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Chicos
Março 2008
O Leitor - Altamir Soares
chicos.cataletras@hotmail.com
Veja a nossa poesia em:
http://chicoscataletras.blogspot.com/
Um dedim de prosa
Publicamos um poema do Antonio Jaime extraído do seu livro ainda inédito. Tem tanto
livro ruim publicado por aí, o dele continua sem editora. Transcrevemos um artigo do Manoel
Hygino publicado no “Hoje em dia” para também repudiarmos esta forma de censura que começa a
surgir no país instrumentalizando o judiciário. Herdeiros vêm tornando o registro historiográfico
de grandes personagens um grande problema, por vaidades e/ou ganâncias, coisas como: Uma
revista de uma entidade pública, que falava de cinema, foi homenagear o Grande Otelo em sua capa.
Foi surpreendida pelo preço cobrado pelo herdeiro. É obvio que o tiraram da capa. Uma geração
inteira de jovens, não conhece Monteiro Lobato por que seus livros desapareceram das livrarias.
Num país, onde ler livros não faz parte da rotina da maioria e o povo é tido como sem memória.
Fatos como estes contribuem para eternizar nossas ignorâncias. Apresentamos a vocês Wagner
Miguel de Oliveira editor do “Sociedade de Palavras” um funzine muito bacana que espertamente
saltita pela internet. Homenageamos todas as mulheres neste março, que teve um dia dedicado a
elas, com o poema “Mulheres de Rosenstrasse”. São mulheres alemãs, que de forma pacífica
reagiram a prisão de seus maridos de origem judaica pelos nazistas. Os derrotaram como Gandhi
derrubaria o império britânico depois; como esperamos que os monges tibetanos derrotem hoje seus
algozes.
Rio Pomba
*Antonio Jaime
nesse rio – trás-os-montes
já dantes navegado
pelos camões locais
(que os há – de toda sorte)
ouso – de minha parte
lançar os meus anzóis
e repescar lembranças
seu belo riozonte
a ponte velha – lá
como que flutuante
ao pôr do pôr-do-sol
além do além – caramonãs
verão dado a enchentes
invernoverdespelhod’água
não obstante dejetos
até – um dia – um feto
de menina (meninos
eu vi) no areão – um amorto
*Antonio Jaime Soares (Cataguases – MG)
O Leitor
*Emerson Teixeira
Movimentou os olhos da esquerda pra direita, estava efetivamente lendo. Não estava
preparado para aquele arrastão de palavras. Palavra puxa palavra e era ele que estava sendo
puxado. Sorria, você está lendo! Nada mais o impedia de ler, então lia. Lia indisfarçáveis
intenções malignas estampadas em rostos de prováveis crápulas; bolas de cristal antigonas
encontradas (onde?) pensamentos na vida formulados, (como?), jornais sensacionalistas anunciando
previsões terríveis (para quando?) não convinha parar de ler, isto sabia, ou pelo menos intuía: devo
ler.
Lia de tudo que dispunha visitando inúmeras bibliotecas. Numa leu vinte mil léguas
submarinas, noutra passou lendo cinco semanas num balão. Tinha um projeto arrojado e secreto:
ler dentro de um balão de oxigênio.
Assim leu letras de câmbio sem entender bulhufas: resolveu intrincados jogos de palavras
cruzadas. Empreendeu perigosas expedições de caça-palavras num safári que imaginou.
Lia também inscrições, hieróglifos, diante de câmaras de tevê. Lia até debaixo d’àgua imitando
Houdine realizando escapadas miraculosas. Sempre lendo Se parasse... mil e uma noites lendo -
projeto de Sherazade ao contrário – lia também legendas de cinema imitando Mr. Arnaldo em
imaginário do cartunista Douné para Sesaugatac, enfim: lia.
O que não podia era parar de ler.
Lia traduções canhestras do grego extraídas sem anestesia de um dicionário providencialmente
encontrado pois ilimitada era sua capacidade de ler: bulas complicadas em letras minúsculas; munido
de lupa; placas indicadoras de mil itinerários; convites não a si endereçados eram sumáriamente
violados tamanha era sua fome de ler. Cartões comerciais e sociais, comunicados de empresas e
fúnebres; resultados arranjados em concursos (leiteiros, literários, de beleza) em meados de julho;
letras grandes e pequenas de exames de vistas para choferes de meia idade. Se era pra ler, leria tudo.
Ninguém o acompanharia na sua aventura de ler.
Assim seguia lendo, tudo lendo, caso raro de obsessão pela palavra: panfletos, fachadas de prédios
teoricamente inatingíveis por toda qualidade de homens-aranhas cuja decodificação exigia esforço.
Nunca desistia. Sonhava adquirir acervos incalculáveis pertencentes a bibliógrafos notáveis (um
deles à porta da morte ) contatos já feitos com herdeiros.
Muita leitura por nada se não lesse também atas de reuniões extraordinárias de ligas camponesas e
esportivas de qualquer cidade desse país. Lia romances loucos em letra cursiva inaugurando
vanguardas literárias de espírito futurista. Só ler valia.
Artigos, notas, comunicados, testes, antíteses, dissertações de mestrado, mensagens, tele-
mensagens redigidas para qualquer fim; recibos, senhas estrategicamente distribuídas para
atendimentos bancários, ambulatoriais; fichas garantindo matrículas em programas do governo;
campanhas anti-tabagistas utilizando técnicas terroristas de persuasão. Ver Paris e morrer, não, ler
em Paris, Crato, Sevilha, Nova Iguaçu, Conceição do Serro, Tebas de Leopoldina, Mar de Espanha.
Queria ter uma congestão de palavras.
Leu Dickens e sofreu horrores; apaixonou-se por romances de Lawrance; “vai ragazzo
innamoratto” dizia para si mesmo. Leu em casa de portas fechadas; na rua desviando-se de
circunstantes, no caixa de um banco onde trabalhava e errou no troco. Deu a volta ao mundo lendo
oitenta dias no balão de Filleas Fogg. Estabeleceu para si um piso mínimo de trezentas páginas
diárias de leitura. Empreendeu jornadas de submarino, procurando o que? Mais e mais livros.
Livros jamais lidos afundados em possíveis naufrágios. Coleções imaginárias de gibis
irremediavelmente perdidas no tempo mas reencontradas num meeting de aficionados ainda
existentes mas decrépitos.
Teve certeza de que todos esses esforços só se convergiam para a leitura.
Tudo posso naquilo que leio, pensou apropriando-se de conceitos sacratíssimos sem nenhum
pudor. Receava ainda esmorecer sem levar a termo sua grande cruzada de leitura. Quem sabe iria
para o Guiness Book que provavelmente leria também, devorador autofágico.
Depois imitando Penélope leu tudo ao contrário.
Movimentou os olhos da direita pra esquerda.
