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CPI Cursos de Medicina
Prestação de Contas dos trabalhos da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
CPI Cursos de Medicina




         ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO

        Prestação de Contas dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito
              (CPI), instaurada com a finalidade de investigar a proliferação
         dos Cursos de Medicina, assim como os efeitos deste fenômeno sobre
                             a qualidade dos serviços prestados

                            Presidente: Deputado CELSO GIGLIO
                     Vice-Presidente e Relator: Deputado UEBE REZECK


Composição final dos membros efetivos e substitutos da Comissão Parlamentar de Inquérito
                       Membros Efetivos                  Membros Substitutos
                              PSDB                               PSDB
                      Deputado José Augusto                Deputada Célia Leão
                      Deputado Celso Giglio              Deputado Milton Flávio
                                PT                                 PT
                     Deputado Fausto Figueira             Deputada Beth Sahão
                    Deputado Vanderlei Siraque          Deputado Marcos Martins
                              DEM                                 DEM
                      Deputado João Barbosa              Deputado André Soares
                               PPS                                PPS
                   Deputado Luiz Carlos Gondim           Deputado Alex Manente
                             PMDB                                PMDB
                      Deputado Uebe Rezeck                Deputado Baleia Rossi
                               PP                                  PP
                  Deputado Antonio Salim Curiati       Deputado Mozart Russomano
                               PR
                      Deputada Patrícia Lima




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Por uma melhor qualidade na formação dos médicos
        De 2000 a 2009, foram criadas no Brasil nada menos do que 76 novas escolas
médicas. Dessas, 57 aguardam o reconhecimento do MEC. É preocupante essa proliferação
desenfreada, na medida em que as novas instituições não estão, geralmente, preparadas
estruturalmente para oferecer um ensino de qualidade. Estima-se que, a continuar o atual
sistema, em 10 anos teremos aproximadamente 130 mil novos médicos mal qualificados
ou com formação insuficiente.
        Por outro lado, segundo o doutor Adib Janete, faltam ao Brasil cerca de 100 mil
médicos. Além disso, os profissionais da medicina em atividade estão concentrados
nos grandes centros urbanos. Convivem no país ilhas de excelência, como os hospitais
de referência de São Paulo, com o atendimento sofrível que se observa nas áreas mais
distantes e carentes.
        Para discutir estas e outras questões da área da saúde, propus, em 2009, a criação,
na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito, com a finalidade de investigar a possível proliferação dos Cursos de Medicina,
assim como os efeitos deste fenômeno sobre a qualidade dos serviços prestados, à qual
tive a honra de presidir.
        Durante vários meses, tivemos a oportunidade de acompanhar os depoimentos
e manter diálogo com autoridades da área da saúde, médicos renomados, diretores de
Faculdades de Medicina e representantes da classe. Deste profícuo diálogo resultou um
amplo painel sobre a atividade médica no Estado de São Paulo e no Brasil, tanto no
que diz respeito à formação dos profissionais, residência médica e sugestões acerca de
providências para melhorar o ensino e a prestação de serviço.
        Ocorreu-me que um conjunto de informações tão relevantes não poderia deixar
de vir a público. Em todas as pesquisas de opinião realizadas nos municípios brasileiros, a
questão da saúde aparece como a principal preocupação da população. Do resultado da
engrenagem ensino eficiente, residência médica de qualidade e ação contumaz do Estado
para elaborar e implementar políticas públicas eficientes resultará a prestação de bons
serviços aos cidadãos.
        Acredito que, com esta publicação, estamos dando um passo adiante no
entendimento da questão do ensino médico no Brasil. E, mais do que isso, oferecendo à
sociedade e às esferas de decisão do Estado um conjunto bastante articulado de sugestões
que, se implementadas, constituirão um vigoroso impulso para uma melhora substancial
na qualidade da formação dos médicos e na prestação de atendimento de qualidade a
todos os brasileiros.




                                     Celso Giglio
                                   Deputado Estadual
                                   Presidente da CPI

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Adib Jatene



 “De 1996 para cá foram criadas 101 faculdades de Medicina.
Isso é um escândalo!”
ADIB JATENE, ex-ministro da Saúde
        Nesse problema das escolas médicas há uma série de desinformações e de informações inadequadas. Em primeiro lugar, não é verdade
que temos muitos médicos no País. Precisamos de mais médicos. Por quê? Citamos a proporção de um médico por mil habitantes como
sendo da Organização Mundial da Saúde, que no passado já usei, mas esse número nunca existiu. A Organização Mundial da Saúde nunca
estabeleceu que o número de médicos deveria ser um para mil habitantes. Se olharmos o folder da Organização Pan-americana de Saúde,
verificamos que países como Canadá e Estados Unidos têm entre 20 e 25 médicos por 10 mil habitantes, o que dá dois, dois e meio por mil; a
Argentina tem 41; o Uruguai tem 48; Cuba tem 62; os países da Europa têm 38 médicos por 10 mil habitantes, Portugal tem 38. Ou seja: não
é verdade que 10 médicos por 10 mil habitantes é o número suficiente. E se olharmos os vários países, vamos chegar a um número razoável
para um País como o Brasil de 2 a 2,2 médicos por mil habitantes. Isso seria uma meta a ser conquistada.
        Isto significa que faltam aproximadamente 100 mil médicos no Brasil. Portanto, tentar criar novos cursos se justifica. Ninguém pode ser
contra. Deve-se ser contra o tipo de curso que está sendo criado. E aí é que entra o problema.
        Até os anos 80, 88, nós tínhamos 80 faculdades de Medicina. Neste ano se conseguiu um decreto interministerial do Ministério da
Saúde e Ministério da Educação para que não se abrisse, nos próximos 10 anos, nenhuma faculdade de Medicina. E, na verdade, não se
abriu. Chegamos a 1996 com 82 faculdades. Acontece que de 1996 para cá aconteceu isso que eu chamei de escândalo: foram criadas 101
faculdades de Medicina. Até aquele ano tínhamos 80, hoje temos 181. Isso em qualquer País do mundo é um escândalo.
       De 1996 a 2000 foram criadas perto de 50 novas faculdades e, de 2000 a 2009 outras 51. Não existe nenhum País no mundo que
consiga montar hospital de ensino, corpo docente e instalações para fazer um curso minimamente eficaz. E estamos vivendo essa realidade.
Não se trata de ser contra ou a favor de ter escola; trata-se de ver que escola nós estamos criando.
        E o que nós temos visto é que das escolas que foram criadas, dessas 101 escolas, 70% são privadas e boa parte delas sem possuir
um complexo médico, hospitalar e ambulatorial funcionando como referência regional com atendimento básico, atendimento especializado,
referência, contra-referência, leitos de primeiro atendimento e leitos diferenciados.
        Há dois ou três anos atrás, fui solicitado pelo Ministro da Educação a reviver o que nós chamamos de Comissão de Especialistas do
Ensino Médico e convoquei 14 especialistas que vêm lidando com o ensino médico há muito tempo. A primeira providência de modificação nas
recomendações que o Ministério da Educação para permitir a criação de um novo curso foi que a instituição que se oferecesse a criar um novo
curso tinha que demonstrar que possuía esse complexo médico, hospitalar, ambulatorial, com o número de leitos igual a quatro vezes o número
de vagas, com o complexo ambulatorial de atendimento básico, ambulatórios de especialidades, etc. Isso é condição eliminatória.
         O que aconteceu foi o seguinte: quando essa comissão se instalou, já tínhamos 178 faculdades, depois se criou mais três, todas as três
federais, mas existiam mais de 60 pedidos de novas faculdades. Ou seja, já tínhamos um número absurdo, mas existiam mais de 60 pedidos
de novas faculdades. Com esta exigência, metade desistiu. Os demais não conseguiram comprovar a necessidade, e a CESUR não autorizou
o pedido de instalação. Resultado: hoje, o Ministério da Educação não tem nenhum pedido de criação de nova faculdade de medicina. Isso
significa que o que se fez e se criou inadequadamente aconteceu por falta de uma regulamentação e de exigências apropriadas.
        Em segundo lugar, a formação profissional é inadequada. Muitas escolas não possuem campo de treinamento e Medicina é uma
profissão que se ensina à beira do leito e no consultório. Ou tenho aonde expor o alunos aos doentes ou não vou treiná-lo. Antes de ser
especialista, o médico precisa ser especialista em gente; precisa conseguir conversar com as pessoas, tirar a história, fazer evolução para poder
se qualificar.

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E o que aconteceu recentemente na área médica, como em outras áreas? Uma brutal incorporação tecnológica. A tecnologia que levou
o homem à Lua, que transmite em televisão colorida do outro hemisfério, que tem telefone celular que agora virou computador, isso tudo vai
para a área médica, gerando um novo ator representado pela indústria de equipamento. A indústria de equipamento induz a utilização desses
equipamentos, como se isso fosse indispensável para o diagnóstico. E isso não é indispensável para o diagnóstico. Pode ser indispensável em
determinadas situações, mas, pelo menos 80% dos casos não precisam dessa alta tecnologia.
        A consequência da incorporação tecnológica foi a fragmentação da medicina em especialidades. Temos 57 especialidades reconhecidas
e 54 atividades que logo, logo, vão virar especialidades. A fragmentação do corpo humano ficou uma coisa maluca. A pessoa está sentindo
alguma coisa, tenta achar um especialista que é para aquilo que ele achava que tem e não encontra o médico capaz de conversar com ele, de
examiná-lo e de fazer uma orientação diagnóstica que não exigiria o uso da maior parte desses equipamentos.
        O problema é que todos os professores de Medicina são especialistas. E é natural que deseje ensinar especialidades. Não precisamos
ensinar especialidade para o aluno. Quando cheguei no Incor existiam 13 aulas teóricas, uma delas era sobre tetralogia de Fallot, que é uma
doença congênita. Ensinava-se história, a evolução dos métodos terapêuticos, os resultados etc. Levava uma aula inteira e caía na prova. Ora,
um cardiologista passa dois, três anos no seu consultório e não vê um caso de tetratologia de Fallot. Então eu vou ensinar tetralogia de Fallot
para o estudante? Não tem sentido. O que eu tenho que ensinar para o estudante é que existem cardiopatias congênitas que têm cianose e
que não tem cianose; que cardiopatias congênitas de cianose têm muito sangue no pulmão e pouco sangue no pulmão; que há casos em que
se pode usar determinada droga, outros não. Depois, para esclarecer o diagnóstico ele manda para o especialista. É uma perda de tempo eu
estar ensinando especialidades na graduação.
       É necessário é que haja um entendimento entre os vários especialistas para ensinar ao aluno aquilo que nenhum médico pode deixar
de saber. Isso é a interdisciplinaridade para você poder informar ao aluno coisas que ele precisa saber. Em Urologia, em Gastroenterologia ou
em Neurologia. Coisas básicas que ele não pode deixar de saber.
        Por outro lado, como muitas escolas não possuem Serviço de Emergência não conseguem treinar o aluno em Emergência. Ora, não pode
sair nenhum médico de uma faculdade sem estar treinado em Emergência! É impossível que se consiga ensinar Emergência sem ter um Serviço
de Emergência com movimento adequado. A faculdade tem que ter um complexo médico hospitalar, inclusive com serviço de emergência.
        Aí entramos na distribuição dos médicos. As pessoas dizem: faltam médicos nos pequenos municípios do interior. Isso é uma bobagem.
No Brasil há uma divisão de municípios absolutamente irracional. Existem municípios com quatro mil habitantes, com dois mil habitantes e
com 11 milhões de habitantes. O problema não é faltar médico num determinado município. O problema é as capitais – e nós temos 20% da
população brasileira em capitais –, têm 60% dos médicos brasileiros. No Espírito Santo, por exemplo, há um médico para 700 habitantes, mas,
em Vitória, na capital, há um médico para 127 habitantes. O Rio Grande do Sul tem um médico para 540 habitantes, mas Porto Alegre tem um
médico para 180 habitantes. Rio de Janeiro tem um médico para 190 habitantes. São Paulo, capital, tem um médico para 315 habitantes e no
Estado todo, um médico para pouco mais de 500 habitantes, ou seja, mais de 20 médicos por 10 mil habitantes.
         Será que o número de médicos está distribuído adequadamente? A resposta é não. Quem conhece a periferia das cidades, sabe que
ali não há médicos. Em 1999, fiz um estudo sobre os 170 hospitais de São Paulo, com 28 mil médicos. Fui à Fundação SEADE e distribuímos
esses hospitais nos respectivos distritos. São Paulo estava dividido em 96 distritos que dividimos em quatro grupos. Os distritos que tinham
mais de 10 leitos por mil habitantes, os que tinham de três a 10 leitos por mil habitantes, os que tinham menos de três e os que não tinham
leito. Concluímos que 11 distritos –Vila Mariana, Bela Vista, Cambuci, Jardim Paulista, Brás, Pari, Belém, Morumbi, Santo Amaro – com 600
mil habitantes, que possuem 26 leitos por mil habitantes, na média. Um número considerado razoável é o de três leitos por mil habitantes,
talvez um pouquinho menos. Temos 14 distritos mas os antigos – Lapa, Mooca, Santana, Lapa, entre outros – com 1,2 milhão de habitantes,
que tinham na média seis leitos por mil habitantes. Se tomarmos esses dois grupos, temos 25 distritos com 1,8 milhão de pessoas que têm, na
média, 13 leitos por mil habitantes. Mas temos 32 distritos onde viviam 3,9 milhão de pessoas com 1,2 leitos por mil habitantes, e 39 distritos
com 4,1 milhões de pessoas sem nenhum leito hospitalar. E isso ainda não foi corrigido. Então, a distribuição dos médicos na cidade de São
Paulo, que tem um médico para 315 habitantes está adequada? Não, porque eles estão concentrados em áreas de mais recursos e não vão
para as áreas de poucos recursos.
        O resultado disso é que existe uma grande dificuldade de se conseguir médicos para o Programa de Saúde da Família. Abrem-se vagas
com boa remuneração e não aparece candidato. Por quê? Não é só porque essas áreas são mais pobres, mais violentas, etc. É porque o médico
não foi treinado para ir atender essa população. Ele foi treinado para usar tecnologia, para ficar num hospital onde tenha supervisão.
        No passado, quando o médico saía da faculdade com o conhecimento da época. Ia para Salvador ou para o Acre exercer a profissão,
porque ele sabia o que fazer nessa situação. Hoje, ele não é treinado adequadamente. E não sendo treinado adequadamente, ele não se sente
em condições de enfrentar a população. Ele tem receio. Isso é uma coisa que eu tenho dito sem nenhuma preocupação porque já constatei isso
em várias situações. Eles dizem: “Chego lá não tem Raio X, não tem isso, não tem aquilo. Eu preciso de ter os recursos, senão eu não consigo
trabalhar.”
       Então, o problema da distribuição de médico não está nos pequenos municípios. Está nas capitais, nas grandes cidades, como São

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Paulo, onde grande parcela da população não tem acesso a médicos.
        Tentamos implantar o Programa de Saúde da Família que está caminhando, mas ainda não atinge mais que um terço da necessidade.
Quando essas pessoas precisam de atendimento, correm para onde? Para as áreas onde tem hospital, onde tem atendimento, onde tem
Emergência. E aí saturam esses hospitais. Pelo menos 80% dos que procuram o ambulatório do Hospital das Clínicas não precisava ir lá, podia
ser atendido onde mora se tivesse gente em condições de atendê-lo.
        A distribuição do médico está muito vinculada à formação do profissional. Se tenho uma escola que não tem onde treinar o seu aluno e,
quando chega no quinto ano do curso, libera o aluno para ir para qualquer lugar onde exista uma vaga sem nenhuma supervisão, esse indivíduo
será o que? Será um subespecialista, ficará numa subespecialidade, sem condições de enfrentar as necessidades da população.
        Como é que nós vamos resolver esse assunto? Ainda ontem nós tivemos uma reunião da Comissão de Especialistas e um dos temas
debatidos foi esse: não adianta fazer o exame de avaliação no fim do curso. Precisamos fazer o exame duas ou três vezes durante o curso. Faz-
se o primeiro exame no segundo ano e, se a escola que não conseguir aprovar um percentual significativo, terá o seu vestibular suspenso. As
pessoas dizem: “Por que não fecha essas escolas?” O Brasil é um país democrático, vivemos num Estado de Direito. Todo mundo tem direito.
E aí é complicado.
        Vou citar um único exemplo, que já publiquei e que é de domínio público. A responsabilidade para autorizar curso de Medicina em
entidades privadas é do MEC. Em um único Estado, Minas Gerais, o Conselho Estadual de Educação podia autorizar e aconteceram coisas
absurdas. Agora veio para o MEC. Bem, existe em Minas Gerais uma associação que se chama Associação Presidente Antonio Carlos, que
tem duas ou três faculdades em Minas Gerais. Eles foram para Tocantins, criaram a Associação Tocantinense Presidente Antonio Carlos e
abriram duas faculdades, uma em Gurupi e outra em Porto Nacional. Decidiram criar faculdades em outros estados. Quer dizer, o negócio é
um “franchising”. Foram para Pernambuco e conseguiram que o Conselho Estadual de Educação do Estado autorizasse uma faculdade em
Garanhuns, que, por coincidência, é a terra do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com certeza, pensaram: lá ninguém vai mexer. E marcaram
vestibular para um sábado. O MEC entrou com uma liminar para impedir o vestibular. Na sexta-feira, no fim do expediente, um desembargador
cassou a liminar e eles fizeram o vestibular. Bem, o MEC entrou no Supremo Tribunal Federal para não permitir que o curso entrasse em
funcionamento, porque é inconstitucional. Quem autorizou o curso não tinha poder para autorizar. O Ministro do Supremo Tribunal Federal
disse que não podia oferecer a liminar porque não queria frustrar a expectativa dos alunos. É complicado.
        Temos várias faculdades funcionando sem autorização no Brasil, com liminar concedida pela Justiça. E o problema é que, agora, vai se
colocar a necessidade do reconhecimento. Esses cursos vão precisar ser reconhecidos e, como eles não condições de funcionamento, não serão
reconhecidos. E aí teremos um enorme problema, porque teremos um grande número de alunos que já fizeram o curso e que não vão poder
receber o diploma.
         A coisa chegou num tal ponto de desordem que estamos nessa situação. E com um agravante: alguns países da América do Sul –
Bolívia, Paraguai, etc. –, não têm vestibular e há um grande número de brasileiros estudando nesses países para se transferirem para estas
escolas. Este é um problema da maior gravidade. Ou o Governo Federal continua tomando atitudes muito firmes, ou não sei o que vai acontecer
com o ensino neste País.
        A situação no País como um todo é muito mais grave que no Estado de São Paulo. No Estado de São Paulo já temos 31 faculdades.
Várias cidades querem abrir faculdades. Felizmente, se freou esse anseio. Em algumas cidades conseguimos convencer os mentores de que
melhor seria que num hospital que eles estão organizando criassem residência médica, porque é isso que nós estamos precisando, de vaga para
residência médica. Mas eles não querem criar vaga para residência médica, querem criar curso de Medicina que dá status, tem apelo político,
etc. Estou realmente preocupado porque estamos num ano político. É preciso que certos assuntos e certos temas não sejam politizados, caso
contrário não vamos ter sucesso na organização mínima desta coisa.
       Apenas um dado. Estamos com 181 faculdades de Medicina. Os Estados Unidos tem 135 e, nos últimos 10 anos, criou quatro ou cinco
faculdades, com muito critério, muito rigor. No Canadá, há 30 anos não se cria nenhuma faculdade de Medicina. E nós criamos 101 faculdades
de medicina em 13 anos, o que, em qualquer lugar do mundo, é um escândalo.


Deputado UEBE REZECK (PMDB)
        Como relator, eu não posso externar a minha opinião, mas sim externar a opinião da CPI. Alguns companheiros acham importantíssimo
o exame de Ordem, outros têm restrições. Dentro daquilo que é o Exame de Ordem na OAB, estamos percebendo proliferar uma grande
quantidade de cursinhos preparatórios para o exame, o que não melhora a qualidade do profissional. Apenas lhe dá o direito de exercer a
profissão. Ele faz a faculdade e depois tem que entrar num cursinho para poder ter o diploma reconhecido. Para a Medicina não iria resolver
nada. Nós iríamos ter uma série de cursinhos preparatórios e iríamos manter o mesmo nível.
         Acho que o que é realmente importante é a qualidade das escolas médicas. E em grande parte nós, sociedade, somos culpados por
isso. Se uma cidade tem uma faculdade de medicina, ela se destaca e é uma pressão muito grande para a abertura de novas escolas. A saída
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inteligente seria o exame escalonado do curso e com as medidas efetivas: suspende o vestibular, diminui o número de vagas, obriga o número
de leitos à disposição. Hoje, vemos faculdades que fazem o seguinte: quintanista precisa fazer estágio em tal especialidade, então procura
onde há, traz um documento e aí o aluno vai fazer o estágio lá. O aluno chega a um local desconhecido, permanece ali por um mês, não tem
condição de aprender o suficiente e volta com o atestado de frequência. Com isso, continuamos a piorar a qualidade do profissional que está
na Rede Pública para atender à população.
        Acho que o melhor caminho seria esses exames intermediários, porque força o aluno a estudar e força as escolas a buscar profissionais
competentes. Ao mesmo tempo, começamos a preparar adequadamente o profissional, porque não adianta barrá-lo no exercício da profissão,
ele acabará fazendo até um exercício irregular e pronto. O que precisamos é criar condições para que o profissional saia em condições de
exercer a profissão.


