1. 1
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
Dr. Samuel Ulisses
Ementa: Estuda o modelo bíblico-reformado de missões. Inclui investigações sobre as
pressuposições, natureza, princípios e métodos de comunicação do evangelho em outras
culturas.
Objetivos:
1. Destacar as bases do conceito Bíblico de Missão Integral como a linha mestra da
Missiologia.
2. Apresentar a missão como um tema central e abrangente na Bíblia.
3. Despertar no aluno a capacidade de desenvolver uma compreensão e ação
missiológica bíblico-reformada.
1. Prolegômenos
Em primeiro lugar, devemos ter em mente do que estamos tratando nesta matéria;
para isso observe as breves definições abaixo:
1.1 Definições:
Animismo: Religião primitiva que atribui uma alma a todos os fenômenos naturais,
presente nos rituais dos povos indígenas .
Contextualização: Conjunto de circunstâncias que se levam em conta os acontecimentos
atuais presentes nas culturas; tais como: fome, opressão, guerras, suborno, etc. , ou outras
situações nas quais o missionário deve responder positivamente, apresentando uma
proposta encarnacional do evangelho do reino.
Choque Cultural: Conflito, Choque, oposição, luta, entre a cultura do missionário com a
cultura do povo local.
Cosmovisão: Lentes, pelas quais, enxerga-se o mundo ao redor .
Etnia: Termo grego cujo significado é: Nação, Povo. Retrata um grupo de pessoas cuja
unidade repousa na estrutura familiar, econômica e social comum, que falam uma mesma
língua e possuem uma mesma cultura: costumes, crença, valores etc. Em Mateus 28.16,
não se restringe apenas a etnia, mas amplia-se em seu conceito, revelando a dimensão
sociocultural da vida humana.
Etnocentrismo: Tendência de um indivíduo para valorizar sua cultura impondo-a.
Costuma-se dizer que, ao arrumar a mala, o missionário leva consigo sua cultura junto,
tendo a mesma mais valor do que a Bíblia.
Igrejas Autóctones: Igrejas locais que possuem autonomia administrativa, litúrgica ,
2. 2
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arquitetônica e andam com suas próprias pernas , são auto-governadas e auto-sustentadas e
auto-proclamadora.
Indigenização: Diz respeito às culturas tradicionais de uma etnia.
Janela 10x40: Conhecida também como “Cinturão da resistência”, estende – se do oeste
da África até o leste da Ásia. Assim denominada pela sua localização, partindo de dez
graus acima da linha do Equador. A maioria dos PNA’s residem neste retângulo
imaginário, denominado Janela 10x40, além de mulçumanos, indus, budistas e outras
religiões.
Línguas Ágrafes: Linguas que não possuem grafia .
MCI: O movimento de Crescimento da Igreja, refere-se a uma escola de pensamento
missiológico, cujo pai do movimento é Dr. Donald MacGavran, missionário na índia. Este
movimento tem sua origem na Índia e é fruto do contacto que Macgavren teve com as
pesquisas do bispo metodista chamado Waskom Pickett.
Missão: A palavra missão não se encontrar nas escrituras, seu conceito se deriva da
palavra grega αποστελλω, cujo significado é “enviar” , enfatizando o ato redentivo de
Deus, em Cristo, para alcançar os desgraçados pelo pecado , envolve o conceito
encarnacional de Jesus, como em Jo 1. Revela a intenção divina contida em Gn 1 / Ap. 21 ,
na qual descreve a preocupação universal de Deus em conceder a Jesus “ toda autoridade
... no céu e na terra” (Mt 28.18), para a execução do plano redentivo de Deus. Nesta
ocasião, Jesus envia seus discípulos, que em seu nome , rompem barreiras geográficas,
étnicas, ideológicas, sociais, culturais, religiosas e lingüísticas, levando ao mundo o
evangelho integral. Tendo todo o mundo como campo missionário , cumprindo Gn 12.3 /
Gl 3.29, reconhecendo como o Pai enviou o filho e como o Filho nos enviou (Jo 17.18).
Missionário: Servo do Senhor enviado para alcançar os não salvos, que se envolve em seu
chamado de forma integral, e cumpre seu chamado como missionário Cultural ou
Transcultural.
Missão Transcultural: Obra missionária desenvolvida além de suas fronteiras culturais.