*Emerson Teixeira Cardoso ( Cataguases-MG)
autor de Similes (poesia)
Algozes
*Zeca Junqueira
(Inspirado no poema Inexílio,
de Francisco Marcelo Cabral)
Eu também decido que nada,
Cataguases
nem a traiçoeira fala nem a fala estudada
a falsa hospitalidade
o desprezo pelos seus poetas de tanta doçura e
nenhum centavo
nada, Cataguases
nem as costas a mim dada pelo irmão na
permuta da fraternidade pelo dinheiro
pela cupidez que cerra o punho, ameaça e não reparte
nada
nem a troca da vida de coragem e para sempre celebrada
pela vida calada e triste que range os dentes e os ossos e
paga o preço da rendição
vida fedendo a cinzas e a velório
eu também decido que nada,
nem o meu longo exílio, meu perpétuo exílio
nem o medo de que a poesia não sustente a luta
de que o poema não triunfe e não acenda a noite e
eu morra louco e mudo no
escuro das suas ruas de tempo
nada, Cataguases
nem a ameaça de que um dia o amigo enjoe e
no meio do caminho o verso engasgue
o encanto quebre e ele se vá
eu decido que nada
nem a perda da única esmeralda que tirei de ti
nem as suas ruas agora sujas, as suas praças sujas,
a sua oculta gente suja, tudo podre, tudo passado,
tudo vendido e comprado
tudo estragado, tudo fodido
eu decido que nada,
Cataguases
eu decido que nada
nem o pior dos vermes
nem a pior loucura
nada do que se oculta e me assombra nesse lodo fedorento
que corre nas veias de seus algozes
vai me fazer
te amar menos.
*Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e
autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”
Quando queimam as bibliotecas
* Felipe Fortuna
Tudo é possível quando a política se une à barbárie – incluindo-se a publicação de um
livro e a queima de uma biblioteca. Cada um de nós reagirá de modo previsível diante do
lançamento editorial e do ato de vandalismo: respeito e admiração por um, horror e repulsa pelo
outro. Num poema ainda ensinado nas escolas francesas como lição de humanismo, “De Quem é
o Erro?”, Victor Hugo castiga com dureza uma pessoa que acaba de confessar haver incendiado
uma biblioteca. E começa a exclamar colericamente: “Crime cometido por você contra você
mesmo, infame! / Você acaba de matar o raio de luz de sua alma! / É a sua própria chama que
você acaba de assoprar! / (...) Uma biblioteca é um ato de fé (...) / Então você esqueceu que o seu
libertador / É o livro? (...)” Terminada a longa descompostura, em tom de sermão, o poeta que
falou sobre a verdade, a virtude e o progresso permite que o delinqüente possa pronunciar uma
única frase: “Eu não sei ler.” Subitamente, todo o poema se transforma numa composição irônica
na qual a força moral do poeta torna-se oca diante do descaso da sociedade em relação a um
analfabeto, que reagiu e se vingou a seu modo.
Por associação, lembrei-me do poema enquanto lia um ensaio perturbador, “Por Que
Queimamos as Bibliotecas?”, que trata das violências sociais contra a cultura escrita. Seus autores
são dois sociólogos franceses, Denis Merklen e Numa Murard, estudiosos dos recentes episódios
de revolta popular que atingiram os subúrbios de Paris – e, especialmente, as bibliotecas de
bairro. Eles explicam que, desde 2005, dezenas de bibliotecas foram atacadas e destruídas por
moradores do lugar, e se perguntam qual seria o alvo nos casos em questão: uma instituição
pública? um prédio que representa o poder ou a República? Essas questões conduzem os
sociólogos, por fim, à interrogação decisiva: o que significa, para os vândalos, uma biblioteca?
Imaginei que, tal como aconteceu no poema de Victor Hugo, os responsáveis pelo incêndio
seriam chamados a falar, para que pudéssemos conhecer sua motivação. Seriam eles
“analfabetos” ou cidadãos “que não sabem ler” e protestam, então, contra os poderosos
“iletrados” que se encontram do lado oposto? Não escapa aos sociólogos a quantidade de
contradições acumulada no ato de destruir: pois, embora trazida pela municipalidade, a
biblioteca oferece algum prestígio ao local. No caso de um país como a França, a biblioteca
também se ocupa de abrigar a cultura de diversas etnias, e assim há livros em árabe, em línguas
asiáticas e em espanhol nas prateleiras. Trata-se, pois, de um espaço de afirmação individual – a
servir até mesmo às mulheres, que encontram na biblioteca, muitas vezes, um modo de escapar
ao controle patriarcal.
Aparentemente, contudo, “as bibliotecas são percebidas às vezes como uma força social
vinda do exterior”. Ou seja: o espaço de leitura atuaria como a imposição de uma ordem sobre a
outra, pela qual até mesmo a disciplina, o isolamento e a interiorização que caracterizam a
relação do corpo com o livro se opõem à cultura da rua – que se manifesta pelos protestos do rap,
do hip-hop e por agitações e movimentos ruidosos. Nesse sentido, o Estado promoveria um
“espaço de virtude” contrário aos desarranjos sociais. Pior ainda: como se fossem a repercussão
do poema de Victor Hugo, os ataques recentes às bibliotecas são executados pelos excluídos dos
empregos e das escolas, que se sentem ameaçados pelo poder estabelecido a partir do domínio da
palavra escrita. Ou como exclamou um cidadão entrevistado para a pesquisa sociológica: “Me dê
trabalho no lugar de bibliotecas!”.
Infelizmente para os que se horrorizam diante da queima dos livros, os protestos nos
subúrbios de Paris demonstrariam que uma biblioteca pode ser apenas um presente estatal com
vistas a serenar os conflitos da sociedade.
Termino a leitura do ensaio em estado de perplexidade: sou de um país onde as bibliotecas
são historicamente atacadas não por incendiários populares, mas pelo contínuo abandono e pela
escassez de recursos financeiros e humanos. Em vez de fogo, há mofo, poeira, descaso e
obsolescência. Na minha infância, por mais que insistisse, não havia biblioteca pública habilitada
a estimular a leitura ou alguma vocação. Estudei numa faculdade federal cuja biblioteca, segundo
me relatam, foi indignamente surrupiada: pilharam-lhe, por exemplo, edições raríssimas de Luís
de Camões e primeiras edições de Machado de Assis, em meio a goteiras e infiltrações. Portanto,
se houvesse necessidade de uma agitação social, no caso em questão, creio que teria caráter
paradoxalmente construtivo: as pessoas exigiriam locais adequados de leitura, em vez de
incendiá-los. E existem iniciativas assim, freqüentemente focadas pela mídia como
excentricidades: o pedreiro que mora num subúrbio carioca decidiu transformar a sua casa em
biblioteca, pois considera que “o livro transmite a vida”; em Brasília, um comerciante estabeleceu
um sistema bem-sucedido de empréstimos grátis de livros em pontos de ônibus.
Mas algo ainda me inquieta nessas histórias de vândalos e bibliotecas. Trata-se, em poucas
palavras, de uma advertência que encontrei num ensaio justamente intitulado “Alfabetização
Humanista”, incluído por George Steiner em seu livro Linguagem e Silêncio (1967). O autor indica
que estudará “linguagem, literatura e o inumano”, e se mostra pessimista quanto ao valor de
uma cultura literária e humanística: “O grau máximo de barbárie política desenvolveu-se no
cerne da Europa. (...) Sabemos que alguns dos homens que conceberam e administraram
Auschwitz foram educados lendo Shakespeare ou Goethe, e continuavam a lê-los. Isso tem uma
óbvia e assustadora relevância para o estudo ou ensinamento da literatura.” Para o crítico,
haveria “uma contradição entre o teor de inteligência moral desenvolvido no estudo da literatura
e aquele necessário ao discernimento social e político.”
