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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
       COLEGIADO DE PEDAGOGIA




        MEMÓRIA DE VELHOS



       CRISTIANE BATISTA PINTO




        SENHOR DO BONFIM - BA
                2010
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
       COLEGIADO DE PEDAGOGIA



         CRISTIANE BATISTA PINTO




        MEMÓRIA DE VELHOS


                Monografia apresentada ao Departamento
                de Educação-Campus VII, da Universidade
                do Estado da Bahia, como parte dos
                requisitos para obtenção de graduação no
                Curso de Pedagogia com Habilitação em
                Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino
                Fundamental.


                Linha de Pesquisa: Memória, Cultura e
                História da Educação.
                Orientadora: Profª Drª Maria Glória da Paz




        SENHOR DO BONFIM - BA
                2010
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             CRISTIANE BATISTA PINTO




                MEMÓRIA DE VELHOS



         Monografia apresentada ao Departamento de Educação-
         Campus VII, da Universidade do Estado da Bahia, como parte
         dos requisitos para obtenção de graduação no Curso de
         Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil e Séries
         Iniciais do Ensino Fundamental.



            Aprovada em 24 de março de 2010.


                 BANCA EXAMINADORA
 _______________________________________________________
               Profª Drª Maria Glória da Paz
         Universidade do Estado da Bahia –UNEB
                       Orientadora
_____________________________________________________
                    Profª Ana Maria Campos
            Universidade do Estado da Bahia – UNEB
                      Examinadora
____________________________________________________
                   Profª Beatriz Barros
         Universidade do Estado da Bahia – UNEB
                      Examinadora


____________________________________________________
          Profª Sandra Fabiana Almeida Franco
         Universidade do Estado da Bahia – UNEB
                      Examinadora
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                                        A Maria Amélia Pinto, minha mãe.
     Com ela aprendi muitas coisas... Desaprendi muitas coisas também...
                                                Somos cúmplices na vida.


                                       A Raimundo Batista Pinto, meu pai.
                                         Contador de estórias, cordelista...
                                   Aprendi com ele o gosto pela palavra e
                     pelas coisas simples, como uma pedra colhida no rio,
                                 como o perfume lilás da flor de setembro.


            Aos meus irmãos: Tarcísio, Vágner, Jorbson, Wilton e Carolina
                    que têm me incentivado e apoiado em todas as horas.


                                             A Rodrigo Gomes Wanderley,
                           porque compartilhamos prosaicamente de tudo,
                                   mas, sobretudo, compartilhamos coisas
                                       que se situam no reino do indizível,
                                              tocadas apenas pela poesia.


                       Aos meus amigos: Jácia Pereira, Bruna Pamponet,
Mara Araújo, Priscila Pereira, Maísa Borges, Laryssa Andrade, Joana Dias,
     Jaqueline Oliveira, Hilda Maria Vieira, Joel Porto, Ágda Solene Braga,
                               Márcia Xavier, Dan Loureiro, Fabiana Lima,
                                       Jacira Souza e Ana Lúcia Barbosa.


                                                                E a você...
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                               AGRADECIMENTOS




À Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus VII;


Ao Colegiado de Pedagogia do Campus VII;


Aos professores que contribuíram para a minha formação, nomeadamente Ana
Maria Campos, Beatriz Barros, Elizabete Santos, Fani Rehem, Gilberto Lima, Joanita
Moura, Maísa Lins, Norma Leite, Ozelito Cruz, Paulo Batista Machado, Rita Braz,
Rita Carneiro, Rubens Antonio da Silva Filho, Simone Wanderley, Suzzana Alice
Lima e, especialmente, à minha dedicada orientadora e parceira de tear, professora
Maria Glória da Paz;


Aos Servidores da UNEB – Campus VII;


Ao Centro Espírita Discípulos de Jesus;


Aos funcionários e voluntários do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, pela acolhida e
colaboração durante a realização dos trabalhos;


Aos velhos, sujeitos desta pesquisa: Edvalda Maria de Jesus, João Xavier Dias,
Joselita Roque da Silva e Raul Gomes, que, com suas vozes, compuseram este
trabalho;


A Jácia Pereira, Joel Porto, Priscila Pereira, Rodrigo Wanderley e Rubens Antonio
da Silva Filho pela colaboração técnica e pelo incentivo durante a realização deste
trabalho.
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              EPÍGRAFE




       “A história aqui tecida,
como uma renda, é feita de fios, nós,
 laçadas, mas também de lacunas,
    de buracos, que, no entanto,
  fazem parte do próprio desenho,
    são partes da própria trama”.


            Michel Foucault
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                                      RESUMO


Neste trabalho foram colhidas e analisadas memórias de velhos. Utilizamos a
abordagem da História Oral como metodologia. Foram realizadas entrevistas com
quatro depoentes, o Sr. João Xavier Dias, o Sr. Raul Gomes, a Srª Edvalda Maria de
Jesus e a Srª Joselita Roque da Silva, moradores do Lar dos Idosos Fabiano de
Cristo, localizado em Senhor do Bonfim, em março de 2009. Dentre as lembranças
evocadas figuraram as referentes à família, destacando-se pais, irmãos e
convivência, à infância, especialmente espaços, amigos e brincadeiras, e à escola,
citadamente localização, professores, colegas, atividades de ensino, brincadeiras
castigos e festas. Para a análise nos valemos especialmente das propostas de
Halbwachs (2006), Bosi (1994) e Pollak (1989).

Palavras- chave: Memória, História Oral, Velhos.
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                                   LISTA DE FIGURAS



FIGURA                                      HISTÓRICO                                              PÁGINA
  01     João Xavier Dias (1928) ..............................................................      30
  02     Raul Gomes (1932) .....................................................................     31
  03     Edvalda Maria de Jesus (1936) ..................................................            32
  04     Joselita Roque da Silva (1932) ...................................................          33
  05     Fachada do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo ...........................                     39
9




                                  LISTA DE MAPAS




MAPA                                    HISTÓRICO                                              PÁGINA
 01    Mapa do Território de Identidade 25- Piemonte Norte do
       Itapicurú, Bahia, 2004............................................................... ............38
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                      LISTA DE ABREVIAÇÕES



CEDJ              Centro Espírita Discípulos de Jesus


CNAS              Conselho Nacional de Assistência Social


CNPJ              Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica


CPDOC             Centro    de   Pesquisa     e   Documentação      de   História
                  Contemporânea do Brasil
CRAS              Centro de Referência de Assistência Social (Casa da Família)


GPS Publicidade   Giosvaldo Porto Silva (Proprietário)


IBGE              Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


SEI               Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais


UNEB              Universidade do Estado da Bahia
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                                                    SUMÁRIO



1.INTRODUÇÃO........................................................................................................12
     1.1.Tecendo as minhas lembranças: um encontro com a memória de velhos....12
     1.2. Entrelaçando nós: História e Memória de Velhos.........................................17
2. A COSTURA: PONTO A PONTO..........................................................................22
     2.1. A pesquisa....................................................................................................22
        2.1.1.Os instrumentos......................................................................................23
     2.2. As Fontes......................................................................................................29
         2.2.1.Fontes orais ( e a biografia dos entrevistados)......................................29
         2.2.2. Caracterização dos Depoentes.............................................................30
         2.2.3. Fontes escritas......................................................................................35
      2.3.Local da pesquisa: O Município de Senhor do Bonfim.................................38
         2.3.1. A localização do município....................................................................38
        2.3.2. O Asilo: O Lar dos Idosos Fabiano de Cristo.........................................39
 3. CAPITULO I - A Família ......................................................................................42
     3.1. Lembranças da Família................................................................................42
     3.2. Os Pais.........................................................................................................43
      3.3. Os Irmãos ...................................................................................................46
4. CAPITULO II - A Infância......................................................................................50
      4.1. Lembranças da Infância...............................................................................50
      4.2. A casa, o quintal, e os outros espaços revisitados.......................................51
      4.3. As Brincadeiras............................................................................................53
      4.4. Os Amigos....................................................................................................54
5. CAPITULO III- A Escola.......................................................................................56
     5.1. Lembranças da Escola.................................................................................56
     5.2. Os Professores.............................................................................................57
      5.3. As Atividades de Ensino...............................................................................57
     5.4. Os Castigos..................................................................................................58
     5.5. Festas...........................................................................................................59
6. ARREMATE.......................................................................................................... .60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................63
12



FONTES ELETRÔNICAS..........................................................................................65
FONTES ORAIS........................................................................................................66
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                               1. INTRODUÇÃO


1.1. Tecendo as minhas lembranças: Um encontro com a memória
de velhos


       Quando criança, no período de alfabetização, eu fui considerada, na então
Escola Nuclear Belarmino Pinto, em Itiúba, Bahia, uma menina inteligente, porém
muito inquieta, hiperativa, diriam hoje. É que D. Amélia, minha mãe, já havia me
alfabetizado em casa mesmo, usando uma cartilha antiga, um quadrado recortado
de papel de pão perfurado no meio, lápis, papel e as coisas do meu mundo, do meu
mundo de criança, a casa, o quintal, as pessoas, enfim... Por causa disso,
geralmente, concluía as atividades antes dos meus colegas. O problema é que,
respondendo as lições antes da turma, era inevitável que começasse a conversar, a
querer sair da carteira, da sala. Assim, acabava por atrapalhar o andamento da aula.



       Contudo, a minha professora, D. Mariazinha Freitas, que costumava levar
para a sala de aula novelos e agulhas de tricô, percebera os meus olhares
cobiçosos e, em consenso com a minha mãe, resolveu, no intervalo das lições, me
ensinar a tecer. Os meus primeiros sapatinhos foram encomendados por minha avó
paterna. Ela havia me presenteado com um novelo vermelho belíssimo. Ainda
recordo do cheiro, da textura daquela lã. Fora mainha quem comprara as agulhas.
Não lembro se, por um tempo, fiquei mais quietinha. Mas que aprendi a tecer, ah
isso eu aprendi direitinho.



       Por sua vez, com o meu pai, Seu Raimundo, cordelista, poeta, contador de
histórias, aprendi a ouvir. Os causos, as histórias populares da tradição oral, os
recitais de cordel da coleção do meu avô, com as cantigas e cantorias, onde seres,
personagens humanos e/ou não humanos, existiam. Misturadamente, por vezes, ou,
em outras ocasiões separadamente. Não dava pra saber o que era e o que não era
real, mas tudo era maravilhoso nas narrativas do meu pai. Ele ainda as reconta
algumas, para o divertimento da meninada da rua, sempre é convidado para
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participar de eventos nas escolas e na cidade de modo geral.



      Ah... Infância. E, afinal, quem jamais se curou de sua infância? Mas esta é
outra história e talvez seja tecida em outra ocasião... Cabe dizer, agora, que foi ela,
a minha infância, que me trouxera aqui. Sim. Ela me guiara tal qual Teseu fora
guiado pelo novelo de Ariadne para fora de um labirinto. Porém, de modo inverso, eu
fora atraída por um casaco de tricô exposto numa arara, para ser vendido no Brechó
do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, para o labirinto de minhas reminiscências.



      Sei que isto não explica a necessidade de voltar àquele casaco... Aquele que
meus olhos, numa mistura de surpresa e encanto, descobriram no Brechó... Mas
reitero que é necessário. Neste momento, basta saber que era lindo, incomum.
Porém, agora, racionalizando, penso que apenas o que resta de pueril em meus
olhos enxergara a beleza e intuíra a pureza do branco, que, pelo tempo, fora
amarelecido.



      Entretanto, naquele instante, fui tomada por uma profusão de sentimentos
confusos, para mim desconhecidos, até então... Quem o tecera? Alguém doara?
Quanto custava? Perguntei, quase num tom exaltado. As vendedoras sorriam
benevolentemente... Não. Não sabiam o nome da tecelã ou tecelão e, sim, havia
sido doado e custava R$ 3,00. Achei esquisito e repeti, apenas para mim, franzindo
o cenho de modo cético: “R$3,00.”



      Tinha ciência de que era roupa velha, usada por outrem, e que, para muitos,
isso deve, por certo, diminuir o valor das coisas. Eu não tinha tanta certeza.
Meticulosamente, comecei a examinar com os dedos o casaco. Apesar da qualidade
aparente da linha, da trama bem feita, pude detectar um furo na manga, perto do
punho esquerdo... Não pude disfarçar, com meio sorriso, o meu desencanto, até
porque, por experiência, sei que reparar é mais difícil que fazer.



      Onde, além da memória, guardara as minhas agulhas? Poderia comprar
agulhas novas, adequadas? A lã também. Eu poderia comprá-la? Quantos anos
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haviam se passado? Duas décadas, talvez... Fiquei perdida num amaranhado de
pensamentos, segurando o casaco por mais um tempo, desolada. Uma das
vendedoras, a fim de me consolar, pontuou reticente: “Talvez D. Ermínia...” Olhou de
soslaio para a outra vendedora, que, num ar de complacência, arrematou: “É... Ela
tem as agulhas. Poderemos falar com ela.”.



         Certas palavras e expressões são mágicas, polívocas. Realizam desejos,
abrem portas – “Abracadabra!” “Abre-te Sésamo!” - Inauguram tempos e espaços.
No meu caso, o tempo era de espera. Espera pelo reparo do casaco. Espera pelo
horário de visitas ao Lar dos Idosos Fabiano de Cristo. Quais as palavras que me
deixaram tão esperançosa? “D. Ermínia tem as agulhas”.



         Contudo, não à toa, os gregos, em sua Mitologia, colocaram a Esperança
entre os males, reservados à Humanidade, guardados na Caixa de Pandora. Disso
eu não esquecera. Mas a Esperança, ao longo dos tempos, ganhara novos
significados... Restava saber qual deles estava a mim reservado.



         E isso não tardou. Voltei à minha casa com a garantia de que reparariam o
casaco. Guardariam-no para mim e eu poderia conhecer não apenas D. Ermínia,
como os outros internos do referido Lar. Quando regressei ao Brechó, descobri que
o casaco havia sido vendido a alguém menos exigente e mais inteligente que eu
havia sido naquele dia - compreendi isto depois - pois quem o comprou, comprou-o
daquele modo, sem reparos. Oh... Esperança! Nesse dia, eu conheci uma das tuas
faces!



         Bem... Porém era horário de visitas. Cheguei logo após a hora da refeição
vespertina e fora acolhida tanto pelos internos quanto funcionários/voluntários.
Sobre o Lar, adianto apenas que há espaço para vinte e cinco internos. Havia 20
idosos internados até o início de dezembro de 2008. Conheci a área comum e a ala
feminina. Apesar disto, alguns possuem quartos individuais. A maioria dos idosos, já
que tinha ingerido a refeição, estava dormindo. Eu não quis importuná-los, com
minha presença, naquele dia. Entretanto, conversei com os funcionários e algumas
16



das internas. Certamente, em momento oportuno, voltarei a oferecer detalhes do
referido ambiente.



      Estive lá outras vezes para visitá-los, ainda em dezembro do referido ano, três
ou quatro vezes... Por que? “Saber, eu não sei, mas desconfio de muita coisa...”,
diria Riobaldo, grande memorialista, personagem do “Grande Sertão: Veredas”, obra
de Guimarães Rosa. Mas e eu? Eu digo o que? Que nos gostamos uns dos outros,
talvez bastasse, mas não é toda a verdade, nem o fato de que a minha
relação/convivência com velhos é literalmente familiar. Já explico, em outros
parágrafos.



