1. Fazer Teologia
Dom Sebastião Armando, bispo diocesano Diocese Anglicana do Recife, IEAB.
1. Narração, catequese, sabedoria e ciência:
a) A Teologia Cristã começa com a releitura da Bíblia hebraica
(A.T.), a narração da vida de Jesus e a interpretação do sentido
da sua vida para a salvação da humanidade (N. T.);
b) Os Pais (Pais Apostólicos, Apologetas e Doutores) da Igreja
continuaram o mesmo trabalho com objetivo catequético e
pastoral: catecumenato, catequese e sermões, visando a formar
as pessoas no conhecimento (saber) e no sabor (sabedoria) da
vida em Cristo.
no diálogo e confronto com a sociedade do tempo, além
do comentário da Bíblia, elaboraram apologias da fé
cristã e fizeram o esforço de comunicar a Boa Nova na
linguagem de seus contemporâneos neoplatônicos
(reflexão sobre Deus, Cristo e a condição humana) e
estoicos (moral e costumes);
c) na Idade Média, o que chamamos de Teologia se dizia “Sacra
Pagina”, isto é, estudo e comentário da Sagrada Escritura.
Como herança da Patrística, era claro o que se chamava
de os “sentidos da Biblia”: o sentimento literal ou
histórico e o sentido espiritual ou mais pleno. Este último
se distinguia em: alegoria, tropologia e anagogia;
d) Especialmente no âmbito dos mosteiros, se falava de “Lectio
Divina”, uma outra maneira de sistematizar o que hoje
chamamos de Teologia, com ênfase porém no que se poderia
chamar de dimensão espiritual da leitura:
Lectio ou acolhida inicial do texto, da mensagem, pela
atenção e análise da “letra”;
Meditatio ou reflexão mais profunda sobre o texto¹;
Oratio, identificação com a vontade de Deus mediante o
Espírito Santo;
Comtemplatio, assimilação a Deus para “enxergar” sua
presença e participar de sua ação no mundo, hoje
diríamos “atualização hermenêutica”;
e) na Alta Idade Média, com o desenvolvimento das universidades,
e sob a influencia de Aristóteles, fala-se de “Scientia Divina”, o
ponto mais alto do conhecimento como dizia Santo Tomés de
2. Aquino, “participação na própria ciência divina”, a qual começa
pelo dom da virtude teologal da fé².
é evidente que o conceito de “ciência” é aplicável à
Teologia de maneira análoga, e não estrita, não se trata
de conhecimento “racional” e “verificável”
empiricamente, como é o conceito de ciência desde o
Positivismo. Pode-se falar de ciência no sentido de
conhecimento analítico, crítico, sistemático e coerente,
não no sentido de racional e estritamente verificável, pois
o objeto de Teologia é o mistério de “Deus e tudo o que
com ele se relaciona” (Santo Tomás de Aquino). Deve-se
distinguir por isso entre “racionalidade” (rationalitas) e
“razoabilidade” (rationabilitas).
2. Teologia é escutar a fala de Deus ou falar sobre Deus? É ato de escuta em que
Deus é sujeito, ou é discurso em que Deus é objeto?
Teo – logia: herança dos filósofos gregos, cujo discurso tinha como objetivo
criticar a religião e a mitologia populares e refletir racionalmente sobre Deus
como causa última de toda a realidade. Falar “sobre” Deus envolve o risco das
“muitas palavras” (prolixidade) e, o que é ainda pior, o risco da idolatria, ou
seja, inevitavelmente projetar em Deus nosso próprio rosto.
Se a reflexão teológica nasce da fé, brota como ato de resposta à
Palavra escutada. Deve-se dizê-lo de forma ainda mais clara: a reflexão e o
discurso teológicos nascem como expressão e aprofundamento da resposta da
fé. Ora, a fé não é simplesmente reação posterior à Revelação distintamente
percebida como real e verdadeira fala de Deus. A fé é o ato no qual a Revelação
se dá e é percebida, é algo como uma onda de freqüência misteriosa na qual é
possível captar a voz de Deus. Por isso, comunicar a Revelação é sempre,
simultaneamente, testemunhar a própria fé: Moisés crê que Deus lhe falou e
disse tal e tal coisa... Não há evidência de que seja “veraz” em sua afirmação,
nem que o que diz é “verdadeiro”.
Por isso Teologia, enquanto discurso humano, “obra”, é só tentativa,
algo quase inútil, pois “Deus é totalmente outra coisa” – testemunhos de S.