O que fazer? Estaríamos sob o ataque dos que não sabem ler, dos que não querem ou não
podem ler, e dos que sabem ler e não se importam com os valores humanistas essenciais. E é por
isso que as bibliotecas queimam – e, em casos extremos, as pessoas também.
*Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e
diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”
Mulheres de Rosenstrasse.
* Zé Antonio
A ação heróica não é inútil
Ainda que a não violência pareça fútil
Não sei de que lado está
não sei o quanto dista
do portão de Brandenburgo.
Nunca fui a Berlim.
Falam de um parque desconhecido,
de um monumento
cor de terra – Terra de Berlim?
Numa distante semana alemã
mulheres lutam por seus maridos
em uma pequena praça de Berlim
imóveis, irredutíveis, não arredam pé
dia a dia diante das baionetas nazistas
desafiam e calam suas metralhadoras
A Gestapo com seus coturnos brilhantes
recua e cede. Foram derrotados.
Berlim! Berlim! Berlim!
Não nos deixem esquecer
as mulheres da Rosenstrasse.
*José Antonio Pereira (Cataguases -MG)
Uma biografia de Rosa
*Manoel Hygino
“O Globo” noticiou; “Veja” comentou; e outros jornais e revistas do Brasil informam
sobre o novo livro de Alaor Barbosa, goiano de raízes mineiras, sobre Guimarães Rosa, sua vida e sua
obra. Neste ano comemorativo do centenário de nascimento do autor de “Grande Sertão: Veredas”,
um lançamento na hora certa.
Com praticamente quatrocentas páginas, foi batizado de “Sinfonia Minas Gerais: A vida e a literatura
de João Guimarães Rosa”, editado pela LGE, de Brasília, já nas livrarias. Não é o primeiro trabalho
de Alaor no reino mágico de Rosa. Não quis usar o adjetivo “encantado”, por óbvias razões. Soube,
porém, que as filhas do celebrado autor de Cordisburgo, terra de grandes famílias como os Freitas
(entre eles, o professor de Direito, embaixador no Líbano, Bolivar, somando 22 irmãos, entre os quais
Antônio Pedro de Freitas), entraram em juízo contra Alaor Barbosa e sua editora pela biografia.
O argumento é de que só as herdeiras poderiam publicar biografia de Rosa ou, no mínimo, deveria
alguma outra passar pelo crivo de ambas, Wilma e Agda. O volume já se encontrava nas livrarias,
mas a lastimável pendenga tem início, exatamente nos cem anos do autor cordisburguense.
Quanto à obra, deixo meu testemunho: é valiosa para quem deseja conhecer a personalidade de Rosa
e sua vasta bibliografia. Para seu desiderato, Alaor viajou muito, manteve contatos com Rosa, com
alguns de seus personagens, visitou os locais percorridos. Alaor não era neófito. Ele já publicara “A
epopéia brasileira ou: Para ler Guimarães Rosa”. Era uma síntese da obra maior que laborava e que
lançou no ocaso de 2007. Numa quinta-feira, 16 de outubro de 2006, o escritor goiano enviou extensa
carta a dona Wilma dizendo de seu projeto, de ampliar o estudo e o volume. Cópia da carta me
chegou às mãos. Ali, Alaor declara: “Desde há algum tempo, eu vinha sofrendo o dilema de, ou
relegar a um certo esquecimento esse livro (o “A epopéia brasileira”) ou a reeditá-lo bastantemente
melhorado. Meses atrás, decidi reescrevê-lo, dando-lhe extensão e profundidade, consentâneas com a
magnitude dos temas. Não era difícil: bastava incorporar a ele a enorme soma de novos
conhecimentos que adquiri sobre Guimarães Rosa e sua obra nos últimos vinte anos: conhecimentos
resultantes de leitura de livros dele, de viagens por Minas, de leituras de livros sobre ele e sua obra, e
de muita reflexão. O livro que estou escrevendo é, pois, muito mais amplo, minucioso, profundo do
que esse que saiu há mais de vinte anos em Goiânia”. O escritor declara não ter recebido resposta.
Estranhou, ou pelo menos se surpreendeu tristemente, com a notificação judicial. Observou que se
pode “proceder contra um livro por infração ao direito de autor ou de sua imagem. Ora, eu não
infringi a lei de direitos de autor, e quem ler o livro verifica que eu respeitei, escrupulosamente, a
imagem de Guimarães Rosa. Mais do que respeitei; valorizei ao máximo. Aliás, esse foi um dos
objetivos com que escrevi o livro. Valorizar Guimarães Rosa e, nele, a literatura brasileira, que eu
julgo deve ser defendida”.
Eis a questão na instância em que se acha. O grande mérito, suponho, é que a ação judicial servirá
para atrair a atenção para a boa biografia sobre uma das personalidades maiores das letras
brasileiras.
*Manoel Hygino dos Santos (Belo horizonte MG)
Lendo Emily Dickinson
Para Célia de Sousa
*Emanuel Medeiros
Poderia ser 1830,
quando nasceste,
mas é 2008,
chuvoso domingo de março,
não publicaste livro em vida (o que menos importa).
“Ela chegou afinal, mais ágil porém a Morte
Havia ocupado a casa:
A pálida mobília já disposta,
Junto com sua palidez metálica” (...).
Só poeira e esquecimento,
nada dura,
Felicidade efêmera – ler teus poemas, Emily.
O domingo fluindo,
tempo: linha reta de eterna agonia.
Não existe presente, só passado.
Nem futuro.
A namorada de 1968 jaz num cemitério de aldeia.
“Empoeirado se mostra o mundo
Ao nos deitarmos para morrer”.
Sim: “Tão longe da compaixão quanto a queixa
Tão frio às palavras quanto a pedra.
Tão insensível à Revelação
Como se meu ofício fosse nada.”
O empenho diário é inútil?
(Para os outros.)
Ah, cidade que me atirou seu presságio
adverso.
Terá termo a espera?
Deve-se matar a morte que sobre nós se abate.
(Peço desculpas aos poetas que pilhei:
confluências.)
Aqui jaz a inocência:
a morte não existe, nós é que morremos.
(Brasília, março de 2008)
*Emanuel Medeiros Vieira (Brasília DF)
Como um menino
*Zeca Junqueira
Extra! Extra! Extra! Vem aí o novo livro do craque Vanderlei Pequeno: Ilha do Horizonte. Mais uma
vez vamos mergulhar num universo de simplicidade e graça, e por que não?, de lágrimas para os
mais saudosistas; mas anotem aí, lágrimas das boas, daquelas que lavam e refrescam a alma.
Eu li os originais do livro, que me conduziram numa espécie de caminho de volta pra casa, varando o
tempo e o esquecimento, até àquela rua mineira da minha infância, até hoje rua do esperto do
Vanderlei Pequeno.