Adib Jatene
        O problema do exame de Ordem está relacionado com a qualidade da escola. Há um problema de base: o hospital. Não só hospital,
mas o conjunto médico ambulatorial. É um complexo médico, hospitalar e ambulatorial. Não é que nós vamos ensinar no hospital. Nós vamos
ensinar no ambulatório e no hospital. Mas, o hospital é fundamental para que o indivíduo adquira habilidades, coisa que ele não vai adquirir
num consultório que tem 10 doentes esperando. Habilidade se adquire num lugar em que se pode repetir o procedimento, em que se tenha
tempo de aprender. Não se ensina guiar um automóvel na Avenida 23 de Maio, mas num lugar tranqüilo em que o sujeito possa repetir a
manobra, etc. Só depois ele pode ser colocado no trânsito. Quer dizer, essa aquisição de habilidades é fundamental. Não posso soltar um aluno
para atender num consultório se ele não adquiriu as habilidades, e ele não vai aprender no consultório.
        Aí entra o problema do hospital de ensino e do hospital assistencial. São duas coisas diferentes. O hospital assistencial oferece o
conhecimento e é importante porque as pessoas precisam se tratar. Agora, o hospital de ensino, além de oferecer o conhecimento, tem que
testar conhecimento, gerar conhecimento, pesquisar. É outra estratégia. E aí acontece uma coisa muito interessante que é típico do Brasil: o
professor de tempo parcial com a chamada dupla militância.
        Quando o professor Pinotti (ex-deputado José Aristodemo Pinotti) criou o termo “dupla porta”, referindo-se ao Incor, um hospital
público que atende doente privado, achei uma discussão tão sem propósito que eu escrevi um artigo “Dupla porta versus dupla militância”.
O problema é a dupla militância: o professor que se qualifica, assume o cargo de professor-associado titular dentro da universidade e tem
a sua prática na clínica privada, vai trabalhar nos hospitais privados. E, à medida que o tempo passa, permanece no hospital universitário o
tempo mínimo necessário para não ser advertido. Vai cuidar da sua clínica privada. Esse é o problema do ensino. Então, o hospital universitário
fica na mão dos residentes; os mais graduados não estão lá para ensinar. Eles estão lá para ter o título e fazer a sua clínica privada. Eu digo:
o hospital universitário vai mal, mas os professores vão muito bem. È comum que os professores digam: “Eu não faço porque não me dão
condições”. Meu Deus! Ele é uma liderança, tem que criar as condições. No mundo todo, o professor universitário trabalha em tempo integral
na universidade e é responsável por trazer clientela que ajude a manter o hospital. Se ele não trouxer, é demitido, e põe outro no lugar.
         Aqui, o professor não serve à instituição. Ele se serve da instituição. E esse é um dos graves problemas que temos no ensino médico
brasileiro. No Incor o sujeito diz: “Lá só pode atender SUS!” Meu Deus! Aquilo é um hospital assistencial? Está certo que o hospital do Itaim
só atende SUS, o hospital da Vila Alpina só atende SUS, mas aquele é um hospital universitário, onde há excelência da qualificação profissional.
Só que eu não deixo que atenda ali o cliente que paga. Então, o que ele vai fazer? Vai atender no Hospital Albert Einstein, no Sírio Libanês e no
Oswaldo Cruz. Fizemos uma inversão numa época em que o hospital universitário, que era público, era o líder. Hoje, hospitais privados é que
são líderes. Por quê? Porque aqueles que têm recurso e que trazem recurso para manter o hospital estão proibidos de usar o hospital público,
confundindo um hospital assistencial com hospital universitário e impedindo que o professor universitário exerça sua atividade dentro de um
hospital universitário, como deveria ser.
       Concordo que algumas especialidades estão muito esvaziadas e a Pediatria é uma delas. Mas a razão de a Pediatria estar esvaziada
é porque se vacina todas as crianças e as doenças que sustentavam os pediatras não existem mais: pólio, sarampo, entre outras. Se não há
procura por Pediatria, há dificuldade de fazer especialidades correlatas à pediatria. As vagas de residência para especialidades é maior do que
a necessidade.
         Por outro lado, há o problema da substituição do exame pela tecnologia. Como isso foi muito difundido na imprensa, na mídia, posso
falar. A nossa ministra (Dilma Rousseff) tinha um nódulo de dois centímetros e meio na axila, descoberto numa tomografia. Ninguém tinha
posto a mão em sua axila e qualquer aluno de terceiro ano sabe fazer um diagnóstico de um nódulo na axila simplesmente pondo a mão. O
diagnóstico foi feito por tomografia por acaso. E aí dizem que foi precoce. Como é precoce se tinha dois centímetros e meio? Isso para mim é
o máximo da inadequação, da falta do exame clínico e da utilização da tecnologia para fazer diagnóstico por acaso.




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Deputado ADRIANO DIOGO (PT)
        Dr. Adib, o senhor sempre defendeu, professor, aquele projeto do serviço civil obrigatório. Professor, todo mundo sabe da admiração
enorme que tenho pelo senhor, mas, agora que ocorreu esse trágico falecimento da Dra. Zilda Arns, lá no Haiti, parece que se descobriu a
verdadeira função da medicina e o papel do médico na sociedade. E começou-se a ouvir os médicos sem fronteiras, entre outros. E queria
lembrar mais uma coisa. Quando houve aquele trágico trote na faculdade de Medicina, quando aquele menino de família coreana morreu,
até hoje de uma forma não esclarecida, o Professor Paulo Elias, a pedido da faculdade, da congregação, foi conversar com os alunos daquela
classe que deram o trote. Que tipo de médico estamos formando? Os relatos que o Professor Paulo Elias pôde fazer quando ele foi conversar
com os alunos eram dramáticos.
        E a última questão. Muito se discute sobre a questão da desregulamentação. Não sei se é uma teoria liberal a de que os jornalistas
não precisam ter diplomas, que a modernidade é a falta de diploma, regulamentação, faculdade, isso está tudo errado. Há uma orientação
da ANVISA de que os cursos que estavam sendo dados nos hospitais de alta especialização não teriam os diplomas reconhecidos. Enfim, que
mundo nós estamos vivendo, Professor? Que médico nós estamos formando? Que gente é está indo para as melhores universidades, para as
universidades públicas que não querem saber de SUS, que não querem saber de médico de família, que não querem saber de periferia?


Adib Jatene
        Vivemos num mundo moderno dominado pela tecnologia. Então, o que tem valor? É o carro, é o apartamento, é não sei o quê. Isso é o
que tem valor. Não a pessoa. A ética, que é a ciência do comportamento, está num segundo plano. Estamos recebendo de Brasília e de todos os
lugares, os exemplos de que o fim justifica os meios. Essa é a tragédia que se está passando para a juventude. O fim não justifica os meios. Os
meios empregados para conseguir um fim são mais importantes. E aí é que entra, então, todo processo de deturpação criado pela tecnologia.
A tecnologia, eu não tenho dúvida, vai destruir o planeta. Basta ver o potencial de destruição armazenado em vários países e agora a briga
para o Irã não ter bomba atômica. Se ele tiver bomba atômica, irá utilizar. É uma questão de tempo o terrorista ter acesso à bomba atômica.
Estamos criando uma sociedade complicada, em que as pessoas não são importantes. O importante são as coisas que as pessoas têm. E é isso
que nós temos que refletir e modificar.
        Constato, por exemplo, que as religiões evangélicas estão com quase 30% da população. O que eles pedem? O que eles propõem?
Comportamento, ética. E o pessoal vai lá e dá dinheiro, mesmo sem ter. Minha cozinheira dá 10% do que ganha para a igreja, todo mês. E o que
ela tem em troca? Uma postura, uma formulação religiosa, que é bem ou mal empregada pelos agentes, mas há espaço para você re-valorizar
as pessoas e re-valorizar o comportamento.
        O conhecimento científico avança muito rapidamente em cada especialidade. A escola lhe conferiu um título há 30, 40 anos, mas esse
título não significa que você vai estar atualizado o resto da vida. É preciso alguns critérios. E no mundo inteiro é assim. São os créditos. O
indivíduo que frequenta congressos, que participa de cursos e de jornadas, está se atualizando naqueles procedimentos. E é isso que estamos
tentando fazer.


Deputado PEDRO TOBIAS (PSDB)
         Todos estamos preocupados com formação, com a graduação. Eu fico muito preocupado quando não se tem controle nenhum sobre
especialidade. Hoje, tem gente que fez uma prova teórica, mas nem sabia operar, têm medo de operar e pegar título de especialidade.
        A meu ver, precisamos nos preocupar um pouco mais com a especialização no Brasil, porque só a faculdade poderia dar título de
especialidade. A especialidade virou meio de vida. Hoje há cursinhos para fazer essas provas e tem gente recebendo dinheiro para preparar para
as provas teóricas. Isso não tem valor nenhum. Tem gente que faz curso de um mês e vem com um título desse tamanho de ultrassonografista.
Isso não é título de especialidade. É preciso que a especialidade seja controlada, regulamentada.


Adib Jatene
        No Brasil, e aí é que entra o problema, quando você entrega a carteira profissional, você está autorizando o indivíduo a exercer
qualquer especialidade. Fui diretor da faculdade de Medicina há quatro anos e nós dávamos aos alunos que se formavam um cartucho vazio.
Era simbólico. Ao meu lado tinha um representante do Conselho Regional de Medicina entregando a carteira profissional. O que autoriza um
indivíduo exercer a profissão não é o diploma; mas carteira profissional. Só que a carteira profissional é entregue como se fosse um cartório: o
indivíduo chega com o diploma e recebe a carteira profissional. Se sabemos que a formação é deficiente, temos que encontrar um mecanismo
para evitar que isso seja feito dessa forma, caso contrário, quem estaremos colocando em risco? O aluno, o recém-formado? Não! Estamos
colocando em risco a população que ele vai atender na periferia, no Serviço de Emergência. E quem não passa na residência, vai fazer o que?
Vai trabalhar na emergência na periferia, que é a área mais difícil que tem.É por isso que nós buscamos alguma forma de garantir que aquele

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indivíduo que está autorizado a exercer tenha o mínimo de competência necessária.
        O problema do erro médico é uma das faces da discussão que está sendo travada neste momento. Ocorre que nossa formação não
é democrática, é autoritária. Se você me diz uma coisa e eu sou contra a sua ideia, sou contra você. A democracia é um regime complicado
porque é um regime legitimador. O que é legítimo todo mundo aceita. Democracia é a legitimação. O que distingue um regime autoritário de
um regime democrático é que o regime autoritário não precisa legitimar; o regime democrático precisa legitimar.
        A discussão democrática, em nosso meio, frequentemente é interpretada como a oportunidade de identificar adversário, conquistar
aliado e compor maioria para ganhar votação. Isso não é democracia. Democracia é um regime legitimador. E para você fazer uma discussão
legitimadora você precisa do que eu chamo de honestidade intelectual, porque só um indivíduo intelectualmente honesto é que numa discussão
diz: você está certo.
         Em 1988, criaram o CINAEM, uma reunião de 10 ou 11 entidades da área de saúde que pretendiam resolver o problema das escolas.
O argumento era o seguinte: o problema não é o aluno, o problema é a escola que treinou mal o aluno. O CINAEM fez um trabalho fantástico:
aplicou questionários, levantou dados, sugeriu e propôs uma série de mudanças. O resultado final foi zero. Foram criadas 101 faculdades depois
disso. É preciso que o resultado seja conveniente. Se conseguirmos, eventualmente, demonstrar que determinada escola que tem um hospital
de 30 leitos e tem 150 vagas precisa ser fechada e conseguir fechar, teremos dado um passo enorme.
       Agora estamos discutindo fazer exames durante o curso. Muita gente era contra no Conselho Regional de Medicina. Hoje, o Conselho
Regional de Medicina faz o exame. Então nós evoluímos. Num país democrático, é preciso discutir. O resultado é lento, mas nós já andamos
muito, muito.




02/02/2010
Deputados presentes: Uebe Rezeck, Fausto Figueira, José Augusto, João Barbosa, Pedro Tobias, Adriano Diogo e Patrícia Lima




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Luiz Roberto Barradas Barata e deputado Celso Giglio



“Expansão de cursos não foi acompanhada
de expansão do ensino prático da medicina”
LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA, secretário da Saúde do Estado de São Paulo
        A expansão desmedida de faculdades de medicina em nosso Estado tem recebido críticas dos mais diferentes segmentos sociais. Por
isso que eu acho tão oportuna a CPI, para que possamos debater esse assunto e propor às autoridades medidas que controlem e disciplinem
a criação de faculdades de medicina.
       Aqui no Estado de São Paulo e no Brasil como um todo, até o final da década de 1960, as faculdades de Medicina não proliferavam. O
número era estável. O Estado de São Paulo tinha quatro faculdades até o final do ano 60. Aí o Governo Federal fez um movimento muito forte
de expansão de faculdades de Medicina, argumentando que havia uma falta de médico. Na época, isso era verdadeiro. Houve um primeiro
movimento, responsável pela criação de 15 cursos de medicina no Estado de São Paulo, período de 1965 até o final dos anos 70.
        Depois tivemos um segundo movimento de expansão mais recente, do início dos anos 90 até o ano de 2008, quando 12 faculdades
de Medicina tiveram as suas atividades iniciadas nesse período aqui no Estado de São Paulo, totalizando, hoje, 31 faculdades de Medicina no
Estado de São Paulo, que inscrevem, no primeiro ano, dois mil e novecentos alunos de Medicina e formaram, no ano passado, cerca de dois mil
e trezentos alunos. Algumas faculdades ainda não tiveram a sua primeira turma concluindo o curso.
        Essa expansão rápida de cursos não foi acompanhada de uma expansão do ensino prático da Medicina, dos hospitais de ensino, dos
hospitais-escola, da residência e da especialização.
        O Estado de São Paulo forma, anualmente, cerca de 2.300 a 2.500 jovens médicos. Temos cerca de 1.500 vagas nas residências para
especializar esses médicos. Ou seja, quase mil médicos recém-formados não têm possibilidade de aperfeiçoar o seu curso médico. E São Paulo
forma 40% dos especialistas do Brasil – 40% das vagas de residência médica, 40% dos títulos de especialistas são concedidos a médicos
aqui no Estado de São Paulo. Se lembrarmos que nós temos só 22% da população brasileira, alguma coisa de estranha está acontecendo. São
Paulo atrai médicos formados em todo o País interessados em se especializar. E não há, no momento, no Estado de São Paulo, a possibilidade
de atender a todos os formandos.
       A questão da graduação, da instalação de cursos de medicina, da própria instalação de residências médicas, não é uma atribuição do
Governo do Estado. É competência do Ministério da Educação do Governo Federal. O Governo Federal e o Conselho Nacional de Educação é
que tem a prerrogativa de autorizar ou não o funcionamento de uma nova escola de medicina.
       Por tudo isso, a ação da Secretaria de Estado de Saúde, da Secretaria de Estado da Educação e do o próprio Governo do Estado de
São Paulo é muito limitada nessa matéria, porque estamos disciplinados por essa ação do Ministério da Educação, do Conselho Federal de
Educação.
       Em São Paulo a preocupação com a qualificação do profissional é a mesma que motivou a instalação desta Comissão: gostaríamos de
ter médicos bem formados, qualificados, para melhorar a qualidade da assistência oferecida à população paulista. Temos algumas ações que o
Governo do Estado, por intermédio da Secretaria da Saúde, nesse sentido.
        Destaco dois movimentos da Secretaria da Saúde nos últimos anos. Primeiro, é a ampliação do número de vagas de residência médica,
principalmente para as especialidades onde o Estado nota uma maior carência de profissionais, como a de Oncologia, por exemplo. Oncologia
é uma especialidade relativamente nova, surgida nas últimas duas décadas. Quando me formei, quem tratava de câncer de estômago era o
cirurgião gástrico, o gastroenterologista. Hoje não é mais assim: quem trata do câncer de estômago é o oncologista, quem opera o câncer de
estômago, quando precisa de cirurgia, é que é o cirurgião. A Oncologia se transformou numa especialidade médica e não foi acompanhada da


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criação de departamentos de Oncologia nas faculdades de Medicina e, consequentemente, não foram acompanhadas de vagas na residência
médica para a área de Oncologia. O Estado tem procurado incentivar os hospitais de ensino, os que têm residência médica no Estado de São
Paulo, a abrir vagas nessa especialidade, oncologia, do mesmo jeito que temos incentivado a ampliação de vagas de intensivistas neonatais.
Neonatologistas também. A terapia neonatal progrediu muito nos últimos anos e há carência desse profissional. Sempre houve carência de
anestesistas no Sistema de Saúde brasileiro e continua havendo. O mesmo acontece com os endoscopistas.
        A Secretaria está oferecendo aos hospitais de ensino e às faculdades de Medicina, a possibilidade de ampliar as vagas nessas
especialidades, financiadas pelo Governo do Estado.


Deputado LUIS CARLOS GONDIM (PPS)
         Eu prestava muita atenção no problema da residência médica. Fui adido ao serviço do Hospital das Clínicas, até 1983, quando havia
residência e adidos ao serviço. Estamos precisando de mais residentes, de aumentar número de residentes. O que o Estado poderia fazer para
termos pelo menos um ou dois residentes por hospitais que oferecem a residência em especialidades? Veja o caso da Pediatria, por exemplo.
Não há pediatras e existem quatro vagas na Santa Casa de São Paulo. Ocorre o mesmo com a Oncologia. Quem faz a cirurgia de média
complexidade, como a de vesícula ou de hérnia, são os residentes orientados pelos professores. Daí a necessidade que qualquer hospital,
qualquer faculdade que seja aberta ter um hospital à disposição para que os alunos possam aprender. Por que o Estado sabendo que quem
realiza essas cirurgias, esse atendimento de média complexidade, não aumenta o número de residências em São Paulo?


Deputado FAUSTO FIGUEIRA (PT)
      A CPI constatou que existem algumas especialidades e um número de residências que não são preenchidas muitas vezes nos concursos.
Como resolver essa questão?
         Segunda questão é do piso salarial médico. Será que por trás dessa questão da distribuição não existe o problema da remuneração
dos médicos, na medida em que existem divergências e achatamentos salariais que podem, eventualmente, estar justificando a inexistência de
profissionais e má distribuição dos médicos?
         Acho que essa afirmação do professor Jatene de que faltam 100 mil médicos no Brasil algo extremamente importante, porque eu acho
que desloca de algum jeito o foco da própria CPI de lutar pela não proliferação. Creio que estamos tratando dos sintomas e não das causas.
Acho que nós temos que discutir como formar os médicos e o número de médicos que o Brasil necessita. Não basta só atacar a questão da
abertura de escolas médicas, mas incentivar a abertura de escolas médicas com condições adequadas de funcionamento. O papel da União,
dos Estados e dos municípios é fundamental na equação do incentivo de formação de escolas médicas, para se formar os 100 mil médicos que
o Brasil precisa.
        Acho que uma coisa extremamente importante que o Professor Jatene colocou é essa questão da indústria de equipamentos e a
substituição dessa relação médico-paciente pelos equipamentos, aumentando de uma maneira absurda o aumento do custo do atendimento
médico e criando uma necessidade para o próprio paciente que pede uma ressonância sem ter sido examinado, nem foi auscultado ou sem
que o médico tenha feito uma anamnese. Trata-se da substituição do exame subsidiário por outro subsidiário de uma tecnologia médica que
encarece e inviabiliza, muitas vezes, programas de saúde.
       Acho que essa questão da residência é uma coisa importante, mas existe uma constatação de que a dotação, para residência médica,
tem estado congelada nos últimos três anos. Eu queria também ouvir a sua palavra sobre como enfrentar este incentivo à residência se nós
temos um congelamento das verbas para residência médica no PPA e no orçamento do estado há três anos.


Deputado JOSÉ AUGUSTO (PSDB)
        E acho que esta CPI cumpre o seu papel. Temos aqui este debate contínuo e várias questões que foram levantadas. Qualquer instituição,
pública ou privada, que queira formar médicos, tem que ter um hospital, tem que ter uma estrutura para a prática médica.
       A segunda questão é como se fazer isso. Como é que nós podemos fechar faculdades que não cumprem esse papel?
       Cabe à Federação, e aí secretarias estaduais, secretarias municipais e ministério, além do Ministério da Educação o Ministério da Saúde,
formular essa possibilidade de fechamento dessas faculdades, de influenciar os cursos e os currículos.
        Nós falamos ainda a pouco do SUS e do PSF. Hoje, é o Estado quem financia e é o Estado quem vem definindo as regras políticas e
a organização de serviços. Então, cabe a fazer com que essas faculdades de Medicina formem profissionais voltados para nossa prática, uma
prática de respostas a provavelmente 80% das patologias, ou até mais. É possível ser feito sem a utilização de tecnologias mais avançadas,

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mais caras. É formar esse profissional para fazer esse diagnóstico.
        Eu fui dos deputados aqui na CPI que questionava essa prova que o Conselho Regional de Medicina ou outra instituição possa fazer.
Isso para mim é burocrático, é atrasado. Nós tínhamos que fazer com que essas faculdades possam formar os melhores alunos e o Estado como
um todo, tanto as secretarias como os ministérios, tenham que fiscalizar e ter poder de mudar, fazer com que essa faculdade perca esse poder
de formar alunos.
       Outra questão que eu acho que é interessante é a formação e requalificação de profissionais. E como, logicamente, a Ciência Médica
é uma das que mais avançam, cabe a esses organismos, inclusive os Conselhos Regionais de Medicina e sindicatos, exigir que as instituições
estejam constantemente avaliadas.
        Quero colocar aqui uma tese que eu tenho que é a seguinte. A questão do erro médico. No momento em que o erro médico é colocado
sob a responsabilidade das instituições, as instituições vão se preocupar com a formação dos seus profissionais contratados. E mais. Mesmo
aqueles profissionais que são aprovados e são contratados muitas vezes não estão preparados para o modelo de atendimento proposto. Então,
cabe às instituições modelar os seus profissionais, fazer diagnóstico e formar os seus profissionais de acordo com o modelo de atendimento
previsto em estratégia.
       Aponto primeiro a necessidade de que as faculdades formem melhor seus alunos, que o Estado possa ter uma intervenção mais precisa,
que os cursos sejam avaliados periodicamente, mas depois do médico formado. Para mim isso é uma individualização; é individualizar uma
questão que tem que ser colocada no coletivo – as faculdades, o Ministério e a Saúde têm que assumir essa questão.
       Outro ponto é que todas as instituições devem ter uma formação continuada e uma avaliação permanente. Médicos têm que passar
por uma avaliação, por uma readequação e uma requalificação da sua formação.