Missão Integral: Crescimento simultâneo na : Comunhão, Ensino, acréscimo, serviço,
discipulado, treinamento, testemunho. Prevê enxergar o homem como um todo, como um
ser completo, com necessidades físicas e espirituais.
Missão Urbana: Obra missionária desenvolvida em cidades. Devido a explosão urbana
que vem sendo observada atualmente, urge a confecção de métodos e estratégias
3. 3
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
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específicas, visando o alcançar nos grandes centros urbanos, nos parques industriais,
shopping’s , condomínios , favelas etc.
Missão Rural: Obra missionária desenvolvida no interior. Embora a TV venha
urbanizando o interior do país, ainda hoje, necessário se faz entender que o mundo rural
tem sua maneira de ser e entender os valores dos grandes centros urbanos, dentro de sua
cosmovisão que abarca lendas, mitos e sincretismos, exigindo uma metodologia distinta
dos centros urbanos.
Missio Dei: Missão do Trino Deus, que só Ele pode fazer. Na qual Deus usa também
elementos sagrados (sua Igreja) para cumprir seu objetivo.
Pesquisa de Campo: Levantamento feito, para se saber as características: sociais,
culturais, espirituais, políticas, financeiras, geográficas etc., do local, onde há interesse de
desenvolver uma ação missionária.
PNA’s: Povos não Alcançados, ou seja, que não possuem nenhum referencial do
evangelho em seu país.
Ponto de Contato: São ganchos, oportunidades que o missionário encontra em uma
cultura, facilitando-o a aplicar as boas novas de Cristo, podendo ser um costume, uma
frase, uma divindade... . Um exemplo clássico é dado pelo Apóstolo Paulo no areópago
(Atos 17.22-23).
Supra – cultura: Diz respeito aos fenômenos da crença e dos comportamentos culturais
que tem origem fora da cultura humana . Que vem a ser a existência de Deus e seu Reino
versos, o diabo e seu reino. A cultura cristã enfatiza isso em : Rm 8.19-22; 1 Co 10.20; Ef
1.15-23; 1 Jo 5.18-19. Portanto, o evangelho está acima de qualquer cultura; pois é o
instrumento de Juízo e Graça divina.
Sincretismo : Promove a tentativa de unificação de diversos valores, práticas e crenças
religiosas, como ocorre no catolicismo brasileiro, por exemplo que abarca religiões
africanas.
Teologia de Missões: É a metodologia do estudo bíblico a partir do contexto histórico ,
social , cultural e gramatical. Na qual objetiva-se estudar missões pelo prisma das Sagradas
Escrituras. Sendo assim, na teologia bíblica de missões busca-se entender a ação
missionária de Deus, na qual o Trino Deus utiliza-se de elementos sagrados ou não, para
resgatar a sua criação.
4. 4
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2. A Mensagem Missionária no Velho Testamento
Deus e as nações precisa ser estudado. Afirma Neill: “As religiões da humanidade
revestiram na sua maioria , sempre o caracter local e até tribal.”1 A idéia era, que a
adoração de uma divindade, só era possível em seu território geográfico, fora dele, o
adorador não gozava de proteção, e consequentemente, deveria render-se ao Deus local.
Consequentemente suas divindades eram definidas como fortes ou fracas, conforme os
resultados obtidos nas guerras. Há vários textos que podemos destacar a esse respeito: I
Samuel 16; Dn 6; 26.19 e Rute 1.16.
Estas idéias antigas são pagãs, e consequentemente contrárias ao que Deus revela
em todo Velho Testamento , onde Deus é único e vindica exclusividade : Gn 18.25; Ex
20.3; Sl 22.27-28; Is 37.19; Jr 10.6-7. Neill afirma: “Algumas tribos contam que nos
tempos antigos o céu se encontrava tão perto da terra que o homem podia tocar-lhe ; existia
então um verdadeiro contato entre Deus e o homem, mas este pecou, e Deus, tendo-se
ofendido , afastou-se para a distância imensa, nunca mais se sabendo nada dele”2 .
De fato podemos perceber, a luz de estudos de Antropologistas que em todos os povos
é possível extrair , até mesmo do povo mais primitivo , ainda que deturpado, a concepção
da existência de um Deus Supremo.
2.1 A Missão Universal de Deus (Gn 1-3)
Para iniciarmos esta abordagem é necessário uma visão panorâmica de Gn 1-11:
Gn 1 - Deus é o autor único de toda a criação.
