1. RECOMENDAÇÃO Nº 12/2011
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por sua
Promotora de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições
constitucionais e legais, com fundamento no artigo 129, incisos VI e IX, da
Constituição Federal de 1988, no artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), no artigo 60
da Lei Complementar n° 141/96 (Lei Orgânica Estadual do Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Norte), resolve expedir a presente
RECOMENDAÇÃO, fazendo-o nos seguintes termos:
CONSIDERANDO que, consoante previsão contida no artigo 27, parágrafo
único, inciso IV, da Lei n° 8.625/93 e no artigo 47, inciso VII, da Lei
Complementar Estadual n° 141/96, incumbe ao Ministério Público expedir
recomendações visando ao efetivo respeito aos interesses, direitos e cuja
defesa lhe cabe promover;
CONSIDERANDO que é função institucional do Ministério Público a
proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos1;
CONSIDERANDO o disposto no art. 127, caput, da Constituição Estadual c/
c art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988, segundo os quais "todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações";
CONSIDERANDO que compete aos órgãos e entidades ambientais integrantes
do Sistema Nacional do Meio Ambiente a defesa, preservação, proteção,
fiscalização e conservação do meio ambiente;
CONSIDERANDO que, para assegurar o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, compete ao poder público "exigir, na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade"2;
CONSIDERANDO que o Município, por força de disposição constitucional –
art. 30, CF/88 – tem o dever de promover, privativamente, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII),
suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inciso II),
bem assim, juntamente com a União, Estado e Distrito Federal, proteger o
meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, além de
preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, incisos VI e VII –
competência comum);
CONSIDERANDO que o acelerado crescimento dos centros urbanos, sem
prévio planejamento do Poder Público, vem contribuindo decisivamente
para a degradação do meio ambiente, mercê de ocupação e construções
clandestinas em áreas de preservação permanente, com conseqüente
poluição dos solos e dos recursos hídricos, desmatamento, erosão,
assoreamento dos cursos d 'água, dentre outros gravames;
CONSIDERANDO que o poder de polícia do Município, na ordenação do
parcelamento, ocupação e uso do solo urbano, decorre diretamente da
Carta Magna (art. 30, VIII c/c 182, caput), tendo por escopo o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de seus
habitantes, visando a assegurar-lhes existência digna, configurando um
verdadeiro dever de agir do agente público, cuja omissão implica
improbidade administrativa, nos termos do art. 11, II, da Lei 8.429/1992,
por violação ao princípio constitucional da legalidade que deve nortear
toda a atuação da Administração Pública (art. 37, caput § 4°);
CONSIDERANDO que, no exercício do seu poder de polícia, o Município deve
atuar preventivamente para evitar construções em desacordo com a
legislação ambiental, adotando imediatamente todas as medidas
administrativas cabíveis para fazer cessar a ilegalidade, incluindo
2. embargo administrativo e demolição de obra clandestina, conforme
preciosa lição de Hely Lopes Meireles, no que tange ao licenciamento das
obras em seu "Direito de construir"3;
CONSIDERANDO a lição do Ministro José Augusto Delgado, do Superior
Tribunal de Justiça, a respeito da repartição de competências e na
legislação ambiental, no sentido de que:
"(...) No que se refere ao problema da competência concorrente entendo
que a Constituição Federal excluiu, de modo proposital, o Município. Não
obstante assim se posicionar, permitiu, contudo, que o Município
suplementasse a legislação federal e a estadual no que coubesse (art. 30,
II, CF), com o que colocou ao alcance do Município, de modo não técnico, a
competência concorrente. Dentro desse quadro, o Município pode legislar
sobre meio ambiente (VI, art. 23), suplementando a legislação federal e
estadual em âmbito estritamente local. Deve observar, apenas, que no
âmbito da legislação concorrente (ou vertical) há hierarquia de normas: a
lei federal tem prevalência sobre a estadual e municipal, e a estadual
sobre a municipal.4
CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça já admitiu inclusive a
concomitância de licenciamentos ambientais (pelos poderes públicos de
diferentes esferas da Federação), consoante ilustra a ementa a seguir
colacionada:
“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PUBLICA.
DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO.
COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.
1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a
Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de
licenciamento.
2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito
ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade
que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O
seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e
futuras gerações.
3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou
federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações
geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos
pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens
ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente
causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial
afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual
receberá milhões de toneladas de detritos.
4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu
toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do
IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão
estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o
acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais
públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado
pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre
as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre
as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do
mangue nessa região.
