1. O documento discute o valor patrimonial do território de Santa Leopoldina no Espírito Santo, formado por influências indígenas, portuguesas e germânicas.
2. Propõe o desenvolvimento de uma rota patrimonial para conectar e valorizar os recursos culturais e naturais da região, como o rio Santa Maria da Vitória.
3. A rota patrimonial é apresentada como um instrumento para promover a conservação, valorização e desenvolvimento sustentável do território de Santa Leopoldina.
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O Patrimônio Territorial de SantaLeopoldina/ES como pretexto para a proposição de uma rota patrimonial.
1. O PATRIMÔNIO TERRITORIAL DE SANTA LEOPOLDINA/ES COMO
PRETEXTO PARA A PROPOSIÇÃO DE UMA ROTA PATRIMONIAL
ANDRADE, BRUNO AMARAL DE. (1); ALMEIDA, RENATA HERMANNY DE. (2)
1. Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento. UFES.
Rua José Adami, 109, Praia das Gaivotas, Vila Velha, ES.
andrade.bruno@live.com
2. Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento. UFES.
Rua Doutor Moacyr Gonçalves, 711∕303, Jardim da Penha, Vitória, ES.
renatahermanny@gmail.com
RESUMO
Este artigo visa discutir o valor patrimonial do território constituído a partir da ocupação de imigrantes
germânicos na antiga colônia de Santa Leopoldina, estado do Espírito Santo, com a finalidade de desenvolver
teoricamente a possibilidade de conservar, valorizar, requalificar e/ou transformar figuras territoriais
identificadas por sua relevância cultural, ambiental, social e econômica, por meio da proposição de uma rota
patrimonial, imaginada como instrumento metodológico e projetual. O território de Santa Leopoldina é
formado por uma tríplice camada de sedimentos do passado, espacializada pelo elemento indígena, pelo
elemento luso-brasileiro e pelo elemento germânico. No entanto, apesar de ter atingido um auge
socioeconômico, entre o final do século XIX e início do XX, condição energizada pelo protagonismo do rio
Santa Maria da Vitória, patrimônio natural navegável entre o núcleo urbano de Santa Leopoldina e o litoral, na
cidade de Vitória, no inicio do século XX, o território do atual município de Santa Leopoldina expressa perda
de sua condição de centro regional, situando-se à margem de processos de desenvolvimento. No
enfrentamento dessa problemática, dota-se, no campo conceitual, a contribuição de Alberto Magnaghi,
UNIFI/Itália, a partir da aproximação territorialista, e, no campo metodológico, os estudos avançados de
Joaquin Sabaté, UPC/Espanha, a partir do instrumento projetual dos parques patrimoniais.
Palavras-chave: Patrimônio Territorial. Rota Patrimonial. Imigração Germânica. Santa Leopoldina [ES].
2. INTRODUÇÃO
Este artigo, um recorte de estudos realizados no âmbito de trabalho de conclusão de curso
de graduaçãoi, insere-se no contexto investigativo de pesquisa intitulada “Patrimônio &
Desenvolvimento, uma aproximação à figura da sustentabilidade”ii . Articulado por uma
dupla temática contemporânea, patrimônio & projeto territórial, tem como objetivo discutir
os parques patrimoniais como instrumentos de conservação e valorização da paisagem
cultural (Sabaté, 2004), camada do território considerada patrimônio territorial (Magnaghi,
2010). Nessa perspectiva, compreende o patrimônio em sua categorização mais ampla
(Unesco), reconhecendo e valorando recursos naturais e culturais.
A discussão do valor patrimonial do território é empreendida por meio de identificação,
registro, mapeamento, e proposição de endereço projetual de figuras territoriais,
selecionadas e cadastradas segundo relevância cultural, ambiental, social e econômica; e
sintetizada por meio da proposição de uma rota patrimonial, instrumento metodológico e
projetual concebido com a finalidade de conservar, valorizar, requalificar e/ou transformar.
Em seu desenvolvimento, o artigo segue uma sequência articulada de ideias, elaboradas a
partir de uma compreensão histórica, uma aproximação empírica ao objeto-concreto em
estudo, e uma proposição dialética entre hipóteses e objetivos.