Gn 2 - O centro da Criação é o Homem.
Gn 3 - O Homem usa mal sua centralidade, não entende sua responsabilidade e
peca contra Deus.
Gn 4-6 - O pecado afeta toda a criação, alienando-a de Deus .
Gn 7-8 - Deus, através do Dilúvio, executa seu julgamento.
Gn 8-9 - Após e através do Juízo , Deus manifesta sua Graça, e preserva a
vida Humana.
Gn 10 - Uma nova geração de Homens originando o mundo das nações.
Gn 11 – Esta nova geração se afasta de Deus, então um novo Julgamento é
1
NEILL, Stephen , História das Missões. Edições Vida Nova, São Paulo,1989. p.13
2
Ibid.14
5. 5
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executado por Deus através de Babel.
Podemos olhar para este panorama, e perceber que a temática básica destes
capítulos , à luz da Missio Dei, revela a intenção e ação de Deus , no sentido de
relacionar-se graciosamente e redentoramente não só no universo, como também, com
toda humanidade e suas diversas etnias.
2.2 A Criação como Ponto de Partida na Missio Dei
Ao descrever missões, devemos defini-la, não como tarefa da Igreja, mas como
uma atividade primordial e basicamente de Deus. Nestes termos podemos ver a missão
como um movimento do Rei-Criador em direção ao mundo, movimento este que se
caracteriza pela graça e pela restauração da criação.
O principio conceitual da Missio Dei, na qual Deus para cumprir soberanamente
sua vontade. Há várias passagens bíblicas que registram Deus usando outras nações e seus
governantes, para o cumprimento de seus propósitos salvíficos, tais como: Esdras 1.1-3;
Isaías 44.28; Jeremias 25.8-9; Jo 1.1-19 .
Cumpre a igreja reconhecer que sua tarefa missionária está subordinada a missio
Dei. Afirma Carriker: "A missão soberana de Deus chegará a sua conclusão com a
participação da igreja na promoção do reino sobre toda criação e todo povo. É na
segurança da missão de Deus que a igreja assume a sua missão (missiones ecclesiae)."3
Conforme a figura abaixo, Deus criou reinos, e para governa-los , criou reis.
CRIADOR
"Reinos" Reinados "Reis"
0
1 Luz/Trevas 40 Luminares
20 Céu/Águas 50 Peixe /Aves
30 Mares/Terra 60 Animais
Homem: Co-Regência
Esta figura reflete o mandato cultural, na qual a imagem e semelhança de Deus é
3
CARRIKER, C. Timóthy. Missão Integral . Uma Teologia Bíblica.São Paulo: SEPAL, 1992. p. 36
6. 6
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imputada no homem, para "ter domínio" (râdhâh) e "dominar" (kôbhash) a terra.
Em Gn 1.27-28, percebemos que esta tarefa não se resume apenas ao homem, mas
no sentido genérico, pertence ao homem e a mulher. Ambos têm a responsabilidade de
administrar três áreas principais:
1a Familiar e Social (Gn 1.28)
2a Ecológica e Econômica (Gn 1.28-30)
3a Governo (Gn 1.28)
2.3 A Queda e Suas Conseqüências
Quando o ser humano deu ouvido a serpente, deixou então de reconhecer a
divindade de Deus e , consequentemente renunciou seu mandato cultural. Este abalo na
ordem criada por Deus , desumanizou a humanidade.
As conseqüências deste ato, afeta :
1a Relacionamento com Deus (Gn 3.10)
2a Familiar e Social (Gn 3.12;4.8)
3a Ecológica e Econômica (Gn 3. 17-18)
4a Governo (Gn 3.19)
Embora a criação conheça a desordem promovida pelo pecado , isto não afeta a
Soberania de Deus. O Próprio julgamento da serpente e do homem e mulher assevera isto.
2.4 Justiça e Graça (Gn 4-11)
Deus de forma soberana exerce sobre a humanidade, conforme encontramos em Gn
1-11, seus juízos, acompanhados de sua graça e indicações de salvação, vejamos:
.
1° A queda - manifesta juízo, mas também, estabelece a sua graça e
misericórdia em Gn 3.15.
2° O dilúvio - uma vez que a humanidade encontra-se em total alienação de
Deus, conforme o registrado em Gn 6. 1-7 . Em meio a este terrível e justo
juízo de Deus, Ele manifesta sua misericórdia em Gn 6.8-22, salvando Noé
sua família e animais de todas as espécies, escolhidos pelo próprio Deus.