      Prosseguindo, do lado materno, Morais, tive, durante a infância, a
oportunidade de morar com minha avó Joaninha e com tia Maria, zeladas por minha
mãe. Ambas faleceram quando eu estava na segunda infância. Meu avô um tempo
depois. Com este tive pouco contato direto, por ele ter se divorciado da minha avó
etc... Contudo, ainda hoje, estão presentes nas conversações em família e,
conseqüentemente, no meu imaginário.



      Já do lado paterno é um amaranhado só. Muita gente e que vive muito. Difícil
é saber, em Itiúba, minha cidade natal, de quem não se é parente. Digo isto de
modo hiperbólico, é claro. Porém, um dos fatores pelos quais uma das minhas
famílias, Pinto, é reconhecida na cidade é a longevidade. Um exemplo, dentre
outros, a ser mencionado é o do meu avô Pedro Batista Pinto, conhecido como
“Piroca, do Lino”, vaqueiro e trovador, nascido em 1907 e falecido em 2007.



      Por ser da família, e atender a outros requisitos como ter alguma experiência
com entrevistas, pois já trabalhava há três como locutora na GPS Publicidade, rádio
a fio, sob a direção do Sr. Giosvaldo Porto Silva, “Doutor”, fui convidada pelo Sr.
Humberto Pinto de Carvalho para participar de um projeto. Este consistia em
registrar oralmente, em fitas K7, com a finalidade de montar um acervo, as
memórias dos moradores mais velhos da cidade ou que tiveram alguma participação
relevante em fatos históricos, de modo geral.
17



      Em 1998, eu tinha 17 anos e contava com a boa vontade e entusiasmo do
meu pai, que ficou encarregado de me ajudar não apenas nos deslocamentos, já
que iríamos à moradia das pessoas, mas a colher o material de nossa pesquisa. Isto
considerando que ele conhecia e era conhecido de todos os prováveis entrevistados.
Aceitei a proposta imediatamente. Cheguei até a receber carta-roteiro e recursos
materiais encaminhados pelo Sr. Humberto, todavia, não pude realizá-la, por estar
cursando o Estágio Regencial do Curso de Magistério e não contar com
disponibilidade de tempo.



      Quando aceitei a proposta tive a ousadia de crer que o contato com agulhas e
lãs pudesse aguçar não apenas meus olhos, meus dedos. Mas isso para todos os
meus sentidos para as delicadezas e também para asperezas de tramas outras,
para o manuseio de instrumentos outros, tendo em vista a complexidade da
narrativa de si e do outro enquanto sujeitos de um contexto social determinado. Ah,
juventude! Se não tive, de Aracne, a ousadia, também não tive a sua miserável sorte
de pobre aranha condenada aos limites à sua teia...



      Confesso que, ao passar dos anos, meu desejo de realizar o projeto
desapareceu completamente, assim como outros desejos, mas surgiram outros e
ainda outros se tornaram mais intensos, como o desejo de ler e de escrever, por
exemplo.   Mal   de   Infância? Talvez...   Enfim,    com justificativas,   mas sem
ressentimento, devolvi o material que havia recebido ao remetente e comuniquei-lhe
que não mais realizaria a atividade.



      Examinando cuidadosamente a minha tecitura, percebo que os furos e tons
amarelecidos fazem parte da história das nossas vidas. A maioria dos idosos
daquela lista já está morta. Meu querido avô, inclusive. Só agora percebo o que me
recusei a fazer... Adoraria ter em minhas mãos aquele casaco esburacado no punho
esquerdo e amarelecido pelo tempo, mas já não há casaco algum.



      Se hoje escrevo, é porque reconheço que o entusiasmo pelo qual fui tomada
no Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, ao conversar com aqueles velhos, é um
18



sentimento que transpassa e vai além de sapatinhos e blusas de tricô que aprendera
a fazer quando era uma menina, uma menina tecelã.



      É o mesmo entusiasmo que sentia ao ouvir as cantigas, os “causos”, as
histórias contadas por painho. Essas histórias que, misteriosamente, ainda ressoam
em minha mente, o que, de alguma forma, creio eu, vem preparando os meus
ouvidos para a diversidade de notas e intervalos que compõem a partitura das
vivências humanas...



      Sei que a minha pena, por muitas vezes, seguirá vieses e improvisos,
obviamente, não lineares nem, ao menos, harmoniosos porque minha escritura sou
eu e também outros, sendo, num só instante, memória, presente e projeto. E, por
fim, que a escritura de minhas lembranças seja o primeiro acorde na tessitura da
memória dos já mencionados velhos.



      Objetivamos, neste trabalho, colher e analisar memória de velhos, dito
especificamente, suas lembranças acerca da família, infância e escola. E
acreditamos em sua relevância, especialmente por dois aspectos. Pretende dar voz
a sujeitos silenciados historicamente, para que possam “descrever a si próprios”,
“inventar as narrativas que os definem como sujeitos da história” (COSTA, 2001,
p.50) e esperamos, ainda, que os resultados possam inspirar e, até mesmo,
subsidiar discussões em torno da referida temática.



1.2. Entrelaçando nós: história e memória de velhos


      Tem sido árdua a tarefa no sentido de buscar uma definição da história
enquanto ciência. Le Goff (2003), em seu ensaio, se debruça sobre uma série de
definições e questionamentos do fazer do historiador que refletem os estágios
experienciados na construção dessa disciplina histórica, desde a Antiguidade aos
dias atuais. De acordo com o mencionado autor, etimologicamente:
19


                      A palavra 'história' (em todas as línguas românicas e em inglês) vem do
                      grego antigo historie, em dialeto jônico [Keuck, 1934]. Esta forma deriva da
                      raiz indo-européia wid-, weid 'ver'. Daí o sânscrito vettas 'testemunha' e o
                      grego histor 'testemunha' no sentido de 'aquele que vê'. Esta concepção da
                      visão como fonte essencial de conhecimento leva-nos à idéia que histor
                      'aquele que vê' é também aquele que sabe; historein em grego antigo é
                      'procurar saber', 'informar-se'. Historie significa pois "procurar". É este o
                      sentido da palavra em Heródoto, no início das suas Histórias, que são
                      "investigações", "procuras" [cf. Benveniste, 1969, t. II, pp. 173-74; Hartog,
                      1980]. Ver, logo saber, é um primeiro problema. (LE GOFF, 2003, pg. 17)


      Observamos que, nas línguas românicas e em algumas outras, a palavra
“história” apresenta dois, senão três, conceitos distintos. Na primeira, no intuito para
se constituir em ciência, a ciência histórica, tradicionalmente associada a Heródoto,
está à procura das ações realizadas pelos seres humanos. Na segunda, o objeto de
procura é o que os seres humanos realizaram, requerendo uma série de
acontecimentos, a narração desses acontecimentos. Ainda pode apresentar um
terceiro sentido, o da narração, que pode ser verdadeira ou falsa, puramente
imaginária (fábula) ou baseada na “realidade histórica”. Como num jogo de
espelhos, ao longo dos tempos, equívocos quanto à designação e uso do termo têm
sido mantidos. (LE GOFF, 2003).



      Seguindo o viés cronológico, pontuamos que, no século XVIII, com o advento
do pensamento iluminista, emergiu uma concepção da história que supervaloriza a
racionalidade, propagando a crença, a partir da idéia de progresso, numa ciência
capaz de conduzir a verdades objetivas e absolutas. A Ciência foi estabelecida como
única forma de conhecimento. A memória, sendo constituída a partir da
subjetividade, sob essa perspectiva não mais é uma fonte confiável para a produção
do conhecimento científico. De posse desse estatuto, a história deixa de considerá-
la, a memória, fonte segura de conhecimento (FREITAS; BRAGA, 2006).



      Em contrapartida, durante o século XIX, emergiram, prolificamente, inúmeras
definições   de   história   derivadas     de   embates       epistemológicos,       teóricos    e
metodológicos, travados por estudiosos, na tentativa de abarcar ou delimitar o objeto
dos Ciência, disciplina e afazeres do historiador. Este século é decisivo porque, além
de atualizar o método crítico dos documentos que interessam ao historiador, pelo
ensino e pelas publicações, difunde esse método, e divulga os seus resultados
20



unindo história e erudição. Em resumo, para este período, “a obra do historiador é
uma forma de atividade simultaneamente poética, científica e filosófica” (LE GOFF,
2003, p. 37).



         Pontuamos que, em decorrência de inúmeros fatores, a crença em um
progresso contínuo, linear, irrevogável, ainda na metade do século XX, mostrou-se
insustentável. Com a inauguração de um novo conceito de temporalidade, proposto
pelos Annales, apresentando olhares mais críticos sobre a história, a percepção de
que no universal também reside fragmentário, o tempo histórico encontra, com mais
refinamento, o tempo da memória. Possibilita, assim, uma transversalidade,
amparada em conceitos oriundos de outras ciências sociais como a Antropologia e a
Filosofia. Acrescente-se a isso as experiências individuais e coletivas que
contribuíram para a incorporação da noção de tempo múltiplo, vivido, relacional,
desse modo, a abertura para a contextualização, problematização de conceitos mais
amplos como mudanças culturais, transformações sociais, e indicaram ser o
factualismo insuficiente para a compreensão dos fenômenos históricos. ( LE GOFF,
2003).



         Considerando que a História é ancorada na construção de referências de
grupos sociais diversos a respeito do passado e presente, respaldados nas tradições
e atados às mudanças culturais, não se pode pretender estabelecer os fatos como
efetivamente ocorreram. Isto tendo em vista que coexistem várias leituras possíveis
sobre o uso da memória para a interpretação histórica. Alertamos que, nas Ciências
Humanas, a memória não pode ser tida como um processo de caráter acessório,
parcial e limitado de lembrar fatos passados. Ao mesmo tempo em que a História
convive com uma insuficiente discussão historiográfica, notamos uma crescente
revalorização da memória tanto no âmbito individual quanto na esfera coletiva. E sua
relação com a história tem suscitado calorosas discussões teóricas por a memória
estar, de certo modo, imbricada nos objetivos e fundamentos do ofício do historiador.
(FREITAS; BRAGA, 2006).



         A partir das contribuições oferecidas pela Ciência Histórica, ao longo do
tempo, foi possível, através de uma leitura racional da própria História, constatar-se
21



a dinamicidade das estruturas por ela estudadas e a observância quanto à
rigorosidade metodológica na apreensão do objeto. Entretanto, o seu decurso gera
certa desconfiança quanto à adoção de um modelo de historicidade que se pretenda
universal e que ainda atente para as idiossincrasias e diversidades de
representações produzidas pelas Sociedades. (FREITAS; BRAGA, 2006).



      Como resultado das transformações historiográficas, a Memória tem sido
entendida como um elo, uma ponte interrelacional com a História. Este intercâmbio
propicia, em contrapartida, a instrumentalização do discurso historiográfico, tornado
menos mecanicista, priorizando a subjetividade, emergindo o narrativo, o humano.



      Em tempo, alertamos que, embora o estudo da memória possa ser abarcado
por uma diversidade de ciências como a Psicofisiologia, a Neurofisiologia, a Biologia,
a Psiquiatria etc.., “por sua propriedade de guardar informações”, nos remete,
“especialmente, às funções psíquicas, com as quais podemos atualizar impressões
ou informações passadas ou como representamos como passado”. (LE GOFF,
2003, p. 423) Neste trabalho, ocupamo-nos da memória tal qual ela aparece nas
Ciências Sociais / Humanas, de modo transdisciplinar, abordando tanto seus
aspectos individuais quanto coletivos. Dito isto, gostaríamos de tecer algumas
considerações sobre a velhice, tendo em vista que nosso trabalho versa a respeito
da memória de velhos.



      O envelhecimento da população tem se tornado um fenômeno que afeta
países de todo o mundo indiscriminadamente. O aumento da expectativa e do tempo
de vida da população tem inspirado discussões acerca desse processo e suas
implicações. Isto atentando para questões relativas á qualidade de vida e com a
própria compreensão dos idosos sobre esse fenômeno.



      Entendemos que o envelhecimento é um processo que, no plano individual,
implica múltiplas trajetórias de vida e, no plano coletivo, se constrói sob diferentes
influências de ordem sociocultural, tais como: acesso a oportunidades educacionais,
adoção de cuidados em saúde, e realização de ações que acompanham o curso da
22



vida e se estendem às fases tardias da vida, como a velhice. (SIQUEIRA;
BOTELHO; COELHO, 2002).



       Embora se constitua numa das maiores conquistas do século, chamamos
atenção para a falta de estrutura e política pública adequadas para lidar com as
mudanças decorrentes de tal crescimento demográfico, especialmente no âmbito do
trabalho, para a independência e autonomia funcional, saúde, urbanismo etc.., que
privilegiem o idoso. Além disto, lembramos que, freqüentemente, o processo de
envelhecimento tem sido simplificado, entendido a partir de representações e
estereótipos negativos, exclusivamente relacionado com as perdas e a inutilidade.
Em contrapartida, têm sido feitos estudos mostrando as experiências de
envelhecimento bem sucedido, onde grupos de convivência de idosos, clubes da
terceira idade dentre outros, possibilitam, coletivamente, a reconstrução das
representações do envelhecimento e da velhice.          (VELOZ; NASCIMENTO-
SCHULZE; CAMARGO, 1999).



       Por reconhecemos que a velhice contempla uma pluralidade de experiências
individuais e coletivas, admitimos a dificuldade de encerrá-la, simplesmente, num
conceito ou noção. O que fica para nós é a possibilidade de confrontar diferentes
experiências de envelhecimento, no intuito de determinar razões de suas diferenças
e similitudes.



       Da experiência dos velhos emerge a essência de nossa Cultura. Eles, por
serem, em certa medida, guardiões do passado, representam o elo entre esse e o
presente.   Pelo estudo da lembrança de idosos, nos é dada a possibilidade de
conhecer fatos ocorridos, bem como costumes, enfim, uma pluralidade de quadros
sociais e culturais determinados. “A memória dos velhos desdobra e alarga de tal
maneira os horizontes da cultura que faz crescer junto com ela o pesquisador e a
sociedade em que se insere” (BOSI, 2003, p.199)
23



                     2. A COSTURA: PONTO A PONTO.




2.1. A pesquisa


      Optamos, neste trabalho, por estudar memória de velhos, definidos como
homens e mulheres com idade a partir de 60 anos, moradores do Lar dos Idosos
Fabiano de Cristo, em Senhor do Bonfim, no intuito de colhermos lembranças a
cerca de suas vivências. Aportamo-nos na História Oral por considerá-la apropriada
ao nosso objetivo, não só durante a colheita dos depoimentos, como também pela
possibilidade de estabelecer laços e de exercitar a escuta sensível das narrativas do
outro e, neste caso específico, um outro em idade avançada, longe do burburinho do
cotidiano. Nesta visão, ele vive numa espécie de exílio brando, onde vive tratado
com simplicidade e zelo, mas afastado de suas origens e do convívio familiar, num
momento da vida em que as incertezas e os medos, o que o torna mais carente
afetivamente. A História Oral:


                     Recupera aspectos individuais de cada sujeito, mas ao mesmo
                     tempo ativa uma memória coletiva, pois, à medida que cada
                     indivíduo conta a sua história, esta se mostra envolta em um
                     contexto sócio-histórico que deve ser considerado. Portanto, apesar
                     de a escolha do método se justificar pelo enfoque no sujeito, a
                     análise dos relatos leva em consideração, [...], as questões sociais
                     neles presentes. (OLIVEIRA, 2005, p. 94).