Conheci as duas Marias e a Luísa da sua crônica, elas também povoaram a minha meninice. E como
não podia deixar de ser, eu fazia parada obrigatória na Papelaria Real, e como o Vanderlei Pequeno,
ficava por lá ouvindo os discos mais novos das paradas de sucesso, tirando uma casquinha do som,
enquanto conversava com o Bastião, que num carnaval daqueles, muito doido e animado, mas já sem
dinheiro, trocou uma camisa do flamengo que vestia como fantasia por uma última pinga na Taberna
do Embalo. E lá se foi sambando pela Praça Rui Barbosa.
Quanto ao Cine Machado, meu Deus!, tão bem retratado na sua crônica “Nas matinês do cinema do
Nelo”, o que dizer sobre ele? Ainda há tempo para um filme qualquer de amor ou de aventura, para
um beijo na namorada com trilha sonora (quem sabe Tema de Lara), ainda há algum ingresso
sobrando para nós ou alguém disposto a negociar conosco uma entrada meio atrasada para uma
última sessão de cinema? Não, não há, que pena, a censura velada desse mundo coisificado nos
bloqueou de vez.
Mas sai fora, xô!, nada de tristeza que Vanderlei Pequeno não é disso! Brincando com nossa emoção,
ele escreve como um menino, sem medo da simplicidade, do riso fácil, da gargalhada solta. As suas
palavras não estão “abandonadas, escorregando pelas paredes, soltas no inferno, esquecidas, caindo
na noite”, como as de sofridos poetas: elas estão soltas e nos levam pela mão para a luz do dia, para
os campos de futebol, para as matinês, para os quintais (quando ainda os havia), elas nos levam para
o lúdico. Ah!, Vanderlei, quem me dera que a sua fosse também a minha escrita, que sejam minhas as
suas palavras, que mesmo quando falam sobre perda, como a morte de sua mãe, acabam
desembocando mesmo é na vida: “minha mãe, dona Conceição, que, por coincidência (?), está
sepultada em jazigo situado em frente ao de sua terna Comadre e amiga. Enfim, vizinhas para
sempre”.
Ilha do Horizonte forma uma trilogia com 50 Causos do Futebol e Casos e Acasos, livros que guardo
em minha estante junto aos que me são mais caros. A Casa da Rua Alferes e Outras Crônicas, que ele
divide com os bambas Zé Antônio Pereira, Toquinho e Zé Vecchi, também está lá, todos a postos,
como antídotos contra a adultice. De vez em quando constato: outrora, em algum lugar, a vida correu
solta enquanto retumbavam hinos. Já abri espaço lá para o novo livro do Vanderlei Pequeno.
Meu caro Pequeno, já se vai tempo, nós nos conhecemos há quase 50 anos. Então eu te peço: continue
brincando com as letras como os meninos brincam com a bola, continue nos lembrando que escrever
não é sinônimo de sofrer, como muitos acreditam, continue a nos chamar em voz alta à nossa porta
(lembra-se?) como você fazia quando era criança nos convocando para as brincadeiras. Prometo que
eu continuo atendendo ao seu chamado.
Te devo uma por esse novo livro, que aguardo com dedicatória e tudo.
Um grande abraço, escritor.
*Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e
autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”
Canción para cantar todos os días
*Manuel Mariá
HAI que defender o idioma como sexa:
con rabia, con furor, a metrallazos.
Hai que defender a fala en loita rexa
con tanques, avións e a puñetazos.
Hai que ser duros, peleóns, intransixentes
cos que teñen vocación de señoritos,
cos porcos desertores repelentes,
cos cabras, cos castróns e cos cabritos.
Temos que pelexar cos renegados,
cos que intentan borrar a nosa fala.
Temos que loitar cos desleigados
que desexan matala e enterrala.
Seríamos, sen fala, unhos ninguén,
unhas cantas galiñas desplumadas.
Os nosos inimigos saben ben
que as palabras vencen ás espadas.
O idioma somos nós, povo comun,
vencello que nos xungue e ten en pé,
herencia secular de cada un,
fogar no que arde acesa a nosa fe.
*Manuel María Fernández Teixeiro 1924 2004
um dos membros da Nova Canción Galega
Alguém sabe do “Ilha desconhecida”?
*Zé Antonio
Apareceu no bar da esquina, trazido pelas mãos do Vanderlei Pequeno que o encontrara,
junto a um amontoado de lixo, em uma rua central de Juiz de Fora. Curiosamente é aquela cidade,
tida pelo escultor Amílcar de Castro, como a Lisboa mais próxima do seu quintal. Talvez seja esta
semelhança que levou Murilo Mendes a optar pela original, preferindo as margens do Tejo às
barrancas terceiro-mundista do Paraibuna.
Mas o nosso abandonado em Juiz de Fora, migrou para Cataguases. Trazia no “rosto” as marcas
da violência de ser atirado às ruas. Puído e com afundamentos pelo lombo, uma marca arredondada
deixada por molho barato, deve ser aqueles ácidos extratos de tomates ou azedos catchups, o que dá
no mesmo. O coitado trazia outras marcas horríveis, de um amarelo fecal, que pareciam ter sido feitas
por respingos de mostarda estragada.
O primeiro a sair com ele do bar foi o Emerson passando alguns dias lá pelos lados da
Pampulha. Voltou ao bar, desaparecendo para a Granjaria com o Altamir. Esteve em minha casa, no
Baixo Haidée, por uma semana. Voltou à Pampulha em companhia do Luiz Lopez. Reapareceu no
bar por alguns dias e desapareceu.
Naqueles dias, com ele entre nós, discutimos muito sobre os portugueses, suas aventuras
marítimas e sua venturosa literatura. Emerson começou lá pelo Camões e a epopéia dos Lusíadas,
alguém comentou em contraponto a incrível poesia de “Mensagem” do Fernando Pessoa, enquanto
outro cantarolava: “... navegar é preciso... viver não é preciso...” tentando imitar o sotaque do
Caetano Veloso. Quem também apareceu nas conversas foi Miguel Torga, que quando ainda só era
conhecido como Adolfo Correia da Rocha saiu lá de Trás-os-Montes “singrou” o Atlântico, para
trabalhar numa fazenda aqui na Zona da Mata e estudar no Colégio Leopoldinense, é isto mesmo, a
Leopoldina onde o coitado do Augusto dos Anjos encerrou a “carreira” e está enterrado. Até o
Henrique Frade foi lembrado, não pela literatura, mas pela “ficção” de ser o único atleta de origem
lusitana daquele time de peladeiros do Chico Buarque. Circunavega para lá circunavega para cá
chegamos a José Saramago, lembraram da presença dele em uma edição do Fórum Social de Porto
Alegre num discurso quixotesco, permeado de ceticismo e descrença, metendo o pau no utopismo.
A vocação de navegantes dos portugueses que nunca se apaga, ainda que nos pareça nos dias
de hoje que esta chama se mantém mais acesa na memória do que nos oceanos, nos leva a lembrar do
nosso desaparecido.
Será que nosso amigo, feito a caravela, um bocado modificada pelos arranjos e adaptações,
amarrotada, continua seu propósito, singrando os mares dos saberes ou os oceanos das ignorâncias
segundo as vontades de Netuno?