Secretário Barradas
        O Governo do Estado de São Paulo é o único governo estadual que financia 70% das vagas de residência médica em seu Estado. O
Governo do Ceará também financia vagas de residência, mas não nessa proporção. No Brasil, de modo geral, 70% das bolsas de residência
médica são do Governo Federal. As universidades federais e os hospitais federais têm 70% dos residentes. No Estado de São Paulo é diferente:
70% das vagas são pagas, desde a década de 80, pelo Governo do Estado de São Paulo. Então, das 1.500 vagas que temos aqui no Estado de
São Paulo para o primeiro ano de residência, entre 900 e mil vagas são financiadas pelo Governo do Estado de São Paulo. Temos procurado
ampliar vagas de residência de primeiro ano nessas especialidades em que o Sistema Único de Saúde de São Paulo tem mais carência.
        Mas é o Governo Federal quem fixa o valor da bolsa de residência e se o Governo Federal atribui um aumento no valor da bolsa de
residência os estados são obrigados a acompanhar esse aumento, sob pena de a residência médica, aqui no Estado de São Paulo, no Hospital
das Clínicas, no Hospital da UNICAMP ser descredenciado. O governo do Estado fica sempre muito receoso de ampliar o número de bolsas,
aumentar despesa e depois ser surpreendido por um aumento da Comissão Nacional de Residência Médica e ter que pôr mais recursos ainda
para um programa que, para o Governo do Estado de São Paulo, é o mais custoso do país. Não existe nenhuma secretaria da Saúde que tenha
uma dotação como tem a do Governo do Estado de São Paulo para financiar bolsas de residência médica. Então, essa é a limitação maior.
        Existe outra limitação. No caso da Neonatologia, por exemplo, necessitamos de berçários e leitos de UTI neonatal para poder ter a
prática dos médicos nessa especialidade. E não temos uma ampliação do número de leitos de UTI neonatal e nem professores preparados.
Eles estão, em sua grande maioria, nas faculdades de Medicina. Além do problema financeiro, há ainda o problema de campo de estágio e de
professores preparados para fazer a residência.
        A boa notícia é que de 2008 para 2009 aumentamos cerca de uma centena de vagas na residência médica. De 2009 para 2010 vamos
aumentar mais uma centena de vagas. É um aumento pequeno, mas conseguimos sair do congelamento, na expectativa de que o Ministério
da Educação, através da Comissão Nacional de Residência Médica, não imponha um aumento no valor da bolsa. Se isso vier a acontecer vai
restringir o aumento que a gente poderá estar fazendo de 2010 para 2011.
        Esse foi o primeiro movimento que fizemos na tentativa de minimizar o problema da formação de médico sem o devido preparo ou sem
o treinamento necessário para exercer essas especialidades que são as de maior demanda do SUS.
        O segundo movimento feito pela Secretaria nos últimos anos foi uma parceria com as associações de classe, com a Associação
Paulista de Medicina, com a Associação Médica Brasileira e com o Conselho Regional de Medicina, para proporcionar aos médicos paulistas,
a possibilidade de fazer uma atualização profissional. A Associação Paulista de Medicina, em parceria com o Governo do Estado, produziu um
curso de atualização nas diferentes especialidades. Cada sociedade de especialista elabora seu programa de atualização e oferece por meio
de cursos de telemedicina, com cursos presenciai e a distância, a todos os médicos de São Paulo. A iniciativa foi um sucesso. Conseguimos a
adesão de muitos médicos fixados no interior do Estado de São Paulo que, com esses cursos de telemedicina, se aperfeiçoaram, tirar o título
de especialista, conseguiram uma formação e uma atualização no seu treinamento básico.

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Em algumas áreas específicas, mais especificamente a Ginecologia e a Obstetrícia, encontrávamos indicadores de mortalidade materna
e de mortalidade infantil muito alta em algumas regiões como a do Alto Vale, do Vale do Ribeira e também a região da Baixada Santista.
Nessas regiões, contratamos um curso de emergência obstétrica, treinamos os médicos, inscrevemos graciosamente os médicos que trabalham
no SUS, para que eles pudessem ter um retreinamento e aprimorar o seu trabalho, de forma a reduzir os indicadores de mortalidade materna
e a mortalidade infantil.
        Todos os médicos que fizeram o curso foram aprovados e receberam o certificado como médicos aptos a fazer o atendimento de
urgência em obstetrícia. Temos esperança que com esse treinamento possamos melhorar a qualidade da assistência materno-infantil nessas
regiões mais carentes do Estado de São Paulo.
        Temos planos, neste ano, de expandir esse treinamento para as regiões de Presidente Prudente, no Pontal do Paranapanema. Na
Baixada Santista faremos um novo treinamento de reforço, porque alguns médicos não puderam cursar no ano passado. Também vamos repetir
o treinamento no Vale do Ribeira, em 2010.
       Esses dois movimentos permitiram que ampliássemos de 24% para 35% das mil vagas de residência médica nessas especialidades
mais carentes, prioritárias para o Sistema Único de Saúde. É um movimento que tem que ser feito lentamente, porque precisamos ter o serviço
onde o residente pode estar se aprimorando. Não adianta abrir mais 15 vagas de neonatologia no Vale do Ribeira, se eu não tiver os leitos de
UTI neonatal para que esses médicos possam ser treinados. Uma coisa depende da outra. É um investimento lento, é uma coisa demorada,
mas estamos caminhando.
        Achamos que está mais do que na hora de discutir a questão do exame de qualificação profissional. Essa é uma questão muito debatida
e nesta Comissão Parlamentar devem ter trazido as diferentes posições. Existem médicos e educadores que são contra o exame de Ordem,
vamos falar assim. E tem aqueles que são radicais, que acham que o exame de ordem é uma necessidade que deve ser implantada no mais
curto espaço de tempo.
        Eu sou favorável ao exame, porém, não da forma como ele está sendo proposto. Um jovem que passe seis anos pensando que está
aprendendo medicina, que está sendo aprovado, está passando nas provas, indo para o segundo, para o terceiro, para o quarto ano, faz o seu
internato, que recebe o seu diploma, quando presta o exame, não é aprovado. Eu tenho receio de a gente repetir na Medicina aquilo que se faz
com muita crueldade, a meu modo de ver, com o Direito: o estudante estuda durante quatro anos e depois mais de 80% deles não conseguem
ser aprovados no exame da OAB.
        Na Medicina, os exames têm reprovado, em média, mais de 50% dos recém-formados. Esse percentual de 50% é muito questionável
porque não são todos os que fazem o exame. Daqueles que fazem o exame, 50% são reprovados. Como seria se todos fizessem? Eu não sei
se o percentual seria o mesmo ou se ele se modificaria. Mas, de todo jeito, uma crueldade com o jovem que entra na faculdade aos 18 anos,
sai aos 23, 24 anos, pensando que teve uma boa formação, submetê-lo a uma prova e dizer: Olha, você não está apto a cursar medicina. E aí?
Perde-se os seis anos investidos nesse jovem?
        Sou favorável a um exame da Ordem, mas um exame feito de outra forma. Acho que o exame deveria ser feito no final do segundo ano,
no final do quarto ano e no final do sexto ano. E o Exame Nacional deveria ser pré-requisito para matrícula no terceiro ano, para matrícula no
quinto ano e para matrícula na residência. E digo mais: esses três exames comporiam a nota média para que o médico recém-formado pudesse
ingressar na residência médica em qualquer lugar do país.
        Eu sou médico, me formei na Paraíba, quero vir estudar cardiologia no Incor. Se eu tive as notas do Exame Nacional do segundo para
o terceiro, do quarto para o quinto e quando eu me formei, maiores do que todos os paulistas, o primeiro lugar é meu para me inscrever na
residência. Então, teria uma nota mínima para inscrição na residência e uma prova específica para avaliar a habilidade do candidato para
aquela especialidade que ele pensa cursar. Eu acho que não se pode abrir mão da prova específica de cada especialidade, mas haveria uma
nota geral, como mais ou menos nós estamos caminhando no ENEM para que pudesse o jovem entrar na universidade.
         A minha proposta é nesse sentido. E aquela faculdade que tivesse reprovado 80% dos seus alunos de segundo ano só matricularia,
no terceiro, 20% dos alunos. Ou seja, as escolas caça-níquel, e elas existem, ficariam sem alunos no terceiro ano. Em dois anos os estudantes
diriam: ´não estamos aprendendo nada; tanto que 80% da nossa turma não foi aprovada no exame nacional´. Isso faria com que rapidamente
as faculdades se estruturassem para dar um ensino de melhor qualidade.
        Devemos ter um exame de Ordem, mas não um exame único ao final do curso, mas exames aplicados do segundo para o terceiro ano
do curso, do quarto para o quinto e ao final do curso médico. Por que isso? Aqueles que não são médicos não sabem, mas os que são médicos
lembram: o curso de medicina, nos dois primeiros, ensina 90% do que o médico precisa saber sobre o corpo humano normal; nos dois anos
seguintes – terceiro e quarto anos –, o curso ensina sobre o corpo humano doente, o que causa doença, a fisiopatologia, a patologia; e o quinto
e sexto anos do curso são reservados para a prática médica, para desenvoltura das habilidades médicas – saber auscultar o doente, palpar o
doente, examinar o doente. Por isso é que acho que o ideal seria fazer esses três exames para compor uma nota que confirmaria a qualificação
ou não do médico para exercer a Medicina.


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A regra não pode valer para quem entrou jogando um campeonato em que podia usar a mão. A regra tem que valer para os campeonatos
futuros, inclusive para as escolas se prepararem e, em seis anos, estarem regularizadas.
         A segunda ação que proponho – e que eu sugiro à Comissão como debate – e é a questão das vagas de especialização, das vagas
de residência e das vagas de internato. Acho que uma lei federal deveria disciplinar essa questão que não deveria ficar a critério da vontade
política do Ministério da Educação: para a abertura de uma faculdade de Medicina seria essencial que o curso médico proposto, se tivesse
100 vagas, deveria contar com o dobro de vagas num hospital de ensino para que aqueles estudantes pudessem ter uma prática. Não seria
autorizada a criação de nenhum curso de Medicina que não tivesse a ele vinculado o dobro do número de vagas de primeiro ano, de forma
a garantir que, quando o estudante chegar no quinto e no sexto ano, tenha condições de estar praticando, aprendendo e desenvolvendo as
habilidades necessárias para ser médico.
        Além disso, todos os cursos de Medicina novos deveriam ter, em minha opinião, o mesmo número de vagas do primeiro ano como
vagas de residência médica. Deveriam financiar bolsas de residência médica em número equivalente ao de alunos inscritos no primeiro ano,
para garantir a todos os aprovados no curso de Medicina, a possibilidade de ingressar na residência médica. E aquelas faculdades que não
tivessem condições de ter residência médica presenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica deveriam financiar vagas nas entidades
que têm condições de desenvolver residência médica. Ou seja, se tenho na minha escola condição de formar 100 residentes, de inscrever 100
residentes, ótimo. Se eu não tenho, se só consigo 50 vagas de residência credenciada, eu me obrigo a financiar 50 numa universidade Federal
ou numa outra universidade, de maneira que os meus 100 estudantes possam também se especializar.
         Eu acho que esses dois movimentos contribuiriam muito para elevar a qualidade do ensino médico e garantir a formação de um
profissional mais adequado e mais capacitado à realidade brasileira.
         O sanitarista Carlos Gentille, um sanitarista antigo, costumava dizer que, na década de 1960 e 1970, no século passado, os médicos
acompanhavam as agências bancárias. Você queria saber se numa cidade tinha médicos, era só verificava se ali existia agência do Banco do
Brasil. Se tivesse uma agência bancária muito provavelmente teria um médico; se não tivesse uma agência bancária, muito provavelmente lá
não se fixaria um médico. É mais ou menos natural que isso ocorra. O médico vai procurar uma cidade em que ele possa se estabelecer, ter sua
prática profissional, mas também formar e criar a sua família. Então, vai querer que tenha uma escola, que tenha o que hoje não existe mais,
o chamado ginásio estadual. Então isso tudo é que atraía o médico e interiorizava o médico.
       Aqui no Estado de São Paulo esses fatores já não são mais importantes. Todas as cidades do Estado têm agência bancária, todas as
cidades de São Paulo estão a 10, 15 minutos de uma grande cidade com ginásio.
        O problema é que o profissional médico não se sente seguro, não se sente formado para praticar uma Medicina mais simples. O
estudante de Medicina recém-formado, sente-se apto a operar um equipamento ou a pedir um exame, mas não se sente apto a tratar aquele
paciente que está só com um mal-estar passageiro, com um problema familiar ou com uma diabete simples. Esse não é o paciente para o qual
o médico que estamos formando está capacitado. E é isso que impede que a gente tenha, mesmo oferecendo bons salários, um médico de
família numa cidade numa boa periferia de uma grande cidade. Daí a importância de melhorar os cursos de graduação e formar médicos mais
adaptados às necessidades regionais.




02/02/2010
Deputados presentes: Uebe Rezeck, Fausto Figueira, José Augusto, João Barbosa, Pedro Tobias e Adriano Diogo




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Bráulio Luna Filho



“Sempre se confundiu diploma com competência”
BRÁULIO LUNA FILHO, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)
        A proliferação dos cursos de medicina é um assunto que tem mobilizado a sociedade e os Conselhos Regionais. Isso porque havia uma
impressão muito subjetiva de que havia algo de podre nas escolas médicas do Estado de São Paulo e, por extensão, do Brasil. Não é da cultura
da nossa sociedade submeter à avaliação uma profissão que tem um viés elitista, no sentido de uma formação intelectual. Sempre se confundiu
diploma com competência, prevalecendo a idéia de que o indivíduo, ao entrar numa escola médica, cursar os seis anos regulamentares e
receber um diploma estaria habilitado profissionalmente para o exercício da profissão médica e com bom nível de qualidade.
         Sabemos que isso não poderia ser verdade. Considerando a nossa experiência, particularmente eu, que sou professor numa escola de
universidade federal aqui do Estado de São Paulo, sabemos que não há uma avaliação criteriosa nos alunos das escolas médicas do Estado de
São Paulo. E se isso é verdade para as escolas consideradas de alto nível, as escolas federais e estaduais, é mais verdade ainda para as outras
escolas.
        Na primeira avaliação que fizemos, entre 2003 e 2004, elaboramos um documento em afirmávamos que só havia avaliação de fato
do nível de competência desses alunos, ou desses recém-formados, quando eles se submetiam ao exame de residência médica. Trata-se de
um exame extremamente árduo, competitivo e excludente, já que não havia vaga para todo mundo. Nas escolas eles não eram avaliados de
maneira adequada.
        Ocorre que a formação médica é crucial. Os médicos, por mais que a se cuidado ao fazer essa afirmação, são uma categoria especial
porque lida com a vida. O erro médico não tem a mesma dimensão social do erro de outras profissões. Nos Estados Unidos, onde a formação
médica é extremamente rigorosa, o Instituto de Medicina – órgão independente responsável por avaliações anuais – concluiu que, dentro
dos hospitais americanos, um número entre 44 mil e 98 mil cidadãos morrem em decorrência de erro médico. Lá, para exercer a profissão, os
alunos têm que ter sido aprovado em três tipos de exames, o United States Medical Licensing Examination (USMLE). Ele faz uma avaliação
sobre os conhecimentos básicos – Biologia, Microbiologia e Bioquímica – ainda nos primeiros anos do curso médico, e faz outra ao final do
curso que lá tem quatro anos. Recentemente, começou a ser exigida uma terceira avaliação, para saber se o indivíduo tem condições de exercer
a profissão nos Estados Unidos.
        Nos Estados Unidos, das 125 escolas, quase 85% exigem que os alunos tenham sido aprovados nesses exames antes de se formar. Só
então ele vai fazer residência médica. Nenhum médico tem acesso à prática médica, ao exercício profissional se não fizer residência médica.
E, concluída a residência médica – que varia de dois a seis anos, dependendo da área – precisa submeter-se à nova avaliação geral. Se ele
tentar especialidade, é obrigado a continuar a residência por mais três a quatro anos e aí fazer uma avaliação externa à instituição à qual está
vinculado para finalmente receber o direito de exercer medicina nos Estados Unidos. Esse modelo está implantado nos Estados Unidos há 40
anos. E a população americana tem continuamente demanda maior à eficiência dos seus médicos.
        No Canadá, o processo começou em 1992. Nenhum médico canadense entra na residência médica sem ter feito essa avaliação. E se
ele não entrar na residência médica, não tem o direito de exercer a profissão. É bacharel, mas não será médico.
        Na Inglaterra – país que é um dos baluartes da ciência –, o governo implantou, contra as posições corporativistas das entidades
médicas, um exame de avaliação obrigatório antes de o indivíduo entrar nos programas de residência médica. Só assim ele pode ingressar no
sistema nacional de saúde, que hoje abrange quase 80% da prática médica. Também é desse mesmo período a regra que estabelece que, a
cada cinco anos, os médicos em exercício da profissão têm que revalidar o seu diploma, já que o conhecimento na área médica, assim como
em outras áreas, tem evoluído de maneira exponencial.
        A grande discussão é como avaliar a qualidade médica. O estudante de medicina é avaliado na escola, mas muito mal avaliado. A
avaliação é atomizada, feita por disciplina e não há checagem externa. Isso sem falar que não há uma cultura de reprovação no Brasil. Só