1. UMA ROTA PATRIMONIAL PARA SANTA LEOPOLDINA [ES]
1.1. Histórico
Antes de se instalarem no Espírito Santo, os imigrantes germânicos ocupam territórios
situados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Com o sucesso da
instalação dessas colônias, em 1855, D. Pedro II idealiza a fundação de colônias
germânicas no Espírito Santo (FIGURA 1).
Figura 1 – Detalhe da Planta da Província Espírito Santo, 1878.
Fonte: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.
Assim, segundo Schwarz (1992, p.2), em 1855, funda-se Suiça, uma colônia na região da
cachoeira do rio Santa Maria da Vitória, com área de 567 km², constituída de lotes iguais de
62.500 braços quadrados. Em 1857, nela instalam-se 99 suíços, 24 hanoverianos, 6
luxemburgueses, 3 prussianos e 8 holsteinianos (Seide, 1980). Poucos anos após, são
realocados para sítio “mais fértil e cortado de ribeiros cristalinos” (Ferrari, 1968), quatro
léguas abaixo da primeira instalação, onde se erige uma morada provisória para o diretor
da Colônia, armazéns e um barracão destinado ao alojamento de 50 famílias. Junto ao
barracão, instalam-se comerciantes, constrói-se uma capela e um cemitério, e novas
edificações para moradia e local de trabalho dos prestadores de serviços.
Schwarz (1992), Petrone (2004), e Ferrari (1968) afirmam a importância da condição de
entreposto comercial do núcleo de Santa Leopoldina (FIGURA 2), boca de sertão, devido
3. ao seu posicionamento estratégico no ponto em que o rio se torna navegável, por 47 km,
até o litoral, na baía da Vitória. O café, transportado por tropeiros das áreas rurais da
colônia até o núcleo urbano, era conduzido por canoeiros até a cidade de Vitória. Logo, no
início do século XX, o núcleo se torna a cidade mais importante do Espírito Santo, com
casas comercias operando diretamente com o exterior, principalmente com a Alemanha
(Ferrari, 1968).
Figura 2 – Foto do núcleo histórico de Santa Leopoldina, primórdios do século XX.
Fonte: Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento.
1.2. Objeto-concreto
O município de Santa Leopoldina é formado por uma tríplice camada de sedimentos do
passado, do elemento indígena, do luso-brasileiro e do germânico. Apesar de ter alcançado
um auge socioeconômico, entre o final do século XIX e início do XX, energizado pelo
protagonismo do rio Santa Maria da Vitória, navegável entre o núcleo urbano de Santa
Leopoldina e o litoral, na cidade de Vitória, o território do atual município de Santa
Leopoldina perde sua centralidade regional (FIGURA 3).
Figura 3 – Mapa de delimitação da colônia de Santa Leopoldina.
Fonte: Andrade, 2012a.
4. A cidade de Santa Leopoldina é cortada pelo rio Santa Maria da Vitória, que possui 122 km
de extensão da sua nascente, na serra do Garrafão, no município de Santa Maria de Jetibá,
a 1.300 m de altura, até deseguar na baía de Vitória. O seu eixo navegável ocorre entre o
núcleo urbano de Santa Leopoldina e a baía de Vitória (cerca de 47 km), historicamente
explorado com objetivos socioeconômicos: transporte de café até o litoral (cerca de 120
sacas de café por canoa, entre o final do século XIX e início do XX); e translato de
imigrantes, a partir da metade do século XIX (Schwarz, 1992).
A ocupação da região, por imigrantes germânicos, a partir de um projeto externo do II
Império, possibilita um encontro de diversas culturas europeias ao longo do rio e afluentes,
principalmente de origem camponesa, como os prussianos e pomeranos. Assim, é erigida
relevante produção arquitetônica na região, na forma de conjuntos, em pequenos núcleos
urbanos, e edifícios isolados, no meio rural (Schwarz, 1992), além do patrimônio imaterial
dos imigrantes e descendentes, legados à contemporaneidade. Ainda no final do século
XIX, a colônia de Santa Leopoldina é desmembrada, e, desse processo, emancipam-se
Santa Tereza, em 1890, Afonso Claudio e Ibiraçu, ambos em 1981, e, tardiamente, Santa
Maria de Jetibá, em 1988. Remanescente desse processo, o atual município de Santa
Leopoldina se constitui pelo distrito-sede e os distritos de Mangarai e Djalma Coutinho.