      Considerando que a Memória é uma construção não apenas individual, mas
coletiva, neste labirinto que é a produção de saberes e conhecimentos, escolhemos,
através da História Oral, seguir os fios rememorativos oferecidos por nossos idosos,
em suas lembranças de família, de infância e escola.



      E ainda acrescentamos que, de acordo com Thompson (1992), as pessoas
idosas podem ser especialmente beneficiadas com a História Oral, porque elas
freqüentemente são indivíduos “ignorados e fragilizados economicamente [e através
da história oral], podem adquirir dignidades e sentido de finalidade ao rememorarem
24



a própria vida e fornecerem informações valiosas a uma geração mais jovem” (p.
33).


2.1.1. Os instrumentos:



       A entrevista:



         Elegemos a entrevista como o instrumento precípuo da nossa pesquisa. Para
Thompson:


                        “o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar faz o passado surgir
                        no presente de maneira extraordinariamente imediata. As palavras
                        podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas por isso mesmo,
                        são mais expressivas. Elas insuflam vida na história”. (THOMPSON,
                        1992, p.41)”.


         Alberti (2008, p.101) descreve uma entrevista como, primeiramente, “uma
relação entre pessoas diferentes, com experiências diferentes e opiniões também
diferentes, que têm em comum o interesse por determinado tema, por determinados
acontecimentos e conjunturas do passado”. Começa no planejamento, passando
pela escolha dos depoentes e confecção do roteiro de questões propriamente dito.
Para tanto, é imprescindível que o pesquisador / entrevistador tenha o entendimento
de que “as pessoas são diferentes, cada uma tem suas próprias maneiras de ser e
de pensar e, diante de um gravador, podem ter as mais diversas reações”
(SANTOS; ARAÚJO, 2007, p. 197).


       A carta cessão



         Documento indispensável para garantir a legalidade do uso da entrevista, a
carta de cessão deve dispor tanto da gravação quanto do texto final, devendo
explicitar as possibilidades e limites para o eventual uso posterior do material
produzido. O controle e o uso (do todo ou parte do material) devem ser vinculados à
instituição que tem a guarda das gravações. (MEIHY; HOLANDA, 2007).
25



      Conseguimos as assinaturas dos depoentes, escreveram com certa
dificuldade motora, mas de modo legível. Infelizmente não obtivemos as assinaturas
das duas depoentes. Uma esboçou o próprio nome, porém de maneira ilegível
porque segundo a mesma “ficou nervosa”. Tentou-se tranqüilizá-la, imprimindo mais
cópias e dizendo que poderia tentar o quanto quisesse, contudo depois de algumas
tentativas, ela perguntou: “Posso colocar o dedo? [...] É por causa das vistas”,
justificando a sua dificuldade em enxergar mal. Assentimos. Já a outra relatou que
freqüentou a escola, contudo não quis tentar assinar, disse: “não lembro mais de
nada, tem muito tempo”. Para resolver o impasse, usamos almofadas para carimbos
para colher as impressões digitais. Como testemunhas assinaram o Senhor João
Fernandes, presidente do Centro Espírita e Dona Nivanilda Dias da Silva,
funcionária do Lar. Ainda nessa fase fora necessário recorrer à Ata de Admissão à
procura da data exata da entrada dos depoentes no Lar, bem como de números de
RG ou CPF, para preencher os dados exigidos da carta de cessão.
26




CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL PARA A UNEB/CAMPUS
                                          VII-SENHOR DO BONFIM




 1.Pelo presente documento,....................................................................................
 brasileiro (a)............................... (estado civil),.............................................,
 (profissão), carteira de identidade nº............................................., emitida
 por...................................., CPF nº. ................................................, residente e
 domiciliado (a) em ....................................................................................................
 ............................................................................................................................. .....
 cede e transfere neste ato, gratuitamente, em caráter universal e definitivo à
 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) a totalidade dos seus direitos
 patrimoniais de autor sobre o depoimento oral prestado no dia........................,
 perante a pesquisadora ...........................................................................................


 2. Na forma preconizada pela legislação nacional e pelas convenções
 internacionais de que o Brasil é signatário, o DEPOENTE, proprietário originário
 do depoimento de que trata este termo, terá, indefinidamente, o direito ao
 exercício pleno dos seus direitos morais sobre o referido depoimento, de sorte
 que sempre terá seu nome citado por ocasião de qualquer utilização.


 3. Fica, pois, a UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) plenamente
 autorizada a utilizar o referido depoimento, no tido ou em parte, editado ou
 integral, inclusive cedendo seus direitos a terceiros, Brasil e/ou no exterior.


 Sendo esta forma legitima e eficaz que representa legalmente os nossos
 interesses, assinam o presente documento em 02 (duas) vias de igual teor e
 para um só efeito.


 ....................................................................................
 Assinatura legível do cedente


 TESTEMUNHAS:

 ____________________________                                         _____________________________
 Nome legível                                                         Nome legível
 CPF:                                                                 CPF:
27



      Após o recolhimento das assinaturas ou equivalente dos depoentes e
testemunhas, mediante carta cessão, conforme exposto nos parágrafos anteriores.
Fizemos uso de roteiros para as entrevistas, que foram organizados em um guia
contendo dois blocos.



    O guia das entrevistas



   BLOCO I – IDENTIFICAÇÃO DA FONTE:



      No primeiro bloco foi utilizada uma ficha de identificação dos depoentes. Esta
etapa das entrevistas ocorreu sem transtorno significativo. Marcou-se com
antecedência a visita e, com a ajuda dos depoentes, recolheram-se dados para a
elaboração do quadro de identificação, necessários à caracterização dos mesmos.



      Na oportunidade, fotografamo-los, mediante consentimento. Durante a
sessão, demonstraram desenvoltura e contentamento ao posarem e ao se
reconhecerem nas imagens da câmera digital. Ainda neste momento, aproveitamos
para testar, com os depoentes, pela primeira vez, o gravador e o microfone.
Surpreendentemente, foi um instante de descontração,            em que acharam
interessantíssimo ouvir a própria voz, esboçando sorrisos e expressões de
admiração.



      Optamos por um gravador de voz digital de memória flash, display LCD,
marca Nakashi, modelo PDR3-489, com peso 36 gramas e tamanho 105 x 30 x
19,5mm, que funciona com duas pilhas palito AAA, grava até 8:00h de conversação,
além de vir com microfone do tipo lapela e fones de ouvido o que tornou menos
complexa a posterior transcrição.
28



                                             ROTEIRO DE ENTREVISTA


                           Por ...........................................................................

Assunto:
................................................................................................................................ ........


                               1° BLOCO: Identificação dos entrevistados



Data:............................... horário do início:........................................................

Local:.............................................................................................................................

Nome:.............................................................................................................................

Etnia:....................................................................................................................... .......

Idade:...................anos / data de nascimento:..........................................................

Posição no grupo familiar:..............................................................................................

Filiação:.........................................................................................................................

Local de nascimento:....................................................................................................

Estado Civil: .................................................................................................................

N° de filhos:..............................(feminino) .............. (masculino).................................

Religião:........................................................................................................................

Escolaridade:.......................................................................
29




   BLOCO II – AS QUESTÕES DO CORPO DA INVESTIGAÇÃO:



      O segundo bloco de entrevistas foi agendado observando-se a escolha dos
administradores do Lar. Foi realizado no turno vespertino, atentando para o conforto
dos depoentes, já que no período matutino é feita a higienização do local além de
serem desenvolvidas outras atividades como higiene pessoal dos pacientes,
refeições e medicação. Chegamos após o almoço e, mais uma vez, testamos o
material técnico com cada um deles antes da colheita dos depoimentos.



      O roteiro foi assim composto:



   BLOCO II – As memórias



1. A FAMILIA
      Fale sobre os seus pais. E os seus irmãos?
      Como era o convívio com sua família?
2. A INFÂNCIA
      O senhor (a) lembra como era a sua casa? E o quintal?
      O senhor (a) lembra como era a sua rua?
      Fale sobre os seus amigos.
      Como eram que as crianças brincavam, e quais as brincadeiras?
3. A ESCOLA
      Fale sobre os seus colegas.
      Como eram os seus professores?
      Onde se localizava a sua escola?
      Quais eram as atividades de ensino?
      Como eram as brincadeiras na escola?
      Como eram as festas da escola e os castigos?
30



2. 2. As Fontes


2.2.1. Fontes orais:



          De acordo com Benjamim (1994), sempre houve dois tipos de narrador. Um é
o que vem de fora e narra suas viagens. Outro é o que ficou e conhece sua terra,
seus conterrâneos cujo passado o habita. Suas experiências geram conhecimento
do qual tira o conselho. A arte da narração não está confinada nos livros, tendo veio
épico oral. O narrador tira o que narra da sua experiência, transformando em
experiência aos que o escutam. O, conhecendo seu ofício, tem como dom o
conselho, abarcando uma vida inteira. Há algo de sagrado na atmosfera que envolve
o narrador. Da experiência advém o dom da narrativa. Do sofrimento retira sempre
uma lição. A sua dignidade está em contá-la, sem temor, até o fim.



          Como forma artesanal de comunicação, a narração objetiva transmitir o
acontecido em sua essência, tecendo, alcança o objeto e lhe confere uma nova
forma, uma boa forma. Contando a circunstância em que foi testemunha do
acontecido, começa a sua narrativa. Cada história contada está inscrita na sua
própria história. “O narrador é o homem que pode deixar a luz tênue de sua narração
consumir completamente a mecha de sua vida [...] O narrador é a figura na qual o
justo se encontra consigo mesmo” (Benjamim, 1994, p. 221).



          Considerando que depoentes são narradores, não nos preocupamos
especialmente com amostragem, já que partimos de pressupostos qualitativos para
a escolha desses. Fomos guiados pelos objetivos da nossa pesquisa, tendo em vista
que o nosso trabalho consiste no estudo da memória de velhos, elegemos a velhice
como condição, pois acreditamos que o dom da narrativa surge das dores, das
vivências e do resultado extraído delas. Ancorados nesse recorte, elencamos dois
homens e duas mulheres, pertencentes à faixa etária igual ou superior a 60 anos,
critério cronológico estabelecido no Estatuto do Idoso1. Isto por entendermos que


1
    Lei Federal nº. 8.42/94; 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
31



experiências diversificadas quanto ao gênero ampliariam e enriqueceriam o nosso
trabalho. Consideramos aspectos como as condições físicas e psicológicas dos
atores e ainda a disponibilidade real para participação nas entrevistas.



2.2.2.Caracterização dos Depoentes:




Fig 01: Senhor João Xavier Dias (1928): Foto de caracterização do depoente;



João Xavier Dias:



       Brasileiro, filho de Anna Xavier Dias e Baldoíno Dias, natural de Pirajuí, São
Paulo, nasceu no dia 15 de outubro, tem 81 anos. Caçula de cinco filhos, dois


Disponível em: http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/idoso_L10741.pdf.
32



irmãos e duas irmãs. Aos seis meses, devido à morte do pai, a família voltou para a
Bahia, onde estudou até o terceiro ano primário. Afirma que, quando jovem,
trabalhou como balconista de farmácia, no Rio de Janeiro, como operário em uma
fábrica nitro-química, em São Miguel Paulista, e que, de volta à Bahia, “tomou conta
de quartos” na Caraíba Metais, em Jaguarari. É solteiro, não tem filhos, é católico,
aposentado, foi trazido ao Lar por um amigo no dia 21 de janeiro de 2008.




Fig. 02: Raul Gomes (1932): Foto de caracterização do depoente;



Raul Gomes:



       Brasileiro, nascido em 18 de abril, em São Luiz do Quitunde, Alagoas, criado
em Maceió, capital do Estado, tem 77 anos. Caçula, num total de cinco, duas irmãs e
dois irmãos, filho de José Melquides Gomes e Augusta Cula, estudou até a quinta
33



série ginasial. Tem formação católica. Como profissão afirma ter sido sempre
viajante, representante de fábricas de doces, sem vínculo empregatício formal. É
aposentado. É solteiro, contudo afirma que tem duas filhas residentes em Juazeiro,
mas não mantêm contato. Ainda segundo o seu depoimento, elas não sabem onde
ele está. É morador do Lar desde 01 de junho de 2006.




Fig. 03: Edvalda Maria de Jesus (1936): Foto de identificação da depoente;



Edvalda Maria de Jesus:



       Brasileira, natural de Saúde, Bahia, nascida em 10 de setembro, filha mais
velha de Adelina Josefa Maria de Jesus e de José Lopes da Silva, irmã de Joaquim,
Adolfo, Nilton, Euclides e Laura, tem 73 anos. Lavradora, não alfabetizada, é
católica, foi “casada no padre”. É viúva, pensionista, afirma ter tido nove filhos. Cinco
34



deles faleceram, já os outros vivem em São Paulo, Gildásio, Everaldo, Maria de
Lourdes, em Brasília, e Manoel que mora na Água Branca. Chegou ao Lar trazida
por um sobrinho, no dia 12 de abril de 2008.




Fig 04: Joselita Roque da Silva (1932): Foto de identificação da depoente;



Joselita Roque da Silva:



       Filha de Tertuliano Luiz da Silva e Bárbara Francisca Dias, nasceu no dia 03
de julho de 1932, em Canavieiras, Município de Campo Formoso. Irmã mais velha
de dois irmãos, tem 77 anos. Estudou até a terceira série do primário. Viúva, era
doméstica, teve apenas um filho “de criação” que atualmente reside em Juazeiro, e
vem visitá-la “de vez em quando”. É aposentada. Foi trazida ao Lar por uma
35



sobrinha que também é sua afilhada, com quem morava numa casa junto com um
dos irmãos, também já idoso, em Senhor do Bonfim.


   A coleta de depoimentos:



      “A fim de produzir melhores condições para as entrevistas, o local escolhido é
fundamental. Deve-se, sempre que possível, deixar o colaborador decidir sobre onde
gostaria   de   gravar   a   entrevista.”   (MEIHY;   HOLANDA    2007).   Seguimos
rigorosamente a esta orientação.



      O primeiro a ser entrevistado foi Sr. João Dias, que escolheu o próprio quarto,
embora o quarto fosse coletivo. Os outros internos, pensamos, não causariam
problemas, e não causaram. Contudo, por uns instantes é possível ouvir a voz de
uma das enfermeiras falando com os pacientas a fim de dar-lhes a medicação e isto
provocou desconcentração na entrevista, mas apenas momentânea. O quarto era
arejado e o Sr. João conversou com desenvoltura e, apesar de dizer que não se
lembrava nada da infância, ofereceu testemunhos valiosos. Os três seguintes a
serem entrevistados foram Sr. Raul, D. Edvalda e D. Joselita, respectivamente, o
local escolhido foi a sala da diretoria. Nestes casos, alguns problemas surgiram,
como ser a sala quente, escura, apertada. Arranjou-se um jeito de acomodá-los
confortavelmente, mas não ligamos o ventilador para que não interferisse na
captação do áudio. Para a entrevista, fizemos uso de banquinhos, postando-se
abaixo do plano dos entrevistados. Resolveu-se parar de fazer anotações e passar a
apenas concentrar nos depoentes. A porta, que estava entreaberta, se abriu ainda
mais e, nas gravações é possível ouvir além de ruído dos internos conversando, boa
parte de uma novela televisiva. Gostaria de ressaltar que os transtornos
mencionados não provocaram problemas que conduzissem a erros perceptíveis,
fora o incômodo na condução das entrevistas.