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recentemente o Ministério da Educação começou a fazer o exame do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) nas escolas
médicas. Fez dois exames e encontra uma tremenda resistência, não só dos alunos, como também dos professores. Quando se avalia o produto
da escola, se está avaliando a escola como um todo: as condições físicas, se tem hospital ou não, os professores, os médicos e os alunos.
        Não há dúvida de que o ideal é haja uma avaliação seja rigorosa durante os anos do curso médico. É assim que é feito nos Estados
Unidos. Lá, o governo não interfere. A avaliação é feita por uma organização externa e é consensuada pelas faculdades de medicina que são
recredenciadas a cada dois ou três anos. Há 20 anos não são abertas escolas de medicina nos Estados Unidos. E, não obstante, mais de 50 mil
pessoas morrem dentro dos hospitais americanos por erro médico.
        Não dá para subestimar a complexidade do erro médico. Nem dizer que a culpa do erro médico é do sistema de saúde. Todos são
culpados e todos devem pagar o seu preço, caso contrário quem paga é a sociedade, as pessoas que ficarem doentes. Tenho discutido esse
assunto nas escolas médicas do Estado de São Paulo e também de outros estados. E não há dúvida de que uma das maneiras de fazer uma
avaliação e influenciar as escolas é estabelecer uma certificação ao final do curso.
        Foi assim com o Instituto Flaschen. Quando o professor Flaschen fez uma avaliação nas escolas médicas dos Estados Unidos, em
meados do século passado, concluiu que determinadas escolas deveriam ser fechadas. E elas foram fechadas, porque o aluno ou pai do aluno
que o colocasse naquela escola saberia que ele teria pouca chance de depois conseguir exercer a prática médica. Como lá a maioria das
escolas médicas é privada - os Estados Unidos têm uma escola federal apenas -, ninguém quer perder dinheiro. Lá, como aqui, o curso mais
caro que existe é o de medicina: algo em torno de US$ 60 a 80 mil dólares, US$ 40 mil dólares de curso mais as despesas relacionadas com a
convivência. No Brasil, a média, este ano, está em torno de R$ 4 mil. Quem faz medicina, lá ou aqui, é uma elite intelectual e econômica. Não
podem ser considerados pobres coitados desinformados, que foram enganados pela escola. Os órgãos fiscalizadores do Estado também são
responsáveis: não existem ou funcionam muito mal. Só agora se está tentando se criar uma cultura nesse sentido. Mas não há dúvida de que
uma medida simples de avaliação terminal no curso é capaz de influenciar de maneira importante os resultados da prática médica.
         Há uma diferença muito grande entre o médico que teve um bom escore na avaliação terminal e outro que não teve ou que não foi
certificado. Eu medi isso na minha área de atuação, a cardiologia. A diferença, em termos de mortalidade, chega a 20%.
        O mundo inteiro não confia que uma escola credenciada pelo poder estatal, tenha condição de ad infinitum de liberar seus estudantes
com diploma médicos. Exigi-se avaliação. No mundo civilizado, ninguém ingressa na prática médica sem residência médica. Só no Brasil o
indivíduo se forma em qualquer escola e está autorizado a abrir a cabeça do primeiro paciente que ele encontrar. Se ele tiver bom senso, vai
continuar trabalhando dentro um grande hospital, com a cobertura de outros médicos. É por isso que os médicos não vão para o interior, para
as cidades pequenas; eles não têm segurança científica para atender numa cidade pequena.
         No Brasil não faltam médicos. Temos hoje quase 340 mil médicos. Nos próximos dez anos vamos chegar a quase 500 mil médicos,
baseado nos números de escolas que temos hoje. Nos próximos cinco ou seis anos formaremos 18 mil médicos por ano; atualmente esse
número é quase 14 mil. O problema é que esses médicos malformados permanecerão nos grandes centros urbanos. Aprenderam muito pouco
e vão fazer o quê? Talvez cosmetologia, que não mata ninguém. Não vão querer trabalhar em emergência, nem se instalar numa cidade do
interior. Mesmo que lhes paguem muito dinheiro. Ele não sabe medicina. E como ele vem de uma família que consegue pagar R$ 4 mil por
mês para ele estudar, não tem razões econômicas para ir para uma cidade pequena e se expor. É isso o que a gente vê na maioria das cidades
do país.
       Queremos ter médicos que atendam aos ditames da profissão médica e é isso que o Conselho Regional de Medicina está fazendo.
Se continuarmos assim seremos desmoralizados. Evidência disto é a quantidade de pseudos-médicos que o Conselho teve de identificar e
denunciar à Polícia, no ano passado.
        O Brasil é um país curioso. Estamos em segundo lugar em número absoluto de escolas. Só perdemos para a Índia e a Índia tem 1,12
bilhão de habitantes. E o número de escolas médicas no Brasil estacionou em 178 porque o Conselho Nacional de Saúde e o MEC têm impedido
abertura de novas escolas. Algumas entram na Justiça e conseguem uma liminar. A nossa legislação judiciária é muito permissiva. No último
enfrentamento, a luta judicial chegou no Supremo Tribunal. O curso não tinha nem começado. A escola tinha feito só um vestibular fajuto,
porque não há vestibular na maioria dessas escolas privadas: o indivíduo compra a vaga por R$ 4 mil, R$ 5 mil. Há vestibular nas escolas
públicas estatais e municipais. Aí há vestibular e os alunos são muito bons, porque competem com 30, 40, 50, 90 alunos contra uma vaga. Um
desses processos que eu acompanhei foi o de uma escola lá de Garanhuns, no interior de Pernambuco, que obteve uma liminar do Supremo
Tribunal que argumentou que aquele estudante tinha adquirido o direito potencial de ser médico. Que médico que eles vão ser? Simplesmente
porque compraram uma vaga de vestibular?
      Esta é uma briga perdida. Em pouco tempo ultrapassaremos a Índia em abertura de escolas médicas de má qualidade. Vamos inchar o
número de médicos nos grandes centros urbanos e, no interior, vai continuar faltando.
       O Conselho entrou nessa jogada porque, até então, pela legislação, éramos um mero cartório. O indivíduo chega com diploma e a gente
dá a carteira para que ele possa exercer a medicina. Somos meros cartório. E aí flagramos a prática dessas pessoas que é atroz. Em 1998, o
Conselho recebia cinco denúncias por dia. Agora, são 14 denúncias por dia. E essa é a ponta do iceberg. A maioria das pessoas é tolerante com
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os médicos. Se o indivíduo for um bom papo, souber fazer uma boa abordagem, o paciente não denuncia.
         Nós, que trabalhamos no Conselho Regional de Medicina, somos conselheiros eleitos e passamos semanas fazendo julgamento. É
lamentável ver pessoas cada vez mais jovens sendo julgadas no Conselho. Como o Conselho, por prática médica, tende a ser condescendente
com os médicos mais jovens, a pena sigilosa para dar chance de o indivíduo se reciclar. Fica parecendo que só quem é condenado no Conselho
e tem pena pública, são os médicos com mais de 10 anos de formados. Esses médicos já foram condenados às vezes talvez duas ou três vezes e
tiveram a oportunidade de se reciclar. Só quando a coisa é muito grotesca é que o Conselho decide por uma pena pública. Cassação é exceção
dentro dessa regra. É aquele caso que realmente ganha um clamor público, porque não é da índole da categoria médica nem do juiz tentar
excluir o indivíduo de uma profissão que às vezes ele cursou seis ou oito anos.
        Em função dessa posição fiscalizadora, passamos a estudar esse problema. Trata-se de um fenômeno que acontece no mundo inteiro.
A preocupação com a qualidade médica é mundial. Em qualquer sociedade desenvolvida as pessoas têm preocupação com a qualidade do
trabalho médico.
        Resolvemos então fazer uma avaliação de fato. Será que esses médicos em São Paulo estão tendo boa formação? Fizemos um projeto
com o nome de Exame do CREMESP, para avaliar minimamente o que um médico precisa saber quando termina o curso médico. Passamos
quase um ano discutindo uma maneira de fazer essa prova, utilizando a experiência de outros países e, junto com a Fundação Getúlio Vargas,
desenvolvemos um instrumento de avaliação. Esse instrumento tem duas fases: uma prova cognitiva com cerca de 120 questões, sempre sobre
casos clínicos, cujas respostas exigem o raciocínio médico.
      Apesar da resistência das associações médicas, do sindicato e do Conselho Federal de Medicina, que eram contra, os alunos
compareceram, surpreendentemente.
        Relato a seguir o último resultado desse estudo. Temos cerca de 2.300 alunos se formando médico a cada ano, em São Paulo. Temos 24
escolas médicas que, até o ano passado, formavam médicos, ainda que São Paulo tenha um total de 31 escolas médicas. Neste ano entraram
duas – a Uninove e a UNICID que começam a formar médico. Outras ainda estão no processo de formação. Das 24 escolas médicas, nos últimos
quatro anos, 23 participaram do estudo. Sempre tem uma ou duas que boicotam. Quando o resultado não é bom, elas boicotam, não querem
que os alunos se exponham. Nesse último ano nós tivemos cerca de mil alunos inscritos. Inclusive alunos de outros estados.
        Na primeira fase da prova no ano passado tivemos 730 alunos de escolas públicas e privadas. De algumas escolas, de 100 alunos
inscreveram-se cinco ou seis. Mas tem escola que tem 100 alunos e se inscreveram 30. O objetivo não é uma avaliação de per si das escolas
médicas, mas do que está acontecendo no Estado de São Paulo.
       A prova tem 120 questões divididas nas áreas de clínica médica, cirurgia, ginecologia e obstetrícia, pediatria, que têm os maiores pesos,
e algumas áreas que consideramos importante, como a de saúde mental, saúde pública, ciências básicas e bioética que também entram com
um percentual menor.
       Consideramos que o indivíduo aprende cerca de 60% daquilo a que ele é exposto no curso médico, então a prova exige que ele
responda a 60% das questões.
        No ano passado, 61% não alcançaram essa média. Somente 31% foram aprovados, tiveram nota acima de 60%. Esse é um número
que nos assustou muito. Nos Estados Unidos, por exemplo, o indivíduo obtém na primeira prova um percentual de 90 a 95%. Tem ano que
passa a 96%. No Canadá a mesma coisa. Em outros países é um pouco menos, 85%. Nós imaginávamos, considerando a realidade de São
Paulo, que pudéssemos chegar a uns 70%, o que é razoável para a nossa realidade.
       Alguém argumentou que a prova é muito difícil e não representa o conteúdo do que é ensinado nas escolas. Não é verdade. Fizemos
um trabalho árduo: levantamos todos os currículos escolares, fomos às escolas, pedimos que eles nos enviassem perguntas e submetemos
a prova à avaliação de pessoas que estão lá fazendo prova, avaliando aluno. Consideramos a prova é considerada adequada do ponto de
vista matemático e de análise estatística. A prova é considerada muito adequada ou parcialmente adequada em cerca de 86% ou 87% das
questões.
         Avaliamos também se havia diferença entre escolas públicas e privadas. E há. Observem que as escolas públicas têm maior nível de
aprovação, inclusive de nota nos vários módulos. Essa é uma prova interessante que permite a você identificar qual é o módulo do conhecimento
médico que aquela escola ou que aquele aluno tem mais dificuldade: se é Saúde Pública ou Obstetrícia, por exemplo. Observamos que a
principal diferença entre escolas privadas e públicas não está no módulo de obstetrícia, saúde mental, pediatria ou ciência base. Não. Está em
clínica médica. Quem faz medicina sabe que clínica médica é base da medicina. Se o indivíduo sai da escola e não sabe clínica médica ele vai
aprender o quê? Quando você analisa as reprovações, a diferença entre a média dos aprovados e reprovados, o que conta maior reprovação é
clínica médica. Clínica médica, portanto, é o fator individual mais importante para afirmar se o indivíduo vai ser reprovado ou não. Demonstra,
do ponto de vista da amostra, que há problema na formação dessas escolas médicas. E olha que nós estamos misturando escolas públicas e
privadas.
       Outro número interessante: contamos com maior participação de alunos de escolas privadas do que das públicas. As escolas públicas,
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que deveriam estimular o direito social do aluno, de mostrar que está retribuindo o ensino que recebe gratuitamente e, portanto, colaborando
para melhorar o nível da formação médica, boicotam muito mais. Os alunos das escolas privadas vêm checar o conhecimento deles. Não
obstante ser a maioria, menos de 32% , é aprovada. No ano passado tivemos o dissabor de ter somente 39% de aprovação. Os alunos das
escolas públicas, não obstante representarem menos da metade dessa amostra, tiveram mais da metade da aprovação. Isso confirma a visão
de que o ensino nas escolas públicas é, de fato, melhor. E é melhor não apenas porque eles recebem melhor formação. É melhor porque
esses alunos já entraram bons na escola. Foram aprovados numa seleção de 40, 50, 80 candidatos por vaga. Esse aluno estuda, procura o
conhecimento.
         A segunda fase do exame é uma fase mais prática, que eles fazem em 45 minutos, em cima de casos muito comuns do ambulatório
clínico e de obstetrícia. E a aprovação é quase 99%. Já é uma amostra altamente selecionada e permite inclusive especular quais são as áreas
que eles têm mais dificuldade.
       Nos últimos quatro anos, o número de aprovação vem caindo e a média dos alunos que saem com formação razoável deve ser inferior
a 40%. E por que eu digo inferior a 40%? Porque essa amostra viciada, já que as pessoas fazem a prova voluntariamente. O indivíduo que está
mal preparado, que tem desconfiança, que tem insegurança do seu conhecimento, tende a não fazer uma prova dessa. A prova é feita num
domingo inteiro e o aluno só vai lá porque ele está convencido de que está bem preparado e vai receber uma certificação do Conselho Regional
de Medicina. Provavelmente a realidade pode ser muito pior do que isso.
       Mesmo as escolas boas, e pertenço à UNIFESP, considerada a melhor universidade do Brasil, no ano passado aprovaram somente 64%.
Ou seja, 36% dos nossos alunos, que são bons, não foram aprovados. No entanto foram os melhores. Eles são estimulados a ir porque eu e
faço uma campanha danada para isso. Dos 120, vão quase 100.
         O Conselho vai para o quinto exame e não se verga a pressões corporativistas. Precisamos do apoio de vocês porque a sociedade quer
critério de avaliação dos médicos. Toda vez que fizemos pesquisa pública, 95% do povão fala: não! E 100% das pessoas importantes, que
geram opinião, concordam com o exame. Entre os médicos, o percentual de aprovação está ao redor de 90%. Os estudantes estão divididos:
metade a favor, metade contra. A nossa proposta é implantar esse exame em nível nacional.
        Estou na comissão que está avaliando as escolas médicas no Brasil a convite do Professor Adib Jatene que está coordenando essa
comissão. Eu falei: `Professor Adib, eu não acredito nisso. Esse é um processo muito longo, até lá já morri.´ Eu quero uma coisa que interfira;
quero fazer um corte como fez o grupo Flaschen, nos Estados Unidos. Fazer uma inflexão de 90º. A avaliação é muito importante, mas é uma
construção. A gente vai lá, é uma pressão política atroz. Aí você propõe reduzir vaga. Para que reduzir vagas, se vai continuar entrando os alunos
e saindo mal do mesmo jeito? A 100 vagas viram 150 novamente, porque as escolas simplesmente ignoram a proibição do MEC. O MEC entra
na Justiça e eles ganham. Temos que criar um paradigma de avaliação. É fundamental que o MEC assuma isso: fechar as escolas, reduzir o
número de vagas. Mas isso vai demorar muito tempo. Muita gente vai ser mal atendida e muita gente vai ser ludibriada. As escolas mais caras
são as piores, porque são as que vendem vaga.
        Precisamos ter um sistema de avaliação não somente de acreditação, que é função do MEC, mas de um órgão externo às escolas
médicas, externo ao MEC, para não ter influência política, para ter uma avaliação que realmente atenda aos desígnios da população. E isso
deve acontecer paralelamente a um programa de residência médica que possibilite a todo médico recém-formado fazer residência médica. Não
se faz um curso médico em cinco ou seis anos, mas em pelo menos oito a 10 anos.


Deputado UEBE REZECK (PMDB)
        O grande problema aqui no Brasil é que não tem residência médica para todos os formandos. Aí fica difícil realmente. Tínhamos que
criar condições para as faculdades terem residência médica e hospitais que possam garantir residência médica, caso contrário, vamos criar
resistência, obstáculos que o aluno não vai poder cumprir por falta de residência médica.


Deputado CELSO GIGLIO (PSDB)
       Sua palestra que foi de grande utilidade. O senhor demonstra um grande conhecimento e consegue passar também para a gente um
pouco da sua frustração diante desse problema extremamente grave para São Paulo e para o País.
        O senhor começou falando do diferencial da profissão. Os médicos trabalham com vidas. Depois o senhor mostrou um quadro dos
erros médicos. Um número assustador no Brasil e mesmo em São Paulo. Sou de um tempo em que era muito difícil o médico ser processado
por erro médico, não se falava nisso. Hoje a gente sabe que já acontece isso e com um número e um percentual que nos deixa extremamente
assustados.
       O Deputado Uebe Rezeck colocou a questão da residência médica. Existe um número muito menor de vagas para residência médica do
que o número de formandos. E isso é extremamente grave. Eu não sei se o MEC não teve força para controlar isso ou se se não foi mostrado à

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Justiça brasileira as dificuldades que esse problema nos traz.
        Pretendemos, com a nossa Comissão, chegar aos órgãos mais importantes deste País e do estado, mostrar que, além de termos feito um
trabalho extremamente sério, é preciso se fazer com urgência alguma coisa nesse sentido. Sabemos das resistências, sabemos como as coisas
funcionam e não podemos permitir que isso continue acontecendo, porque o diferencial é que o médico trabalha com vidas humanas.


Deputado UEBE REZECK (PMDB)
       Eu só queria complementar a pergunta. Muitos hospitais usam o residente como mão de obra barata. Em vez de ele estar aprendendo,
é um serviçal. Então tudo isso realmente complica a formação do profissional. Então teríamos que analisar isso de um aspecto muito mais
amplo.


Bráulio Luna Filho
         Um dos grandes problemas é que a regulamentação que permitia a abertura de escola médica era muito atrasada. Nós mudamos a
resolução e, doravante, as escolas médicas para serem abertas têm que ter hospitais ou mostrar que têm convênio com hospitais; que têm uma
relação de cinco leitos para um aluno; tem que ter um professor para cinco alunos e 30% de doutores em seu corpo clínico. E é preciso que o
programa dela esteja integrado no SUS. E qual é o outro dado crucial que o Professor Adib está colocando agora? Esse hospital tem que ter
residência médica para que esse aluno que está saindo tenha chance de entrar no programa de residência médica.
        O MEC aumentou cerca de duas mil vagas de residência médica porque esse é um problema sério e muito mais complexo do que a
gente imagina. Não obstante não haver vaga em residência médica para todo mundo, sobra vaga de residência médica. Por quê? Porque o
indivíduo não quer fazer pneumologia, ele não quer fazer pediatria, ele não quer fazer saúde da família. O Governo tem feito uma pressão
danada. As cinco vagas de saúde da família do Hospital das Clínicas estão vazias. Como resolver esse problema? Colocando a residência
médica dentro de uma estrutura hospitalar. Eu acho que tem que interiorizar escolas médicas; elas têm que estar com hospitais nas regiões e
alocar aluno para essas regiões de maneira que ele possa se estabelecer lá.
       Hoje a gente sabe que o que fixa o médico não é onde ele estuda, mas onde faz a residência médica. Mas isso tem que estar aliado a
uma carreira de saúde. O médico precisa ter alguns estímulos, porque senão ele não irá. O governo tem que ampliar o programa de residência
médica e as escolas médicas têm que ter hospitais com programa de residência médica pelo menos nas quatro áreas básicas.


Deputado JOSÉ AUGUSTO (PSDB)
       Acho que nós estamos vivendo um momento muito feliz no Brasil, e você participou disso, Bráulio, da construção de um Sistema Único,
um dos maiores avanços no mundo inteiro. Isso se deu num momento em que o Brasil precisava. O País viveu um processo de expulsão do
homem do campo para a cidade e o mundo inteiro está vivendo a urbanização com a falência das três revoluções industriais e a mudança do
paradigma na produção, na globalização e os outros eixos que sustentam a economia.
       Essa é uma luta que teríamos que fazer em nível Federal, já que a Assembleia Legislativa não tem prerrogativa para legislar sobre essas
questões que a gente está discutindo aqui. Acho importante que o CREMESP faça as suas avaliações e possa contribuir, mas acho que nesse
momento, é uma posição burocrática. Precisamos fazer isso de forma mais profunda. A prova do CREMESP vai individualizar a avaliação: Você
passou, tudo bem; você não passou, está fora. Vá se preparar, como a OAB faz.
        A área da saúde foi a que mais avançou do ponto de vista político, da formulação de organização. Nós vamos ter que fazer esse avanço.
É inconcebível alguém que queira ganhar dinheiro ensinando ou formando médicos e não tenha um hospital. Tem que ter hospital e tem que
ter um número de leitos. Essa questão tem que ser sagrada. E todos os conselhos regionais de medicina e sindicatos têm que exigir isso para
que a Bancada Federal, para que os partidos políticos possam colocar essa questão. O SUS precisa de aperfeiçoamento, que só acontecerá
quando esse problema estiver resolvido. Essa é a primeira questão. É preciso rigor na formulação dos cursos médicos e uma avaliação periódica
pelo Ministério da Educação com o caso de fechamento. Tenho certeza que isso vai se dar no setor privado mais do que no setor público. Por
quê? Porque hoje, no Brasil, com exceção de São Paulo que tem uma universidade de boa qualidade, pública e do Estado, a maioria dos cursos
públicos que são referência são das universidades federais. O Ministério tem como fazer avançar e melhorar esses cursos, melhorando o salário
dos professores, criando gratificações ou recursos que possam beneficiar aqueles que querem fazer pesquisa e se dedicar exclusivamente ao
serviço de formação de médicos, fazendo com que a escola médica seja responsável pela avaliação do SUS. Isso é fundamental. Abrir o SUS
para que os alunos das escolas possam vivenciar a prática nas Unidades Básicas, nos Prontos-Socorros locais, vendo as patologias mais simples
e as mais complexas como parte curricular.
        Vivi, como vossa senhoria viveu, um momento em que a iniciativa privada era dona de tudo. O Estado passava para a iniciativa privada

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que fazia da Saúde uma fonte de lucro. Conseguimos fazer essa mudança. Cabe ao setor público ampliar e fazer com que isso seja, eu diria, o
“start”, a mudança que faz o aperfeiçoamento do SUS.
        Fico contente quando V. Sa. fala da questão da residência. Eu fui uma das pessoas que brigou muito. Lembro-me uma vez, com todo
carinho e respeito que tenho ao Sindicato dos Médicos, uma briga que tive com o sindicato porque exigia, lá em Diadema, quando fui Secretário
de Saúde, que as pessoas fizessem residência para atender as pessoas humildes. Eu quero o melhor, porque eu quero que o meu serviço seja
bom.
        Acho que o Ministério da Educação e as Secretarias de Saúde estaduais têm que responsabilizar o Serviço. O Serviço tem que ser
responsabilizado pelo erro médico, porque no dia em que isso acontecer esse Serviço vai se responsabilizar pela reciclagem permanente e
avaliação permanente dos seus profissionais, que é o que está faltando. O SUS contrata médicos como se eles já estivessem prontos; não avalia
o desempenho deles. E não é difícil. V. Sa. sabe que não é difícil. É necessário apenas fazer esse exercício, ter um diagnóstico permanente do
comportamento das doenças; ter uma avaliação permanente da conduta e o comportamento dos nossos profissionais e fazer com que isso seja
sistematicamente readequado. Vamos ter que fazer essa geração sair desse estágio de y e compreender que a bandeira que carregamos com
tanto sacrifício, outras pessoas precisam carregar. Temos que acreditar que tem pessoas que vão fazer isso.
        Acho que esta CPI traz um debate importante e a sua presença aqui também nos dá essa alegria: saber que V. Sa. está acompanhando,
pensando, propondo, fazendo essa prova com todas essas dificuldades. Continuo pensando que neste País, mesmo sendo um país capitalista,
existem algumas áreas que podem ser socializadas, como a Saúde e a Educação. No momento em que a gente pune o médico, estamos
permitindo que esses processos continuem. Temos que fazer com que o coletivo reaja, que o serviço seja responsável, o Estado seja responsável,
as prefeituras sejam penalizadas se não fizerem esse acompanhamento, que nós e as faculdades também vão fazer.
       São Paulo já foi exemplo. São Paulo teve uma importância muito grande na Reforma Sanitária. Hoje s não podemos mais fazer isso.
Seria um exemplo se nós pudéssemos legislar e fazer com que os cursos médicos paulistas tivessem um rigor maior do que em outros locais.
Temos estrutura para isso: temos recursos, bons professores, bons salários e um bom mercado.
       Não sei qual será o resultado da CPI que encaminharemos para Brasília. Teremos um relatório. Não vamos poder legislar sobre essa
questão, mas vamos poder indicar, e o presidente vai dar o nosso caminho e o relator. Todos os dados que V. Sa. traz serão instrumentos para
que nós possamos estar complementando os argumentos que nós queremos trazer.


Deputado FAUSTO FIGUEIRA (PT)
        Eu queria colocar três questões.
         Primeiro. Quais são as faculdades em sua avaliação ou na avaliação do Cremesp ou do CRM no Estado de São Paulo que apresentam
hoje dificuldades ou má avaliação ou dificuldades do ponto de vista de funcionamento?
       Segundo. Quais – se existem – estão brigando para se instalar e se há demanda de abertura de novas escolas?
        Terceiro. O professor Milton Arruda Martins esteve presente aqui nesta Comissão Parlamentar de Inquérito e foi contrário ao sistema
de avaliação proposto pelo Conselho Regional de Medicina. Ele entendeu e entende que a avaliação deva se dar em várias fases e não numa
prova única sujeita a vários tipos de variações e eventualmente de imperfeições de avaliação.
        E, por último, o senhor fez uma afirmação aqui que eu considero extremamente grave que é a questão da compra de vagas em vestibular.
Se isso é uma figura de linguagem, no sentido de que o acesso é só das pessoas que podem pagar, ou se efetivamente há comprovação de
fraude no vestibular? A compra de vagas seria algo extremamente grave do ponto de vista de apuração se isso realmente for literal.