5. Recursos especiais improvidos.”
(STJ, 1ª Turma, Resp nº 588.022/SC, Rei.: Ministro José Delgado, Julgado
em 17.02.2004, DJ 05.04.2004 p. 217)
CONSIDERANDO que a Resolução CONAMA n° 237, em seu art. 6°, estatui
expressamente que "compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os
órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando
couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de
impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado
por instrumento legal ou convênio";
CONSIDERANDO que, nos termos do art. 5° da mesma Resolução, o
licenciamento ambiental pelo órgão estadual refere-se às seguintes
hipóteses, todas expressivas da transcendência do interesse puramente
local:
Art. 5°. Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o
licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
3. I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de
conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;
II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de
vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2°
da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem
consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de
um ou mais Municípios;
IV - delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por
instrumento legal ou convênio.
Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará
o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico
procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a
atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos
demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
CONSIDERANDO que a Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece
diretrizes nacionais para o saneamento básico, determinou como um dos
princípios fundamentais desses serviços públicos a articulação com a
política de proteção ambiental (art. 2º, inciso VI),
CONSIDERANDO que a mesma Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007,
estabeleceu que o saneamento básico é composto pelos serviços,
infraestrutura e instalações operacionais de: 1) abastecimento de água
potável; 2) esgotamento sanitário; 3) limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos; e 4) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas;
CONSIDERANDO que o esgotamento sanitário é “constituído pelas
atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta,
transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos
sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio
ambiente” (art. 3º, inciso I, alínea 'b', da Lei nº 11.445/2007);
CONSIDERANDO que a mesma Lei instituiu que o titular dos serviços de
saneamento básico formulará a respectiva política pública (art. 9º,
caput), devendo, para tanto elaborar o plano de saneamento básico (art.
9º, inciso I), que pode ser específico para cada serviço;
CONSIDERANDO que o titular dos serviços de saneamento básico é o
Município;
CONSIDERANDO que a maioria dos municípios do Rio Grande do Norte não
possui corpo técnico capacitado para promover a fiscalização e o
processo de licenciamento das estações de tratamento de esgoto;
RESOLVE:
1) RECOMENDAR:
a) ao IDEMA, que realize a fiscalização na Estação de Tratamento de
Esgoto de Lajes com vistas a verificar a existência de licença, bem como a
validade da mesma, visando a operação adequada da estação, realizando
as autuações que forem necessárias, informando ao Ministério Público,
mediante ofício, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, as providências
adotadas em face da presente Recomendação.
b) ao Senhor Prefeito Constitucional do Município de Lajes que exerça o
poder de polícia inerente ao município, fiscalizando onde e em que condições
o esgoto está sendo lançado, à consideração de que o tratamento do
esgoto faz parte da política nacional de saneamento básico, cujo titular
do serviço é a municipalidade, informando ao Ministério Público, mediante
ofício, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, as providências adotadas em
face da presente Recomendação.
c) a CAERN, que, na qualidade de administrador da Estação de Tratamento
de Esgoto, apresente relatório técnico atualizado indicando a qualidade do
efluente tratado, informando ao Ministério Público, mediante ofício, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, as providências adotadas em face da
presente Recomendação.
Lajes, 8 de agosto de 2011.
JULIANA ALCOFORADO DE LUCENA
Promotora de Justiça
4. ______
1 - Art. 129, inciso III, da Constituição Federal.;
2 - Art. 225, § 1º, inciso IV, da Constituição Federal.;
3 - "(...) mediante ordem sumária da Prefeitura, porque, em tal caso, o
particular está incidindo em manifesto ilícito administrativo com o só ato
de frustrar a apreciação do projeto, que é pressuposto legal de toda
construção. Como a construção é atividade sujeita a licenciamento pelo
Poder Público, a ausência de licenciamento faz presumir um dano potencial
à Administração e à coletividade, consistente na privação do exame do
projeto e na possibilidade de insegurança e inadequação da obra às
exigências técnicas e urbanísticas. O ato ilegal do particular que constrói
sem licença rende ensejo a que a Administração use o poder de polícia que
lhe é reconhecido, para embargar, imediata e sumariamente, o
prosseguimento da obra e efetivar a demolição do que estiver irregular,
com seus próprios meios, sem necessidade de um procedimento formal
anterior, porque não há licença ou alvará a ser invalidado. Basta a
constatação da clandestinidade da construção, pelo auto de infração,
para o imediato embargo e ordem de demolição (...)". (LOPES, Hely. Direito
de Construir. T ed. SÃO PAULO: Malheiros Editores, 1996, p. 166.
4 - DELGADO, José Augusto. Direito Ambientai e Competência Municipal,
in Revista Forense, vol. 317, p. 158.