Esta escolha/eleição, deveu-se, unicamente, a graça de Deus.
7. 7
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
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3° Babel – mais uma vez o homem insiste em seu caminho de pecado, desta
vez , coletivamente, envolve-se em um projeto arrogante e grandioso,
buscando auto-suficiência de Deus (Gn 11.4). Frente a tamanha ousadia, o
julgamento de Deus provocou uma completa desestruturação social ,
econômica e política . Observe em Gn 11.7, o mundo tornou-se uma
confusão. Além disso, gerou insegurança de um novo começo, entretanto,
com este julgamento, Deus evitou a concentração do homem e,
consequentemente a concentração do mal.
É muito importante, ainda, não esquecer que os três juízos de Deus sobre a
humanidade descritos em Gn 1-11, são acumulativos, ou seja, um não anula o outro, antes
o pressupõe, e cada vez se torna mais severo, no entanto, nunca deixa de manifestar a
misericordiosa graça de Deus e sua intenção redentora.
2.5 Todos os Povos na Mira de Deus
Para um leitor desatento, aparentemente Gn 10, descreve uma daquelas cansativas
genealogias. Entretanto, este capítulo manifesta a intenção original de Deus em relacionar-
se salvificamente com toda humanidade.
A lista das nações, indica que o propósito redentor de Deus (Rei-Criador) não está
restrito a uma única nação, ou a uma determinada raça/etinia , mas sim , no sentido
universal, a todos os povos . Isto está diretamente ligado a ação redentora de Jesus Cristo
(Jo 3.16; 1 Tm 2.1-7; Rm 1.16-17).
Implicações Missiológicas
1. No ato da Criação, podemos ver que Deus se movimenta de forma ativo e
soberano em direção ao mundo e ao ser humano. O Deus que se aproxima
de nós, age e cria , e que tem poder sobre toda criação , conduzindo seus
propósitos à uma realização completa na história, na qual inclui todos os
povos.
2. O mandato Cultural , como reflexo da imago Dei, é parte inerente de todo
ser humano, em Cristo, ela é progressivamente restaurada, nos conduzindo a
8. 8
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
Dr. Samuel Ulisses
uma missão que nos leva a responsabilidade como co-regentes em toda sua
extensão. Esta restauração deve recuperar o equilíbrio relacional do homem
e da mulher. E, conseqüentemente, refletirá em nossa ação missionária no
mundo.
3. O pecado não deve ser visto apenas como um mal espiritual, mas como
um status integral (Relacionamento com Deus ; Familiar e Social ;
Ecológica e Econômica; Governo). A missão, portanto, precisa prover ao
ser humano uma salvação integral.
4. Todos os seres humanos da face da terra, em todos os tempos, lugares,
culturas e raças, ninguém podem ser discriminado, todos são iguais perante
Deus. A missão deve respeitar suas distinções, e não impor nenhum modelo
de cristianismo ou evangelho de dominação.
5. Com Noé, aprendemos que a missão não pode estar desvinculada da
vida e da fé pessoal e eclesial.
6. Babel revela a divisão do mundo em vários idiomas e dialetos. Muitos
destes idiomas não possuem ágrafia e muitos outros estão em processo de
extinção . É muito importante investir na tradução de bíblias para estes
povos, para que cada um possa conhecer Jesus Cristo, dentro de seu próprio
contexto cultural .
2.6 Eleição e Aliança
A transição entre Gn 11 e Gn 12 é muito significativa, uma vez que manifesta a
resposta de Deus a desordem e pecados humanos , e para a dispersão da humanidade
ocorrida em Babel. Agora, Deus passa de um relacionamento diretamente o pessoal com
as nações, para um relacionamento diretamente pessoal com um só homem (Abraão), sua
família e o povo que se originou dele (Israel).
Com o chamamento de Israel, Deus não muda sua missão, ao contrário, conforme
afirma Bosch : "a história de Israel é a continuação dos tratamentos de Deus com as
9. 9
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
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nações."4
Em Gn 12.1-3, fica muito claro o conceito de eleição e vocação interligados e
dependentes , visto que ambos dependem totalmente de Deus. Afirma Blauw: "o chamado
de Abraão (é assim, implicitamente, de Israel) deve ser visto à luz da revelação de Deus às
nações , pode ser vislumbrado, de modo especial, em Gn 12.3"5. Não podemos desvincular
as eleição da vocação.