Talvez só o Vanderlei Pequeno saiba por onde ou com quem anda, aquele livro que ele nos
apresentou. O ótimo “O conto da ilha desconhecida” do José Saramago.
*José Antonio Pereira (Cataguases -MG)
Leia o livro “A Casa da rua Alferes e outras crônicas” dos autores: Emerson Teixeira
Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno – Editora Cataletras.
Se você quer adquirir entre em contato conosco:
chicos.cataletras@hotmail.com

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Queimando bibliotecas

  • 1. Chicos Março 2008 O Leitor - Altamir Soares chicos.cataletras@hotmail.com Veja a nossa poesia em: http://chicoscataletras.blogspot.com/
  • 2. Um dedim de prosa Publicamos um poema do Antonio Jaime extraído do seu livro ainda inédito. Tem tanto livro ruim publicado por aí, o dele continua sem editora. Transcrevemos um artigo do Manoel Hygino publicado no “Hoje em dia” para também repudiarmos esta forma de censura que começa a surgir no país instrumentalizando o judiciário. Herdeiros vêm tornando o registro historiográfico de grandes personagens um grande problema, por vaidades e/ou ganâncias, coisas como: Uma revista de uma entidade pública, que falava de cinema, foi homenagear o Grande Otelo em sua capa. Foi surpreendida pelo preço cobrado pelo herdeiro. É obvio que o tiraram da capa. Uma geração inteira de jovens, não conhece Monteiro Lobato por que seus livros desapareceram das livrarias. Num país, onde ler livros não faz parte da rotina da maioria e o povo é tido como sem memória. Fatos como estes contribuem para eternizar nossas ignorâncias. Apresentamos a vocês Wagner Miguel de Oliveira editor do “Sociedade de Palavras” um funzine muito bacana que espertamente saltita pela internet. Homenageamos todas as mulheres neste março, que teve um dia dedicado a elas, com o poema “Mulheres de Rosenstrasse”. São mulheres alemãs, que de forma pacífica reagiram a prisão de seus maridos de origem judaica pelos nazistas. Os derrotaram como Gandhi derrubaria o império britânico depois; como esperamos que os monges tibetanos derrotem hoje seus algozes. Rio Pomba *Antonio Jaime nesse rio – trás-os-montes já dantes navegado pelos camões locais (que os há – de toda sorte) ouso – de minha parte lançar os meus anzóis e repescar lembranças seu belo riozonte a ponte velha – lá como que flutuante ao pôr do pôr-do-sol além do além – caramonãs verão dado a enchentes invernoverdespelhod’água não obstante dejetos até – um dia – um feto de menina (meninos eu vi) no areão – um amorto *Antonio Jaime Soares (Cataguases – MG)
  • 3. O Leitor *Emerson Teixeira Movimentou os olhos da esquerda pra direita, estava efetivamente lendo. Não estava preparado para aquele arrastão de palavras. Palavra puxa palavra e era ele que estava sendo puxado. Sorria, você está lendo! Nada mais o impedia de ler, então lia. Lia indisfarçáveis intenções malignas estampadas em rostos de prováveis crápulas; bolas de cristal antigonas encontradas (onde?) pensamentos na vida formulados, (como?), jornais sensacionalistas anunciando previsões terríveis (para quando?) não convinha parar de ler, isto sabia, ou pelo menos intuía: devo ler. Lia de tudo que dispunha visitando inúmeras bibliotecas. Numa leu vinte mil léguas submarinas, noutra passou lendo cinco semanas num balão. Tinha um projeto arrojado e secreto: ler dentro de um balão de oxigênio. Assim leu letras de câmbio sem entender bulhufas: resolveu intrincados jogos de palavras cruzadas. Empreendeu perigosas expedições de caça-palavras num safári que imaginou. Lia também inscrições, hieróglifos, diante de câmaras de tevê. Lia até debaixo d’àgua imitando Houdine realizando escapadas miraculosas. Sempre lendo Se parasse... mil e uma noites lendo - projeto de Sherazade ao contrário – lia também legendas de cinema imitando Mr. Arnaldo em imaginário do cartunista Douné para Sesaugatac, enfim: lia. O que não podia era parar de ler. Lia traduções canhestras do grego extraídas sem anestesia de um dicionário providencialmente encontrado pois ilimitada era sua capacidade de ler: bulas complicadas em letras minúsculas; munido de lupa; placas indicadoras de mil itinerários; convites não a si endereçados eram sumáriamente violados tamanha era sua fome de ler. Cartões comerciais e sociais, comunicados de empresas e
  • 4. fúnebres; resultados arranjados em concursos (leiteiros, literários, de beleza) em meados de julho; letras grandes e pequenas de exames de vistas para choferes de meia idade. Se era pra ler, leria tudo. Ninguém o acompanharia na sua aventura de ler. Assim seguia lendo, tudo lendo, caso raro de obsessão pela palavra: panfletos, fachadas de prédios teoricamente inatingíveis por toda qualidade de homens-aranhas cuja decodificação exigia esforço. Nunca desistia. Sonhava adquirir acervos incalculáveis pertencentes a bibliógrafos notáveis (um deles à porta da morte ) contatos já feitos com herdeiros. Muita leitura por nada se não lesse também atas de reuniões extraordinárias de ligas camponesas e esportivas de qualquer cidade desse país. Lia romances loucos em letra cursiva inaugurando vanguardas literárias de espírito futurista. Só ler valia. Artigos, notas, comunicados, testes, antíteses, dissertações de mestrado, mensagens, tele- mensagens redigidas para qualquer fim; recibos, senhas estrategicamente distribuídas para atendimentos bancários, ambulatoriais; fichas garantindo matrículas em programas do governo; campanhas anti-tabagistas utilizando técnicas terroristas de persuasão. Ver Paris e morrer, não, ler em Paris, Crato, Sevilha, Nova Iguaçu, Conceição do Serro, Tebas de Leopoldina, Mar de Espanha. Queria ter uma congestão de palavras. Leu Dickens e sofreu horrores; apaixonou-se por romances de Lawrance; “vai ragazzo innamoratto” dizia para si mesmo. Leu em casa de portas fechadas; na rua desviando-se de circunstantes, no caixa de um banco onde trabalhava e errou no troco. Deu a volta ao mundo lendo oitenta dias no balão de Filleas Fogg. Estabeleceu para si um piso mínimo de trezentas páginas diárias de leitura. Empreendeu jornadas de submarino, procurando o que? Mais e mais livros. Livros jamais lidos afundados em possíveis naufrágios. Coleções imaginárias de gibis irremediavelmente perdidas no tempo mas reencontradas num meeting de aficionados ainda existentes mas decrépitos. Teve certeza de que todos esses esforços só se convergiam para a leitura. Tudo posso naquilo que leio, pensou apropriando-se de conceitos sacratíssimos sem nenhum pudor. Receava ainda esmorecer sem levar a termo sua grande cruzada de leitura. Quem sabe iria para o Guiness Book que provavelmente leria também, devorador autofágico. Depois imitando Penélope leu tudo ao contrário. Movimentou os olhos da direita pra esquerda. *Emerson Teixeira Cardoso ( Cataguases-MG) autor de Similes (poesia) Algozes *Zeca Junqueira (Inspirado no poema Inexílio, de Francisco Marcelo Cabral)