      Com os depoimentos colhidos, passou-se à transcrição. Inicialmente,
transferiram-se os dados para o computador, que também foram gravados em mídia.
Para a audição, usamos o programa Windows Média Player e fizemos parte da
36



digitação diretamente, contudo, devido à dificuldade de entendimento de algumas
frases e ou palavras tornou-se necessário uso de fones, sendo realizada,
primeiramente, transcrição a mão para posterior digitação do material. Foi
necessária conferência repetida para garantir a fidelidade do transcrito, bem como a
sinalização dos gestos e expressões capturados durante as entrevistas.



      A transcrição é o processo em que se assegura a formatação do corpo
documental a ser trabalhado pelo pesquisador. Em tempo, embora reconheçamos a
necessidade da transcrição literal, chamamos a atenção para o fato de que trata de
uma das etapas na feitura do texto final. Pela textualização a narrativa é valorizada
“enquanto um elemento comunicativo prenhe de sugestões” (MEIHY, 1991:30-1
apud MEIHY; HOLANDA, 2007, p160).



2.2.3 Fontes escritas:



      As fontes escritas foram imprescindíveis na tecitura do nosso trabalho. Além
de livros, valemo-nos de artigos e outras fontes documentais como, por exemplo,
Leis que versam sobre idosos e ainda o Estatuto do Centro e do Lar dos Idosos
Fabiano de Cristo. Dentre as fontes referenciais utilizadas destacamos:



      Ariès (1981) - Em sua obra apresenta duas teses, na primeira delas esboça
uma interpretação das sociedades tradicionais e na segunda aponta o novo lugar
assumido pela criança e a família em nossas sociedades industriais. Onde pudemos
acompanhar o surgimento e mudanças nas configurações do que passamos a
chamar de “idades da vida”. As idades da vida não correspondiam apenas a etapas
biológicas, mas a funções sociais o que lhe garante historicamente um caráter
notadamente sociocultural. Indispensável para a ampliação do nosso entendimento
quanto ao surgimento do que denomina sentimento de família e de infância.



      Alberti (2005) - O Manual de história oral foi constituído a partir das
experiências do programa de História Oral do CPDOC e como todo manual,
estabelece um universo de procedimentos possíveis e serve de modelo para
37



aplicações práticas. Pelo seu valor instrumental foi referência e guia de constante de
orientação tanto nas etapas de elaboração do nosso projeto quanto nas análises do
nosso trabalho, por trazer a História Oral como uma atividade interdisciplinar, na
qual são imprescindíveis o rigor da pesquisa científica e a sensibilidade no processo
de indagar, questionar, reconstituir a dimensão e a consistência do que nos fora, de
modo cúmplice, revelado.



      Benjamin (1994) – Vale esta obra especialmente pelo que tange á
caracterização do narrador e esclarecimentos quanto à natureza da narração ou arte
de narrar, como algo que brota das experiências e gera conselho, sabedoria.



      Bosi (1994). - Obra, sobretudo, poética, sem deixar de contemplar o teórico, o
social e o político na colheita e análise das memórias dos velhos. Teve em
moradores da Cidade de São Paulo os objetos de seu trabalho, confeccionado com
sensibilidade e cientificidade. Foi, ao mesmo tempo, inspiração e ferramenta para o
desenvolvimento de nossas atividades.



      Halbwachs (2006). – Servimo-nos de seus estudos sobre a Memória.
Especialmente porque considera memória não apenas como evocação de individual,
mas como reconstrução coletiva. Também, neste trabalho distingue Memória
histórica de Memória coletiva. Seguindo as direções apontadas pela consciência
coletiva e individual, discorre sobre o desenvolvimento de diversas formas de
Memória, que adquirem formas diferentes conforme os objetos que elas implicam.



      Le Goff (1990). - Teve indispensável serventia quando trabalha com conceitos
como História e Memória e suas relações sob uma perspectiva história.



      Machado (2007). - Paulo Batista Machado é licenciado em filosofia, história e
teologia. Mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia (1990) e Ph. D
em Educação pela Universidade do Quebec em Montreal (1999), concluiu o pós-
doutorado na universidade Federal da Bahia, atualmente é professor titular do
Instituto Superior de Teologia e pastoral de Bonfim e professor titular da
38



Universidade do Estado da Bahia. Publicou diversos artigos em periódicos
especializados e alguns trabalhos em anais de eventos. Possuiu livros publicados
nos domínio da poesia, educação e história. A obra “Notícias e saudades da Villa
Nova da Rainha”, aliás, Senhor do Bonfim, discorre sobre aspectos geográficos,
sociais, políticos, econômicos, demográficos e culturais do referido município, nos
auxiliando especialmente no histórico e caracterização do lócus de pesquisa.



      Meihy; Holanda (2007). - Introdução abrangente e exemplificada, a fim de
facilitar o debate sobre como abordar: memória, identidade e comunidade, matérias-
primas da história oral. Temos aqui um roteiro em que a experiência prática se
articula às ponderações teóricas de maneira que uma justifica a outra.



      Thompson (1992) - Trata de como fontes orais podem ser coletadas e
utilizadas pelos historiadores. Contudo, também provoca historiadores a se
questionarem sobre o que estão fazendo e por que, considerando que as atividades
por eles exercidas estão inevitavelmente imbricadas num contexto social e que tem
implicações políticas. Daí sua importância teórico-metodológica. A tomada de
consciência da dimensão política do nosso trabalho, sobretudo da adoção de uma
perspectiva crítica, quanto aos limites e possibilidades da História Oral foram
certamente norteadores durante a execução das nossas atividades de pesquisa.
39



2.3. Local da pesquisa: O Município de Senhor do Bonfim


2.3.1. A localização do Município




Mapa 01: Mapa do Território de Identidade 25- Piemonte Norte do Itapicurú, Bahia, 2007. Fonte:
http://www.sei.ba.gov.br/site/geoambientais/cartogramas/territorio_identidade/pdf/piemonte_norte_itap
icuru.pdf;
40



       O Município de Senhor do Bonfim fica situado no Piemonte Norte do Território
do Itapicurú, no Estado da Bahia (mapa 01). Esta micro-região compreende os
Municípios de Senhor do Bonfim, Campo Formoso, Antonio Gonçalves, Pindobaçu,
Jaguarari, Andorinha, Ponto Novo, Filadélfia e Caldeirão Grande, sendo atualmente
classificado como Território de Identidade 25.



       O Município de Senhor do Bonfim, referencial desta microrregião, teve origem
no final do século XVIII, relacionando-se os ciclos do ouro e do gado à sua
fundação. Conforme lembra Machado (2007, p.37), “as terras desconhecidas foram
conquistadas, os índios apresados, as pedras e metais precisos procurados...”



       Atualmente, o município conta com uma população estimada, conforme
publicação do IBGE2 – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 01/07/09,
em 76.113 habitantes. Dentre estes, 36.510 pessoas são do sexo masculino e
39.603 são do feminino.



2.3.2. O Asilo: O Lar dos Idosos Fabiano de Cristo




Fig. 05: Fachada do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo;

2
  Estimativas das populações residentes, em 01/07/09, segundo os municípios. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009_DOU.pdf.Acesso: março
de 2010
41




      Fundado em 22 de abril de 1973, inicialmente era conhecido como o Lar das
Velhinhas, hoje Lar dos Idosos Fabiano de Cristo. Teve a sua primeira diretoria sob o
comando dos senhores Everaldo Pereira Dantas e Gildásio Sales.



      Esta casa de acolhida funciona à Rua João Rodrigues, número 67, no centro
da Cidade de Senhor do Bonfim, num espaço anexo ao Centro Espírita Discípulos
de Jesus, o mais antigo Centro Espírita Kardecista desta municipalidade. A função
desse abrigo é atender a idosos menos favorecidos dos sexos masculino e feminino.



      As atividades do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo são potencializadas com
recursos financeiros do Centro Espírita Discípulos de Jesus, recebendo donativos da
comunidade em geral e pelo CRAS - Centro de Referência de Assistência Social
(Casa da Família).



      Em março de 2009, a referida instituição contava com 11 (onze) funcionários,
desde técnicos em enfermagem até pessoas contratados para serviços gerais, que
são remunerados pelo Centro Espírita Discípulos de Jesus. O Lar tem capacidade
para 25 internos e até a mencionada data contava com 20 moradores, oriundos não
apenas de Senhor do Bonfim, mas de regiões circunvizinhas.



    Os Aspectos Legais e Administrativos do Lar dos Velhinhos:



      O Lar dos Idosos Fabiano de Cristo é regido por um Regimento Interno,
elaborado em consonância com o art. 6º da Lei Federal nº. 8.42/94 e os Artigos 52 e
53 da Lei Federal nº. 10.741/2003 - Estatuto do Idoso. E também a Lei nº.
9013/2004, de 25 de fevereiro de 2004, que dispõe sobre a política Estadual do
Idoso. É parte integrante de uma das áreas de ação do Departamento de Serviço de
Assistência e Promoção Social do Centro Espírita Discípulos de Jesus, disposto num
Parágrafo Único, Capítulo VI, Art. 39:
42



      “Para execução de suas finalidades e alcance de seus objetivos sociais, o
CEDJ poderá criar e gerir departamentos de serviços sociais, educacionais, etc. que
se regularão através de regimento interno devidamente aprovado em ato próprio da
diretoria e posterior comunicação em Assembléia.



      I. Tais órgãos, quando criados, serão vinculados á instituição, podendo, a fim
de atender as legislações pertinentes, virem a ser cadastrados nas entidades
governamentais que forem obrigados para o desenvolvimento das atividades a que
se pretendem, como a inscrição no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica),
CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) etc.;



      II. Poderão celebrar convênios, parcerias e outras formas de acordos
específicos com órgão governamentais e não governamentais desde que, tenham
prévios projetos elaborados e aprovados em Diretoria;



      II. Uma vez acordados tais compromissos institucionais, o CEDJ obedecerá e
manterá escrituração contábil/financeira específica dentro das normas legais
emanadas, com o objetivo de prestar contas não somente aos órgãos
governamentais fiscalizadores que estiverem obrigados por lei, como também atento
à conduta espírita de transparência e oralidade.



      Parágrafo único: em funcionamento desde abril de 1973, O LAR DOS
IDOSOS FABIANO DE CRISTO, é parte integrante de uma das áreas de ação do
Departamento de Serviço de Assistência e Promoção Social, regulado de acordo
com Regimento Interno.”
43




                           3. CAPÍTULO I - A FAMÍLIA



3.1. Lembranças da Família


      Através de estudo iconográfico, Ariès (1981) tece sua tese de que a História
da Família, a partir da segunda metade do Século XI, sofreu uma significativa
alteração. Ilustrando a colocação com imagens colhidas em calendários, afirma que
a partir do período mencionado, as imagens de família deixa de ser a do casal e seu
amor romântico “cortês” ou do casal e da criança prematuramente morta e passa a
associar a sucessão dos meses do ano às idades da vida. Contudo esta não
representada mais em seu aspecto individual, mas sim, familiar.



      De acordo com Bosi (1994), o sentimento de pertencimento a um grupo é
mantido pela atmosfera familiar. Já que família se constitui num grupo coeso, por ser
uma espécie de unidade de mediação entre o mundo e a criança. Para Halbwachs
(2006, p. 45), “a família é o grupo do qual a criança participa mais intimamente
nessa época de sua vida e está sempre a sua volta”.



      Apesar da fixidez que as relações de parentesco possam impor, em nenhum
outro espaço social nos sentimos tão singulares como dentro do ambiente familiar.
Os depoimentos de alguns dos colaboradores demonstram como esses elementos
tão significativos permeiam as suas lembranças: O Sr. Raul conta que é o filho mais
novo de uma família de quatro irmãos (...) “Ah, sim sou o caçula”(...). D. Joselita
relembra o seu animal de estimação: (...)”Eu tive um cachorro que se chamava
Sultão, que morreu há muito tempo” (...) D. Edvalda revela qualidades e diferenças
entre ela e a irmã: (...) “Mas, eu tinha mais saber que minha irmã legítima, irmã
própria. Porque eu era terrível, não nego, sou positiva” [risos] (...) O Sr. João por sua
vez lembra e conta uma acontecimento curioso sobre o nome de sua mãe: (...)
“Minha mãe chamava-se Anna, de vez em quando assinava só com um “nê".
Quando eu fui tirar a identidade, foi com dois “nês”, né?”(...). Ser o caçula, ter um
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cachorro, “ser terrível”, ser filho de D. Anna, com dos “nês”, confere relevo, um lugar
de destaque, assemelha e difere os indivíduos dentro do seio familiar.



      Nossos depoentes têm uma média de idade de 77 anos, nascidos entre 1928
a 1932. Foram criados no interior, exceto o Sr. Raul que embora tenha nascido no
interior alagoano, fora criado em Maceió. Majoritariamente tiveram suas famílias
formadas por vários irmãos, à exceção é D. Joselita, que teve apenas dois irmãos.



      Como instituição social, a Família tem passado por inúmeras transformações
ao longo dos tempos. Adotado várias feições. Embora esteja cada vez mais rara a
imagem de família numerosa que além de pais, filhos, netos, avós, tios e tinha os
“agregados”. E seja cada vez é mais comum nos depararmos com famílias formadas
apenas pelo casal ou com um ou dois filhos. É inegável a sua importância como
guardiã e geradora de memórias.


                     As lembranças do grupo doméstico persistem matizadas em cada um dos
                     seus membros e constituem uma memória ao mesmo tempo uma e
                     diferenciada. Trocando opiniões dialogando sobre tudo, suas lembranças
                     guardam vínculos difíceis de separar. Os vínculos podem persistir mesmo
                     quando se desagregou o núcleo onde sua história teve origem, Esse
                     enraizamento num solo comum transcende o sentimento individual (BOSI,
                     1994, P. 423)



3.2. Os Pais


      Pela vida, levamos conosco a imagem dos nossos pais. Conforme as
condições do momento presente, dos juízos que podemos fazer sobre sua época, a
imagem deles, tal qual num retrato vai sendo avivada, restaurada pela memória.
Pela rememoração, através de fotografias, conversas com conhecidos, amigos que
freqüentava os mesmos ambientes, trabalho, pessoas que vivenciaram as mesmas
histórias, somos capazes de reconstituir suas figuras. Entretanto, se não dispomos
mais disso, fotografias, pessoas que conviveram conosco ou mesmo alguém
disposto a nos ouvir, cada vez mais essa imagem vai amarelecendo, se apagando,
sendo esquecida. (BOSI, 1994; HALBWACHS, 2006).
45



       Nossos idosos são asilados. Durante a vida foram despojados ou perderam
objetos catalisadores de recordações, como fotografias antigas. A maior parte deles
não tem contato algum com parente ou amigo próximo para que possa rememorar
os “tempos idos” ou simplesmente “papear”. Recebem visitas ocasionais de “amigos
do lar”. A entrevista se configurou um momento para rememorar, evocar, reconstruir
memórias, narrar suas vidas. Começamos pelas lembranças de família...



       Nos relatos de lembranças do grupo doméstico de nossos depoentes,
observamos que embora a maioria dos idosos tenha ficado órfã em tenra idade, o
aparecimento da figura paterna surge inicialmente como central na maioria dos
relatos.