O que de fato temos em Gn 12.1-3, é uma aliança entre Deus e Abraão/Israel. A
escolha de Deus em firmar aliança com Israel, não indica que Deus tenha se esquecido do
restante do mundo. Blauw afirma:
Israel não é tanto o objeto da eleição divina quanto sujeito do serviço exigido por Deus à
base da eleição. Talvez a coisa pudesse ser posta nestes termos: não há serviço mediante
eleição, antes, eleição por causa do serviço. Portanto, a eleição não é primariamente
privilégio, mas responsabilidade6.
Infelizmente , Israel deixou de cumpriu com sua eleição-vocação-aliança, devido a
sua altivez . Julgando ser o único povo amado por Deus , rejeitou então seu privilégio de
servir na missão de Deus, sendo benção a todos os povos .
Implicações Missiológicas
1. A missão que recebemos de Deus, exige de nós reconhecer com
humildade, que somos um povo no meio do vasto e complexo universo das
nações (goyim).
A Igreja, dentro de cada povo, e, por sua vez, como povo de um Deus
redentor, tem a incumbência de agir transformadoramente dentro de cada
povo deste mundo.
2. Não podemos conceituar eleição e vocação , sem deixar para traz
qualquer sentimento que dê a falsa impressão de que Deus tem maior
interesse por nós do que por qualquer outra nação. Este sentimento de
triunfalismo e ou favoritismo.
Urge resgatarmos os valores que são conseqüência da eleição vocação, tais
como: serviço, entrega e sacrifício. Do contrário, nossa missão ficará
4
Bosch, David J. Witness to The World the Christian Mission in Theologica Perspective. Atlanta,
Georgia: John Knox Press, 1980. p. 61-62.
5
Blauw, Johannes. A Natureza Missionária da Igreja. São Paulo: ASTE, 1966. p. 21
10. 10
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
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descaracterizada.
3. Nossa missão precisa ser centrada no mundo, uma vez que Deus tem, no
mundo, o alvo do seu amor redentivo.
Nosso maior desafio, hoje, é sair de nossas fronteiras eclesiásticas,
priorizando a expansão do Reino de Deus. Portanto, nunca podemos
esquecer de que a intenção de Deus , ainda é a redenção do mundo na sua
integralidade, ou seja, não somente os seres humanos , mas também toda
criação.
3. A Mensagem Missionária do Novo Testamento:
3.1 Introdução
Sabemos que as três civilizações que contribuíram para o nascimento de Cristo e o
advento do Cristianismo foram: Gregos, Romana e Judaica. Vejamos:
Civilização Grega: Influenciaram com sua arte, arquitetura, literatura, língua (grego
Koiné), a ciência e a filosofia.
Civilização Romana: Varreram os piratas dos mares, construíram boas estradas, que
por sua vez, eram bem guarnecidas, produziram o que foi chamado de Pax Rornana.
Civilização Judaica: Traziam consigo a missão de serem benção a todas as famílias
da terra, além de uma religiosidade que combinava duas características essenciais: a
primeira, o mais elevado conceito acerca de Deus (Resultado AT); a segunda, o mais
alto ideal de vida moral (Resultado concepção que tinham acerca de Deus).
O único povo que possuía a esperança da vinda de um Salvador. Outro fator
importante, e que, os judeus deram ao Cristianismo o Velho Testamento. Sendo dispersos,
Os judeus criaram sinagogas por onde passavam. Tornando-se o núcleo da Igreja Cristã.
Green afirma: ...nenhum outro período da história do mundo estava melhor preparado para
receber a jovem Igreja que o primeiro século d.C. , com oportunidades enormes para
espalhar e compreender a fé, em um império literalmente mundial. A conjunção de
elementos gregos, romanos e judaicos nesta praeparatio evangelica é conhecida de
todos...7 Referindo-se ao nascimento de Cristo, Winter afirma:
A “visitação” de Cristo foi um acontecimento dramático, repleto de prodígios e
ocorrendo surpreendentemente “no tempo devido”. Jesus nasceu como membro de
6
Idem, p. 23
7
GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova,1984. p. 11-26.