É importante ressaltar, o momento áureo de desenvolvimento da colônia se dá devido ao
intercâmbio socioeconômico com o litoral, no final do século XIX, regido a partir do rio.
Todavia, a partir de desmembramentos político-administrativos e abertura de rodovias, que
conectam diretamente as regiões produtoras à capital, o rio perde o valor de rota
socioeconômica, rompendo-se seu vínculo de memória. Contudo, considera-se que o rio,
recurso patrimonial natural, seja o elemento chave para a reativação de sua condição
próspera, partindo-se da conservação, afim de reconectar os estratos
sócio-espaço-temporais, constituintes de diversificadas paisagens culturais no território
determinado pela bacia hidrográfica do rio Santa Maria da Vitória, estruturado pela
topografia acidentada, de vales e montanhas, e nutrida pelos afluentes do rio (FIGURA 4).
Figura 4 – Mapa de elevação do objeto-concreto.
Fonte: Andrade, 2012a.
5. Em suma, devido à extensão territorial da bacia hidrográfica (1844 km²) e à proximidade
com Vitória, para efeito de análise e projeto, recorta-se espacialmente a região do baixo rio
Santa Maria da Vitória, espacializado pelo município de Santa Leopoldina/ES como
objeto-concreto deste trabalho (Serra, 2006).
1.3. Metodologia
A metodologia aplicada é uma abordagem híbdrida qualitativa de pesquisa no campo
conceitual e metodológico, fundamentada, respectivamente, nos estudos de Magnaghi e
Sabaté, e no campo empírico, numa aproximação ao objeto-concreto através de
representações, na forma de fotografias, ortofotomosaico e manipulação de softwares
específicos, como ArcGis.
A coleta de dados secundários se fundamenta no estudo dos trabalhos mais atualizados de
Joaquin Sabaté e Alberto Magnaghi, formando a bibliografia de investigação da dupla
temática, patrimônio & projeto territórial. Isso porque, como indica Bacon, “(...) devemos
considerar o caminho antigo e então olhar em torno de nós e descobrir qual o caminho
correto, e aí caminhar por ele” (apud Serra, 2006, p.167). Outros dados secundários são os
modelos físicos “(...) representações que se distinguem dos modelos conceituais por
simularem as formas do objeto” (Serra, 2006, p.95). Neste estudo, a produção de modelos
físicos abrange o tipo analógico, com a manipulação da base Ortofotomosaicoiii, e o ensaio
de uma rota para Santa Leopoldina, por meio do uso do software ArcGis.
No que se refere à descrição do território investigado, elaborada com a intenção de
conhecer o mais profundamente possivel, realiza-se estudos de situações inseridas na
temática patrimônio & projeto territorial, por meio da investigação de trabalhos recentes de
Joaquin Sabaté, particularmente aqueles dedicados à análise de paisagem e proposição de
rota, empiricamente.
Quanto à abordagem empírica do território de Santa Leopoldina, com a finalidade de coletar
“(...) informações diretamente do real, isto é, dos objetos-concretos, e a conformação de
uma base empírica para as suas conclusões“, várias são as dificuldades encontradas,
como a escassez de material cartográfico para análise do objeto-concreto, assim como, em
visita de inspeção, dificuldade de acessibilidade e sinalização aos recursos partrimoniais da
região do baixo rio Santa Maria da Vitória, dentre estes, alguns edifícios tombadosiv pelo
Conselho Estadual de Cultura (CEC).
Em adição, a metodologia projetual orientadora deste estudo, é a de Joaquin Sabaté (2001,
2004 e 2005), através, também, de uma contribuição de pesquisa em experiências
precedentes acerca de análise de paisagens culturais e projeto de parques patrimoniais, na
Europa e nos Estados Unidos. A apropriação desse estudo se reflete em lições balizadoras
da proposição de uma rota para Santa Leopoldina.