Paulo, Santo Tomás, Maurice, Carlos Barth, ... Teologia em última análise, pode
ter grande utilidade como processo propedêutico de palavra que leve ao
silêncio do Amor: mística³ e testemunho (ação missionária, pastoral e
sociopolítica). Deus não se deixa conter no discurso teológico, mas é
importante o exercicio da Teologia para chegar a sabê-lo e experimentar com
profundidade essa “decepção” com as “obras humanas”.
3. 3. Teologia, como expressão e aprofundamento da resposta da fé, deve cumprir
as seguintes funções auxiliares à prática da fé:
- anúncio da Boa Nova do Evangelho em cada época da historia
(historicidade) e no contexto concreto da vida de cada povo (inculturação);
- declaração crítica do julgamento de Deus sobre a sociedade, sobre a
Igreja e sobre a própria Teologia (profecia).
Assim, Teologia é o momento reflexivo da praxis (prática e teoria) da fé, é o
momento segundo, sendo a prática o momento primeiro. A autêntica teoria teológica
brota:
- da participação na ação transformadora de Deus na vida das pessoas e
do mundo (missão);
- da experiência de participar de uma comunidade fundada na fé, na
esperança e no amor (comunhão na Igreja);
- do choque provocado pela novidade radical de sentir-se “nova
criatura” e pelo sentimento de maravilhar-se de ser para além de si mesmo (graça
como experiência pessoal).
Isso provoca as perguntas-chave que desencadeiam o processo de reflexão
teológica: quem é Jesus, quem é Deus para que aconteça isso conosco? Qual o
significado, portanto de Jesus para a história humana?
4. Poderíamos representar a articulação dos eixos do pensar teológico num
triângulo que nos ajude a visualizar o conjunto:
Pressuposto: Encarnação (Jesus)
Criação
Mundo
Vida
(Pai)
Caminho: Cruz (Cristo – Espírito) Ressurreição :FIM
MISTÉRIO PASCAL
É importante sublinhar a centralidade da cruz, na
perspectiva da I Cor. 1-4: evento da revelação da opção
de Deus pelos crucificados, vítimas do sistema deste
mundo; revelação do juízo de Deus sobre a sociedade,
4. com o desmascaramento da ideologia justificadora da
opressão; indicação do caminho da redenção: recuperar a
liberdade em face dos poderes do mundo e assumir
a solidariedade com os crucificados, como Deus mesmo o
faz em Jesus de Nazaré;
5. Daí, estabeleceram-se os capítulos clássicos da Teologia:
Criação/Queda
(Protologia)
Encarnação/Redenção A Igreja como
(Cristologia) ícone e
instrumento
Santificação/Povo de Deus Peregrino da vida trini-
(Eclesiologia) tária em favor
do mundo.
Ressureição/Consumação
(Pneumatologia)
Obs. diferença entre a visão tomista e a visão scotista
(franciscana). A primeira se radicaliza com a Reforma (cruz), a segunda, com Teilhard
de Chardin.
Ambos os esquemas têm fundamento nas Escrituras. O 1º
é, à primeira vista, o mais aparente na Biblia; o 2º
aparece claramente no 4º Evangelho, e nas epístolas aos
Colossenses, aos Efésios e aos Hebreus. O 1º ressalta a
Redenção da realidade criada e decaída, o 2º ressalta a
Criação plenamente redimida mediante a obra de Cristo
que se inicia na Encarnação e se completa na
Cruz/Ressurreição.
6. É costume classificar a Teologia em:
- Positiva: recolher os dados da reflexão teológica, evidenciando as relações
entre eles e sua evolução ao longo da história (tradição teológica).
5. - Especulativa: reflexão e aprofundamento da temática teológica em cada
época e no contexto de cada povo (teoria teológica).
- Prática ou Teologia Aplicada como mediação entre teoria e prática:
Espiritualidade; Liturgia; Ética (pessoal, interpessoal e sociopolítica); Pastoral;
Missão.
7. Fontes da Teologia:
- Escrituras (texto normativo)
- Tradição (experiência vital da comunidade cristã na história)
- Razão (desafios da sociedade, da reflexão e das ciências)
- Experiência da vida das pessoas
Obs. na verdade, a “tradição” vai-se constituindo a partir dos 04 elementos.
OBS¹: hoje diríamos “exegese”;
OBS²: fé no sec. X, Santo Anselmo da Cantuária lançou o lema da Teologia: “ Fides quaerens intellectum”
e em seus tratados exercitou o método “construtivista” do diálogo ou debate do tema;
OBS³: assimilação a Deus.