11. 11
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
Dr. Samuel Ulisses
um povo subjugado. No entanto, apesar de seu imperialismo sanguinário , Roma
foi verdadeiramente um instrumento nas mãos de Deus, para preparar o mundo
para a sua vinda. Roma controlava um dos maiores impérios que o mundo já
conheceu , impondo a paz romana sobre toda espécie de povos bárbaros e
estranhos. Durante séculos, os imperadores romanos construíram um amplo
sistema de comunicação abrangente tanto os 400.000 quilômetros de
maravilhosas estradas que se estendiam por todo o império, como a rápida
transmissão de mensagens e documentos . Em suas conquistas , Roma teve seu
domínio pelo menos uma civilização bem mais adiantada do que a sua própria , a
Grécia. E professores e artesãos de finíssima educação, levados como escravos
levados para cada uma das maiores cidades do império, ensinaram a língua
grega. O grego veio a ser falado desde a Inglaterra té a Palestina.8
Mais uma vez , fica clara a concepção da Missio Dei, na qual Deus cumpre seus
propósitos missio-redentivos com ou sem a participação ativa de seu povo escolhido.
3.2 A Mensagem Missionária do Novo Testamento:
O NT traz, como tema e conteúdo, a proclamação do reino de Deus como
cumprimento das promessas de Deus do AT. Green afirma: “Aquele que veio pregando as
boas novas passou a ser o conteúdo das boas novas!” 9
O Reino de Deus se personifica em Jesus, no que afirma Carriker:
O escopo de missões sempre foi e sempre será universal, já que procura anunciar e
promover o reino de Deus por todo o mundo. Na própria história de Israel, a mão
forte e poderosa de Deus se estende ao povo, não somente para seu benefício, mas
também como testemunho às nações, a fim de leva-las a conhecerem o Senhor dos
Exércitos. No Novo Testamento, essa preocupação universal de Deus intensifica-
se a partir do ministério de Jesus .10
Esta correlação que há entre reino de Deus e revelação messiânica, é descrita por
Blauw: “ ...a relação entre o reino de Deus e a revelação messiânica passa a ser uma
correlação de força que quase se poderia falar de identificação de Jesus Cristo com o
Reino de Deus; Ele não apenas proclama , mas é , na sua pessoa , o Reino que está entre
nós.”11
Uma investigação, nos evangelhos nos permitirá notar e detectar o plano mestre e
universal de Deus em Cristo Jesus.(Mc 10.44-45; Jo 10.9-10; Lc 10.10. . Isto está claro em
seu ministério, quando ele rompe as barreiras geográficas (Lc 4.14-15); sociais (Lc 7.36;
11.37); culturais e religiosas (Lc 10.29-37;7.9), evidenciando sua soberania escatológica,
visando os propósitos missio-redentores de Deus. Afirma Blauw: “A manifestação dos
8
WINTER. Ralph D. e Hawthorne , Steven. Missões Transculturais - Uma Perspectiva Histórica. Editora
Mundo Cristão, São Paulo, 1987. p. 166.
9
GREEN, Evangelização na Igreja Primitiva, p. 58
10
CARRIKER, Missões na Bíblia - Princípios gerais. São Paulo: Vida Nova, 1992 . p. 25
12. 12
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
Dr. Samuel Ulisses
grandes atos de Deus para as nações determina o caracter da história depois da morte e
ressurreição de Cristo.”12
Nos atos redentivos de Deus, cumpre-se em Jesus a unificação dos povos. No que
afirma Neill:
Só Jesus, em virtude da obediência a Deus , mesmo nas situações mais extremas ,
cumpriu o destino de Israel. O Povo da eleição de Deus, o velho Israel , já poderia
assim participara posteriormente de tal destino. O objectivo de Deus consistia
agora em caminhar para um novo Israel, trazido para a fé por Jesus Cristo , cuja
característica principal se definiu pela vontade de morrer e de renascer de novo
com ele.Chegara o dia dos Gentios. A porta encontrava-se ainda aberta a todos os
israelitas que aceitassem e cressem. Mas, tanto para juDeus como para gentios, a
única entrada realiza-se a partir de agora através da fé em Jesus Cristo. 13
Sob este prisma, percebe-se que a morte e ressurreição de Cristo selam o destino e
futuro de seu povo. E também transforma a “Redução Progressiva” do V.T. em “Expansão
Progressíva”14
Esta mudança de foco, revela Jesus como o centro e não mais Jerusalém. Doravante
todas as etnias da terra se achegarão a Cristo (Fl 2.10-11; Rm 14.11-12). Isso evidencia
não só a intenção divina de uma nova criação em Cristo, mas também, dá sinais claros de
que a Igreja passa a ser o novo Israel.