Ademais, apropria-se da investigação avançada de Alberto Magnaghiv, por meio da leitura
de textos analíticos e descritivos, especialmente aqueles dedicados a apresentar
experimentações conceituais e metodológicas, como a análise detalhada do território do
Valdarno, em Empoli, Itália, e correspondente metodologia de projeto de um parque fluvial.
1.4. Hipóteses e Objetivos
Ao reconhecer a condição de ruptura entre os recursos patrimoniais e o campo territorial do
estudo, a região do baixo rio Santa Maria da Vitória, uma rota patrimonial se apresenta
como instrumento projetual de (re)conecxão entre o rio e os recursos patrimoniais
(delineado tendo como referência os afluentes e as estruturas históricas do território, o
traçado da rota não necessariamente segue o eixo principal do rio). Além disso, sabe-se,
houve um rompimento do uso do rio como veículo de deslocamento e vínculo de memória,
6. determinando um condicionante histórico ímpar. Frente a essa condição, faz-se necessária
a revitalização do rio, a fim de que seja restaurada a sua força-motriz – a navegabilidade.
Além disso, os edifícios históricos, alguns tombados pelo Conselho Estadual de Cultura
(CEC), que tiveram auge e relevância no passado, estão em desuso, ou com uso indevido,
ou ainda em condição de conservação precária.
Um último fator, a ausência de uma imagem forte para o território do rio, que possa
destacá-lo em escala local, regional ou global, assim como no passado, em decorrência de
sua articulação à produção de açucar e, principalmente, de café, indica a relevância da
elaboração de uma imagem para a rota, incorporando um tema representativo da narração
da história do rio. Essa imagem deve reforçar o reconhecimento da região acerca da
memória do rio pelas suas comunidades, e sua revalorização – a recuperação da cultura do
rio (Sabaté, 2001).
Em suma, o objetivo deste artigo é identificar e rearticular os recursos patrimoniais (Sabaté,
2001) presentes no território referenciado pelo baixo rio Santa Maria da Vitória e
espacializado no município de Santa Leopoldina/ES, que narram a história da sua
ocupação urbana e rural, tendo em vista a tessitura de uma rota patrimonial, em nível de
estudo preliminar.
1.5. Projeto da rota patrimonial
Seguindo metodologia de Sabaté (2001), a partir da definição de duas unidades de
paisagem (FIGURA 5), identificadas a partir do reconhecimento da topografia e dos
recursos hídricos, parte-se para a definição da unidade de projeto. Logo, a Figura 6
demonstra a criação do Parque Patrimonial do baixo rio Santa Maria da Vitória, uma
unidade de projeto definida pela presença de figuras territoriais relevantes nos ciclos de
territorialização de Santa Leopoldina, a serem conectadas pela rota patrimonial.
Figura 5 – Unidades de paisagem no baixo rio Santa Maria da Vitória.
Fonte: Andrade, 2012a.
7. Na Figura 6, abaixo, a unidade de projeto é o limite do parque; as formas triangulares são
as figuras territoriais obtidas no inventário, primeiro passo da metodologia de Sabaté
(2001); os triângulos menores são os pontos de conexão do rio com o território, em que se
faz necessário uma travessia pelo rio para conexão com o recurso indicado; as três esferas
indicam o ingresso ao parque, os portais de entrada, em Queimado, a partir da Serra e do
leste, no Tirol, a partir do sul, e no núcleo urbano de Santa Leopoldina, a partir do norte e
oeste; os dois circuitos, que compreendem a rota patrimonial, são os de interesse
histórico-arquitetônico e natural-paisagístico, o primeiro conecta as figuras territoriais,
enquanto o segundo promove a apropriação dos eixos dos rios e afluentes.
No que tange aos parâmetros tipológicos (Sabaté, 2001, p.80 e 81) para o estudo do
objeto-concreto, analisa-se que o contexto urbano é monocêntrico, devido à presença de
apenas uma cidade na área do parque, isto é, o núcleo urbano de Santa Leopoldina.
