liguei. Eu sabia Java 3! Como eu fazia? Não fazia. Fazia o que todos faziam. Aprendi com quem não fazia. Anotei num caderninho. Deu problema? Reinicie! Continua? Reinstale! Na terceira? É o hardware! E levo o micro para casa. Ora, então sacrifico o décimo terceiro salário. Décimo-terceirizava o problema. Por fora. Subi de cargo. Diretor de Divisão! Ele sabe Java 3! Ameacei cair fora! Fizeram uma reforma. Merecia um aumento! E o cargo era meu. Diretor de Departamento! Fui pra congresso, seminário! Cheguei a Secretário. Mas não era concursado. Dependia da vontade. Dos outros. Pra ficar. Ou da minha. Se estudasse. E passasse. No concurso. Bem-vestido, bem-dormido, bem-comido e bem-pago, só faltou ter estudado. Quem precisa de memória? Prestei concurso pra tudo. Oficial, escrevente, juiz. Mas não podia celular! Na prova! Só no bar. Mas minha fama só crescia. O homem sabe Java 3! Me consultavam especialistas. Por e-mails, chats, sites. E citavam o meu saber. Rejeitei até cadeira. Professor Honoris Causa. Escrevi pra suplementos. Globo, Estado, Clarín. Fechei o Gogol e fui ao Google. Fui ao celular também. Se nunca duvidaram? Nunca! Uma vez tive um perrengue. Me chamaram numa empresa. Multinacional e coisa.
  • 12. Com toda a pompa que cabia. Deu um tilt, coisa assim. Mobilizou autoridades. Que não souberam resolver. Titubeei, rezei e fui. E olha que nem santo eu tenho. Resolveram o problema. Antes que eu mostrasse intento. Sei lá que cargas d’água fez o treco funcionar. Se quiser, é só chamar! E lá fui eu pra Europa. Congresso de computação. Me inscreveram em mesa errada. Google e Outros Buscadores. Yahoo! Que disso eu manjo. Dessa tinha escapado. Com as desculpas do Prefeito. Que já virou Deputado. Que me leva aonde for. Como cabo ou assessor. E que agora é Ministro. Volto amanhã para lá. Fantástico? Fantástico. Mas se não fosse feliz, não estivesse contente, seria cirurgião-plástico. Cirurgião eminente. Botox, essas coisas, lipo. Se bebo mais uma? Bebo! *Leandro Leite Leocadio ( São Paulo SP) Poeta, contista, ilustrador e cartunista, Autor do livro “Os demandamentos” Poesias. Paisagem *Emerson Teixeira Para Altamir A tinta fresca da manhã cobriu a cal que só ficou no céu e nos olhos arregalados do menino *Emerson Teixeira Cardoso ( Cataguases-MG) autor de Similes (poesia) A Ilha do Horizonte Vanderlei Pequeno Editora Cataletras O livro de Vanderlei Pequeno reúne 28 crônicas publicadas em vários jornais da cidade e do Rio de Janeiro, desde o ano de 2002. Segundo o autor, a idéia é "dar casa própria a esses escritos" para que estejam à disposição do público em um só local, o livro. A capa foi produzida pelo design Marcus Vinícius, sobre desenho de Altamir Soares. O prefácio é de Antônio Jaime Soares. O livro estará à disposição do público a partir de hoje, na Livraria Até Você, no calçadão e na sede da AABB Cataguases, na Rua Paulino Fernandes, 75. Se você quer adquirir entre em contato conosco: chicos.cataletras@hotmail.com