Bráulio Luna Filho
       Deputado Fausto Figueira é sempre uma satisfação tê-lo numa discussão tão importante como esta e eu agradeço o apoio que eu tive
desta Casa, na sua pessoa, quando eu fui Presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e nós conseguimos, com seu apoio,
aprovar o Dia Estadual do Coração. Somos imensamente gratos por esse ato.
       Em relação à pergunta, se analisar as tabelas vai ficar claro que algumas escolas têm muita dificuldade. Eu vou citar algumas que são
hors concours, não tenho receio, não tenho conflito de interesse nenhum. A de Fernandópolis é uma temeridade. Fernandópolis. A Unaerp
de Ribeirão Preto é terrível. Posso antecipar aqui que o Conselho Nacional de Saúde propôs não recredenciá-la. São escolas complicadas.
Presidente Prudente é terrível. Gostaria de deixar claro que a nossa intenção é que as escolas aproveitem a experiência que o Conselho
Regional vem fazendo e evoluam, aperfeiçoem seu curso, façam os convênios necessários com os hospitais e contratem professores.
       Em relação às vagas, foi uma surpresa para a Comissão de Avaliação do Ensino Médico, coordenada pelo professor Adib Jatene, que das

                                                                     20
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CPI Cursos de Medicina

  • 1. CPI Cursos de Medicina Prestação de Contas dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
  • 2. CPI Cursos de Medicina ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO Prestação de Contas dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada com a finalidade de investigar a proliferação dos Cursos de Medicina, assim como os efeitos deste fenômeno sobre a qualidade dos serviços prestados Presidente: Deputado CELSO GIGLIO Vice-Presidente e Relator: Deputado UEBE REZECK Composição final dos membros efetivos e substitutos da Comissão Parlamentar de Inquérito Membros Efetivos Membros Substitutos PSDB PSDB Deputado José Augusto Deputada Célia Leão Deputado Celso Giglio Deputado Milton Flávio PT PT Deputado Fausto Figueira Deputada Beth Sahão Deputado Vanderlei Siraque Deputado Marcos Martins DEM DEM Deputado João Barbosa Deputado André Soares PPS PPS Deputado Luiz Carlos Gondim Deputado Alex Manente PMDB PMDB Deputado Uebe Rezeck Deputado Baleia Rossi PP PP Deputado Antonio Salim Curiati Deputado Mozart Russomano PR Deputada Patrícia Lima 1
  • 3. 2
  • 4. Por uma melhor qualidade na formação dos médicos De 2000 a 2009, foram criadas no Brasil nada menos do que 76 novas escolas médicas. Dessas, 57 aguardam o reconhecimento do MEC. É preocupante essa proliferação desenfreada, na medida em que as novas instituições não estão, geralmente, preparadas estruturalmente para oferecer um ensino de qualidade. Estima-se que, a continuar o atual sistema, em 10 anos teremos aproximadamente 130 mil novos médicos mal qualificados ou com formação insuficiente. Por outro lado, segundo o doutor Adib Janete, faltam ao Brasil cerca de 100 mil médicos. Além disso, os profissionais da medicina em atividade estão concentrados nos grandes centros urbanos. Convivem no país ilhas de excelência, como os hospitais de referência de São Paulo, com o atendimento sofrível que se observa nas áreas mais distantes e carentes. Para discutir estas e outras questões da área da saúde, propus, em 2009, a criação, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com a finalidade de investigar a possível proliferação dos Cursos de Medicina, assim como os efeitos deste fenômeno sobre a qualidade dos serviços prestados, à qual tive a honra de presidir. Durante vários meses, tivemos a oportunidade de acompanhar os depoimentos e manter diálogo com autoridades da área da saúde, médicos renomados, diretores de Faculdades de Medicina e representantes da classe. Deste profícuo diálogo resultou um amplo painel sobre a atividade médica no Estado de São Paulo e no Brasil, tanto no que diz respeito à formação dos profissionais, residência médica e sugestões acerca de providências para melhorar o ensino e a prestação de serviço. Ocorreu-me que um conjunto de informações tão relevantes não poderia deixar de vir a público. Em todas as pesquisas de opinião realizadas nos municípios brasileiros, a questão da saúde aparece como a principal preocupação da população. Do resultado da engrenagem ensino eficiente, residência médica de qualidade e ação contumaz do Estado para elaborar e implementar políticas públicas eficientes resultará a prestação de bons serviços aos cidadãos. Acredito que, com esta publicação, estamos dando um passo adiante no entendimento da questão do ensino médico no Brasil. E, mais do que isso, oferecendo à sociedade e às esferas de decisão do Estado um conjunto bastante articulado de sugestões que, se implementadas, constituirão um vigoroso impulso para uma melhora substancial na qualidade da formação dos médicos e na prestação de atendimento de qualidade a todos os brasileiros. Celso Giglio Deputado Estadual Presidente da CPI 3
  • 5. Adib Jatene “De 1996 para cá foram criadas 101 faculdades de Medicina. Isso é um escândalo!” ADIB JATENE, ex-ministro da Saúde Nesse problema das escolas médicas há uma série de desinformações e de informações inadequadas. Em primeiro lugar, não é verdade que temos muitos médicos no País. Precisamos de mais médicos. Por quê? Citamos a proporção de um médico por mil habitantes como sendo da Organização Mundial da Saúde, que no passado já usei, mas esse número nunca existiu. A Organização Mundial da Saúde nunca estabeleceu que o número de médicos deveria ser um para mil habitantes. Se olharmos o folder da Organização Pan-americana de Saúde, verificamos que países como Canadá e Estados Unidos têm entre 20 e 25 médicos por 10 mil habitantes, o que dá dois, dois e meio por mil; a Argentina tem 41; o Uruguai tem 48; Cuba tem 62; os países da Europa têm 38 médicos por 10 mil habitantes, Portugal tem 38. Ou seja: não é verdade que 10 médicos por 10 mil habitantes é o número suficiente. E se olharmos os vários países, vamos chegar a um número razoável para um País como o Brasil de 2 a 2,2 médicos por mil habitantes. Isso seria uma meta a ser conquistada. Isto significa que faltam aproximadamente 100 mil médicos no Brasil. Portanto, tentar criar novos cursos se justifica. Ninguém pode ser contra. Deve-se ser contra o tipo de curso que está sendo criado. E aí é que entra o problema. Até os anos 80, 88, nós tínhamos 80 faculdades de Medicina. Neste ano se conseguiu um decreto interministerial do Ministério da Saúde e Ministério da Educação para que não se abrisse, nos próximos 10 anos, nenhuma faculdade de Medicina. E, na verdade, não se abriu. Chegamos a 1996 com 82 faculdades. Acontece que de 1996 para cá aconteceu isso que eu chamei de escândalo: foram criadas 101 faculdades de Medicina. Até aquele ano tínhamos 80, hoje temos 181. Isso em qualquer País do mundo é um escândalo. De 1996 a 2000 foram criadas perto de 50 novas faculdades e, de 2000 a 2009 outras 51. Não existe nenhum País no mundo que consiga montar hospital de ensino, corpo docente e instalações para fazer um curso minimamente eficaz. E estamos vivendo essa realidade. Não se trata de ser contra ou a favor de ter escola; trata-se de ver que escola nós estamos criando. E o que nós temos visto é que das escolas que foram criadas, dessas 101 escolas, 70% são privadas e boa parte delas sem possuir um complexo médico, hospitalar e ambulatorial funcionando como referência regional com atendimento básico, atendimento especializado, referência, contra-referência, leitos de primeiro atendimento e leitos diferenciados. Há dois ou três anos atrás, fui solicitado pelo Ministro da Educação a reviver o que nós chamamos de Comissão de Especialistas do Ensino Médico e convoquei 14 especialistas que vêm lidando com o ensino médico há muito tempo. A primeira providência de modificação nas recomendações que o Ministério da Educação para permitir a criação de um novo curso foi que a instituição que se oferecesse a criar um novo curso tinha que demonstrar que possuía esse complexo médico, hospitalar, ambulatorial, com o número de leitos igual a quatro vezes o número de vagas, com o complexo ambulatorial de atendimento básico, ambulatórios de especialidades, etc. Isso é condição eliminatória. O que aconteceu foi o seguinte: quando essa comissão se instalou, já tínhamos 178 faculdades, depois se criou mais três, todas as três federais, mas existiam mais de 60 pedidos de novas faculdades. Ou seja, já tínhamos um número absurdo, mas existiam mais de 60 pedidos de novas faculdades. Com esta exigência, metade desistiu. Os demais não conseguiram comprovar a necessidade, e a CESUR não autorizou o pedido de instalação. Resultado: hoje, o Ministério da Educação não tem nenhum pedido de criação de nova faculdade de medicina. Isso significa que o que se fez e se criou inadequadamente aconteceu por falta de uma regulamentação e de exigências apropriadas. Em segundo lugar, a formação profissional é inadequada. Muitas escolas não possuem campo de treinamento e Medicina é uma profissão que se ensina à beira do leito e no consultório. Ou tenho aonde expor o alunos aos doentes ou não vou treiná-lo. Antes de ser especialista, o médico precisa ser especialista em gente; precisa conseguir conversar com as pessoas, tirar a história, fazer evolução para poder se qualificar. 4
  • 6. E o que aconteceu recentemente na área médica, como em outras áreas? Uma brutal incorporação tecnológica. A tecnologia que levou o homem à Lua, que transmite em televisão colorida do outro hemisfério, que tem telefone celular que agora virou computador, isso tudo vai para a área médica, gerando um novo ator representado pela indústria de equipamento. A indústria de equipamento induz a utilização desses equipamentos, como se isso fosse indispensável para o diagnóstico. E isso não é indispensável para o diagnóstico. Pode ser indispensável em determinadas situações, mas, pelo menos 80% dos casos não precisam dessa alta tecnologia. A consequência da incorporação tecnológica foi a fragmentação da medicina em especialidades. Temos 57 especialidades reconhecidas e 54 atividades que logo, logo, vão virar especialidades. A fragmentação do corpo humano ficou uma coisa maluca. A pessoa está sentindo alguma coisa, tenta achar um especialista que é para aquilo que ele achava que tem e não encontra o médico capaz de conversar com ele, de examiná-lo e de fazer uma orientação diagnóstica que não exigiria o uso da maior parte desses equipamentos. O problema é que todos os professores de Medicina são especialistas. E é natural que deseje ensinar especialidades. Não precisamos ensinar especialidade para o aluno. Quando cheguei no Incor existiam 13 aulas teóricas, uma delas era sobre tetralogia de Fallot, que é uma doença congênita. Ensinava-se história, a evolução dos métodos terapêuticos, os resultados etc. Levava uma aula inteira e caía na prova. Ora, um cardiologista passa dois, três anos no seu consultório e não vê um caso de tetratologia de Fallot. Então eu vou ensinar tetralogia de Fallot para o estudante? Não tem sentido. O que eu tenho que ensinar para o estudante é que existem cardiopatias congênitas que têm cianose e que não tem cianose; que cardiopatias congênitas de cianose têm muito sangue no pulmão e pouco sangue no pulmão; que há casos em que se pode usar determinada droga, outros não. Depois, para esclarecer o diagnóstico ele manda para o especialista. É uma perda de tempo eu estar ensinando especialidades na graduação. É necessário é que haja um entendimento entre os vários especialistas para ensinar ao aluno aquilo que nenhum médico pode deixar de saber. Isso é a interdisciplinaridade para você poder informar ao aluno coisas que ele precisa saber. Em Urologia, em Gastroenterologia ou em Neurologia. Coisas básicas que ele não pode deixar de saber. Por outro lado, como muitas escolas não possuem Serviço de Emergência não conseguem treinar o aluno em Emergência. Ora, não pode sair nenhum médico de uma faculdade sem estar treinado em Emergência! É impossível que se consiga ensinar Emergência sem ter um Serviço de Emergência com movimento adequado. A faculdade tem que ter um complexo médico hospitalar, inclusive com serviço de emergência. Aí entramos na distribuição dos médicos. As pessoas dizem: faltam médicos nos pequenos municípios do interior. Isso é uma bobagem. No Brasil há uma divisão de municípios absolutamente irracional. Existem municípios com quatro mil habitantes, com dois mil habitantes e com 11 milhões de habitantes. O problema não é faltar médico num determinado município. O problema é as capitais – e nós temos 20% da população brasileira em capitais –, têm 60% dos médicos brasileiros. No Espírito Santo, por exemplo, há um médico para 700 habitantes, mas, em Vitória, na capital, há um médico para 127 habitantes. O Rio Grande do Sul tem um médico para 540 habitantes, mas Porto Alegre tem um médico para 180 habitantes. Rio de Janeiro tem um médico para 190 habitantes. São Paulo, capital, tem um médico para 315 habitantes e no Estado todo, um médico para pouco mais de 500 habitantes, ou seja, mais de 20 médicos por 10 mil habitantes. Será que o número de médicos está distribuído adequadamente? A resposta é não. Quem conhece a periferia das cidades, sabe que ali não há médicos. Em 1999, fiz um estudo sobre os 170 hospitais de São Paulo, com 28 mil médicos. Fui à Fundação SEADE e distribuímos esses hospitais nos respectivos distritos. São Paulo estava dividido em 96 distritos que dividimos em quatro grupos. Os distritos que tinham mais de 10 leitos por mil habitantes, os que tinham de três a 10 leitos por mil habitantes, os que tinham menos de três e os que não tinham leito. Concluímos que 11 distritos –Vila Mariana, Bela Vista, Cambuci, Jardim Paulista, Brás, Pari, Belém, Morumbi, Santo Amaro – com 600 mil habitantes, que possuem 26 leitos por mil habitantes, na média. Um número considerado razoável é o de três leitos por mil habitantes, talvez um pouquinho menos. Temos 14 distritos mas os antigos – Lapa, Mooca, Santana, Lapa, entre outros – com 1,2 milhão de habitantes, que tinham na média seis leitos por mil habitantes. Se tomarmos esses dois grupos, temos 25 distritos com 1,8 milhão de pessoas que têm, na média, 13 leitos por mil habitantes. Mas temos 32 distritos onde viviam 3,9 milhão de pessoas com 1,2 leitos por mil habitantes, e 39 distritos com 4,1 milhões de pessoas sem nenhum leito hospitalar. E isso ainda não foi corrigido. Então, a distribuição dos médicos na cidade de São Paulo, que tem um médico para 315 habitantes está adequada? Não, porque eles estão concentrados em áreas de mais recursos e não vão para as áreas de poucos recursos. O resultado disso é que existe uma grande dificuldade de se conseguir médicos para o Programa de Saúde da Família. Abrem-se vagas com boa remuneração e não aparece candidato. Por quê? Não é só porque essas áreas são mais pobres, mais violentas, etc. É porque o médico não foi treinado para ir atender essa população. Ele foi treinado para usar tecnologia, para ficar num hospital onde tenha supervisão. No passado, quando o médico saía da faculdade com o conhecimento da época. Ia para Salvador ou para o Acre exercer a profissão, porque ele sabia o que fazer nessa situação. Hoje, ele não é treinado adequadamente. E não sendo treinado adequadamente, ele não se sente em condições de enfrentar a população. Ele tem receio. Isso é uma coisa que eu tenho dito sem nenhuma preocupação porque já constatei isso em várias situações. Eles dizem: “Chego lá não tem Raio X, não tem isso, não tem aquilo. Eu preciso de ter os recursos, senão eu não consigo trabalhar.” Então, o problema da distribuição de médico não está nos pequenos municípios. Está nas capitais, nas grandes cidades, como São 5
  • 7. Paulo, onde grande parcela da população não tem acesso a médicos. Tentamos implantar o Programa de Saúde da Família que está caminhando, mas ainda não atinge mais que um terço da necessidade. Quando essas pessoas precisam de atendimento, correm para onde? Para as áreas onde tem hospital, onde tem atendimento, onde tem Emergência. E aí saturam esses hospitais. Pelo menos 80% dos que procuram o ambulatório do Hospital das Clínicas não precisava ir lá, podia ser atendido onde mora se tivesse gente em condições de atendê-lo. A distribuição do médico está muito vinculada à formação do profissional. Se tenho uma escola que não tem onde treinar o seu aluno e, quando chega no quinto ano do curso, libera o aluno para ir para qualquer lugar onde exista uma vaga sem nenhuma supervisão, esse indivíduo será o que? Será um subespecialista, ficará numa subespecialidade, sem condições de enfrentar as necessidades da população. Como é que nós vamos resolver esse assunto? Ainda ontem nós tivemos uma reunião da Comissão de Especialistas e um dos temas debatidos foi esse: não adianta fazer o exame de avaliação no fim do curso. Precisamos fazer o exame duas ou três vezes durante o curso. Faz- se o primeiro exame no segundo ano e, se a escola que não conseguir aprovar um percentual significativo, terá o seu vestibular suspenso. As pessoas dizem: “Por que não fecha essas escolas?” O Brasil é um país democrático, vivemos num Estado de Direito. Todo mundo tem direito. E aí é complicado. Vou citar um único exemplo, que já publiquei e que é de domínio público. A responsabilidade para autorizar curso de Medicina em entidades privadas é do MEC. Em um único Estado, Minas Gerais, o Conselho Estadual de Educação podia autorizar e aconteceram coisas absurdas. Agora veio para o MEC. Bem, existe em Minas Gerais uma associação que se chama Associação Presidente Antonio Carlos, que tem duas ou três faculdades em Minas Gerais. Eles foram para Tocantins, criaram a Associação Tocantinense Presidente Antonio Carlos e abriram duas faculdades, uma em Gurupi e outra em Porto Nacional. Decidiram criar faculdades em outros estados. Quer dizer, o negócio é um “franchising”. Foram para Pernambuco e conseguiram que o Conselho Estadual de Educação do Estado autorizasse uma faculdade em Garanhuns, que, por coincidência, é a terra do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com certeza, pensaram: lá ninguém vai mexer. E marcaram vestibular para um sábado. O MEC entrou com uma liminar para impedir o vestibular. Na sexta-feira, no fim do expediente, um desembargador cassou a liminar e eles fizeram o vestibular. Bem, o MEC entrou no Supremo Tribunal Federal para não permitir que o curso entrasse em funcionamento, porque é inconstitucional. Quem autorizou o curso não tinha poder para autorizar. O Ministro do Supremo Tribunal Federal disse que não podia oferecer a liminar porque não queria frustrar a expectativa dos alunos. É complicado. Temos várias faculdades funcionando sem autorização no Brasil, com liminar concedida pela Justiça. E o problema é que, agora, vai se colocar a necessidade do reconhecimento. Esses cursos vão precisar ser reconhecidos e, como eles não condições de funcionamento, não serão reconhecidos. E aí teremos um enorme problema, porque teremos um grande número de alunos que já fizeram o curso e que não vão poder receber o diploma. A coisa chegou num tal ponto de desordem que estamos nessa situação. E com um agravante: alguns países da América do Sul – Bolívia, Paraguai, etc. –, não têm vestibular e há um grande número de brasileiros estudando nesses países para se transferirem para estas escolas. Este é um problema da maior gravidade. Ou o Governo Federal continua tomando atitudes muito firmes, ou não sei o que vai acontecer com o ensino neste País. A situação no País como um todo é muito mais grave que no Estado de São Paulo. No Estado de São Paulo já temos 31 faculdades. Várias cidades querem abrir faculdades. Felizmente, se freou esse anseio. Em algumas cidades conseguimos convencer os mentores de que melhor seria que num hospital que eles estão organizando criassem residência médica, porque é isso que nós estamos precisando, de vaga para residência médica. Mas eles não querem criar vaga para residência médica, querem criar curso de Medicina que dá status, tem apelo político, etc. Estou realmente preocupado porque estamos num ano político. É preciso que certos assuntos e certos temas não sejam politizados, caso contrário não vamos ter sucesso na organização mínima desta coisa. Apenas um dado. Estamos com 181 faculdades de Medicina. Os Estados Unidos tem 135 e, nos últimos 10 anos, criou quatro ou cinco faculdades, com muito critério, muito rigor. No Canadá, há 30 anos não se cria nenhuma faculdade de Medicina. E nós criamos 101 faculdades de medicina em 13 anos, o que, em qualquer lugar do mundo, é um escândalo. Deputado UEBE REZECK (PMDB) Como relator, eu não posso externar a minha opinião, mas sim externar a opinião da CPI. Alguns companheiros acham importantíssimo o exame de Ordem, outros têm restrições. Dentro daquilo que é o Exame de Ordem na OAB, estamos percebendo proliferar uma grande quantidade de cursinhos preparatórios para o exame, o que não melhora a qualidade do profissional. Apenas lhe dá o direito de exercer a profissão. Ele faz a faculdade e depois tem que entrar num cursinho para poder ter o diploma reconhecido. Para a Medicina não iria resolver nada. Nós iríamos ter uma série de cursinhos preparatórios e iríamos manter o mesmo nível. Acho que o que é realmente importante é a qualidade das escolas médicas. E em grande parte nós, sociedade, somos culpados por isso. Se uma cidade tem uma faculdade de medicina, ela se destaca e é uma pressão muito grande para a abertura de novas escolas. A saída 6