       O Sr. João perdeu o pai aos seis meses de idade. Então, D. Anna, viúva, mãe
de cinco filhos, um recém nascido, decidiu deixar Pirajuí, cidade cafeeira do interior
do São Paulo e voltar para Jaguarari, Bahia, sua terra natal, onde tinha seus
familiares. Pelo diálogo, trocando informações sobe tudo, cria uma memória una e
diferenciada, que pertence de modo diferente a cada um dos membros da família.
Mas é, antes de tudo, uma construção coletiva. De acordo com Bosi (1994, p.425),
um familiar não mais presente, distante, pode tornar-se especialmente amado,
mitificado, figura a quem a família agarra-se, buscando forças, possibilitando o
estreitamento de seus vínculos, o depoimento do Sr. João ao relembrar de seu pai é
exemplo disso: (...)”Meu pai era bom. Era fazendeiro lá em Pirajuí. Meu pai,
Baldoíno Dias, não cheguei a conhecer, me deixou com seis meses.” (...). Ainda
Bosi (1994) coloca que, “na verdade, nossas primeiras lembranças não são nossas.
Estão ao alcance de nossa mão no relicário transparente da família”.



       Em suas rememorações, D. Edvalda faz referência à autoridade paterna.
Comenta como era exercida. Disse que seu pai batia, mas não era muito. Olhares e
gestos de repreensão bastavam para que fosse obedecido. Seu pai se chamava
José Lopes da Silva. Ela não mencionou a data nem as circunstâncias do
falecimento do mesmo. Usou lugares referencias para apoiar suas memórias e nos
contou onde foi sepultado (...)” Sei onde é Papinho, é quando vai para Caldeirão
Grande. Tem um cemitério. Meu pai sepultou lá. E minha mãe levou o defunto por
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aí”. (...) Atestando assim a importância do espaço como marco, ponto-de-apoio de
suas reminiscências, como apontara Halbwachs (2006).



       O senhor Raul Gomes também não descreveu o pai fisicamente, mas se
emociona muito ao falar da relação que tinha ele:(...) “meu pai era muito amigo. Me
tratava muito bem” (...). Acrescentou gesticulando que seu pai era um homem muito
educado, experiente e que conversava muito: (...)”Aí, quando chegava em casa,
conversava. Conversava coisas de gente grande [risos]” (...). A figura paterna é aqui
apreendida pelos traços mais etéreos, espirituais, não físicos. Talvez isso aconteça
porque sua presença no lar era menos concreta, quando comparada à da mãe que
estava quase sempre presente.



       D. Joselita relatou que foi criada pela mãe, com quem manteve um bom
relacionamento até a morte desta. Ficou órfã de pai aos quatro anos idade e sobre o
mesmo relatou apenas: (...) “Eu lembro que fui lá, assim. Vi ele lá no caixão, mas
não tenho lembrança de nada” (...). Bosi (1994 p. 427) observa que “se nossos
mortos recuam, se a distância se alonga entre nós, a culpa não é do tempo, mas da
dispersão do grupo onde viveram e que sentia necessidade de nomeá-los, de
chamá-los de vez em quando”.



       A figura materna também apareceu, nos relatos dos idosos. Caracterizada por
atributos físicos, em contrapartida, prevaleceram atributos morais como comprovam
os seguintes depoimentos: nas palavras de Sr. João: (...)“Minha mãe era boa,
direita”(...). D. Anna Dias Xavier faleceu com 96 anos. Por sua vez, D. Joselita conta
que lembra bem da sua mãe, D. Bárbara Francisca Dias. Esta faleceu depois que
ela já tinha casado, e, a exemplo de Seu João, cuja mãe também era dona de casa
e viúva, ressalta suas características morais ou de personalidade: (...) “Minha mãe
era uma pessoa distinta, paciente, alegre”. (...). Mas suas lembranças também
contemplam outra faceta da mãe. Disse que ela não teve estudo, que arrumava a
casa, colocava as coisas em ordem e ainda complementou: (...) “Eu também
ajudando, ajudava a varrer o terreiro, as coisas" (...).
47



      Como elemento principal nos relatos do Sr. Raul e D. Edvalda, observamos
que as lembranças estavam mais relacionadas às atividades que suas mães
desempenhavam ou não no lar, na família. D. Augusta Cula, mãe do Sr. Raul, era
dona de casa, contudo, ele afirma que ela não gostava dos afazeres domésticos,
que não os fazia, deixava a cargo de sua irmã: (...) “Minha mãe ficava em casa sem
fazer nada... ela... não gostava disso não, quem fazia era a minha irmã” (...). Em seu
relato podemos identificar vestígios da “educação feminina”, aquela voltada para o
lar. Esta apareceu também nos relatos de D. Joselita sobre sua participação nas
tarefas domésticas, enquanto os meninos, seus irmãos, eram dispensados de
tarefas: (...) “Quando pequeno era brincando por ai. Depois foram crescendo, foram
tomando rumo. Aí deu para trabalharem.” (...). Nas lembranças de D. Edvalda
quando a figura de D. Adelina Josefa Maria de Jesus, sua mãe, surge é associada à
figura paterna, seja quando relembra a localização do cemitério onde foram
enterrados, primeiro o pai, depois a mãe, seja quando relata o modo como era
criados, ela e os irmãos. (...)”O pai de nós seis e primeiramente a mãe, né não?
Botam a gente pra cozinhar, fazer comida, lavar roupa, gomar, ir para as roças, catar
mandioca, catar andu. Fazer todo serviço” (...). Mais adiante retomou o assunto,
acrescentou mais um elemento para nossa análise: (...) “Nós ia trabalhá [...]. que
nem burro na carroça. Para quê? Para não pegar no alheio. Nóis não pegava no
alheio. Bem nascida e bem criada.”(...). Neste depoimento, além de aparecerem as
atividades realizadas na esfera doméstica, também aparecem aquelas próprias do
trabalho na roça. Aparecem também a consciência do peso do trabalho e
principalmente o seu valor como atividade moralizadora.



3.3. Os Irmãos


      As famílias dos nossos velhos, de acordo com os depoimentos recolhidos,
são bem numerosas. Na família do Sr. João e, coincidentemente, na do Sr. Raul,
são quatro irmãos, dois meninos e duas meninas; D. Edvalda conta que em sua
casa eram cinco irmãos, quatro meninos e uma menina; D. Joselita apresentou uma
família menor com apenas dois irmãos, do sexo masculino. Os irmãos são
companheiros de nossa infância, com quem partilhamos os mesmos espaços e
48



muitas     experiências,   descobertas,   conquistas,   perdas...   São   histórias   que
guardamos e que compõem as lembranças de família.



         Como fora dito, D. Joselita teve dois irmãos. Um, com quem morou antes de
vir para o asilo, e outro, já falecido. Em suas lembranças, eles aparecem como
meninos. Meninos que viviam brincando. Sobre a convivência com eles, ela diz:
(...)“Se dava bem. Às vezes teimava, mas, na mesma hora, estava tudo bem. É
coisa de criança é assim, né?” (...). Bosi (1994, p.429) chama atenção para o fato de
que na maioria das vezes, os irmãos são fixados na infância e que, depois, sua
figura empalidece, apenas sobrevivendo no menino ou menina que foram.



         No depoimento do Sr. Raul, ele revelou que não conviveu muito com os
irmãos porque pensavam de modo diferente. Contou que um dos irmãos era casado,
uma irmã solteira, mas que moravam longe. Disse recordar da outra irmã, que
morou junto com ele e sua mãe, e que hoje mora no Rio de Janeiro. Sabemos que, a
partir de laços de convivência familiar, é desenvolvida uma memória coletiva, que é
formada pela memória de seus membros, unificando, acrescentando, corrigindo.
Contudo, é o indivíduo que relembra, por mais que deva á memória coletiva. Nas
palavras de Bosi (1994, p. 411), “ele é o memorizador e, das camadas do passado a
que tem acesso, pode reter objetos que são, para ele e só para ele, significativos
dentro de um tesouro comum”. Talvez isto explique porque o Sr. Raul lacrimejou ao
lembrar o irmão que morreu ainda jovem: (...)“O rapaz era Ronaldo, que morreu com
trinta anos [longa pausa] Meu irmão era... muito brincalhão”(...) [silêncio]. Com o
olhar distante, voz embargada, como quem fala para si e ao mesmo tempo, como
testemunha e guardião desse tesouro que tem na memória, buscou num sorriso
entre olhos rasos d’água transmitir, para nós, a essência de seu ente querido, em
silêncio. A quietude tem sempre razões muito complexas. Há o silêncio que
adotamos em situações de extremo sofrimento. Antes de qualquer coisa, precisamos
encontrar ouvidos atenciosos, dispostos a escutar, só assim podemos relatar
sofrimento (POLLAK, 1989).



         O modo como D. Edvalda se reportou aos irmãos foi, para nós, inicialmente,
curioso: (...) “Joaquim, em Filadélfia; Adolfo em Ponto Novo; Nilton, em Saúde;
49



finada Vavá em... na Fazenda Várzea Funda e Laura em Saúde”(...). Em Bosi (1994,
p.432), encontramos: “Os filhos partem, tomam seu rumo, ainda que ligados
afetivamente aos pais, se dispersam geograficamente”. Mas, no caso de D. Edvalda,
pudemos perceber, em seu relato, referência a vários lugares onde morou desde a
sua infância, nomes como Rio das Pedras, Várzea Grande, Água Branca, dentre
outros povoados da micro-região de Senhor do Bonfim, figuram como evidência de
constantes deslocamentos. Um desenraizamento, finalmente, coroado com venda
da terra e da casa que pertenceram aos pais, e foram adquiridas pelo seu irmão
mais velho. A família, então, se espalhou pelas cidades da região.


                        O desenraizamento é uma condição desagregadora da memória: sua causa
                        é o predomínio das relações de dinheiro sobre outros vínculos sociais. Ter
                        um passado, eis outro direito da pessoa que deriva de seu enraizamento.
                        Entre as famílias mais pobres a mobilidade extrema impede a sedimentação
                        do passado, perde-se a crônica da família e do indivíduo em seu curso
                        errante. Eis um dos mais cruéis exercícios da opressão econômica sobre os
                        sujeitos: a espoliação das lembranças (BOSI, 1994, p. 443).



       O Sr João não nos deu muitos detalhes a respeito de seus irmãos. Sabemos
apenas que eram dois do sexo masculino e duas mulheres. Sobre a convivência
com eles, ressaltou que era muito boa, e revelou especial afeição por um que
morava em Salvador, onde costumava visitá-lo. Destacou também o lugar e a função
profissional que o irmão exercia: (...) “O de Salvador era gerente da Adamastor.
Você já ouviu falar da Adamastor? Meu irmão era gerente, ali na Rua Chile” (...). A
tradicional loja de roupas masculinas, o Adamastor 3, vendia as roupas que os
homens elegantes usavam. E teve como seu primeiro dono o pai do cineasta
Glauber Rocha, cujo nome é o mesmo do estabelecimento. Ficava na Rua Chile
que, por sua vez, fora aberta como Rua Direita do Palácio, em 1549, pelo primeiro
Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza. Durante séculos foi a principal via
urbana de Salvador, e mesmo do Brasil. Ficou famosa, no século XIX, pelas
companhias que atuaram no seu teatro. No início do século XX, quando assumiu
sua denominação atual, era conhecida pela sua iluminação moderna. Passaram nela
a se localizar as sedes de várias lojas de luxo, os mais afamados escritórios etc...
No seu apogeu, nas décadas de 1940 e 1950, os cines Glória e Guarany trouxeram


3
 [http://ibahia.globo.com/sosevenabahia/ruachile.asp – Bruno Porciúncula: Rua Chile: centro de
elegância, fonte de história].
50



os maiores sucessos de Hollywood.
51




                        4. CAPÍTULO II - A INFÂNCIA


4.1. Lembranças da Infância


      A narrativa dos idosos sobre a infância se aproxima, com muita clareza, do
saudosismo de Casimiro de Abreu, nos versos do poema Meus Oito Anos. (...)”
Infância é liberdade, eu tive uma boa infância “(...), declarou o Sr. Raul. D. Joselita
sentenciou: (...)“É o que já passou. Não sei mais nem lembrar, quase, né? [pausa]
Tem passagem boa, que a gente se alembra ainda, das pessoas que eram
delicadas e tudo... Só isso.”(...). Como uma das idades da vida, na maioria dos
depoimentos, a infância figurou como uma espécie de aurora irisada de prazeres,
como disseram o Sr. João e D. Edvalda, respectivamente: (...)“A infância... A infância
é... é... a pessoa que gosta de se divertir, não é? Com a memória boa... Hoje, eu tô
com setenta e tantos anos, não é? Aí, na infância, a pessoa tem aquele gosto, né?
De comer... De se distrair”.(...); (...)“Vixe, rapaz, era trabalhar nas roças... Naquele
tempo não tinha malandragem, não. Nera não? Deste tamanhinho [gesto], eu? Aí, vá
altiano... altiano... Era uma delícia e eu trabalhava por seis mulheres... Era a mais
inteligente e cuidadosa. Era eu. Tô me achando veinha de idade, será que já estou
caducando”?(...) Remete-se a Ariès (1981,p.36), que indica que, na velhice, segundo
lembra de Isidoro, essa é assim chamada porque as pessoas velhas já não têm os
sentidos tão bons como já tiveram, e caducam.



      Estes dois relatos deixam transparecer, inicialmente, duas questões sócio-
culturais. Na primeira lembrança, a jovialidade do corpo, a alegria de ser criança, a
brincadeira, a diversão, uma demonstração de que as crianças do sexo masculino
tinham maior liberdade para exercitar o espaço de suas relações futuras. Já o outro
relato, da senhora Edvalda, retrata um fato comum que acontece, ainda hoje, nas
periferias e nas áreas rurais. É o aproveitamento da mão-de-obra infantil no trabalho.


      No relato, a criança, mesmo sendo do sexo feminino, estava apta ao trabalho
duro da roça. Era um trabalho que, supostamente, deveria ser exercido por homens,
por exigir mais força e vigor físico. Nos depoimentos, após a lembrança iluminada da
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infância, a velhice apareceu amarelecida, débil, banhada por raios crepusculares.
Espoliados da casa de seus primeiros afetos, do quintal, da rua onde brincaram e
fizeram amizades... Asilados e envelhecidos nos ofertaram memórias repletas de
sentimentos, da infância querida que os anos não trazem mais.


4.2. A casa, o quintal, e outros espaços revisitados


                                                         ” Porque a casa é o nosso canto no mundo.
                                                Ela é como se diz amiúde, o nosso primeiro universo.
                                                                           É um verdadeiro cosmos.
                                                            Um cosmos em toda acepção do termo.”
                                                                                       (Bachelard)4




          Em consonância com Bachelard (1993), Bosi (1994), acerca da casa, indica
que é aquela em que vivenciamos os momentos mais significativos, importantes da
nossa infância. Afirma:


                          Ela é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a partir dela, em todas
                          as direções. Fixamos a casa com as dimensões que ela teve para nós e
                          causa espanto a redução que sofre quando vamos vê-la com olhos de
                          adulto. Para enxergar as coisas nas suas antigas proporções, como posso
                          tornar-me de novo criança? A pergunta já está no Evangelho. Algumas
                          pessoas, em geral os artistas, guardam essa possibilidade de remontar às
                          fontes. (BOSI, 1994, p 435)


          Ao rememorar, o idoso bebe das mesmas fontes que os artistas conhecem,
porque memória tem o quê do sonho, porém também do trabalho. Nisso, a
lembrança é revelação e reconstrução do experienciado.