Quanto ao contexto geográfico, é heterogêneo, pois há mais de uma área geográfica no
parque, devido à diversidade físico-geográfica da paisagem. Quanto ao contexto
patrimonial, propõe-se uma configuração em nós e dispersa, pois se trata de uma
constelação de pontos luminosos (figuras territoriais) que contam a história da ocupação do
território. Essa análise permite consolidar o entendimento da totalidade do parque e dos
recursos patirmoniais articulados pela rota.
Figura 6 – Limite do Parque Patrimonial do baixo rio Santa Maria da Vitória.
Fonte: Andrade, 2012a.
Tendo por baliza os mapeamentos anteriores, desenha-se a rota patrimonial (FIGURA 7)
conectora das figuras territoriais inventariadas (Andrade, 2012a), segundo metodologia de
Sabaté (2001) e Magnaghi (2010). O estudo da rota propõe dois circuitos articulados em um
único, dada a possibilidade de percorrê-la a partir de qualquer ponto de entrada. O circuito
do leste é balizado pelo território do lusobrasileiro, ciclo de territorialização do século XIX,
com o cultivo da cana-de-açucar e a mão-de-obra escrava, conectando as antigas sedes de
fazendas, algumas das quais em processo de arruinamento, devido ao abandono. O outro
circuito, do oeste, territorializado entre a metade e o final do século XIX, é o do território do
imigrante europeu, germânico, fixado na região de Santa Leopoldina em núcleos
8. previamente planejados, como Suiça, Luxemburgo, Tirol e Holanda, voltados ao cultivo do
café.
A história a narrar, que segundo Sabaté (2001) deve ser identificada através do inventário,
é a do lusobrasileiro e do imigrante germânico, da relação da produção agrícola, ora
cana-de-açúcar, ora café, da relação com o rio e o fluxo comercial com a cidade de Vitória.
O legado desses dois ciclos de territorialização está materializado nos edifícios sedes das
fazendas, além da comunidade quilombola do Retiro, e da ruína da Igreja de São José do
Queimado, inseridos como satélites (Sabaté, 2005) na narração principal da rota,
complementando e enriquecendo a identidade local.
Figura 7 – Uma rota patrimonial para o baixo rio Santa Leopoldina
Fonte: Andrade, 2012a.
1.6. Endereço projetual
Seguindo metodologia de Magnaghi (2009), um endereço projetual é conferido à figuras
territoriais abrangidas no recorte em estudo, adquirindo, em consequencia, subsídio para a
fabulação de um mapeamento e uma matriz dos endereços projetuais para as figuras
territoriais. A mapa abaixo (FIGURA 8) localiza as figuras territoriais e suas respectivas
imagens, afim de promover uma visualização da totalidade dos estudos e ensaios
realizados, incluídos na lógica da rota patrimonial. Ademais, o endereço projetual, principal
norteador deste ensaio, é a revitalização do rio Santa Maria da Vitória e afluentes, como
meio de restabelecer a força-motriz do território, historicamente identificada, e suporte de
todos os demais endereços projetuais.
No que tange à matriz das figuras territoriais, elaborada a partir da metodologia de
Magnaghi (2009), são analisados os aspectos críticos, os de valor, os objetivos e os
endereços projetuais, além do registro de uma imagem representativa e a identificação da
fonte da imagem. Segue, no Quadro 1, exemplificação de uma figura territorial para cada
um dos quatro endereços projetuais possíveis(Magnaghi, 2009).
9. Figura 8 – Mapa das figuras territoriais inventariadas.
Fonte: Andrade, 2012a.
Identifica-se uma necessidade ímpar à maioria dos recursos, referente ao endereço de
Conservação, partindo do princípio de que é o elemento primordial para a intervenção
projetual das figuras territoriais analisadas, como no núcleo urbano de Santa Leopoldina, a
Comunidade Quilombola do Retiro e a Fazenda Ibiapaba (QUADRO 1).