  • 8. inteligente seria o exame escalonado do curso e com as medidas efetivas: suspende o vestibular, diminui o número de vagas, obriga o número de leitos à disposição. Hoje, vemos faculdades que fazem o seguinte: quintanista precisa fazer estágio em tal especialidade, então procura onde há, traz um documento e aí o aluno vai fazer o estágio lá. O aluno chega a um local desconhecido, permanece ali por um mês, não tem condição de aprender o suficiente e volta com o atestado de frequência. Com isso, continuamos a piorar a qualidade do profissional que está na Rede Pública para atender à população. Acho que o melhor caminho seria esses exames intermediários, porque força o aluno a estudar e força as escolas a buscar profissionais competentes. Ao mesmo tempo, começamos a preparar adequadamente o profissional, porque não adianta barrá-lo no exercício da profissão, ele acabará fazendo até um exercício irregular e pronto. O que precisamos é criar condições para que o profissional saia em condições de exercer a profissão. Adib Jatene O problema do exame de Ordem está relacionado com a qualidade da escola. Há um problema de base: o hospital. Não só hospital, mas o conjunto médico ambulatorial. É um complexo médico, hospitalar e ambulatorial. Não é que nós vamos ensinar no hospital. Nós vamos ensinar no ambulatório e no hospital. Mas, o hospital é fundamental para que o indivíduo adquira habilidades, coisa que ele não vai adquirir num consultório que tem 10 doentes esperando. Habilidade se adquire num lugar em que se pode repetir o procedimento, em que se tenha tempo de aprender. Não se ensina guiar um automóvel na Avenida 23 de Maio, mas num lugar tranqüilo em que o sujeito possa repetir a manobra, etc. Só depois ele pode ser colocado no trânsito. Quer dizer, essa aquisição de habilidades é fundamental. Não posso soltar um aluno para atender num consultório se ele não adquiriu as habilidades, e ele não vai aprender no consultório. Aí entra o problema do hospital de ensino e do hospital assistencial. São duas coisas diferentes. O hospital assistencial oferece o conhecimento e é importante porque as pessoas precisam se tratar. Agora, o hospital de ensino, além de oferecer o conhecimento, tem que testar conhecimento, gerar conhecimento, pesquisar. É outra estratégia. E aí acontece uma coisa muito interessante que é típico do Brasil: o professor de tempo parcial com a chamada dupla militância. Quando o professor Pinotti (ex-deputado José Aristodemo Pinotti) criou o termo “dupla porta”, referindo-se ao Incor, um hospital público que atende doente privado, achei uma discussão tão sem propósito que eu escrevi um artigo “Dupla porta versus dupla militância”. O problema é a dupla militância: o professor que se qualifica, assume o cargo de professor-associado titular dentro da universidade e tem a sua prática na clínica privada, vai trabalhar nos hospitais privados. E, à medida que o tempo passa, permanece no hospital universitário o tempo mínimo necessário para não ser advertido. Vai cuidar da sua clínica privada. Esse é o problema do ensino. Então, o hospital universitário fica na mão dos residentes; os mais graduados não estão lá para ensinar. Eles estão lá para ter o título e fazer a sua clínica privada. Eu digo: o hospital universitário vai mal, mas os professores vão muito bem. È comum que os professores digam: “Eu não faço porque não me dão condições”. Meu Deus! Ele é uma liderança, tem que criar as condições. No mundo todo, o professor universitário trabalha em tempo integral na universidade e é responsável por trazer clientela que ajude a manter o hospital. Se ele não trouxer, é demitido, e põe outro no lugar. Aqui, o professor não serve à instituição. Ele se serve da instituição. E esse é um dos graves problemas que temos no ensino médico brasileiro. No Incor o sujeito diz: “Lá só pode atender SUS!” Meu Deus! Aquilo é um hospital assistencial? Está certo que o hospital do Itaim só atende SUS, o hospital da Vila Alpina só atende SUS, mas aquele é um hospital universitário, onde há excelência da qualificação profissional. Só que eu não deixo que atenda ali o cliente que paga. Então, o que ele vai fazer? Vai atender no Hospital Albert Einstein, no Sírio Libanês e no Oswaldo Cruz. Fizemos uma inversão numa época em que o hospital universitário, que era público, era o líder. Hoje, hospitais privados é que são líderes. Por quê? Porque aqueles que têm recurso e que trazem recurso para manter o hospital estão proibidos de usar o hospital público, confundindo um hospital assistencial com hospital universitário e impedindo que o professor universitário exerça sua atividade dentro de um hospital universitário, como deveria ser. Concordo que algumas especialidades estão muito esvaziadas e a Pediatria é uma delas. Mas a razão de a Pediatria estar esvaziada é porque se vacina todas as crianças e as doenças que sustentavam os pediatras não existem mais: pólio, sarampo, entre outras. Se não há procura por Pediatria, há dificuldade de fazer especialidades correlatas à pediatria. As vagas de residência para especialidades é maior do que a necessidade. Por outro lado, há o problema da substituição do exame pela tecnologia. Como isso foi muito difundido na imprensa, na mídia, posso falar. A nossa ministra (Dilma Rousseff) tinha um nódulo de dois centímetros e meio na axila, descoberto numa tomografia. Ninguém tinha posto a mão em sua axila e qualquer aluno de terceiro ano sabe fazer um diagnóstico de um nódulo na axila simplesmente pondo a mão. O diagnóstico foi feito por tomografia por acaso. E aí dizem que foi precoce. Como é precoce se tinha dois centímetros e meio? Isso para mim é o máximo da inadequação, da falta do exame clínico e da utilização da tecnologia para fazer diagnóstico por acaso. 7
  • 9. Deputado ADRIANO DIOGO (PT) Dr. Adib, o senhor sempre defendeu, professor, aquele projeto do serviço civil obrigatório. Professor, todo mundo sabe da admiração enorme que tenho pelo senhor, mas, agora que ocorreu esse trágico falecimento da Dra. Zilda Arns, lá no Haiti, parece que se descobriu a verdadeira função da medicina e o papel do médico na sociedade. E começou-se a ouvir os médicos sem fronteiras, entre outros. E queria lembrar mais uma coisa. Quando houve aquele trágico trote na faculdade de Medicina, quando aquele menino de família coreana morreu, até hoje de uma forma não esclarecida, o Professor Paulo Elias, a pedido da faculdade, da congregação, foi conversar com os alunos daquela classe que deram o trote. Que tipo de médico estamos formando? Os relatos que o Professor Paulo Elias pôde fazer quando ele foi conversar com os alunos eram dramáticos. E a última questão. Muito se discute sobre a questão da desregulamentação. Não sei se é uma teoria liberal a de que os jornalistas não precisam ter diplomas, que a modernidade é a falta de diploma, regulamentação, faculdade, isso está tudo errado. Há uma orientação da ANVISA de que os cursos que estavam sendo dados nos hospitais de alta especialização não teriam os diplomas reconhecidos. Enfim, que mundo nós estamos vivendo, Professor? Que médico nós estamos formando? Que gente é está indo para as melhores universidades, para as universidades públicas que não querem saber de SUS, que não querem saber de médico de família, que não querem saber de periferia? Adib Jatene Vivemos num mundo moderno dominado pela tecnologia. Então, o que tem valor? É o carro, é o apartamento, é não sei o quê. Isso é o que tem valor. Não a pessoa. A ética, que é a ciência do comportamento, está num segundo plano. Estamos recebendo de Brasília e de todos os lugares, os exemplos de que o fim justifica os meios. Essa é a tragédia que se está passando para a juventude. O fim não justifica os meios. Os meios empregados para conseguir um fim são mais importantes. E aí é que entra, então, todo processo de deturpação criado pela tecnologia. A tecnologia, eu não tenho dúvida, vai destruir o planeta. Basta ver o potencial de destruição armazenado em vários países e agora a briga para o Irã não ter bomba atômica. Se ele tiver bomba atômica, irá utilizar. É uma questão de tempo o terrorista ter acesso à bomba atômica. Estamos criando uma sociedade complicada, em que as pessoas não são importantes. O importante são as coisas que as pessoas têm. E é isso que nós temos que refletir e modificar. Constato, por exemplo, que as religiões evangélicas estão com quase 30% da população. O que eles pedem? O que eles propõem? Comportamento, ética. E o pessoal vai lá e dá dinheiro, mesmo sem ter. Minha cozinheira dá 10% do que ganha para a igreja, todo mês. E o que ela tem em troca? Uma postura, uma formulação religiosa, que é bem ou mal empregada pelos agentes, mas há espaço para você re-valorizar as pessoas e re-valorizar o comportamento. O conhecimento científico avança muito rapidamente em cada especialidade. A escola lhe conferiu um título há 30, 40 anos, mas esse título não significa que você vai estar atualizado o resto da vida. É preciso alguns critérios. E no mundo inteiro é assim. São os créditos. O indivíduo que frequenta congressos, que participa de cursos e de jornadas, está se atualizando naqueles procedimentos. E é isso que estamos tentando fazer. Deputado PEDRO TOBIAS (PSDB) Todos estamos preocupados com formação, com a graduação. Eu fico muito preocupado quando não se tem controle nenhum sobre especialidade. Hoje, tem gente que fez uma prova teórica, mas nem sabia operar, têm medo de operar e pegar título de especialidade. A meu ver, precisamos nos preocupar um pouco mais com a especialização no Brasil, porque só a faculdade poderia dar título de especialidade. A especialidade virou meio de vida. Hoje há cursinhos para fazer essas provas e tem gente recebendo dinheiro para preparar para as provas teóricas. Isso não tem valor nenhum. Tem gente que faz curso de um mês e vem com um título desse tamanho de ultrassonografista. Isso não é título de especialidade. É preciso que a especialidade seja controlada, regulamentada. Adib Jatene No Brasil, e aí é que entra o problema, quando você entrega a carteira profissional, você está autorizando o indivíduo a exercer qualquer especialidade. Fui diretor da faculdade de Medicina há quatro anos e nós dávamos aos alunos que se formavam um cartucho vazio. Era simbólico. Ao meu lado tinha um representante do Conselho Regional de Medicina entregando a carteira profissional. O que autoriza um indivíduo exercer a profissão não é o diploma; mas carteira profissional. Só que a carteira profissional é entregue como se fosse um cartório: o indivíduo chega com o diploma e recebe a carteira profissional. Se sabemos que a formação é deficiente, temos que encontrar um mecanismo para evitar que isso seja feito dessa forma, caso contrário, quem estaremos colocando em risco? O aluno, o recém-formado? Não! Estamos colocando em risco a população que ele vai atender na periferia, no Serviço de Emergência. E quem não passa na residência, vai fazer o que? Vai trabalhar na emergência na periferia, que é a área mais difícil que tem.É por isso que nós buscamos alguma forma de garantir que aquele 8
  • 10. indivíduo que está autorizado a exercer tenha o mínimo de competência necessária. O problema do erro médico é uma das faces da discussão que está sendo travada neste momento. Ocorre que nossa formação não é democrática, é autoritária. Se você me diz uma coisa e eu sou contra a sua ideia, sou contra você. A democracia é um regime complicado porque é um regime legitimador. O que é legítimo todo mundo aceita. Democracia é a legitimação. O que distingue um regime autoritário de um regime democrático é que o regime autoritário não precisa legitimar; o regime democrático precisa legitimar. A discussão democrática, em nosso meio, frequentemente é interpretada como a oportunidade de identificar adversário, conquistar aliado e compor maioria para ganhar votação. Isso não é democracia. Democracia é um regime legitimador. E para você fazer uma discussão legitimadora você precisa do que eu chamo de honestidade intelectual, porque só um indivíduo intelectualmente honesto é que numa discussão diz: você está certo. Em 1988, criaram o CINAEM, uma reunião de 10 ou 11 entidades da área de saúde que pretendiam resolver o problema das escolas. O argumento era o seguinte: o problema não é o aluno, o problema é a escola que treinou mal o aluno. O CINAEM fez um trabalho fantástico: aplicou questionários, levantou dados, sugeriu e propôs uma série de mudanças. O resultado final foi zero. Foram criadas 101 faculdades depois disso. É preciso que o resultado seja conveniente. Se conseguirmos, eventualmente, demonstrar que determinada escola que tem um hospital de 30 leitos e tem 150 vagas precisa ser fechada e conseguir fechar, teremos dado um passo enorme. Agora estamos discutindo fazer exames durante o curso. Muita gente era contra no Conselho Regional de Medicina. Hoje, o Conselho Regional de Medicina faz o exame. Então nós evoluímos. Num país democrático, é preciso discutir. O resultado é lento, mas nós já andamos muito, muito. 02/02/2010 Deputados presentes: Uebe Rezeck, Fausto Figueira, José Augusto, João Barbosa, Pedro Tobias, Adriano Diogo e Patrícia Lima 9
  • 11. Luiz Roberto Barradas Barata e deputado Celso Giglio “Expansão de cursos não foi acompanhada de expansão do ensino prático da medicina” LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA, secretário da Saúde do Estado de São Paulo A expansão desmedida de faculdades de medicina em nosso Estado tem recebido críticas dos mais diferentes segmentos sociais. Por isso que eu acho tão oportuna a CPI, para que possamos debater esse assunto e propor às autoridades medidas que controlem e disciplinem a criação de faculdades de medicina. Aqui no Estado de São Paulo e no Brasil como um todo, até o final da década de 1960, as faculdades de Medicina não proliferavam. O número era estável. O Estado de São Paulo tinha quatro faculdades até o final do ano 60. Aí o Governo Federal fez um movimento muito forte de expansão de faculdades de Medicina, argumentando que havia uma falta de médico. Na época, isso era verdadeiro. Houve um primeiro movimento, responsável pela criação de 15 cursos de medicina no Estado de São Paulo, período de 1965 até o final dos anos 70. Depois tivemos um segundo movimento de expansão mais recente, do início dos anos 90 até o ano de 2008, quando 12 faculdades de Medicina tiveram as suas atividades iniciadas nesse período aqui no Estado de São Paulo, totalizando, hoje, 31 faculdades de Medicina no Estado de São Paulo, que inscrevem, no primeiro ano, dois mil e novecentos alunos de Medicina e formaram, no ano passado, cerca de dois mil e trezentos alunos. Algumas faculdades ainda não tiveram a sua primeira turma concluindo o curso. Essa expansão rápida de cursos não foi acompanhada de uma expansão do ensino prático da Medicina, dos hospitais de ensino, dos hospitais-escola, da residência e da especialização. O Estado de São Paulo forma, anualmente, cerca de 2.300 a 2.500 jovens médicos. Temos cerca de 1.500 vagas nas residências para especializar esses médicos. Ou seja, quase mil médicos recém-formados não têm possibilidade de aperfeiçoar o seu curso médico. E São Paulo forma 40% dos especialistas do Brasil – 40% das vagas de residência médica, 40% dos títulos de especialistas são concedidos a médicos aqui no Estado de São Paulo. Se lembrarmos que nós temos só 22% da população brasileira, alguma coisa de estranha está acontecendo. São Paulo atrai médicos formados em todo o País interessados em se especializar. E não há, no momento, no Estado de São Paulo, a possibilidade de atender a todos os formandos. A questão da graduação, da instalação de cursos de medicina, da própria instalação de residências médicas, não é uma atribuição do Governo do Estado. É competência do Ministério da Educação do Governo Federal. O Governo Federal e o Conselho Nacional de Educação é que tem a prerrogativa de autorizar ou não o funcionamento de uma nova escola de medicina. Por tudo isso, a ação da Secretaria de Estado de Saúde, da Secretaria de Estado da Educação e do o próprio Governo do Estado de São Paulo é muito limitada nessa matéria, porque estamos disciplinados por essa ação do Ministério da Educação, do Conselho Federal de Educação. Em São Paulo a preocupação com a qualificação do profissional é a mesma que motivou a instalação desta Comissão: gostaríamos de ter médicos bem formados, qualificados, para melhorar a qualidade da assistência oferecida à população paulista. Temos algumas ações que o Governo do Estado, por intermédio da Secretaria da Saúde, nesse sentido. Destaco dois movimentos da Secretaria da Saúde nos últimos anos. Primeiro, é a ampliação do número de vagas de residência médica, principalmente para as especialidades onde o Estado nota uma maior carência de profissionais, como a de Oncologia, por exemplo. Oncologia é uma especialidade relativamente nova, surgida nas últimas duas décadas. Quando me formei, quem tratava de câncer de estômago era o cirurgião gástrico, o gastroenterologista. Hoje não é mais assim: quem trata do câncer de estômago é o oncologista, quem opera o câncer de estômago, quando precisa de cirurgia, é que é o cirurgião. A Oncologia se transformou numa especialidade médica e não foi acompanhada da 10
  • 12. criação de departamentos de Oncologia nas faculdades de Medicina e, consequentemente, não foram acompanhadas de vagas na residência médica para a área de Oncologia. O Estado tem procurado incentivar os hospitais de ensino, os que têm residência médica no Estado de São Paulo, a abrir vagas nessa especialidade, oncologia, do mesmo jeito que temos incentivado a ampliação de vagas de intensivistas neonatais. Neonatologistas também. A terapia neonatal progrediu muito nos últimos anos e há carência desse profissional. Sempre houve carência de anestesistas no Sistema de Saúde brasileiro e continua havendo. O mesmo acontece com os endoscopistas. A Secretaria está oferecendo aos hospitais de ensino e às faculdades de Medicina, a possibilidade de ampliar as vagas nessas especialidades, financiadas pelo Governo do Estado. Deputado LUIS CARLOS GONDIM (PPS) Eu prestava muita atenção no problema da residência médica. Fui adido ao serviço do Hospital das Clínicas, até 1983, quando havia residência e adidos ao serviço. Estamos precisando de mais residentes, de aumentar número de residentes. O que o Estado poderia fazer para termos pelo menos um ou dois residentes por hospitais que oferecem a residência em especialidades? Veja o caso da Pediatria, por exemplo. Não há pediatras e existem quatro vagas na Santa Casa de São Paulo. Ocorre o mesmo com a Oncologia. Quem faz a cirurgia de média complexidade, como a de vesícula ou de hérnia, são os residentes orientados pelos professores. Daí a necessidade que qualquer hospital, qualquer faculdade que seja aberta ter um hospital à disposição para que os alunos possam aprender. Por que o Estado sabendo que quem realiza essas cirurgias, esse atendimento de média complexidade, não aumenta o número de residências em São Paulo? Deputado FAUSTO FIGUEIRA (PT) A CPI constatou que existem algumas especialidades e um número de residências que não são preenchidas muitas vezes nos concursos. Como resolver essa questão? Segunda questão é do piso salarial médico. Será que por trás dessa questão da distribuição não existe o problema da remuneração dos médicos, na medida em que existem divergências e achatamentos salariais que podem, eventualmente, estar justificando a inexistência de profissionais e má distribuição dos médicos? Acho que essa afirmação do professor Jatene de que faltam 100 mil médicos no Brasil algo extremamente importante, porque eu acho que desloca de algum jeito o foco da própria CPI de lutar pela não proliferação. Creio que estamos tratando dos sintomas e não das causas. Acho que nós temos que discutir como formar os médicos e o número de médicos que o Brasil necessita. Não basta só atacar a questão da abertura de escolas médicas, mas incentivar a abertura de escolas médicas com condições adequadas de funcionamento. O papel da União, dos Estados e dos municípios é fundamental na equação do incentivo de formação de escolas médicas, para se formar os 100 mil médicos que o Brasil precisa. Acho que uma coisa extremamente importante que o Professor Jatene colocou é essa questão da indústria de equipamentos e a substituição dessa relação médico-paciente pelos equipamentos, aumentando de uma maneira absurda o aumento do custo do atendimento médico e criando uma necessidade para o próprio paciente que pede uma ressonância sem ter sido examinado, nem foi auscultado ou sem que o médico tenha feito uma anamnese. Trata-se da substituição do exame subsidiário por outro subsidiário de uma tecnologia médica que encarece e inviabiliza, muitas vezes, programas de saúde. Acho que essa questão da residência é uma coisa importante, mas existe uma constatação de que a dotação, para residência médica, tem estado congelada nos últimos três anos. Eu queria também ouvir a sua palavra sobre como enfrentar este incentivo à residência se nós temos um congelamento das verbas para residência médica no PPA e no orçamento do estado há três anos. Deputado JOSÉ AUGUSTO (PSDB) E acho que esta CPI cumpre o seu papel. Temos aqui este debate contínuo e várias questões que foram levantadas. Qualquer instituição, pública ou privada, que queira formar médicos, tem que ter um hospital, tem que ter uma estrutura para a prática médica. A segunda questão é como se fazer isso. Como é que nós podemos fechar faculdades que não cumprem esse papel? Cabe à Federação, e aí secretarias estaduais, secretarias municipais e ministério, além do Ministério da Educação o Ministério da Saúde, formular essa possibilidade de fechamento dessas faculdades, de influenciar os cursos e os currículos. Nós falamos ainda a pouco do SUS e do PSF. Hoje, é o Estado quem financia e é o Estado quem vem definindo as regras políticas e a organização de serviços. Então, cabe a fazer com que essas faculdades de Medicina formem profissionais voltados para nossa prática, uma prática de respostas a provavelmente 80% das patologias, ou até mais. É possível ser feito sem a utilização de tecnologias mais avançadas, 11