          Assim, numa mistura resignação e lamento, teve início o relato de D. Joselita
sobre suas lembranças da casa de sua infância, do quintal. (...)“Lembro, mas tem
muito tempo, já se acabou tudo...[pausa] era grande, tinha três quartos, sala,
varanda” (...). Ela contou que tinha de tudo plantado no quintal: bananeira prata,
cafezeiro... Revelou, inclusive, que, certa vez, teve um cachorro chamado Sultão, e
que também, quando mocinha, arranjou um mico. Um mico que se chamava Preto.

4
    BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.24.
53



Sobre o bichinho, rindo, ela prosseguiu: (...) “Ele chegava assim na cozinha e aí a
gente chamava: Preto! E ele descia... E descia medonho [risos]”(...).



       São duas as casa de D. Edvalda. A primeira ficava no Rio das Pedras (...) “De
junto de seu Angelim. Rio das Pedras... Sei onde é.” (...). Depois mudaram.
Compraram outra casa, outro terreno no Itapicuru. A segunda era (...) “outra casona
grande, muito grande” (...) O que a diferencia da casa de sua infância é o sentimento
de luto pela perda dos pais (...) “Aí, foi onde minha mãe faleceu e meu pai”. (...)



       Sr. Raul relata que a casa ficava numa avenida. Não oferece mais detalhes.
Resume em uma frase o que lembrou ser importante. (...) “A casa... tinha minha mãe
e minha irmã.” (...). A casa evocada por ele é a casa materna, a da família. Já sobre
o quintal, com entusiasmo, revelou: (...) “Ah... Tinha um quintal grande... Era ipueira”
“(...) E, sorrindo, acrescentou que tinha plantas sim (...)“ Tinha coqueiro...
mangueira... tinha um bocado de coisa”(...).



       O Sr. João, quando perguntado sobre sua casa e/ou quintal, afirmou: (...)
“Disso aí eu não lembro mais não... Não... Não lembro de jeito nenhum”. (...).
Quanto ao esquecimento, Halbwachs (2006, p.37) indicou que “esquecer um período
da vida é perder o contato com os que então nos rodeavam”. O Sr. João se
justificou, dizendo: (...) “Não vou forçar muito [riso]. Agora... Aí, eu me recordo da
minha boemia...”(...).



       Ainda conversando com o Sr. João ele revelou que gostava de ficar na Praça
Nova do Congresso: (...) “A Praça Nova tinha um Coreto... Um coreto... Era... na
Praça Nova. No coreto, a gente subia por uma escada... No coreto tinha, né? Os
outros lugares era... [pausa]... Às vezes ia pá Canoa passear. Essa Canoa. Igara...
Só isso”(...).
54



4.3. As Brincadeiras


      Estamos acostumados a conceber a infância como um tempo reservado ao
lazer, às atividades lúdicas, especialmente às brincadeiras. O Sr. Raul, num
intrigante depoimento, conta: (...)“Eu não brincava, eu não brincava não... [pausa]
Era difícil de brincar. Eu não tinha brinquedo não, porque... [pausa longa]. Não.. Não
gostava de brincar... [silêncio]” (...). São constantes as pausas e o silêncio ao longo
da narrativa. Talvez por algumas lembranças dolorosas, que o impedem de externar
o pensamento a respeito do brincar, que seria inerente ao ser criança.



      Já o Sr. João elencou uma série de brinquedos que gostava. Às vezes era
gude, outras, pião com enfieira. Também soltava raia e disse ainda que gostava
mesmo era de caçar passarinho. Em suas palavras: (...) “Eu gostava de ir pro mato
jogar... com... com badogue de borracha. Derrubar, né? Ééééé... Matar... [pausa] É...
Caçar passarinho. Matar com badoguezinho no braço.” (...).



      Se no depoimento do Sr. João aprecem brinquedos e brincadeiras associados
ao gênero masculino, no relato de D. Joselita, os referidos elementos foram
associados, inclusive por ela, ao gênero feminino: (...) “Brincava assim, quando se
ajuntava... Brincava de boneca, dessas coisinhas que menina brinca, né? A gente
fazia aquelas brincadeiras no chão, no cantinho, né? De casinha, levava as bonecas
tudo. Depois tornava a juntar e guardava.”(...). Em relação aos espaços utilizados
para as brincadeiras, observamos a seguinte implicação, também relacionada ao
gênero. É a determinação dos lugares apropriados para os meninos, sendo
representados pelo mato, pela rua, e, para as meninas, o cantinho, a casa. O
menino João saia para matar passarinho. A menina Joselita, depois de brincar,
arrumava e guardava suas bonecas, reforçando a divisão dos espaços. O público
destinado aos homens, suas lutas e atividades, e o espaço privado, a casa, local de
vivência das mulheres.



      D. Edvalda evidenciou, em seu relato, uma situação que é comum às crianças
da zona rural: o trabalho infantil. Segundo a mesma, os pais não a deixam brincar,
55



pois tinha que trabalhar na roça. E descreveu assim sua atividade e dos irmãos: (...)
“A mãe de nós seis era Divida Maria de Jesus. Meu pai, José Lopes da Silva, não
deixava [brincar]. Nós ia carpi ná enxada. Capinando, sabe? Nas roça. Nós ia
trabalhá. Pa... Para... Que nem burro na carroça. Para quê...? Pra não pegar no
alheio”. (...).



4.4. Os Amigos


        O Sr. Raul disse não se lembrar de amigos de infância. Mas relatou que,
quando já era um “rapaz crescido” , tinha um amigo: (...) “Ele se chamava Edval. Val,
né? Quando ia na casa dele, a gente conversava, mas a conversa era de gente
grande” (...).



        D. Joselita revelou que tinha poucas amigas, mas relembrou uma. Disse: (...)
“Me lembro... Tem muito tempo que Maria casou e foi embora, pro mundo, para esse
lado das caatingas. Não vi mais nunca... Não sei nem se é viva, ainda.” (...)



        O relato de seu João: (...) “Ah! Me lembro... de infância... De infância...
Lembro de Rafael... [pausa] Ele era da Polícia Federal... Rafael Pereira da Silva...Me
lembro desse Rafael... Me lembro desse “Buck Jones”... que está em Salvador. Dos
meus amigos Albérico Simões, o Catrévio... Do Aristides Simões, irmão de Albérico,
dessa família, né? E do Coca, também, né? [risos]” (...)5.Segundo seu João, o amigo
Coca e ele curtiram muitos carnavais em Senhor do Bonfim, na avenida que vai da
Sociedade 25 de Janeiro ao Clube União e Recreio.



        Observamos, nos depoimentos, que apenas um ou outro amigo de infância
fora lembrado. Conforme Halbwachs (2006), esquecemos quando saímos do grupo
ao qual fazíamos parte, quando deixamos de pensar nele e/ou não temos meio de
reconstruir sua imagem. E, ainda, que “quanto mais os grupos se tocam e se
distanciam ou quanto mais numerosos são eles, mais a influência de cada um é

5
 O Cel. Aristides Simões foi um dos ilustres moradores de Itiúba, conhecido por não ceder a um cerco de
Lampião. Já o Coca é uma personagem pitoresca da cidade, irmão de um político desta mesma cidade.
56



enfraquecida.” (p.56-57) Ou, ainda, o esquecimento pode estar associado a
patologias comuns ou não à velhice.
57




                                5. CAPÍTULO III - A ESCOLA


5.1. Lembranças da Escola:


        Atualmente, a escola é tida como um espaço especialmente destinado à
socialização de saberes, à educação da criança. A infância, por sua vez, carrega a
prerrogativa de ser o “tempo da escola”. Todos os depoentes passaram pelo
processo de escolarização. D. Edvalda freqüentou a escola por apenas seis meses.
O Sr. João e D. Joselita cursaram até o terceiro ano. Finalmente, o Sr. Raul estudou
até a quinta série.



        O Sr. João estudou em Senhor do Bonfim, no Prédio Escolar Austricliano de
Carvalho6, situado ao lado da Catedral. (...)“Ali li naquele prédio escola. Não tem
aquele prédio? Não tem a Igreja? Vivia no colégio... Essas coisas. Assim, nesses
colégiozinhos... Estudando, que minha mãe mandava. Somente isso. Não tive num
ginásio, nem nada. Entendeu como é?.. Até o terceiro ano”. (...). Dona Joselita
estudou em Campo Formoso e D. Edvalda no povoado de Rio das Pedras, em
Pindobaçu;        (...) “Eu estudava com doze anos. Mas, hoje, pelejo... Pelejo para
escrever e não sai. É porque, naquele tempo, naquela situação... Ano muito velho
pra caramba. Povo reduzido... Reduzido. Botava só pra ir pás roças.”(...).


        No passado, a quase totalidade das famílias da zona rural tinha pouco
interesse na escolarização das mulheres. Estas estavam destinadas ao trabalho
doméstico, à criação dos filhos e cuidados com a casa e o marido. Daí, a senhora
Edvalda dizer que a sua escolaridade durou somente seis meses: (...) “direto p’as
roças... Direto. Sim, só seis meses, eu... E olhe lá” (...).


        O Sr. Raul, alagoano, embora não tenha explicitado a idade em que foi à
escola, o seu depoimento deixa algumas pistas. Primeiramente, não era mais