  • 5. Eu também decido que nada, Cataguases nem a traiçoeira fala nem a fala estudada a falsa hospitalidade o desprezo pelos seus poetas de tanta doçura e nenhum centavo nada, Cataguases nem as costas a mim dada pelo irmão na permuta da fraternidade pelo dinheiro pela cupidez que cerra o punho, ameaça e não reparte nada nem a troca da vida de coragem e para sempre celebrada pela vida calada e triste que range os dentes e os ossos e paga o preço da rendição vida fedendo a cinzas e a velório eu também decido que nada, nem o meu longo exílio, meu perpétuo exílio nem o medo de que a poesia não sustente a luta de que o poema não triunfe e não acenda a noite e eu morra louco e mudo no escuro das suas ruas de tempo nada, Cataguases nem a ameaça de que um dia o amigo enjoe e no meio do caminho o verso engasgue o encanto quebre e ele se vá eu decido que nada nem a perda da única esmeralda que tirei de ti nem as suas ruas agora sujas, as suas praças sujas, a sua oculta gente suja, tudo podre, tudo passado, tudo vendido e comprado tudo estragado, tudo fodido eu decido que nada, Cataguases eu decido que nada nem o pior dos vermes nem a pior loucura nada do que se oculta e me assombra nesse lodo fedorento que corre nas veias de seus algozes vai me fazer te amar menos. *Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e
  • 6. autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson” Quando queimam as bibliotecas * Felipe Fortuna Tudo é possível quando a política se une à barbárie – incluindo-se a publicação de um livro e a queima de uma biblioteca. Cada um de nós reagirá de modo previsível diante do lançamento editorial e do ato de vandalismo: respeito e admiração por um, horror e repulsa pelo outro. Num poema ainda ensinado nas escolas francesas como lição de humanismo, “De Quem é o Erro?”, Victor Hugo castiga com dureza uma pessoa que acaba de confessar haver incendiado uma biblioteca. E começa a exclamar colericamente: “Crime cometido por você contra você mesmo, infame! / Você acaba de matar o raio de luz de sua alma! / É a sua própria chama que você acaba de assoprar! / (...) Uma biblioteca é um ato de fé (...) / Então você esqueceu que o seu libertador / É o livro? (...)” Terminada a longa descompostura, em tom de sermão, o poeta que falou sobre a verdade, a virtude e o progresso permite que o delinqüente possa pronunciar uma única frase: “Eu não sei ler.” Subitamente, todo o poema se transforma numa composição irônica na qual a força moral do poeta torna-se oca diante do descaso da sociedade em relação a um analfabeto, que reagiu e se vingou a seu modo. Por associação, lembrei-me do poema enquanto lia um ensaio perturbador, “Por Que Queimamos as Bibliotecas?”, que trata das violências sociais contra a cultura escrita. Seus autores são dois sociólogos franceses, Denis Merklen e Numa Murard, estudiosos dos recentes episódios de revolta popular que atingiram os subúrbios de Paris – e, especialmente, as bibliotecas de bairro. Eles explicam que, desde 2005, dezenas de bibliotecas foram atacadas e destruídas por moradores do lugar, e se perguntam qual seria o alvo nos casos em questão: uma instituição pública? um prédio que representa o poder ou a República? Essas questões conduzem os sociólogos, por fim, à interrogação decisiva: o que significa, para os vândalos, uma biblioteca? Imaginei que, tal como aconteceu no poema de Victor Hugo, os responsáveis pelo incêndio seriam chamados a falar, para que pudéssemos conhecer sua motivação. Seriam eles “analfabetos” ou cidadãos “que não sabem ler” e protestam, então, contra os poderosos “iletrados” que se encontram do lado oposto? Não escapa aos sociólogos a quantidade de contradições acumulada no ato de destruir: pois, embora trazida pela municipalidade, a biblioteca oferece algum prestígio ao local. No caso de um país como a França, a biblioteca também se ocupa de abrigar a cultura de diversas etnias, e assim há livros em árabe, em línguas asiáticas e em espanhol nas prateleiras. Trata-se, pois, de um espaço de afirmação individual – a servir até mesmo às mulheres, que encontram na biblioteca, muitas vezes, um modo de escapar ao controle patriarcal. Aparentemente, contudo, “as bibliotecas são percebidas às vezes como uma força social vinda do exterior”. Ou seja: o espaço de leitura atuaria como a imposição de uma ordem sobre a outra, pela qual até mesmo a disciplina, o isolamento e a interiorização que caracterizam a
  • 7. relação do corpo com o livro se opõem à cultura da rua – que se manifesta pelos protestos do rap, do hip-hop e por agitações e movimentos ruidosos. Nesse sentido, o Estado promoveria um “espaço de virtude” contrário aos desarranjos sociais. Pior ainda: como se fossem a repercussão do poema de Victor Hugo, os ataques recentes às bibliotecas são executados pelos excluídos dos empregos e das escolas, que se sentem ameaçados pelo poder estabelecido a partir do domínio da palavra escrita. Ou como exclamou um cidadão entrevistado para a pesquisa sociológica: “Me dê trabalho no lugar de bibliotecas!”