3.4 Missão no Ministério do Espírito Santo:
Irrefutavelmente, o avanço irresistível da Igreja se deu de forma vibrante após
terem os discípulos no pentecostes , sido capacitados com o Espírito Santo (At 2). .Afirma
Carriker:
O Espírito Santo foi derramado apenas quatro vezes em Atos. Cada uma das
conquistas na expansão missionária foi acompanhada por sinais milagrosos. A
primeira vez foi a vinda do Espírito no Petencostes (2.1-13): a Segunda, quando o
evangelho alcançou a Samaria, a primeira cidade não judia (8.14-17) ; a terceira,
quando Pedro pregou à primeira família gentia, a de Cornélio, em Cesaréia (10.44-
45) e, finalmente, a Quarta, quando Paulo conseguiu demonstrar a diferença entre
o evangelho de Jesus e a pregação de João Batista (19.1-6). Todas as vezes o
próprio Espírito Santo marcou milagrosamente , a introdução de uma nova fase na
tarefa missionária a nós confiada.15
A promessa contida em Atos 1.8, cumpre-se em Atos 2 , anuncia o mandato que
nos qualifica como testemunhas de Cristo enfatizando a universalidade missionária da
11
Blauw, A Natureza Missionária da Igreja,p. 72
12
Ibid., 82-83
13
NEILL, História das Missões, p. 21
14
Blauw, A Natureza Missionária, p. 91.
15
CARRIKER, Missões na Bíblia, p. 39
13. 13
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
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Igreja .Neill afirma: “A Igreja da primeira geração cristã era do tipo genuinamente
16
missionária.” No que também afirma Zabatiero: “Antes do Pentecostes não havia
Igreja cristã, não havia experiência cristã. ... Ao inaugurar a Igreja , o Pentecostes inaugura
a era missionária, pois , em Atos, Igreja é missão.17”
Pentecostes é a inversão do que ocorreu em Babel, revelando-nos os propósitos
missio-redentivos de Deus. Afirmam Shenk e Stutzman:
Todos ouviram a palavra de Deus em sua própria língua. Foi um sinal de Deus de
que o evangelho se destina a todas as pessoas de todas as culturas. À medida que
as pessoas aceitam o evangelho, elas se congregam numa nova comunidade. A
dispersão em Babel foi o contrário do que houve no Pentecostes. A Igreja é a nova
comunidade que traz o remédio para as divisões dos povos. Embora as diferenças
de língua e cultura não tenham desaparecido com o Pentecostes, os seres
humanos descobriram a preciosa unidade e a fraternidade do Espírito Santo, que
aproxima e une pessoas de diferentes culturas , tornando-as verdadeiros irmãos e
irmãs.18
3.5 O Apostolo Paulo e Missões:
O Apóstolo Paulo teve um relevante papel no palco das missões. Referindo-se a
ele, Tucker afirma: “O Apóstolo Paulo indiscutivelmente mantém o lugar de maior
missionário da primeira Igreja.”19 Mesmo enfrentando intempéries (2 Co 11.25-28), em
suas viagens missionárias pelo mundo mediterrâneo, o apóstolo Paulo estabeleceu Igrejas
autóctones. Referindo-se a Paulo, Blauw afirma:
Para Paulo há dois pontos de vista: (1) os cristãos, não os juDeus são a
congregação de Deus , porque a coisa importante não é Israel segundo a carne ,
mas Israel segundo o espírito(ponto de vista muito forte em gálatas por exemplo);
(2) há apenas um povo de Deus , a saber, Israel, sendo que os cristãos gentios são
incorporados neste povo como prosélitos (especialmente os Romanos).20
E é exatamente o apostolado de Paulo que vai nos proporcionar a noção correta do
que vem a ser a relação complicada entre Israel , a comunidade de Cristo e o mundo das
nações. Embora não seja o único apóstolo aos gentios, tornou-se o mais preeminente. Sua
intenção era pregar o evangelho de Cristo em todas as províncias do Grande Império
16
NEILL, História das Missões, p. 24
17
ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. Poder e Testemunho – Missões em Atos 1 e 2. Em Missões e A Igreja
Brasileira, Vol. 3 – Perspectivas Teológicas. Organizado Por Carriker, C. Timóteo. São Paulo:
Editora Mundo Cristão, 1993. p. 84
18
SHENK, W. David & STUTZMAN, Ervin R. Criando Comunidades do Reino – Modelos
Neotestamentários da Implantação de Igrejas. Trad. Rubes Castilho. Campinas: Editora Cristã
Unida, 1995. p. 9
19
TUCKER, Ruth A. “... Até aos Confins da Terra” – Uma História Biográfica das Missões Cristãs. São
Paulo: Edições Vida Nova, 1986. p.,28-29
20
Blauw, A Natureza Missionária da Igreja, 93.