  • 13. mais caras. É formar esse profissional para fazer esse diagnóstico. Eu fui dos deputados aqui na CPI que questionava essa prova que o Conselho Regional de Medicina ou outra instituição possa fazer. Isso para mim é burocrático, é atrasado. Nós tínhamos que fazer com que essas faculdades possam formar os melhores alunos e o Estado como um todo, tanto as secretarias como os ministérios, tenham que fiscalizar e ter poder de mudar, fazer com que essa faculdade perca esse poder de formar alunos. Outra questão que eu acho que é interessante é a formação e requalificação de profissionais. E como, logicamente, a Ciência Médica é uma das que mais avançam, cabe a esses organismos, inclusive os Conselhos Regionais de Medicina e sindicatos, exigir que as instituições estejam constantemente avaliadas. Quero colocar aqui uma tese que eu tenho que é a seguinte. A questão do erro médico. No momento em que o erro médico é colocado sob a responsabilidade das instituições, as instituições vão se preocupar com a formação dos seus profissionais contratados. E mais. Mesmo aqueles profissionais que são aprovados e são contratados muitas vezes não estão preparados para o modelo de atendimento proposto. Então, cabe às instituições modelar os seus profissionais, fazer diagnóstico e formar os seus profissionais de acordo com o modelo de atendimento previsto em estratégia. Aponto primeiro a necessidade de que as faculdades formem melhor seus alunos, que o Estado possa ter uma intervenção mais precisa, que os cursos sejam avaliados periodicamente, mas depois do médico formado. Para mim isso é uma individualização; é individualizar uma questão que tem que ser colocada no coletivo – as faculdades, o Ministério e a Saúde têm que assumir essa questão. Outro ponto é que todas as instituições devem ter uma formação continuada e uma avaliação permanente. Médicos têm que passar por uma avaliação, por uma readequação e uma requalificação da sua formação. Secretário Barradas O Governo do Estado de São Paulo é o único governo estadual que financia 70% das vagas de residência médica em seu Estado. O Governo do Ceará também financia vagas de residência, mas não nessa proporção. No Brasil, de modo geral, 70% das bolsas de residência médica são do Governo Federal. As universidades federais e os hospitais federais têm 70% dos residentes. No Estado de São Paulo é diferente: 70% das vagas são pagas, desde a década de 80, pelo Governo do Estado de São Paulo. Então, das 1.500 vagas que temos aqui no Estado de São Paulo para o primeiro ano de residência, entre 900 e mil vagas são financiadas pelo Governo do Estado de São Paulo. Temos procurado ampliar vagas de residência de primeiro ano nessas especialidades em que o Sistema Único de Saúde de São Paulo tem mais carência. Mas é o Governo Federal quem fixa o valor da bolsa de residência e se o Governo Federal atribui um aumento no valor da bolsa de residência os estados são obrigados a acompanhar esse aumento, sob pena de a residência médica, aqui no Estado de São Paulo, no Hospital das Clínicas, no Hospital da UNICAMP ser descredenciado. O governo do Estado fica sempre muito receoso de ampliar o número de bolsas, aumentar despesa e depois ser surpreendido por um aumento da Comissão Nacional de Residência Médica e ter que pôr mais recursos ainda para um programa que, para o Governo do Estado de São Paulo, é o mais custoso do país. Não existe nenhuma secretaria da Saúde que tenha uma dotação como tem a do Governo do Estado de São Paulo para financiar bolsas de residência médica. Então, essa é a limitação maior. Existe outra limitação. No caso da Neonatologia, por exemplo, necessitamos de berçários e leitos de UTI neonatal para poder ter a prática dos médicos nessa especialidade. E não temos uma ampliação do número de leitos de UTI neonatal e nem professores preparados. Eles estão, em sua grande maioria, nas faculdades de Medicina. Além do problema financeiro, há ainda o problema de campo de estágio e de professores preparados para fazer a residência. A boa notícia é que de 2008 para 2009 aumentamos cerca de uma centena de vagas na residência médica. De 2009 para 2010 vamos aumentar mais uma centena de vagas. É um aumento pequeno, mas conseguimos sair do congelamento, na expectativa de que o Ministério da Educação, através da Comissão Nacional de Residência Médica, não imponha um aumento no valor da bolsa. Se isso vier a acontecer vai restringir o aumento que a gente poderá estar fazendo de 2010 para 2011. Esse foi o primeiro movimento que fizemos na tentativa de minimizar o problema da formação de médico sem o devido preparo ou sem o treinamento necessário para exercer essas especialidades que são as de maior demanda do SUS. O segundo movimento feito pela Secretaria nos últimos anos foi uma parceria com as associações de classe, com a Associação Paulista de Medicina, com a Associação Médica Brasileira e com o Conselho Regional de Medicina, para proporcionar aos médicos paulistas, a possibilidade de fazer uma atualização profissional. A Associação Paulista de Medicina, em parceria com o Governo do Estado, produziu um curso de atualização nas diferentes especialidades. Cada sociedade de especialista elabora seu programa de atualização e oferece por meio de cursos de telemedicina, com cursos presenciai e a distância, a todos os médicos de São Paulo. A iniciativa foi um sucesso. Conseguimos a adesão de muitos médicos fixados no interior do Estado de São Paulo que, com esses cursos de telemedicina, se aperfeiçoaram, tirar o título de especialista, conseguiram uma formação e uma atualização no seu treinamento básico. 12
  • 14. Em algumas áreas específicas, mais especificamente a Ginecologia e a Obstetrícia, encontrávamos indicadores de mortalidade materna e de mortalidade infantil muito alta em algumas regiões como a do Alto Vale, do Vale do Ribeira e também a região da Baixada Santista. Nessas regiões, contratamos um curso de emergência obstétrica, treinamos os médicos, inscrevemos graciosamente os médicos que trabalham no SUS, para que eles pudessem ter um retreinamento e aprimorar o seu trabalho, de forma a reduzir os indicadores de mortalidade materna e a mortalidade infantil. Todos os médicos que fizeram o curso foram aprovados e receberam o certificado como médicos aptos a fazer o atendimento de urgência em obstetrícia. Temos esperança que com esse treinamento possamos melhorar a qualidade da assistência materno-infantil nessas regiões mais carentes do Estado de São Paulo. Temos planos, neste ano, de expandir esse treinamento para as regiões de Presidente Prudente, no Pontal do Paranapanema. Na Baixada Santista faremos um novo treinamento de reforço, porque alguns médicos não puderam cursar no ano passado. Também vamos repetir o treinamento no Vale do Ribeira, em 2010. Esses dois movimentos permitiram que ampliássemos de 24% para 35% das mil vagas de residência médica nessas especialidades mais carentes, prioritárias para o Sistema Único de Saúde. É um movimento que tem que ser feito lentamente, porque precisamos ter o serviço onde o residente pode estar se aprimorando. Não adianta abrir mais 15 vagas de neonatologia no Vale do Ribeira, se eu não tiver os leitos de UTI neonatal para que esses médicos possam ser treinados. Uma coisa depende da outra. É um investimento lento, é uma coisa demorada, mas estamos caminhando. Achamos que está mais do que na hora de discutir a questão do exame de qualificação profissional. Essa é uma questão muito debatida e nesta Comissão Parlamentar devem ter trazido as diferentes posições. Existem médicos e educadores que são contra o exame de Ordem, vamos falar assim. E tem aqueles que são radicais, que acham que o exame de ordem é uma necessidade que deve ser implantada no mais curto espaço de tempo. Eu sou favorável ao exame, porém, não da forma como ele está sendo proposto. Um jovem que passe seis anos pensando que está aprendendo medicina, que está sendo aprovado, está passando nas provas, indo para o segundo, para o terceiro, para o quarto ano, faz o seu internato, que recebe o seu diploma, quando presta o exame, não é aprovado. Eu tenho receio de a gente repetir na Medicina aquilo que se faz com muita crueldade, a meu modo de ver, com o Direito: o estudante estuda durante quatro anos e depois mais de 80% deles não conseguem ser aprovados no exame da OAB. Na Medicina, os exames têm reprovado, em média, mais de 50% dos recém-formados. Esse percentual de 50% é muito questionável porque não são todos os que fazem o exame. Daqueles que fazem o exame, 50% são reprovados. Como seria se todos fizessem? Eu não sei se o percentual seria o mesmo ou se ele se modificaria. Mas, de todo jeito, uma crueldade com o jovem que entra na faculdade aos 18 anos, sai aos 23, 24 anos, pensando que teve uma boa formação, submetê-lo a uma prova e dizer: Olha, você não está apto a cursar medicina. E aí? Perde-se os seis anos investidos nesse jovem? Sou favorável a um exame da Ordem, mas um exame feito de outra forma. Acho que o exame deveria ser feito no final do segundo ano, no final do quarto ano e no final do sexto ano. E o Exame Nacional deveria ser pré-requisito para matrícula no terceiro ano, para matrícula no quinto ano e para matrícula na residência. E digo mais: esses três exames comporiam a nota média para que o médico recém-formado pudesse ingressar na residência médica em qualquer lugar do país. Eu sou médico, me formei na Paraíba, quero vir estudar cardiologia no Incor. Se eu tive as notas do Exame Nacional do segundo para o terceiro, do quarto para o quinto e quando eu me formei, maiores do que todos os paulistas, o primeiro lugar é meu para me inscrever na residência. Então, teria uma nota mínima para inscrição na residência e uma prova específica para avaliar a habilidade do candidato para aquela especialidade que ele pensa cursar. Eu acho que não se pode abrir mão da prova específica de cada especialidade, mas haveria uma nota geral, como mais ou menos nós estamos caminhando no ENEM para que pudesse o jovem entrar na universidade. A minha proposta é nesse sentido. E aquela faculdade que tivesse reprovado 80% dos seus alunos de segundo ano só matricularia, no terceiro, 20% dos alunos. Ou seja, as escolas caça-níquel, e elas existem, ficariam sem alunos no terceiro ano. Em dois anos os estudantes diriam: ´não estamos aprendendo nada; tanto que 80% da nossa turma não foi aprovada no exame nacional´. Isso faria com que rapidamente as faculdades se estruturassem para dar um ensino de melhor qualidade. Devemos ter um exame de Ordem, mas não um exame único ao final do curso, mas exames aplicados do segundo para o terceiro ano do curso, do quarto para o quinto e ao final do curso médico. Por que isso? Aqueles que não são médicos não sabem, mas os que são médicos lembram: o curso de medicina, nos dois primeiros, ensina 90% do que o médico precisa saber sobre o corpo humano normal; nos dois anos seguintes – terceiro e quarto anos –, o curso ensina sobre o corpo humano doente, o que causa doença, a fisiopatologia, a patologia; e o quinto e sexto anos do curso são reservados para a prática médica, para desenvoltura das habilidades médicas – saber auscultar o doente, palpar o doente, examinar o doente. Por isso é que acho que o ideal seria fazer esses três exames para compor uma nota que confirmaria a qualificação ou não do médico para exercer a Medicina. 13
  • 15. A regra não pode valer para quem entrou jogando um campeonato em que podia usar a mão. A regra tem que valer para os campeonatos futuros, inclusive para as escolas se prepararem e, em seis anos, estarem regularizadas. A segunda ação que proponho – e que eu sugiro à Comissão como debate – e é a questão das vagas de especialização, das vagas de residência e das vagas de internato. Acho que uma lei federal deveria disciplinar essa questão que não deveria ficar a critério da vontade política do Ministério da Educação: para a abertura de uma faculdade de Medicina seria essencial que o curso médico proposto, se tivesse 100 vagas, deveria contar com o dobro de vagas num hospital de ensino para que aqueles estudantes pudessem ter uma prática. Não seria autorizada a criação de nenhum curso de Medicina que não tivesse a ele vinculado o dobro do número de vagas de primeiro ano, de forma a garantir que, quando o estudante chegar no quinto e no sexto ano, tenha condições de estar praticando, aprendendo e desenvolvendo as habilidades necessárias para ser médico. Além disso, todos os cursos de Medicina novos deveriam ter, em minha opinião, o mesmo número de vagas do primeiro ano como vagas de residência médica. Deveriam financiar bolsas de residência médica em número equivalente ao de alunos inscritos no primeiro ano, para garantir a todos os aprovados no curso de Medicina, a possibilidade de ingressar na residência médica. E aquelas faculdades que não tivessem condições de ter residência médica presenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica deveriam financiar vagas nas entidades que têm condições de desenvolver residência médica. Ou seja, se tenho na minha escola condição de formar 100 residentes, de inscrever 100 residentes, ótimo. Se eu não tenho, se só consigo 50 vagas de residência credenciada, eu me obrigo a financiar 50 numa universidade Federal ou numa outra universidade, de maneira que os meus 100 estudantes possam também se especializar. Eu acho que esses dois movimentos contribuiriam muito para elevar a qualidade do ensino médico e garantir a formação de um profissional mais adequado e mais capacitado à realidade brasileira. O sanitarista Carlos Gentille, um sanitarista antigo, costumava dizer que, na década de 1960 e 1970, no século passado, os médicos acompanhavam as agências bancárias. Você queria saber se numa cidade tinha médicos, era só verificava se ali existia agência do Banco do Brasil. Se tivesse uma agência bancária muito provavelmente teria um médico; se não tivesse uma agência bancária, muito provavelmente lá não se fixaria um médico. É mais ou menos natural que isso ocorra. O médico vai procurar uma cidade em que ele possa se estabelecer, ter sua prática profissional, mas também formar e criar a sua família. Então, vai querer que tenha uma escola, que tenha o que hoje não existe mais, o chamado ginásio estadual. Então isso tudo é que atraía o médico e interiorizava o médico. Aqui no Estado de São Paulo esses fatores já não são mais importantes. Todas as cidades do Estado têm agência bancária, todas as cidades de São Paulo estão a 10, 15 minutos de uma grande cidade com ginásio. O problema é que o profissional médico não se sente seguro, não se sente formado para praticar uma Medicina mais simples. O estudante de Medicina recém-formado, sente-se apto a operar um equipamento ou a pedir um exame, mas não se sente apto a tratar aquele paciente que está só com um mal-estar passageiro, com um problema familiar ou com uma diabete simples. Esse não é o paciente para o qual o médico que estamos formando está capacitado. E é isso que impede que a gente tenha, mesmo oferecendo bons salários, um médico de família numa cidade numa boa periferia de uma grande cidade. Daí a importância de melhorar os cursos de graduação e formar médicos mais adaptados às necessidades regionais. 02/02/2010 Deputados presentes: Uebe Rezeck, Fausto Figueira, José Augusto, João Barbosa, Pedro Tobias e Adriano Diogo 14
  • 16. Bráulio Luna Filho “Sempre se confundiu diploma com competência” BRÁULIO LUNA FILHO, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) A proliferação dos cursos de medicina é um assunto que tem mobilizado a sociedade e os Conselhos Regionais. Isso porque havia uma impressão muito subjetiva de que havia algo de podre nas escolas médicas do Estado de São Paulo e, por extensão, do Brasil. Não é da cultura da nossa sociedade submeter à avaliação uma profissão que tem um viés elitista, no sentido de uma formação intelectual. Sempre se confundiu diploma com competência, prevalecendo a idéia de que o indivíduo, ao entrar numa escola médica, cursar os seis anos regulamentares e receber um diploma estaria habilitado profissionalmente para o exercício da profissão médica e com bom nível de qualidade. Sabemos que isso não poderia ser verdade. Considerando a nossa experiência, particularmente eu, que sou professor numa escola de universidade federal aqui do Estado de São Paulo, sabemos que não há uma avaliação criteriosa nos alunos das escolas médicas do Estado de São Paulo. E se isso é verdade para as escolas consideradas de alto nível, as escolas federais e estaduais, é mais verdade ainda para as outras escolas. Na primeira avaliação que fizemos, entre 2003 e 2004, elaboramos um documento em afirmávamos que só havia avaliação de fato do nível de competência desses alunos, ou desses recém-formados, quando eles se submetiam ao exame de residência médica. Trata-se de um exame extremamente árduo, competitivo e excludente, já que não havia vaga para todo mundo. Nas escolas eles não eram avaliados de maneira adequada. Ocorre que a formação médica é crucial. Os médicos, por mais que a se cuidado ao fazer essa afirmação, são uma categoria especial porque lida com a vida. O erro médico não tem a mesma dimensão social do erro de outras profissões. Nos Estados Unidos, onde a formação médica é extremamente rigorosa, o Instituto de Medicina – órgão independente responsável por avaliações anuais – concluiu que, dentro dos hospitais americanos, um número entre 44 mil e 98 mil cidadãos morrem em decorrência de erro médico. Lá, para exercer a profissão, os alunos têm que ter sido aprovado em três tipos de exames, o United States Medical Licensing Examination (USMLE). Ele faz uma avaliação sobre os conhecimentos básicos – Biologia, Microbiologia e Bioquímica – ainda nos primeiros anos do curso médico, e faz outra ao final do curso que lá tem quatro anos. Recentemente, começou a ser exigida uma terceira avaliação, para saber se o indivíduo tem condições de exercer a profissão nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, das 125 escolas, quase 85% exigem que os alunos tenham sido aprovados nesses exames antes de se formar. Só então ele vai fazer residência médica. Nenhum médico tem acesso à prática médica, ao exercício profissional se não fizer residência médica. E, concluída a residência médica – que varia de dois a seis anos, dependendo da área – precisa submeter-se à nova avaliação geral. Se ele tentar especialidade, é obrigado a continuar a residência por mais três a quatro anos e aí fazer uma avaliação externa à instituição à qual está vinculado para finalmente receber o direito de exercer medicina nos Estados Unidos. Esse modelo está implantado nos Estados Unidos há 40 anos. E a população americana tem continuamente demanda maior à eficiência dos seus médicos. No Canadá, o processo começou em 1992. Nenhum médico canadense entra na residência médica sem ter feito essa avaliação. E se ele não entrar na residência médica, não tem o direito de exercer a profissão. É bacharel, mas não será médico. Na Inglaterra – país que é um dos baluartes da ciência –, o governo implantou, contra as posições corporativistas das entidades médicas, um exame de avaliação obrigatório antes de o indivíduo entrar nos programas de residência médica. Só assim ele pode ingressar no sistema nacional de saúde, que hoje abrange quase 80% da prática médica. Também é desse mesmo período a regra que estabelece que, a cada cinco anos, os médicos em exercício da profissão têm que revalidar o seu diploma, já que o conhecimento na área médica, assim como em outras áreas, tem evoluído de maneira exponencial. A grande discussão é como avaliar a qualidade médica. O estudante de medicina é avaliado na escola, mas muito mal avaliado. A avaliação é atomizada, feita por disciplina e não há checagem externa. Isso sem falar que não há uma cultura de reprovação no Brasil. Só 15
  • 17. recentemente o Ministério da Educação começou a fazer o exame do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) nas escolas médicas. Fez dois exames e encontra uma tremenda resistência, não só dos alunos, como também dos professores. Quando se avalia o produto da escola, se está avaliando a escola como um todo: as condições físicas, se tem hospital ou não, os professores, os médicos e os alunos. Não há dúvida de que o ideal é haja uma avaliação seja rigorosa durante os anos do curso médico. É assim que é feito nos Estados Unidos. Lá, o governo não interfere. A avaliação é feita por uma organização externa e é consensuada pelas faculdades de medicina que são recredenciadas a cada dois ou três anos. Há 20 anos não são abertas escolas de medicina nos Estados Unidos. E, não obstante, mais de 50 mil pessoas morrem dentro dos hospitais americanos por erro médico. Não dá para subestimar a complexidade do erro médico. Nem dizer que a culpa do erro médico é do sistema de saúde. Todos são culpados e todos devem pagar o seu preço, caso contrário quem paga é a sociedade, as pessoas que ficarem doentes. Tenho discutido esse assunto nas escolas médicas do Estado de São Paulo e também de outros estados. E não há dúvida de que uma das maneiras de fazer uma avaliação e influenciar as escolas é estabelecer uma certificação ao final do curso. Foi assim com o Instituto Flaschen. Quando o professor Flaschen fez uma avaliação nas escolas médicas dos Estados Unidos, em meados do século passado, concluiu que determinadas escolas deveriam ser fechadas. E elas foram fechadas, porque o aluno ou pai do aluno que o colocasse naquela escola saberia que ele teria pouca chance de depois conseguir exercer a prática médica. Como lá a maioria das escolas médicas é privada - os Estados Unidos têm uma escola federal apenas -, ninguém quer perder dinheiro. Lá, como aqui, o curso mais caro que existe é o de medicina: algo em torno de US$ 60 a 80 mil dólares, US$ 40 mil dólares de curso mais as despesas relacionadas com a convivência. No Brasil, a média, este ano, está em torno de R$ 4 mil. Quem faz medicina, lá ou aqui, é uma elite intelectual e econômica. Não podem ser considerados pobres coitados desinformados, que foram enganados pela escola. Os órgãos fiscalizadores do Estado também são responsáveis: não existem ou funcionam muito mal. Só agora se está tentando se criar uma cultura nesse sentido. Mas não há dúvida de que uma medida simples de avaliação terminal no curso é capaz de influenciar de maneira importante os resultados da prática médica. Há uma diferença muito grande entre o médico que teve um bom escore na avaliação terminal e outro que não teve ou que não foi certificado. Eu medi isso na minha área de atuação, a cardiologia. A diferença, em termos de mortalidade, chega a 20%. O mundo inteiro não confia que uma escola credenciada pelo poder estatal, tenha condição de ad infinitum de liberar seus estudantes com diploma médicos. Exigi-se avaliação. No mundo civilizado, ninguém ingressa na prática médica sem residência médica. Só no Brasil o indivíduo se forma em qualquer escola e está autorizado a abrir a cabeça do primeiro paciente que ele encontrar. Se ele tiver bom senso, vai continuar trabalhando dentro um grande hospital, com a cobertura de outros médicos. É por isso que os médicos não vão para o interior, para as cidades pequenas; eles não têm segurança científica para atender numa cidade pequena. No Brasil não faltam médicos. Temos hoje quase 340 mil médicos. Nos próximos dez anos vamos chegar a quase 500 mil médicos, baseado nos números de escolas que temos hoje. Nos próximos cinco ou seis anos formaremos 18 mil médicos por ano; atualmente esse número é quase 14 mil. O problema é que esses médicos malformados permanecerão nos grandes centros urbanos. Aprenderam muito pouco e vão fazer o quê? Talvez cosmetologia, que não mata ninguém. Não vão querer trabalhar em emergência, nem se instalar numa cidade do interior. Mesmo que lhes paguem muito dinheiro. Ele não sabe medicina. E como ele vem de uma família que consegue pagar R$ 4 mil por mês para ele estudar, não tem razões econômicas para ir para uma cidade pequena e se expor. É isso o que a gente vê na maioria das cidades do país. Queremos ter médicos que atendam aos ditames da profissão médica e é isso que o Conselho Regional de Medicina está fazendo. Se continuarmos assim seremos desmoralizados. Evidência disto é a quantidade de pseudos-médicos que o Conselho teve de identificar e denunciar à Polícia, no ano passado. O Brasil é um país curioso. Estamos em segundo lugar em número absoluto de escolas. Só perdemos para a Índia e a Índia tem 1,12 bilhão de habitantes. E o número de escolas médicas no Brasil estacionou em 178 porque o Conselho Nacional de Saúde e o MEC têm impedido abertura de novas escolas. Algumas entram na Justiça e conseguem uma liminar. A nossa legislação judiciária é muito permissiva. No último enfrentamento, a luta judicial chegou no Supremo Tribunal. O curso não tinha nem começado. A escola tinha feito só um vestibular fajuto, porque não há vestibular na maioria dessas escolas privadas: o indivíduo compra a vaga por R$ 4 mil, R$ 5 mil. Há vestibular nas escolas públicas estatais e municipais. Aí há vestibular e os alunos são muito bons, porque competem com 30, 40, 50, 90 alunos contra uma vaga. Um desses processos que eu acompanhei foi o de uma escola lá de Garanhuns, no interior de Pernambuco, que obteve uma liminar do Supremo Tribunal que argumentou que aquele estudante tinha adquirido o direito potencial de ser médico. Que médico que eles vão ser? Simplesmente porque compraram uma vaga de vestibular? Esta é uma briga perdida. Em pouco tempo ultrapassaremos a Índia em abertura de escolas médicas de má qualidade. Vamos inchar o número de médicos nos grandes centros urbanos e, no interior, vai continuar faltando. O Conselho entrou nessa jogada porque, até então, pela legislação, éramos um mero cartório. O indivíduo chega com diploma e a gente dá a carteira para que ele possa exercer a medicina. Somos meros cartório. E aí flagramos a prática dessas pessoas que é atroz. Em 1998, o Conselho recebia cinco denúncias por dia. Agora, são 14 denúncias por dia. E essa é a ponta do iceberg. A maioria das pessoas é tolerante com 16