O endereço de Valorização abrange a conservação e se amplia para a necessidade de
ativação da figura territorial na lógica socioeconômica contemporânea do território, através
da rota patrimonial, como se constata nas figuras territoriais em Luxemburgo, Tirol
(QUADRO 1), Holanda, Fumaça e Natividade.
A Requalificação abarca as figuras que estão além da categorização de Conservação e
Valorização, por estarem mais degradadas em uma relação de negação com o curso
d’água, ou, ainda, uma área que possui menor relevância socio-econômico-cultural ante as
outras figuras do território, como a Represa Suiça e o seu entorno (QUADRO 1), lócus da
primeira ocupação da colônia de Santa Leopoldina, por suiços.
E a Transformação abrange recursos que necessitam de intervenção, no sentido de uma
profunda mudança, seja de uso, de qualificação histórica e estética, e relevância
sócio-econômico-cultural, a fim de se inserirem na dinâmica proporcionada pelo projeto da
rota patrimonial, como as ruínas de Bela Vista, Holanda I (QUADRO 1) e Queimado, e as
fazendas de Holanda II e Sapucaia.
10. Quadro 1 – Matriz das figuras territoriais
FIGURA
TERRITORIAL
ASPECTO
CRÍTICO
ASPECTO DE
VALOR
OBJETIVO
ENDEREÇO
PROJETUAL
IMAGEM
FONTE DA
IMAGEM
Fazenda
Ibiapaba
Degradação e
abandono
Memória;
referência
históricoarquitetônica
Intervenção
projetual;
conexão com
o território
Conservação
Andrade, 2012a.
Casa paroquial
e Igreja do Tirol
Desconexão
com o
território
Memória;
Referência
históricoarquitetônica
Conexão com
o território
Valorização
Andrade, 2012a.
Represa da
Suiça
Desconexão
com o
território
Memória;
Geração de
energia
Apropriação
naturalisticopaisagística
Requalificação
Disponível em
http://panoramio.
com/photo/56215,
acessado em
12/07/12.
Casarão
Holanda I
Arruinamento
Memória;
Referência
históricoarquitetônica
Intervenção
projetual
Transformação
Andrade, 2012a
Fonte: Andrade, 2012a.
Em suma, a categorização tem caráter preliminar, ao identificar possíveis intervenções
pontuais no território através das figuras que o compõem. Essa categorização fortalece o
projeto da rota patrimonial ao endereçar intervenções individuais para cada figura territorial,
com a finalidade de recuperar, (re) ativar e (re) conectar o patrimônio à lógica
contemporânea socio-econômico-cultural local.
2. CONCLUSÃO
Este artigo se dispõe a apresentar uma investigação orientada por uma dupla temática
contemporânea, patrimônio & projeto territorial, e dupla discussão metodológica, de
Joaquin Sabaté e Alberto Magnaghi, de forma a fabular um método híbrido capaz de
promover reflexão acerca dos subsídios adequados à experimentação projetual de uma
rota patrimonial.
O objetivo de conservar e reconectar os recursos patrimoniais (Sabaté, 2001) presentes no
território, e que narram a história da ocupação urbana e rural de Santa Leopoldina/ES, a
partir da tessitura de uma rota, constituída de dois circuitos, estabelece-se na forma de uma
projeção de possibilidades de percursos e de endereços projetuais, tendo em vista essa
articulação, desenhados no software ArcGIS.
Ainda, das hipóteses levantadas e dos objetivos promovidos, o ensaio da rota patrimonial
responde e atende às expectativas iniciais, no que tange à vinculação dos recursos, antes
desconectados, partindo do rio e das figuras territoriais como referência. Sugere a
revitalização do rio, força-motriz do território, a partir da rota de interesse
natural-paisagístico; a concervação, valorização, requalificação e/ou transformação das
figuras territoriais, a partir da rota de interesse histórico-arquitetônico; e duas imagens
fortes de narração da história do parque patrimonial do baixo rio Santa Maria da Vitória, a
do lusobrasileiro e a do imigrante germânico, responsáveis pelo auge socioeconômico da
região entre o final do século XIX e início do XX.