. Infelizmente para os que se horrorizam diante da queima dos livros, os protestos nos subúrbios de Paris demonstrariam que uma biblioteca pode ser apenas um presente estatal com vistas a serenar os conflitos da sociedade. Termino a leitura do ensaio em estado de perplexidade: sou de um país onde as bibliotecas são historicamente atacadas não por incendiários populares, mas pelo contínuo abandono e pela escassez de recursos financeiros e humanos. Em vez de fogo, há mofo, poeira, descaso e obsolescência. Na minha infância, por mais que insistisse, não havia biblioteca pública habilitada a estimular a leitura ou alguma vocação. Estudei numa faculdade federal cuja biblioteca, segundo me relatam, foi indignamente surrupiada: pilharam-lhe, por exemplo, edições raríssimas de Luís de Camões e primeiras edições de Machado de Assis, em meio a goteiras e infiltrações. Portanto, se houvesse necessidade de uma agitação social, no caso em questão, creio que teria caráter paradoxalmente construtivo: as pessoas exigiriam locais adequados de leitura, em vez de incendiá-los. E existem iniciativas assim, freqüentemente focadas pela mídia como excentricidades: o pedreiro que mora num subúrbio carioca decidiu transformar a sua casa em biblioteca, pois considera que “o livro transmite a vida”; em Brasília, um comerciante estabeleceu um sistema bem-sucedido de empréstimos grátis de livros em pontos de ônibus. Mas algo ainda me inquieta nessas histórias de vândalos e bibliotecas. Trata-se, em poucas palavras, de uma advertência que encontrei num ensaio justamente intitulado “Alfabetização Humanista”, incluído por George Steiner em seu livro Linguagem e Silêncio (1967). O autor indica que estudará “linguagem, literatura e o inumano”, e se mostra pessimista quanto ao valor de uma cultura literária e humanística: “O grau máximo de barbárie política desenvolveu-se no cerne da Europa. (...) Sabemos que alguns dos homens que conceberam e administraram Auschwitz foram educados lendo Shakespeare ou Goethe, e continuavam a lê-los. Isso tem uma óbvia e assustadora relevância para o estudo ou ensinamento da literatura.” Para o crítico, haveria “uma contradição entre o teor de inteligência moral desenvolvido no estudo da literatura e aquele necessário ao discernimento social e político.” O que fazer? Estaríamos sob o ataque dos que não sabem ler, dos que não querem ou não podem ler, e dos que sabem ler e não se importam com os valores humanistas essenciais. E é por isso que as bibliotecas queimam – e, em casos extremos, as pessoas também. *Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”
  • 8. Mulheres de Rosenstrasse. * Zé Antonio A ação heróica não é inútil Ainda que a não violência pareça fútil Não sei de que lado está não sei o quanto dista do portão de Brandenburgo. Nunca fui a Berlim. Falam de um parque desconhecido, de um monumento cor de terra – Terra de Berlim? Numa distante semana alemã mulheres lutam por seus maridos em uma pequena praça de Berlim imóveis, irredutíveis, não arredam pé dia a dia diante das baionetas nazistas desafiam e calam suas metralhadoras A Gestapo com seus coturnos brilhantes recua e cede. Foram derrotados. Berlim! Berlim! Berlim! Não nos deixem esquecer as mulheres da Rosenstrasse. *José Antonio Pereira (Cataguases -MG) Uma biografia de Rosa *Manoel Hygino “O Globo” noticiou; “Veja” comentou; e outros jornais e revistas do Brasil informam sobre o novo livro de Alaor Barbosa, goiano de raízes mineiras, sobre Guimarães Rosa, sua vida e sua obra. Neste ano comemorativo do centenário de nascimento do autor de “Grande Sertão: Veredas”, um lançamento na hora certa. Com praticamente quatrocentas páginas, foi batizado de “Sinfonia Minas Gerais: A vida e a literatura de João Guimarães Rosa”, editado pela LGE, de Brasília, já nas livrarias. Não é o primeiro trabalho de Alaor no reino mágico de Rosa. Não quis usar o adjetivo “encantado”, por óbvias razões. Soube, porém, que as filhas do celebrado autor de Cordisburgo, terra de grandes famílias como os Freitas
  • 9. (entre eles, o professor de Direito, embaixador no Líbano, Bolivar, somando 22 irmãos, entre os quais Antônio Pedro de Freitas), entraram em juízo contra Alaor Barbosa e sua editora pela biografia. O argumento é de que só as herdeiras poderiam publicar biografia de Rosa ou, no mínimo, deveria alguma outra passar pelo crivo de ambas, Wilma e Agda. O volume já se encontrava nas livrarias, mas a lastimável pendenga tem início, exatamente nos cem anos do autor cordisburguense. Quanto à obra, deixo meu testemunho: é valiosa para quem deseja conhecer a personalidade de Rosa e sua vasta bibliografia. Para seu desiderato, Alaor viajou muito, manteve contatos com Rosa, com alguns de seus personagens, visitou os locais percorridos. Alaor não era neófito. Ele já publicara “A epopéia brasileira ou: Para ler Guimarães Rosa”. Era uma síntese da obra maior que laborava e que lançou no ocaso de 2007. Numa quinta-feira, 16 de outubro de 2006, o escritor goiano enviou extensa carta a dona Wilma dizendo de seu projeto, de ampliar o estudo e o volume. Cópia da carta me chegou às mãos. Ali, Alaor declara: “Desde há algum tempo, eu vinha sofrendo o dilema de, ou relegar a um certo esquecimento esse livro (o “A epopéia brasileira”) ou a reeditá-lo bastantemente melhorado. Meses atrás, decidi reescrevê-lo, dando-lhe extensão e profundidade, consentâneas com a magnitude dos temas. Não era difícil: bastava incorporar a ele a enorme soma de novos conhecimentos que adquiri sobre Guimarães Rosa e sua obra nos últimos vinte anos: conhecimentos resultantes de leitura de livros dele, de viagens por Minas, de leituras de livros sobre ele e sua obra, e de muita reflexão. O livro que estou escrevendo é, pois, muito mais amplo, minucioso, profundo do que esse que saiu há mais de vinte anos em Goiânia”. O escritor declara não ter recebido resposta. Estranhou, ou pelo menos se surpreendeu tristemente, com a notificação judicial. Observou que se pode “proceder contra um livro por infração ao direito de autor ou de sua imagem. Ora, eu não infringi a lei de direitos de autor, e quem ler o livro verifica que eu respeitei, escrupulosamente, a imagem de Guimarães Rosa. Mais do que respeitei; valorizei ao máximo. Aliás, esse foi um dos objetivos com que escrevi o livro. Valorizar Guimarães Rosa e, nele, a literatura brasileira, que eu julgo deve ser defendida”. Eis a questão na instância em que se acha. O grande mérito, suponho, é que a ação judicial servirá para atrair a atenção para a boa biografia sobre uma das personalidades maiores das letras brasileiras. *Manoel Hygino dos Santos (Belo horizonte MG) Lendo Emily Dickinson Para Célia de Sousa *Emanuel Medeiros Poderia ser 1830, quando nasceste, mas é 2008, chuvoso domingo de março, não publicaste livro em vida (o que menos importa).