  • 18. os médicos. Se o indivíduo for um bom papo, souber fazer uma boa abordagem, o paciente não denuncia. Nós, que trabalhamos no Conselho Regional de Medicina, somos conselheiros eleitos e passamos semanas fazendo julgamento. É lamentável ver pessoas cada vez mais jovens sendo julgadas no Conselho. Como o Conselho, por prática médica, tende a ser condescendente com os médicos mais jovens, a pena sigilosa para dar chance de o indivíduo se reciclar. Fica parecendo que só quem é condenado no Conselho e tem pena pública, são os médicos com mais de 10 anos de formados. Esses médicos já foram condenados às vezes talvez duas ou três vezes e tiveram a oportunidade de se reciclar. Só quando a coisa é muito grotesca é que o Conselho decide por uma pena pública. Cassação é exceção dentro dessa regra. É aquele caso que realmente ganha um clamor público, porque não é da índole da categoria médica nem do juiz tentar excluir o indivíduo de uma profissão que às vezes ele cursou seis ou oito anos. Em função dessa posição fiscalizadora, passamos a estudar esse problema. Trata-se de um fenômeno que acontece no mundo inteiro. A preocupação com a qualidade médica é mundial. Em qualquer sociedade desenvolvida as pessoas têm preocupação com a qualidade do trabalho médico. Resolvemos então fazer uma avaliação de fato. Será que esses médicos em São Paulo estão tendo boa formação? Fizemos um projeto com o nome de Exame do CREMESP, para avaliar minimamente o que um médico precisa saber quando termina o curso médico. Passamos quase um ano discutindo uma maneira de fazer essa prova, utilizando a experiência de outros países e, junto com a Fundação Getúlio Vargas, desenvolvemos um instrumento de avaliação. Esse instrumento tem duas fases: uma prova cognitiva com cerca de 120 questões, sempre sobre casos clínicos, cujas respostas exigem o raciocínio médico. Apesar da resistência das associações médicas, do sindicato e do Conselho Federal de Medicina, que eram contra, os alunos compareceram, surpreendentemente. Relato a seguir o último resultado desse estudo. Temos cerca de 2.300 alunos se formando médico a cada ano, em São Paulo. Temos 24 escolas médicas que, até o ano passado, formavam médicos, ainda que São Paulo tenha um total de 31 escolas médicas. Neste ano entraram duas – a Uninove e a UNICID que começam a formar médico. Outras ainda estão no processo de formação. Das 24 escolas médicas, nos últimos quatro anos, 23 participaram do estudo. Sempre tem uma ou duas que boicotam. Quando o resultado não é bom, elas boicotam, não querem que os alunos se exponham. Nesse último ano nós tivemos cerca de mil alunos inscritos. Inclusive alunos de outros estados. Na primeira fase da prova no ano passado tivemos 730 alunos de escolas públicas e privadas. De algumas escolas, de 100 alunos inscreveram-se cinco ou seis. Mas tem escola que tem 100 alunos e se inscreveram 30. O objetivo não é uma avaliação de per si das escolas médicas, mas do que está acontecendo no Estado de São Paulo. A prova tem 120 questões divididas nas áreas de clínica médica, cirurgia, ginecologia e obstetrícia, pediatria, que têm os maiores pesos, e algumas áreas que consideramos importante, como a de saúde mental, saúde pública, ciências básicas e bioética que também entram com um percentual menor. Consideramos que o indivíduo aprende cerca de 60% daquilo a que ele é exposto no curso médico, então a prova exige que ele responda a 60% das questões. No ano passado, 61% não alcançaram essa média. Somente 31% foram aprovados, tiveram nota acima de 60%. Esse é um número que nos assustou muito. Nos Estados Unidos, por exemplo, o indivíduo obtém na primeira prova um percentual de 90 a 95%. Tem ano que passa a 96%. No Canadá a mesma coisa. Em outros países é um pouco menos, 85%. Nós imaginávamos, considerando a realidade de São Paulo, que pudéssemos chegar a uns 70%, o que é razoável para a nossa realidade. Alguém argumentou que a prova é muito difícil e não representa o conteúdo do que é ensinado nas escolas. Não é verdade. Fizemos um trabalho árduo: levantamos todos os currículos escolares, fomos às escolas, pedimos que eles nos enviassem perguntas e submetemos a prova à avaliação de pessoas que estão lá fazendo prova, avaliando aluno. Consideramos a prova é considerada adequada do ponto de vista matemático e de análise estatística. A prova é considerada muito adequada ou parcialmente adequada em cerca de 86% ou 87% das questões. Avaliamos também se havia diferença entre escolas públicas e privadas. E há. Observem que as escolas públicas têm maior nível de aprovação, inclusive de nota nos vários módulos. Essa é uma prova interessante que permite a você identificar qual é o módulo do conhecimento médico que aquela escola ou que aquele aluno tem mais dificuldade: se é Saúde Pública ou Obstetrícia, por exemplo. Observamos que a principal diferença entre escolas privadas e públicas não está no módulo de obstetrícia, saúde mental, pediatria ou ciência base. Não. Está em clínica médica. Quem faz medicina sabe que clínica médica é base da medicina. Se o indivíduo sai da escola e não sabe clínica médica ele vai aprender o quê? Quando você analisa as reprovações, a diferença entre a média dos aprovados e reprovados, o que conta maior reprovação é clínica médica. Clínica médica, portanto, é o fator individual mais importante para afirmar se o indivíduo vai ser reprovado ou não. Demonstra, do ponto de vista da amostra, que há problema na formação dessas escolas médicas. E olha que nós estamos misturando escolas públicas e privadas. Outro número interessante: contamos com maior participação de alunos de escolas privadas do que das públicas. As escolas públicas, 17
  • 19. que deveriam estimular o direito social do aluno, de mostrar que está retribuindo o ensino que recebe gratuitamente e, portanto, colaborando para melhorar o nível da formação médica, boicotam muito mais. Os alunos das escolas privadas vêm checar o conhecimento deles. Não obstante ser a maioria, menos de 32% , é aprovada. No ano passado tivemos o dissabor de ter somente 39% de aprovação. Os alunos das escolas públicas, não obstante representarem menos da metade dessa amostra, tiveram mais da metade da aprovação. Isso confirma a visão de que o ensino nas escolas públicas é, de fato, melhor. E é melhor não apenas porque eles recebem melhor formação. É melhor porque esses alunos já entraram bons na escola. Foram aprovados numa seleção de 40, 50, 80 candidatos por vaga. Esse aluno estuda, procura o conhecimento. A segunda fase do exame é uma fase mais prática, que eles fazem em 45 minutos, em cima de casos muito comuns do ambulatório clínico e de obstetrícia. E a aprovação é quase 99%. Já é uma amostra altamente selecionada e permite inclusive especular quais são as áreas que eles têm mais dificuldade. Nos últimos quatro anos, o número de aprovação vem caindo e a média dos alunos que saem com formação razoável deve ser inferior a 40%. E por que eu digo inferior a 40%? Porque essa amostra viciada, já que as pessoas fazem a prova voluntariamente. O indivíduo que está mal preparado, que tem desconfiança, que tem insegurança do seu conhecimento, tende a não fazer uma prova dessa. A prova é feita num domingo inteiro e o aluno só vai lá porque ele está convencido de que está bem preparado e vai receber uma certificação do Conselho Regional de Medicina. Provavelmente a realidade pode ser muito pior do que isso. Mesmo as escolas boas, e pertenço à UNIFESP, considerada a melhor universidade do Brasil, no ano passado aprovaram somente 64%. Ou seja, 36% dos nossos alunos, que são bons, não foram aprovados. No entanto foram os melhores. Eles são estimulados a ir porque eu e faço uma campanha danada para isso. Dos 120, vão quase 100. O Conselho vai para o quinto exame e não se verga a pressões corporativistas. Precisamos do apoio de vocês porque a sociedade quer critério de avaliação dos médicos. Toda vez que fizemos pesquisa pública, 95% do povão fala: não! E 100% das pessoas importantes, que geram opinião, concordam com o exame. Entre os médicos, o percentual de aprovação está ao redor de 90%. Os estudantes estão divididos: metade a favor, metade contra. A nossa proposta é implantar esse exame em nível nacional. Estou na comissão que está avaliando as escolas médicas no Brasil a convite do Professor Adib Jatene que está coordenando essa comissão. Eu falei: `Professor Adib, eu não acredito nisso. Esse é um processo muito longo, até lá já morri.´ Eu quero uma coisa que interfira; quero fazer um corte como fez o grupo Flaschen, nos Estados Unidos. Fazer uma inflexão de 90º. A avaliação é muito importante, mas é uma construção. A gente vai lá, é uma pressão política atroz. Aí você propõe reduzir vaga. Para que reduzir vagas, se vai continuar entrando os alunos e saindo mal do mesmo jeito? A 100 vagas viram 150 novamente, porque as escolas simplesmente ignoram a proibição do MEC. O MEC entra na Justiça e eles ganham. Temos que criar um paradigma de avaliação. É fundamental que o MEC assuma isso: fechar as escolas, reduzir o número de vagas. Mas isso vai demorar muito tempo. Muita gente vai ser mal atendida e muita gente vai ser ludibriada. As escolas mais caras são as piores, porque são as que vendem vaga. Precisamos ter um sistema de avaliação não somente de acreditação, que é função do MEC, mas de um órgão externo às escolas médicas, externo ao MEC, para não ter influência política, para ter uma avaliação que realmente atenda aos desígnios da população. E isso deve acontecer paralelamente a um programa de residência médica que possibilite a todo médico recém-formado fazer residência médica. Não se faz um curso médico em cinco ou seis anos, mas em pelo menos oito a 10 anos. Deputado UEBE REZECK (PMDB) O grande problema aqui no Brasil é que não tem residência médica para todos os formandos. Aí fica difícil realmente. Tínhamos que criar condições para as faculdades terem residência médica e hospitais que possam garantir residência médica, caso contrário, vamos criar resistência, obstáculos que o aluno não vai poder cumprir por falta de residência médica. Deputado CELSO GIGLIO (PSDB) Sua palestra que foi de grande utilidade. O senhor demonstra um grande conhecimento e consegue passar também para a gente um pouco da sua frustração diante desse problema extremamente grave para São Paulo e para o País. O senhor começou falando do diferencial da profissão. Os médicos trabalham com vidas. Depois o senhor mostrou um quadro dos erros médicos. Um número assustador no Brasil e mesmo em São Paulo. Sou de um tempo em que era muito difícil o médico ser processado por erro médico, não se falava nisso. Hoje a gente sabe que já acontece isso e com um número e um percentual que nos deixa extremamente assustados. O Deputado Uebe Rezeck colocou a questão da residência médica. Existe um número muito menor de vagas para residência médica do que o número de formandos. E isso é extremamente grave. Eu não sei se o MEC não teve força para controlar isso ou se se não foi mostrado à 18
  • 20. Justiça brasileira as dificuldades que esse problema nos traz. Pretendemos, com a nossa Comissão, chegar aos órgãos mais importantes deste País e do estado, mostrar que, além de termos feito um trabalho extremamente sério, é preciso se fazer com urgência alguma coisa nesse sentido. Sabemos das resistências, sabemos como as coisas funcionam e não podemos permitir que isso continue acontecendo, porque o diferencial é que o médico trabalha com vidas humanas. Deputado UEBE REZECK (PMDB) Eu só queria complementar a pergunta. Muitos hospitais usam o residente como mão de obra barata. Em vez de ele estar aprendendo, é um serviçal. Então tudo isso realmente complica a formação do profissional. Então teríamos que analisar isso de um aspecto muito mais amplo. Bráulio Luna Filho Um dos grandes problemas é que a regulamentação que permitia a abertura de escola médica era muito atrasada. Nós mudamos a resolução e, doravante, as escolas médicas para serem abertas têm que ter hospitais ou mostrar que têm convênio com hospitais; que têm uma relação de cinco leitos para um aluno; tem que ter um professor para cinco alunos e 30% de doutores em seu corpo clínico. E é preciso que o programa dela esteja integrado no SUS. E qual é o outro dado crucial que o Professor Adib está colocando agora? Esse hospital tem que ter residência médica para que esse aluno que está saindo tenha chance de entrar no programa de residência médica. O MEC aumentou cerca de duas mil vagas de residência médica porque esse é um problema sério e muito mais complexo do que a gente imagina. Não obstante não haver vaga em residência médica para todo mundo, sobra vaga de residência médica. Por quê? Porque o indivíduo não quer fazer pneumologia, ele não quer fazer pediatria, ele não quer fazer saúde da família. O Governo tem feito uma pressão danada. As cinco vagas de saúde da família do Hospital das Clínicas estão vazias. Como resolver esse problema? Colocando a residência médica dentro de uma estrutura hospitalar. Eu acho que tem que interiorizar escolas médicas; elas têm que estar com hospitais nas regiões e alocar aluno para essas regiões de maneira que ele possa se estabelecer lá. Hoje a gente sabe que o que fixa o médico não é onde ele estuda, mas onde faz a residência médica. Mas isso tem que estar aliado a uma carreira de saúde. O médico precisa ter alguns estímulos, porque senão ele não irá. O governo tem que ampliar o programa de residência médica e as escolas médicas têm que ter hospitais com programa de residência médica pelo menos nas quatro áreas básicas. Deputado JOSÉ AUGUSTO (PSDB) Acho que nós estamos vivendo um momento muito feliz no Brasil, e você participou disso, Bráulio, da construção de um Sistema Único, um dos maiores avanços no mundo inteiro. Isso se deu num momento em que o Brasil precisava. O País viveu um processo de expulsão do homem do campo para a cidade e o mundo inteiro está vivendo a urbanização com a falência das três revoluções industriais e a mudança do paradigma na produção, na globalização e os outros eixos que sustentam a economia. Essa é uma luta que teríamos que fazer em nível Federal, já que a Assembleia Legislativa não tem prerrogativa para legislar sobre essas questões que a gente está discutindo aqui. Acho importante que o CREMESP faça as suas avaliações e possa contribuir, mas acho que nesse momento, é uma posição burocrática. Precisamos fazer isso de forma mais profunda. A prova do CREMESP vai individualizar a avaliação: Você passou, tudo bem; você não passou, está fora. Vá se preparar, como a OAB faz. A área da saúde foi a que mais avançou do ponto de vista político, da formulação de organização. Nós vamos ter que fazer esse avanço. É inconcebível alguém que queira ganhar dinheiro ensinando ou formando médicos e não tenha um hospital. Tem que ter hospital e tem que ter um número de leitos. Essa questão tem que ser sagrada. E todos os conselhos regionais de medicina e sindicatos têm que exigir isso para que a Bancada Federal, para que os partidos políticos possam colocar essa questão. O SUS precisa de aperfeiçoamento, que só acontecerá quando esse problema estiver resolvido. Essa é a primeira questão. É preciso rigor na formulação dos cursos médicos e uma avaliação periódica pelo Ministério da Educação com o caso de fechamento. Tenho certeza que isso vai se dar no setor privado mais do que no setor público. Por quê? Porque hoje, no Brasil, com exceção de São Paulo que tem uma universidade de boa qualidade, pública e do Estado, a maioria dos cursos públicos que são referência são das universidades federais. O Ministério tem como fazer avançar e melhorar esses cursos, melhorando o salário dos professores, criando gratificações ou recursos que possam beneficiar aqueles que querem fazer pesquisa e se dedicar exclusivamente ao serviço de formação de médicos, fazendo com que a escola médica seja responsável pela avaliação do SUS. Isso é fundamental. Abrir o SUS para que os alunos das escolas possam vivenciar a prática nas Unidades Básicas, nos Prontos-Socorros locais, vendo as patologias mais simples e as mais complexas como parte curricular. Vivi, como vossa senhoria viveu, um momento em que a iniciativa privada era dona de tudo. O Estado passava para a iniciativa privada 19
  • 21. que fazia da Saúde uma fonte de lucro. Conseguimos fazer essa mudança. Cabe ao setor público ampliar e fazer com que isso seja, eu diria, o “start”, a mudança que faz o aperfeiçoamento do SUS. Fico contente quando V. Sa. fala da questão da residência. Eu fui uma das pessoas que brigou muito. Lembro-me uma vez, com todo carinho e respeito que tenho ao Sindicato dos Médicos, uma briga que tive com o sindicato porque exigia, lá em Diadema, quando fui Secretário de Saúde, que as pessoas fizessem residência para atender as pessoas humildes. Eu quero o melhor, porque eu quero que o meu serviço seja bom. Acho que o Ministério da Educação e as Secretarias de Saúde estaduais têm que responsabilizar o Serviço. O Serviço tem que ser responsabilizado pelo erro médico, porque no dia em que isso acontecer esse Serviço vai se responsabilizar pela reciclagem permanente e avaliação permanente dos seus profissionais, que é o que está faltando. O SUS contrata médicos como se eles já estivessem prontos; não avalia o desempenho deles. E não é difícil. V. Sa. sabe que não é difícil. É necessário apenas fazer esse exercício, ter um diagnóstico permanente do comportamento das doenças; ter uma avaliação permanente da conduta e o comportamento dos nossos profissionais e fazer com que isso seja sistematicamente readequado. Vamos ter que fazer essa geração sair desse estágio de y e compreender que a bandeira que carregamos com tanto sacrifício, outras pessoas precisam carregar. Temos que acreditar que tem pessoas que vão fazer isso. Acho que esta CPI traz um debate importante e a sua presença aqui também nos dá essa alegria: saber que V. Sa. está acompanhando, pensando, propondo, fazendo essa prova com todas essas dificuldades. Continuo pensando que neste País, mesmo sendo um país capitalista, existem algumas áreas que podem ser socializadas, como a Saúde e a Educação. No momento em que a gente pune o médico, estamos permitindo que esses processos continuem. Temos que fazer com que o coletivo reaja, que o serviço seja responsável, o Estado seja responsável, as prefeituras sejam penalizadas se não fizerem esse acompanhamento, que nós e as faculdades também vão fazer. São Paulo já foi exemplo. São Paulo teve uma importância muito grande na Reforma Sanitária. Hoje s não podemos mais fazer isso. Seria um exemplo se nós pudéssemos legislar e fazer com que os cursos médicos paulistas tivessem um rigor maior do que em outros locais. Temos estrutura para isso: temos recursos, bons professores, bons salários e um bom mercado. Não sei qual será o resultado da CPI que encaminharemos para Brasília. Teremos um relatório. Não vamos poder legislar sobre essa questão, mas vamos poder indicar, e o presidente vai dar o nosso caminho e o relator. Todos os dados que V. Sa. traz serão instrumentos para que nós possamos estar complementando os argumentos que nós queremos trazer. Deputado FAUSTO FIGUEIRA (PT) Eu queria colocar três questões. Primeiro. Quais são as faculdades em sua avaliação ou na avaliação do Cremesp ou do CRM no Estado de São Paulo que apresentam hoje dificuldades ou má avaliação ou dificuldades do ponto de vista de funcionamento? Segundo. Quais – se existem – estão brigando para se instalar e se há demanda de abertura de novas escolas? Terceiro. O professor Milton Arruda Martins esteve presente aqui nesta Comissão Parlamentar de Inquérito e foi contrário ao sistema de avaliação proposto pelo Conselho Regional de Medicina. Ele entendeu e entende que a avaliação deva se dar em várias fases e não numa prova única sujeita a vários tipos de variações e eventualmente de imperfeições de avaliação. E, por último, o senhor fez uma afirmação aqui que eu considero extremamente grave que é a questão da compra de vagas em vestibular. Se isso é uma figura de linguagem, no sentido de que o acesso é só das pessoas que podem pagar, ou se efetivamente há comprovação de fraude no vestibular? A compra de vagas seria algo extremamente grave do ponto de vista de apuração se isso realmente for literal. Bráulio Luna Filho Deputado Fausto Figueira é sempre uma satisfação tê-lo numa discussão tão importante como esta e eu agradeço o apoio que eu tive desta Casa, na sua pessoa, quando eu fui Presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e nós conseguimos, com seu apoio, aprovar o Dia Estadual do Coração. Somos imensamente gratos por esse ato. Em relação à pergunta, se analisar as tabelas vai ficar claro que algumas escolas têm muita dificuldade. Eu vou citar algumas que são hors concours, não tenho receio, não tenho conflito de interesse nenhum. A de Fernandópolis é uma temeridade. Fernandópolis. A Unaerp de Ribeirão Preto é terrível. Posso antecipar aqui que o Conselho Nacional de Saúde propôs não recredenciá-la. São escolas complicadas. Presidente Prudente é terrível. Gostaria de deixar claro que a nossa intenção é que as escolas aproveitem a experiência que o Conselho Regional vem fazendo e evoluam, aperfeiçoem seu curso, façam os convênios necessários com os hospitais e contratem professores. Em relação às vagas, foi uma surpresa para a Comissão de Avaliação do Ensino Médico, coordenada pelo professor Adib Jatene, que das 20