11. O ensaio da rota apresenta e produz material a partir de uma aproximação empírica ao
objeto-concreto, aplica e adapta a metodologia projetual de Sabaté (2001 e 2004), e
promove uma intervenção, como instrumento de conservação, valorização, requalificação
e/ou transformação do território, a fim de estabelecer um novo alcance de observação e
representação do território.
Sabaté (2010, p.3) revela o sucesso das iniciativas de valorização das paisagens culturais
na Catalunha, que tiveram a participação de três grupos: a reflexão universitária, o trabalho
de alguma administração sensibilizada, e o trabalho de agentes locais, “amantes de um
território em que pretendem valorizar seu patrimônio”. Estes três grupos tenderam a
convergir e a somar seus esforços, a partir de reflexões e ensaios projetuais. Seguindo
essa perspectiva, ao incorporar a primeira ação, a reflexão acadêmica, este estudo
pretende provocar as outras duas, de forma a reterritorializar os recursos patrimoniais
articulados pela rota, reterritorializar a auto estima das comunidades, e promover a
conservação e perpetuação dos seus recursos.
Realizando leitura, reconhecimento, aprofundamento e experimentação de metodologias
pouco conhecidas no Espírito Santo, e no Brasil; investigando possibilidade de um projeto
territorial, a partir da contribuição da aproximação territorialista italiana, encontra respostas
para um projeto de desenvolvimento local autosustentável. Ademais, desenvolve a
compreensão do patrimônio territorial do lugar e a identidade como elementos e fatores
primordiais para projetos que tenham por objetivo a autonomia e a valorização do território
e das territorialidades, constituindo um novo ciclo de territorialização.
Nesta perspectiva, se este artigo tem Santa Leopoldina como lócus empírico, a
metodologia e bibliografia estudadas potencializam outras experimentações, em outros
territórios, tendo em vista a abordagem territorial como central para a construção de uma
sociedade justa, que possa construir autonomia e autogoverno, e produzir um novo
território e novas territorialidades, como pressupostos de gestão.
Por último, destaca-se um trecho de Graça Aranha, uma homenagem ao rio Santa Maria da
Vitória, “coração” da região de Santa Leopoldina:
“O rio Santa Maria é um pequeno filho das alturas, ligeiro em seu
começo, depois embaraçado longo trecho por pedras que o
encaichoeram e das quais se livra num terrível esforço mugindo de
dor, para alcançar afinal a sua velocidade ardente e alegre.
Escapa-se então por entre uma floresta sem grandeza, insinua-se
vivaz no seio de colinas torneadas e brandas, que parecem
entregarem-se complacentes àquela risonha e única loucura”.
(Aranha, p.11, 2005)vi.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Bruno Amaral de. Uma rota patrimonial para o rio Santa Maria da Vitória. Instrumento
de conservação, valorização, requalificação e/ou transformação do Patrimônio Territorial. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação). Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Centro de Artes,
UFES, 2012a.
FERRARI, Ângela de Biase. Notas sobre os alemães no Espírito Santo. IN II Colóquio de Estudos
Teuto-Brasileiros, Recife, abril de 1968. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.
Disponível
em
http://www.estacaocapixaba.com.br/temas/imigracao/notas-sobre-os-alemaes-no-espirito-santo/,
acessado em 10 de Agosto de 2012.
MAGNAGHI, Alberto. Il Nuovo Piano Paesaggistico: la Valorizzazione di un Bene Comune per la
Qualità dello Sviluppo della Regione Puglia. Piano Paesaggistico Territoriale Regionale – PPTR,
2007.
12. ____. Il Progetto Locale. Firenzi: Alinea Editrice, 2010.
MAGNAGHI, Alberto (a cura di); GIACOMOZZI, Sara. Un fiume per il territorio. Indirizzi progettuali
per il parco fluviale del Valdarno empolese. Firenze: Firenzi University Press, 2009. Disponível em:
http://www.lapei.it/public/books/Scenari/213CartaGiacomozziRuffini.pdf
SABATÉ, Joaquin. Patrimonio y Proyecto Territorial. Espai Blau. Barcelona, Diputación de
Barcelona, 2004.