  • 10. “Ela chegou afinal, mais ágil porém a Morte Havia ocupado a casa: A pálida mobília já disposta, Junto com sua palidez metálica” (...). Só poeira e esquecimento, nada dura, Felicidade efêmera – ler teus poemas, Emily. O domingo fluindo, tempo: linha reta de eterna agonia. Não existe presente, só passado. Nem futuro. A namorada de 1968 jaz num cemitério de aldeia. “Empoeirado se mostra o mundo Ao nos deitarmos para morrer”. Sim: “Tão longe da compaixão quanto a queixa Tão frio às palavras quanto a pedra. Tão insensível à Revelação Como se meu ofício fosse nada.” O empenho diário é inútil? (Para os outros.) Ah, cidade que me atirou seu presságio adverso. Terá termo a espera? Deve-se matar a morte que sobre nós se abate. (Peço desculpas aos poetas que pilhei: confluências.) Aqui jaz a inocência: a morte não existe, nós é que morremos. (Brasília, março de 2008) *Emanuel Medeiros Vieira (Brasília DF) Como um menino *Zeca Junqueira Extra! Extra! Extra! Vem aí o novo livro do craque Vanderlei Pequeno: Ilha do Horizonte. Mais uma vez vamos mergulhar num universo de simplicidade e graça, e por que não?, de lágrimas para os mais saudosistas; mas anotem aí, lágrimas das boas, daquelas que lavam e refrescam a alma. Eu li os originais do livro, que me conduziram numa espécie de caminho de volta pra casa, varando o
  • 11. tempo e o esquecimento, até àquela rua mineira da minha infância, até hoje rua do esperto do Vanderlei Pequeno. Conheci as duas Marias e a Luísa da sua crônica, elas também povoaram a minha meninice. E como não podia deixar de ser, eu fazia parada obrigatória na Papelaria Real, e como o Vanderlei Pequeno, ficava por lá ouvindo os discos mais novos das paradas de sucesso, tirando uma casquinha do som, enquanto conversava com o Bastião, que num carnaval daqueles, muito doido e animado, mas já sem dinheiro, trocou uma camisa do flamengo que vestia como fantasia por uma última pinga na Taberna do Embalo. E lá se foi sambando pela Praça Rui Barbosa. Quanto ao Cine Machado, meu Deus!, tão bem retratado na sua crônica “Nas matinês do cinema do Nelo”, o que dizer sobre ele? Ainda há tempo para um filme qualquer de amor ou de aventura, para um beijo na namorada com trilha sonora (quem sabe Tema de Lara), ainda há algum ingresso sobrando para nós ou alguém disposto a negociar conosco uma entrada meio atrasada para uma última sessão de cinema? Não, não há, que pena, a censura velada desse mundo coisificado nos bloqueou de vez. Mas sai fora, xô!, nada de tristeza que Vanderlei Pequeno não é disso! Brincando com nossa emoção, ele escreve como um menino, sem medo da simplicidade, do riso fácil, da gargalhada solta. As suas palavras não estão “abandonadas, escorregando pelas paredes, soltas no inferno, esquecidas, caindo na noite”, como as de sofridos poetas: elas estão soltas e nos levam pela mão para a luz do dia, para os campos de futebol, para as matinês, para os quintais (quando ainda os havia), elas nos levam para o lúdico. Ah!, Vanderlei, quem me dera que a sua fosse também a minha escrita, que sejam minhas as suas palavras, que mesmo quando falam sobre perda, como a morte de sua mãe, acabam desembocando mesmo é na vida: “minha mãe, dona Conceição, que, por coincidência (?), está sepultada em jazigo situado em frente ao de sua terna Comadre e amiga. Enfim, vizinhas para sempre”. Ilha do Horizonte forma uma trilogia com 50 Causos do Futebol e Casos e Acasos, livros que guardo em minha estante junto aos que me são mais caros. A Casa da Rua Alferes e Outras Crônicas, que ele divide com os bambas Zé Antônio Pereira, Toquinho e Zé Vecchi, também está lá, todos a postos, como antídotos contra a adultice. De vez em quando constato: outrora, em algum lugar, a vida correu solta enquanto retumbavam hinos. Já abri espaço lá para o novo livro do Vanderlei Pequeno. Meu caro Pequeno, já se vai tempo, nós nos conhecemos há quase 50 anos. Então eu te peço: continue brincando com as letras como os meninos brincam com a bola, continue nos lembrando que escrever não é sinônimo de sofrer, como muitos acreditam, continue a nos chamar em voz alta à nossa porta (lembra-se?) como você fazia quando era criança nos convocando para as brincadeiras. Prometo que eu continuo atendendo ao seu chamado. Te devo uma por esse novo livro, que aguardo com dedicatória e tudo. Um grande abraço, escritor. *Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”
  • 12. Canción para cantar todos os días *Manuel Mariá HAI que defender o idioma como sexa: con rabia, con furor, a metrallazos. Hai que defender a fala en loita rexa con tanques, avións e a puñetazos. Hai que ser duros, peleóns, intransixentes cos que teñen vocación de señoritos, cos porcos desertores repelentes, cos cabras, cos castróns e cos cabritos. Temos que pelexar cos renegados, cos que intentan borrar a nosa fala. Temos que loitar cos desleigados que desexan matala e enterrala. Seríamos, sen fala, unhos ninguén, unhas cantas galiñas desplumadas. Os nosos inimigos saben ben que as palabras vencen ás espadas. O idioma somos nós, povo comun, vencello que nos xungue e ten en pé, herencia secular de cada un, fogar no que arde acesa a nosa fe. *Manuel María Fernández Teixeiro 1924 2004 um dos membros da Nova Canción Galega Alguém sabe do “Ilha desconhecida”? *Zé Antonio Apareceu no bar da esquina, trazido pelas mãos do Vanderlei Pequeno que o encontrara, junto a um amontoado de lixo, em uma rua central de Juiz de Fora. Curiosamente é aquela cidade, tida pelo escultor Amílcar de Castro, como a Lisboa mais próxima do seu quintal. Talvez seja esta semelhança que levou Murilo Mendes a optar pela original, preferindo as margens do Tejo às barrancas terceiro-mundista do Paraibuna. Mas o nosso abandonado em Juiz de Fora, migrou para Cataguases. Trazia no “rosto” as marcas da violência de ser atirado às ruas. Puído e com afundamentos pelo lombo, uma marca arredondada
  • 13. deixada por molho barato, deve ser aqueles ácidos extratos de tomates ou azedos catchups, o que dá no mesmo. O coitado trazia outras marcas horríveis, de um amarelo fecal, que pareciam ter sido feitas por respingos de mostarda estragada. O primeiro a sair com ele do bar foi o Emerson passando alguns dias lá pelos lados da Pampulha. Voltou ao bar, desaparecendo para a Granjaria com o Altamir. Esteve em minha casa, no Baixo Haidée, por uma semana. Voltou à Pampulha em companhia do Luiz Lopez. Reapareceu no bar por alguns dias e desapareceu. Naqueles dias, com ele entre nós, discutimos muito sobre os portugueses, suas aventuras marítimas e sua venturosa literatura. Emerson começou lá pelo Camões e a epopéia dos Lusíadas, alguém comentou em contraponto a incrível poesia de “Mensagem” do Fernando Pessoa, enquanto outro cantarolava: “... navegar é preciso... viver não é preciso...” tentando imitar o sotaque do Caetano Veloso. Quem também apareceu nas conversas foi Miguel Torga, que quando ainda só era conhecido como Adolfo Correia da Rocha saiu lá de Trás-os-Montes “singrou” o Atlântico, para trabalhar numa fazenda aqui na Zona da Mata e estudar no Colégio Leopoldinense, é isto mesmo, a Leopoldina onde o coitado do Augusto dos Anjos encerrou a “carreira” e está enterrado. Até o Henrique Frade foi lembrado, não pela literatura, mas pela “ficção” de ser o único atleta de origem lusitana daquele time de peladeiros do Chico Buarque. Circunavega para lá circunavega para cá chegamos a José Saramago, lembraram da presença dele em uma edição do Fórum Social de Porto Alegre num discurso quixotesco, permeado de ceticismo e descrença, metendo o pau no utopismo. A vocação de navegantes dos portugueses que nunca se apaga, ainda que nos pareça nos dias de hoje que esta chama se mantém mais acesa na memória do que nos oceanos, nos leva a lembrar do nosso desaparecido. Será que nosso amigo, feito a caravela, um bocado modificada pelos arranjos e adaptações, amarrotada, continua seu propósito, singrando os mares dos saberes ou os oceanos das ignorâncias segundo as vontades de Netuno? Talvez só o Vanderlei Pequeno saiba por onde ou com quem anda, aquele livro que ele nos apresentou. O ótimo “O conto da ilha desconhecida” do José Saramago. *José Antonio Pereira (Cataguases -MG) Leia o livro “A Casa da rua Alferes e outras crônicas” dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno – Editora Cataletras. Se você quer adquirir entre em contato conosco: chicos.cataletras@hotmail.com