14. 14
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
Dr. Samuel Ulisses
Romano (Rm 15.19-20; 22-24). Partindo de Antioquia em suas três viagens missionárias.
A escolha de Antioquia como ponto de partida não acontece por acaso, uma vez que
Antioquia era um importante entroncamento viário.21
Vejamos a trajetória de Paulo:
1a Viagem Missionária: Chipre, Panfília, Licaônia(At 13-14). Surge a controvérsia da
circuncisão dos pagãos convertidos(Concílio de Jerusalém é convocado – At 15.1-29; Gl
2.1-10);
2a Viagem Missionária : Licaônia território Gálata , Trôade, Macedônia (Filipos ,
Tessalônica ), Atenas, Corinto, retorno a Antioquia, via Éfeso (At 15.41; 18.22);
3a Viagem Missionária : Galácia , Éfeso (mais de 2 anos), Macedônia, inverno em
corinto, Retorno a Jerusalém, via Macedônia e Mileto. Cativeiro em Jerusalém (At 18,23.
23.31).
21
COTHENET, E. São Paulo e o seu Tempo –Trad. Benôni Lemos. São aulo:Edições Paulinas, 1984. p. 39
15. 15
Introdução a Teologia Bíblica de Missões – I
Dr. Samuel Ulisses
BIBLIOGRAFIA:
BLAUW, Johannes. A Natureza Missionária da Igreja. São Paulo: ASTE, 1966.
BOSCH, David J. Witness to The World the Christian Mission in Theologica
Perspective. Atlanta, GEORGIA, John Knox Press, 1980.
CARRIKER, C. Timóthy. Missão Integral . Uma Teologia Bíblica.São Paulo: SEPAL,
1992.
_________________, Missões na Bíblia - Princípios gerais. São Paulo: Vida Nova, 1992.
COTHENET, E. São Paulo e o seu Tempo –Trad. Benôni Lemos. São aulo:Edições
Paulinas, 1984.
GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova,1984.
NEILL, Stephen , História das Missões. Edições Vida Nova, São Paulo,1989.
SHENK, W. David & STUTZMAN, Ervin R. Criando Comunidades do Reino – Modelos
Neotestamentários da Implantação de Igrejas. Trad. Rubes Castilho. Campinas:
Editora Cristã Unida, 1995.
TUCKER, Ruth A. “... Até aos Confins da Terra” – Uma História Biográfica das Missões
Cristãs. São Paulo: Edições Vida Nova, 1986.
ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. Poder e Testemunho – Missões em Atos 1 e 2. Em
Missões e A Igreja Brasileira, Vol. 3 – Perspectivas Teológicas. Organizado Por
CARRIKER, C. Timóteo. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1993.
WINTER. Ralph D. e Hawthorne , Steven. Missões Transculturais - Uma Perspectiva
Histórica. Editora Mundo Cristão, São Paulo, 1987.
OUTRAS OBRAS A SEREM CONSULTADAS:
BOSCH, David J. Missão Transformadora : Mudanças de Paradigma na Teologia da
Missão. Tradução de Geraldo Kornörfer; Luis Marcos Sander – São Leopoldo, RS:
Sinodal, 2002.
PADILHA , C. René. Missão Integral – Ensaios sobre o Reino e a Igreja . Trad. Emil
Albert Sobottka. São Paulo: FTLB - Temática Publicações , 1992.
PIPER, J. Alegrem-se os Povos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
STEUERNAGEL, Valdir Raul, org. A Missão da Igreja: uma visão panorâmica sobre
os desafios e propostas de missão para a Igreja na antevéspera do terceiro milênio.
Belo Horizonte: Missão Editora, 1994.