____. Projectant l’eix del Llobregat: Paisatge Cultural i Desenvolupament Regional. Designing the
Llobregat Corridor: Cultural Landscape and Regional Development. Barcelona: Universitat
Politècnica de Catalunya; City, Design and Development Group (Department of Urban Studies and
Planning), Massachusetts Institute of Technology, 2001.
____. Revista Identidades, Território, Cultura, Patrimônio. Laboratorio Internacional de Paisajes
Culturales. Barcelona: Capistería Miracles, 2005.
SCHWARZ, Francisco. O Município de Santa Leopoldina. Vitória: Traço Certo, 1992.
SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido em
1980 por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea do
Espírito Santo, não editada. Reprodução autorizada pelo autor. Disponível em
http://www.estacaocapixaba.com.br/temas/imigracao/colonizacao-alema-no-espirito-santo-2/,
acessado em 10 de Agosto de 2012.
SERRA, Geraldo G. Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: guia prático para o trabalho de
pesquisadores em pós-graduação. São Paulo: EDUSP & Mandarim Editora, 2006.
PETRONE, P. Aspectos Geográficos da Área de Colonização Antiga no Estado do Espírito Santo.
Vitória: IHGES, 2004.
i
O trabalho, intitulado “Uma rota patrimonial para o baixo rio Santa Maria da Vitória. Instrumento de
conservação, valorização, requalificação e/ou transformação do Patrimônio Territorial”, sob a orientação da
Profª. Drª. Renata Hermanny de Almeida, entre 2011 e 2012, é parte da creditação do curso de Arquitetura e
Urbanismo, da Universidade Federal do Espírito Santo.
ii
Iniciada em atividade de pós-doutoramento realizada junto à Universitat Politècnica de Catalunya, a
investigação tem como objetivo central desenvolver, no campo conceitual e no campo metodológico, uma
ampliação da abordagem de estruturas sócio-ambientais, consolidadas ou não, particularmente por seu
reconhecimento enquanto lócus privilegiado para a articulação das dinâmicas da permanência de espaços de
valor patrimonial e da transformação do território, em uma tripla dimensão: social, econômica e ambiental.
Conduzindo uma linha de pesquisa do Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento (Patri_Lab), da
Universidade Federal do Espírito Santo, a pesquisa incorpora discentes de graduação, em atividade de
iniciação científica, e de pós-graduação, estruturando estudos direcionados para a bacia hidrográfica do rio
Santa Maria da Vitória.
iii
O Ortofotomosaico IEMA 2007/2008 é distribuído gratuitamente pelo IEMA, e a sua reprodução é permitida
sem restrições. Abrangendo todo o território do Estado do Espírito Santo, é fruto do convênio “VALE DE
QUALIDADE AMBIENTAL” celebrado entre a Companhia VALE e o Governo do Estado, este representado
pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – IEMA. É um produto cartográfico digital de
escala 1:15.000 PEC ”A”(*), de resolução espacial de 1m, elaborado a partir de um Levantamento
Aerofotogramétrico na escala 1:35.000 realizado em junho de 2007 sobre a região sul e maio/junho de 2008
sobre a região norte do estado. Formado pela articulação de cerca de 540 blocos de imagens de 10x10km.
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ESPÍRITO SANTO (Estado) Secretaria de Estado da Cultura. Conselho Estadual de Cultura. Arquitetura.
Patrimônio Cultural do Espírito Santo. Vitória: SECULT, 2009.
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Destaca-se a publicação “Il Nuovo Piano Paesaggistico: La Valorizzazione di un Bene Comune per la Qualità
dello Sviluppo della Regione Puglia” (“Um Novo Plano Paisagístico: a Valorização de um Bem Comum para a
Qualidade do Desenvolvimento da Região de Puglia”, tradução nossa). Além de um projeto de curadoria de
Alberto Magnaghi e Sara Giacomozzi: “Um Fiume per il Territorio: Indirizzi progettuali per il parco fluviale del
Valdarno Empolese” (“Um Rio para o Território: Endereço Projetual para o Parque Fluvial do Valdarno em
Empoli)”.
vi
ARANHA, Graça. Canaã. São Paulo: Martin Claret, 2005.