6
 Engenheiro Austricliano de Carvalho, chefiou a política e 1893 (...) Autor do projeto que doou a Bonfim 500
hectares de terra, onde está edificada a cidade e 100 hectares a Missão do Saí.(...)”. MACHADO, Paulo Batista.
Senhor do Bonfim: minha rua , minha história. Salvador: Editora UNEB, 2004.
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  • 1. 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII COLEGIADO DE PEDAGOGIA MEMÓRIA DE VELHOS CRISTIANE BATISTA PINTO SENHOR DO BONFIM - BA 2010
  • 2. 2 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII COLEGIADO DE PEDAGOGIA CRISTIANE BATISTA PINTO MEMÓRIA DE VELHOS Monografia apresentada ao Departamento de Educação-Campus VII, da Universidade do Estado da Bahia, como parte dos requisitos para obtenção de graduação no Curso de Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Linha de Pesquisa: Memória, Cultura e História da Educação. Orientadora: Profª Drª Maria Glória da Paz SENHOR DO BONFIM - BA 2010
  • 3. 3 CRISTIANE BATISTA PINTO MEMÓRIA DE VELHOS Monografia apresentada ao Departamento de Educação- Campus VII, da Universidade do Estado da Bahia, como parte dos requisitos para obtenção de graduação no Curso de Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Aprovada em 24 de março de 2010. BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Profª Drª Maria Glória da Paz Universidade do Estado da Bahia –UNEB Orientadora _____________________________________________________ Profª Ana Maria Campos Universidade do Estado da Bahia – UNEB Examinadora ____________________________________________________ Profª Beatriz Barros Universidade do Estado da Bahia – UNEB Examinadora ____________________________________________________ Profª Sandra Fabiana Almeida Franco Universidade do Estado da Bahia – UNEB Examinadora
  • 4. 4 A Maria Amélia Pinto, minha mãe. Com ela aprendi muitas coisas... Desaprendi muitas coisas também... Somos cúmplices na vida. A Raimundo Batista Pinto, meu pai. Contador de estórias, cordelista... Aprendi com ele o gosto pela palavra e pelas coisas simples, como uma pedra colhida no rio, como o perfume lilás da flor de setembro. Aos meus irmãos: Tarcísio, Vágner, Jorbson, Wilton e Carolina que têm me incentivado e apoiado em todas as horas. A Rodrigo Gomes Wanderley, porque compartilhamos prosaicamente de tudo, mas, sobretudo, compartilhamos coisas que se situam no reino do indizível, tocadas apenas pela poesia. Aos meus amigos: Jácia Pereira, Bruna Pamponet, Mara Araújo, Priscila Pereira, Maísa Borges, Laryssa Andrade, Joana Dias, Jaqueline Oliveira, Hilda Maria Vieira, Joel Porto, Ágda Solene Braga, Márcia Xavier, Dan Loureiro, Fabiana Lima, Jacira Souza e Ana Lúcia Barbosa. E a você...
  • 5. 5 AGRADECIMENTOS À Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus VII; Ao Colegiado de Pedagogia do Campus VII; Aos professores que contribuíram para a minha formação, nomeadamente Ana Maria Campos, Beatriz Barros, Elizabete Santos, Fani Rehem, Gilberto Lima, Joanita Moura, Maísa Lins, Norma Leite, Ozelito Cruz, Paulo Batista Machado, Rita Braz, Rita Carneiro, Rubens Antonio da Silva Filho, Simone Wanderley, Suzzana Alice Lima e, especialmente, à minha dedicada orientadora e parceira de tear, professora Maria Glória da Paz; Aos Servidores da UNEB – Campus VII; Ao Centro Espírita Discípulos de Jesus; Aos funcionários e voluntários do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, pela acolhida e colaboração durante a realização dos trabalhos; Aos velhos, sujeitos desta pesquisa: Edvalda Maria de Jesus, João Xavier Dias, Joselita Roque da Silva e Raul Gomes, que, com suas vozes, compuseram este trabalho; A Jácia Pereira, Joel Porto, Priscila Pereira, Rodrigo Wanderley e Rubens Antonio da Silva Filho pela colaboração técnica e pelo incentivo durante a realização deste trabalho.
  • 6. 6 EPÍGRAFE “A história aqui tecida, como uma renda, é feita de fios, nós, laçadas, mas também de lacunas, de buracos, que, no entanto, fazem parte do próprio desenho, são partes da própria trama”. Michel Foucault
  • 7. 7 RESUMO Neste trabalho foram colhidas e analisadas memórias de velhos. Utilizamos a abordagem da História Oral como metodologia. Foram realizadas entrevistas com quatro depoentes, o Sr. João Xavier Dias, o Sr. Raul Gomes, a Srª Edvalda Maria de Jesus e a Srª Joselita Roque da Silva, moradores do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, localizado em Senhor do Bonfim, em março de 2009. Dentre as lembranças evocadas figuraram as referentes à família, destacando-se pais, irmãos e convivência, à infância, especialmente espaços, amigos e brincadeiras, e à escola, citadamente localização, professores, colegas, atividades de ensino, brincadeiras castigos e festas. Para a análise nos valemos especialmente das propostas de Halbwachs (2006), Bosi (1994) e Pollak (1989). Palavras- chave: Memória, História Oral, Velhos.
  • 8. 8 LISTA DE FIGURAS FIGURA HISTÓRICO PÁGINA 01 João Xavier Dias (1928) .............................................................. 30 02 Raul Gomes (1932) ..................................................................... 31 03 Edvalda Maria de Jesus (1936) .................................................. 32 04 Joselita Roque da Silva (1932) ................................................... 33 05 Fachada do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo ........................... 39
  • 9. 9 LISTA DE MAPAS MAPA HISTÓRICO PÁGINA 01 Mapa do Território de Identidade 25- Piemonte Norte do Itapicurú, Bahia, 2004............................................................... ............38
  • 10. 10 LISTA DE ABREVIAÇÕES CEDJ Centro Espírita Discípulos de Jesus CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CRAS Centro de Referência de Assistência Social (Casa da Família) GPS Publicidade Giosvaldo Porto Silva (Proprietário) IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais UNEB Universidade do Estado da Bahia
  • 11. 11 SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO........................................................................................................12 1.1.Tecendo as minhas lembranças: um encontro com a memória de velhos....12 1.2. Entrelaçando nós: História e Memória de Velhos.........................................17 2. A COSTURA: PONTO A PONTO..........................................................................22 2.1. A pesquisa....................................................................................................22 2.1.1.Os instrumentos......................................................................................23 2.2. As Fontes......................................................................................................29 2.2.1.Fontes orais ( e a biografia dos entrevistados)......................................29 2.2.2. Caracterização dos Depoentes.............................................................30 2.2.3. Fontes escritas......................................................................................35 2.3.Local da pesquisa: O Município de Senhor do Bonfim.................................38 2.3.1. A localização do município....................................................................38 2.3.2. O Asilo: O Lar dos Idosos Fabiano de Cristo.........................................39 3. CAPITULO I - A Família ......................................................................................42 3.1. Lembranças da Família................................................................................42 3.2. Os Pais.........................................................................................................43 3.3. Os Irmãos ...................................................................................................46 4. CAPITULO II - A Infância......................................................................................50 4.1. Lembranças da Infância...............................................................................50 4.2. A casa, o quintal, e os outros espaços revisitados.......................................51 4.3. As Brincadeiras............................................................................................53 4.4. Os Amigos....................................................................................................54 5. CAPITULO III- A Escola.......................................................................................56 5.1. Lembranças da Escola.................................................................................56 5.2. Os Professores.............................................................................................57 5.3. As Atividades de Ensino...............................................................................57 5.4. Os Castigos..................................................................................................58 5.5. Festas...........................................................................................................59 6. ARREMATE.......................................................................................................... .60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................63
  • 13. 13 1. INTRODUÇÃO 1.1. Tecendo as minhas lembranças: Um encontro com a memória de velhos Quando criança, no período de alfabetização, eu fui considerada, na então Escola Nuclear Belarmino Pinto, em Itiúba, Bahia, uma menina inteligente, porém muito inquieta, hiperativa, diriam hoje. É que D. Amélia, minha mãe, já havia me alfabetizado em casa mesmo, usando uma cartilha antiga, um quadrado recortado de papel de pão perfurado no meio, lápis, papel e as coisas do meu mundo, do meu mundo de criança, a casa, o quintal, as pessoas, enfim... Por causa disso, geralmente, concluía as atividades antes dos meus colegas. O problema é que, respondendo as lições antes da turma, era inevitável que começasse a conversar, a querer sair da carteira, da sala. Assim, acabava por atrapalhar o andamento da aula. Contudo, a minha professora, D. Mariazinha Freitas, que costumava levar para a sala de aula novelos e agulhas de tricô, percebera os meus olhares cobiçosos e, em consenso com a minha mãe, resolveu, no intervalo das lições, me ensinar a tecer. Os meus primeiros sapatinhos foram encomendados por minha avó paterna. Ela havia me presenteado com um novelo vermelho belíssimo. Ainda recordo do cheiro, da textura daquela lã. Fora mainha quem comprara as agulhas. Não lembro se, por um tempo, fiquei mais quietinha. Mas que aprendi a tecer, ah isso eu aprendi direitinho. Por sua vez, com o meu pai, Seu Raimundo, cordelista, poeta, contador de histórias, aprendi a ouvir. Os causos, as histórias populares da tradição oral, os recitais de cordel da coleção do meu avô, com as cantigas e cantorias, onde seres, personagens humanos e/ou não humanos, existiam. Misturadamente, por vezes, ou, em outras ocasiões separadamente. Não dava pra saber o que era e o que não era real, mas tudo era maravilhoso nas narrativas do meu pai. Ele ainda as reconta algumas, para o divertimento da meninada da rua, sempre é convidado para
  • 14. 14 participar de eventos nas escolas e na cidade de modo geral. Ah... Infância. E, afinal, quem jamais se curou de sua infância? Mas esta é outra história e talvez seja tecida em outra ocasião... Cabe dizer, agora, que foi ela, a minha infância, que me trouxera aqui. Sim. Ela me guiara tal qual Teseu fora guiado pelo novelo de Ariadne para fora de um labirinto. Porém, de modo inverso, eu fora atraída por um casaco de tricô exposto numa arara, para ser vendido no Brechó do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, para o labirinto de minhas reminiscências. Sei que isto não explica a necessidade de voltar àquele casaco... Aquele que meus olhos, numa mistura de surpresa e encanto, descobriram no Brechó... Mas reitero que é necessário. Neste momento, basta saber que era lindo, incomum. Porém, agora, racionalizando, penso que apenas o que resta de pueril em meus olhos enxergara a beleza e intuíra a pureza do branco, que, pelo tempo, fora amarelecido. Entretanto, naquele instante, fui tomada por uma profusão de sentimentos confusos, para mim desconhecidos, até então... Quem o tecera? Alguém doara? Quanto custava? Perguntei, quase num tom exaltado. As vendedoras sorriam benevolentemente... Não. Não sabiam o nome da tecelã ou tecelão e, sim, havia sido doado e custava R$ 3,00. Achei esquisito e repeti, apenas para mim, franzindo o cenho de modo cético: “R$3,00.” Tinha ciência de que era roupa velha, usada por outrem, e que, para muitos, isso deve, por certo, diminuir o valor das coisas. Eu não tinha tanta certeza. Meticulosamente, comecei a examinar com os dedos o casaco. Apesar da qualidade aparente da linha, da trama bem feita, pude detectar um furo na manga, perto do punho esquerdo... Não pude disfarçar, com meio sorriso, o meu desencanto, até porque, por experiência, sei que reparar é mais difícil que fazer. Onde, além da memória, guardara as minhas agulhas? Poderia comprar agulhas novas, adequadas? A lã também. Eu poderia comprá-la? Quantos anos
  • 15. 15 haviam se passado? Duas décadas, talvez... Fiquei perdida num amaranhado de pensamentos, segurando o casaco por mais um tempo, desolada. Uma das vendedoras, a fim de me consolar, pontuou reticente: “Talvez D. Ermínia...” Olhou de soslaio para a outra vendedora, que, num ar de complacência, arrematou: “É... Ela tem as agulhas. Poderemos falar com ela.”. Certas palavras e expressões são mágicas, polívocas. Realizam desejos, abrem portas – “Abracadabra!” “Abre-te Sésamo!” - Inauguram tempos e espaços. No meu caso, o tempo era de espera. Espera pelo reparo do casaco. Espera pelo horário de visitas ao Lar dos Idosos Fabiano de Cristo. Quais as palavras que me deixaram tão esperançosa? “D. Ermínia tem as agulhas”. Contudo, não à toa, os gregos, em sua Mitologia, colocaram a Esperança entre os males, reservados à Humanidade, guardados na Caixa de Pandora. Disso eu não esquecera. Mas a Esperança, ao longo dos tempos, ganhara novos significados... Restava saber qual deles estava a mim reservado. E isso não tardou. Voltei à minha casa com a garantia de que reparariam o casaco. Guardariam-no para mim e eu poderia conhecer não apenas D. Ermínia, como os outros internos do referido Lar. Quando regressei ao Brechó, descobri que o casaco havia sido vendido a alguém menos exigente e mais inteligente que eu havia sido naquele dia - compreendi isto depois - pois quem o comprou, comprou-o daquele modo, sem reparos. Oh... Esperança! Nesse dia, eu conheci uma das tuas faces! Bem... Porém era horário de visitas. Cheguei logo após a hora da refeição vespertina e fora acolhida tanto pelos internos quanto funcionários/voluntários. Sobre o Lar, adianto apenas que há espaço para vinte e cinco internos. Havia 20 idosos internados até o início de dezembro de 2008. Conheci a área comum e a ala feminina. Apesar disto, alguns possuem quartos individuais. A maioria dos idosos, já que tinha ingerido a refeição, estava dormindo. Eu não quis importuná-los, com minha presença, naquele dia. Entretanto, conversei com os funcionários e algumas
  • 16. 16 das internas. Certamente, em momento oportuno, voltarei a oferecer detalhes do referido ambiente. Estive lá outras vezes para visitá-los, ainda em dezembro do referido ano, três ou quatro vezes... Por que? “Saber, eu não sei, mas desconfio de muita coisa...”, diria Riobaldo, grande memorialista, personagem do “Grande Sertão: Veredas”, obra de Guimarães Rosa. Mas e eu? Eu digo o que? Que nos gostamos uns dos outros, talvez bastasse, mas não é toda a verdade, nem o fato de que a minha relação/convivência com velhos é literalmente familiar. Já explico, em outros parágrafos. Prosseguindo, do lado materno, Morais, tive, durante a infância, a oportunidade de morar com minha avó Joaninha e com tia Maria, zeladas por minha mãe. Ambas faleceram quando eu estava na segunda infância. Meu avô um tempo depois. Com este tive pouco contato direto, por ele ter se divorciado da minha avó etc... Contudo, ainda hoje, estão presentes nas conversações em família e, conseqüentemente, no meu imaginário. Já do lado paterno é um amaranhado só. Muita gente e que vive muito. Difícil é saber, em Itiúba, minha cidade natal, de quem não se é parente. Digo isto de modo hiperbólico, é claro. Porém, um dos fatores pelos quais uma das minhas famílias, Pinto, é reconhecida na cidade é a longevidade. Um exemplo, dentre outros, a ser mencionado é o do meu avô Pedro Batista Pinto, conhecido como “Piroca, do Lino”, vaqueiro e trovador, nascido em 1907 e falecido em 2007. Por ser da família, e atender a outros requisitos como ter alguma experiência com entrevistas, pois já trabalhava há três como locutora na GPS Publicidade, rádio a fio, sob a direção do Sr. Giosvaldo Porto Silva, “Doutor”, fui convidada pelo Sr. Humberto Pinto de Carvalho para participar de um projeto. Este consistia em registrar oralmente, em fitas K7, com a finalidade de montar um acervo, as memórias dos moradores mais velhos da cidade ou que tiveram alguma participação relevante em fatos históricos, de modo geral.
  • 17. 17 Em 1998, eu tinha 17 anos e contava com a boa vontade e entusiasmo do meu pai, que ficou encarregado de me ajudar não apenas nos deslocamentos, já que iríamos à moradia das pessoas, mas a colher o material de nossa pesquisa. Isto considerando que ele conhecia e era conhecido de todos os prováveis entrevistados. Aceitei a proposta imediatamente. Cheguei até a receber carta-roteiro e recursos materiais encaminhados pelo Sr. Humberto, todavia, não pude realizá-la, por estar cursando o Estágio Regencial do Curso de Magistério e não contar com disponibilidade de tempo. Quando aceitei a proposta tive a ousadia de crer que o contato com agulhas e lãs pudesse aguçar não apenas meus olhos, meus dedos. Mas isso para todos os meus sentidos para as delicadezas e também para asperezas de tramas outras, para o manuseio de instrumentos outros, tendo em vista a complexidade da narrativa de si e do outro enquanto sujeitos de um contexto social determinado. Ah, juventude! Se não tive, de Aracne, a ousadia, também não tive a sua miserável sorte de pobre aranha condenada aos limites à sua teia... Confesso que, ao passar dos anos, meu desejo de realizar o projeto desapareceu completamente, assim como outros desejos, mas surgiram outros e ainda outros se tornaram mais intensos, como o desejo de ler e de escrever, por exemplo. Mal de Infância? Talvez... Enfim, com justificativas, mas sem ressentimento, devolvi o material que havia recebido ao remetente e comuniquei-lhe que não mais realizaria a atividade. Examinando cuidadosamente a minha tecitura, percebo que os furos e tons amarelecidos fazem parte da história das nossas vidas. A maioria dos idosos daquela lista já está morta. Meu querido avô, inclusive. Só agora percebo o que me recusei a fazer... Adoraria ter em minhas mãos aquele casaco esburacado no punho esquerdo e amarelecido pelo tempo, mas já não há casaco algum. Se hoje escrevo, é porque reconheço que o entusiasmo pelo qual fui tomada no Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, ao conversar com aqueles velhos, é um
  • 18. 18 sentimento que transpassa e vai além de sapatinhos e blusas de tricô que aprendera a fazer quando era uma menina, uma menina tecelã. É o mesmo entusiasmo que sentia ao ouvir as cantigas, os “causos”, as histórias contadas por painho. Essas histórias que, misteriosamente, ainda ressoam em minha mente, o que, de alguma forma, creio eu, vem preparando os meus ouvidos para a diversidade de notas e intervalos que compõem a partitura das vivências humanas... Sei que a minha pena, por muitas vezes, seguirá vieses e improvisos, obviamente, não lineares nem, ao menos, harmoniosos porque minha escritura sou eu e também outros, sendo, num só instante, memória, presente e projeto. E, por fim, que a escritura de minhas lembranças seja o primeiro acorde na tessitura da memória dos já mencionados velhos. Objetivamos, neste trabalho, colher e analisar memória de velhos, dito especificamente, suas lembranças acerca da família, infância e escola. E acreditamos em sua relevância, especialmente por dois aspectos. Pretende dar voz a sujeitos silenciados historicamente, para que possam “descrever a si próprios”, “inventar as narrativas que os definem como sujeitos da história” (COSTA, 2001, p.50) e esperamos, ainda, que os resultados possam inspirar e, até mesmo, subsidiar discussões em torno da referida temática. 1.2. Entrelaçando nós: história e memória de velhos Tem sido árdua a tarefa no sentido de buscar uma definição da história enquanto ciência. Le Goff (2003), em seu ensaio, se debruça sobre uma série de definições e questionamentos do fazer do historiador que refletem os estágios experienciados na construção dessa disciplina histórica, desde a Antiguidade aos dias atuais. De acordo com o mencionado autor, etimologicamente:
  • 19. 19 A palavra 'história' (em todas as línguas românicas e em inglês) vem do grego antigo historie, em dialeto jônico [Keuck, 1934]. Esta forma deriva da raiz indo-européia wid-, weid 'ver'. Daí o sânscrito vettas 'testemunha' e o grego histor 'testemunha' no sentido de 'aquele que vê'. Esta concepção da visão como fonte essencial de conhecimento leva-nos à idéia que histor 'aquele que vê' é também aquele que sabe; historein em grego antigo é 'procurar saber', 'informar-se'. Historie significa pois "procurar". É este o sentido da palavra em Heródoto, no início das suas Histórias, que são "investigações", "procuras" [cf. Benveniste, 1969, t. II, pp. 173-74; Hartog, 1980]. Ver, logo saber, é um primeiro problema. (LE GOFF, 2003, pg. 17) Observamos que, nas línguas românicas e em algumas outras, a palavra “história” apresenta dois, senão três, conceitos distintos. Na primeira, no intuito para se constituir em ciência, a ciência histórica, tradicionalmente associada a Heródoto, está à procura das ações realizadas pelos seres humanos. Na segunda, o objeto de procura é o que os seres humanos realizaram, requerendo uma série de acontecimentos, a narração desses acontecimentos. Ainda pode apresentar um terceiro sentido, o da narração, que pode ser verdadeira ou falsa, puramente imaginária (fábula) ou baseada na “realidade histórica”. Como num jogo de espelhos, ao longo dos tempos, equívocos quanto à designação e uso do termo têm sido mantidos. (LE GOFF, 2003). Seguindo o viés cronológico, pontuamos que, no século XVIII, com o advento do pensamento iluminista, emergiu uma concepção da história que supervaloriza a racionalidade, propagando a crença, a partir da idéia de progresso, numa ciência capaz de conduzir a verdades objetivas e absolutas. A Ciência foi estabelecida como única forma de conhecimento. A memória, sendo constituída a partir da subjetividade, sob essa perspectiva não mais é uma fonte confiável para a produção do conhecimento científico. De posse desse estatuto, a história deixa de considerá- la, a memória, fonte segura de conhecimento (FREITAS; BRAGA, 2006). Em contrapartida, durante o século XIX, emergiram, prolificamente, inúmeras definições de história derivadas de embates epistemológicos, teóricos e metodológicos, travados por estudiosos, na tentativa de abarcar ou delimitar o objeto dos Ciência, disciplina e afazeres do historiador. Este século é decisivo porque, além de atualizar o método crítico dos documentos que interessam ao historiador, pelo ensino e pelas publicações, difunde esse método, e divulga os seus resultados
  • 20. 20 unindo história e erudição. Em resumo, para este período, “a obra do historiador é uma forma de atividade simultaneamente poética, científica e filosófica” (LE GOFF, 2003, p. 37). Pontuamos que, em decorrência de inúmeros fatores, a crença em um progresso contínuo, linear, irrevogável, ainda na metade do século XX, mostrou-se insustentável. Com a inauguração de um novo conceito de temporalidade, proposto pelos Annales, apresentando olhares mais críticos sobre a história, a percepção de que no universal também reside fragmentário, o tempo histórico encontra, com mais refinamento, o tempo da memória. Possibilita, assim, uma transversalidade, amparada em conceitos oriundos de outras ciências sociais como a Antropologia e a Filosofia. Acrescente-se a isso as experiências individuais e coletivas que contribuíram para a incorporação da noção de tempo múltiplo, vivido, relacional, desse modo, a abertura para a contextualização, problematização de conceitos mais amplos como mudanças culturais, transformações sociais, e indicaram ser o factualismo insuficiente para a compreensão dos fenômenos históricos. ( LE GOFF, 2003). Considerando que a História é ancorada na construção de referências de grupos sociais diversos a respeito do passado e presente, respaldados nas tradições e atados às mudanças culturais, não se pode pretender estabelecer os fatos como efetivamente ocorreram. Isto tendo em vista que coexistem várias leituras possíveis sobre o uso da memória para a interpretação histórica. Alertamos que, nas Ciências Humanas, a memória não pode ser tida como um processo de caráter acessório, parcial e limitado de lembrar fatos passados. Ao mesmo tempo em que a História convive com uma insuficiente discussão historiográfica, notamos uma crescente revalorização da memória tanto no âmbito individual quanto na esfera coletiva. E sua relação com a história tem suscitado calorosas discussões teóricas por a memória estar, de certo modo, imbricada nos objetivos e fundamentos do ofício do historiador. (FREITAS; BRAGA, 2006). A partir das contribuições oferecidas pela Ciência Histórica, ao longo do tempo, foi possível, através de uma leitura racional da própria História, constatar-se
  • 21. 21 a dinamicidade das estruturas por ela estudadas e a observância quanto à rigorosidade metodológica na apreensão do objeto. Entretanto, o seu decurso gera certa desconfiança quanto à adoção de um modelo de historicidade que se pretenda universal e que ainda atente para as idiossincrasias e diversidades de representações produzidas pelas Sociedades. (FREITAS; BRAGA, 2006). Como resultado das transformações historiográficas, a Memória tem sido entendida como um elo, uma ponte interrelacional com a História. Este intercâmbio propicia, em contrapartida, a instrumentalização do discurso historiográfico, tornado menos mecanicista, priorizando a subjetividade, emergindo o narrativo, o humano. Em tempo, alertamos que, embora o estudo da memória possa ser abarcado por uma diversidade de ciências como a Psicofisiologia, a Neurofisiologia, a Biologia, a Psiquiatria etc.., “por sua propriedade de guardar informações”, nos remete, “especialmente, às funções psíquicas, com as quais podemos atualizar impressões ou informações passadas ou como representamos como passado”. (LE GOFF, 2003, p. 423) Neste trabalho, ocupamo-nos da memória tal qual ela aparece nas Ciências Sociais / Humanas, de modo transdisciplinar, abordando tanto seus aspectos individuais quanto coletivos. Dito isto, gostaríamos de tecer algumas considerações sobre a velhice, tendo em vista que nosso trabalho versa a respeito da memória de velhos. O envelhecimento da população tem se tornado um fenômeno que afeta países de todo o mundo indiscriminadamente. O aumento da expectativa e do tempo de vida da população tem inspirado discussões acerca desse processo e suas implicações. Isto atentando para questões relativas á qualidade de vida e com a própria compreensão dos idosos sobre esse fenômeno. Entendemos que o envelhecimento é um processo que, no plano individual, implica múltiplas trajetórias de vida e, no plano coletivo, se constrói sob diferentes influências de ordem sociocultural, tais como: acesso a oportunidades educacionais, adoção de cuidados em saúde, e realização de ações que acompanham o curso da
  • 22. 22 vida e se estendem às fases tardias da vida, como a velhice. (SIQUEIRA; BOTELHO; COELHO, 2002). Embora se constitua numa das maiores conquistas do século, chamamos atenção para a falta de estrutura e política pública adequadas para lidar com as mudanças decorrentes de tal crescimento demográfico, especialmente no âmbito do trabalho, para a independência e autonomia funcional, saúde, urbanismo etc.., que privilegiem o idoso. Além disto, lembramos que, freqüentemente, o processo de envelhecimento tem sido simplificado, entendido a partir de representações e estereótipos negativos, exclusivamente relacionado com as perdas e a inutilidade. Em contrapartida, têm sido feitos estudos mostrando as experiências de envelhecimento bem sucedido, onde grupos de convivência de idosos, clubes da terceira idade dentre outros, possibilitam, coletivamente, a reconstrução das representações do envelhecimento e da velhice. (VELOZ; NASCIMENTO- SCHULZE; CAMARGO, 1999). Por reconhecemos que a velhice contempla uma pluralidade de experiências individuais e coletivas, admitimos a dificuldade de encerrá-la, simplesmente, num conceito ou noção. O que fica para nós é a possibilidade de confrontar diferentes experiências de envelhecimento, no intuito de determinar razões de suas diferenças e similitudes. Da experiência dos velhos emerge a essência de nossa Cultura. Eles, por serem, em certa medida, guardiões do passado, representam o elo entre esse e o presente. Pelo estudo da lembrança de idosos, nos é dada a possibilidade de conhecer fatos ocorridos, bem como costumes, enfim, uma pluralidade de quadros sociais e culturais determinados. “A memória dos velhos desdobra e alarga de tal maneira os horizontes da cultura que faz crescer junto com ela o pesquisador e a sociedade em que se insere” (BOSI, 2003, p.199)
  • 23. 23 2. A COSTURA: PONTO A PONTO. 2.1. A pesquisa Optamos, neste trabalho, por estudar memória de velhos, definidos como homens e mulheres com idade a partir de 60 anos, moradores do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo, em Senhor do Bonfim, no intuito de colhermos lembranças a cerca de suas vivências. Aportamo-nos na História Oral por considerá-la apropriada ao nosso objetivo, não só durante a colheita dos depoimentos, como também pela possibilidade de estabelecer laços e de exercitar a escuta sensível das narrativas do outro e, neste caso específico, um outro em idade avançada, longe do burburinho do cotidiano. Nesta visão, ele vive numa espécie de exílio brando, onde vive tratado com simplicidade e zelo, mas afastado de suas origens e do convívio familiar, num momento da vida em que as incertezas e os medos, o que o torna mais carente afetivamente. A História Oral: Recupera aspectos individuais de cada sujeito, mas ao mesmo tempo ativa uma memória coletiva, pois, à medida que cada indivíduo conta a sua história, esta se mostra envolta em um contexto sócio-histórico que deve ser considerado. Portanto, apesar de a escolha do método se justificar pelo enfoque no sujeito, a análise dos relatos leva em consideração, [...], as questões sociais neles presentes. (OLIVEIRA, 2005, p. 94). Considerando que a Memória é uma construção não apenas individual, mas coletiva, neste labirinto que é a produção de saberes e conhecimentos, escolhemos, através da História Oral, seguir os fios rememorativos oferecidos por nossos idosos, em suas lembranças de família, de infância e escola. E ainda acrescentamos que, de acordo com Thompson (1992), as pessoas idosas podem ser especialmente beneficiadas com a História Oral, porque elas freqüentemente são indivíduos “ignorados e fragilizados economicamente [e através da história oral], podem adquirir dignidades e sentido de finalidade ao rememorarem
  • 24. 24 a própria vida e fornecerem informações valiosas a uma geração mais jovem” (p. 33). 2.1.1. Os instrumentos: A entrevista: Elegemos a entrevista como o instrumento precípuo da nossa pesquisa. Para Thompson: “o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar faz o passado surgir no presente de maneira extraordinariamente imediata. As palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas por isso mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na história”. (THOMPSON, 1992, p.41)”. Alberti (2008, p.101) descreve uma entrevista como, primeiramente, “uma relação entre pessoas diferentes, com experiências diferentes e opiniões também diferentes, que têm em comum o interesse por determinado tema, por determinados acontecimentos e conjunturas do passado”. Começa no planejamento, passando pela escolha dos depoentes e confecção do roteiro de questões propriamente dito. Para tanto, é imprescindível que o pesquisador / entrevistador tenha o entendimento de que “as pessoas são diferentes, cada uma tem suas próprias maneiras de ser e de pensar e, diante de um gravador, podem ter as mais diversas reações” (SANTOS; ARAÚJO, 2007, p. 197). A carta cessão Documento indispensável para garantir a legalidade do uso da entrevista, a carta de cessão deve dispor tanto da gravação quanto do texto final, devendo explicitar as possibilidades e limites para o eventual uso posterior do material produzido. O controle e o uso (do todo ou parte do material) devem ser vinculados à instituição que tem a guarda das gravações. (MEIHY; HOLANDA, 2007).
  • 25. 25 Conseguimos as assinaturas dos depoentes, escreveram com certa dificuldade motora, mas de modo legível. Infelizmente não obtivemos as assinaturas das duas depoentes. Uma esboçou o próprio nome, porém de maneira ilegível porque segundo a mesma “ficou nervosa”. Tentou-se tranqüilizá-la, imprimindo mais cópias e dizendo que poderia tentar o quanto quisesse, contudo depois de algumas tentativas, ela perguntou: “Posso colocar o dedo? [...] É por causa das vistas”, justificando a sua dificuldade em enxergar mal. Assentimos. Já a outra relatou que freqüentou a escola, contudo não quis tentar assinar, disse: “não lembro mais de nada, tem muito tempo”. Para resolver o impasse, usamos almofadas para carimbos para colher as impressões digitais. Como testemunhas assinaram o Senhor João Fernandes, presidente do Centro Espírita e Dona Nivanilda Dias da Silva, funcionária do Lar. Ainda nessa fase fora necessário recorrer à Ata de Admissão à procura da data exata da entrada dos depoentes no Lar, bem como de números de RG ou CPF, para preencher os dados exigidos da carta de cessão.
  • 26. 26 CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL PARA A UNEB/CAMPUS VII-SENHOR DO BONFIM 1.Pelo presente documento,.................................................................................... brasileiro (a)............................... (estado civil),............................................., (profissão), carteira de identidade nº............................................., emitida por...................................., CPF nº. ................................................, residente e domiciliado (a) em .................................................................................................... ............................................................................................................................. ..... cede e transfere neste ato, gratuitamente, em caráter universal e definitivo à UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) a totalidade dos seus direitos patrimoniais de autor sobre o depoimento oral prestado no dia........................, perante a pesquisadora ........................................................................................... 2. Na forma preconizada pela legislação nacional e pelas convenções internacionais de que o Brasil é signatário, o DEPOENTE, proprietário originário do depoimento de que trata este termo, terá, indefinidamente, o direito ao exercício pleno dos seus direitos morais sobre o referido depoimento, de sorte que sempre terá seu nome citado por ocasião de qualquer utilização. 3. Fica, pois, a UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) plenamente autorizada a utilizar o referido depoimento, no tido ou em parte, editado ou integral, inclusive cedendo seus direitos a terceiros, Brasil e/ou no exterior. Sendo esta forma legitima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses, assinam o presente documento em 02 (duas) vias de igual teor e para um só efeito. .................................................................................... Assinatura legível do cedente TESTEMUNHAS: ____________________________ _____________________________ Nome legível Nome legível CPF: CPF:
  • 27. 27 Após o recolhimento das assinaturas ou equivalente dos depoentes e testemunhas, mediante carta cessão, conforme exposto nos parágrafos anteriores. Fizemos uso de roteiros para as entrevistas, que foram organizados em um guia contendo dois blocos. O guia das entrevistas BLOCO I – IDENTIFICAÇÃO DA FONTE: No primeiro bloco foi utilizada uma ficha de identificação dos depoentes. Esta etapa das entrevistas ocorreu sem transtorno significativo. Marcou-se com antecedência a visita e, com a ajuda dos depoentes, recolheram-se dados para a elaboração do quadro de identificação, necessários à caracterização dos mesmos. Na oportunidade, fotografamo-los, mediante consentimento. Durante a sessão, demonstraram desenvoltura e contentamento ao posarem e ao se reconhecerem nas imagens da câmera digital. Ainda neste momento, aproveitamos para testar, com os depoentes, pela primeira vez, o gravador e o microfone. Surpreendentemente, foi um instante de descontração, em que acharam interessantíssimo ouvir a própria voz, esboçando sorrisos e expressões de admiração. Optamos por um gravador de voz digital de memória flash, display LCD, marca Nakashi, modelo PDR3-489, com peso 36 gramas e tamanho 105 x 30 x 19,5mm, que funciona com duas pilhas palito AAA, grava até 8:00h de conversação, além de vir com microfone do tipo lapela e fones de ouvido o que tornou menos complexa a posterior transcrição.
  • 28. 28 ROTEIRO DE ENTREVISTA Por ........................................................................... Assunto: ................................................................................................................................ ........ 1° BLOCO: Identificação dos entrevistados Data:............................... horário do início:........................................................ Local:............................................................................................................................. Nome:............................................................................................................................. Etnia:....................................................................................................................... ....... Idade:...................anos / data de nascimento:.......................................................... Posição no grupo familiar:.............................................................................................. Filiação:......................................................................................................................... Local de nascimento:.................................................................................................... Estado Civil: ................................................................................................................. N° de filhos:..............................(feminino) .............. (masculino)................................. Religião:........................................................................................................................ Escolaridade:.......................................................................
  • 29. 29 BLOCO II – AS QUESTÕES DO CORPO DA INVESTIGAÇÃO: O segundo bloco de entrevistas foi agendado observando-se a escolha dos administradores do Lar. Foi realizado no turno vespertino, atentando para o conforto dos depoentes, já que no período matutino é feita a higienização do local além de serem desenvolvidas outras atividades como higiene pessoal dos pacientes, refeições e medicação. Chegamos após o almoço e, mais uma vez, testamos o material técnico com cada um deles antes da colheita dos depoimentos. O roteiro foi assim composto: BLOCO II – As memórias 1. A FAMILIA Fale sobre os seus pais. E os seus irmãos? Como era o convívio com sua família? 2. A INFÂNCIA O senhor (a) lembra como era a sua casa? E o quintal? O senhor (a) lembra como era a sua rua? Fale sobre os seus amigos. Como eram que as crianças brincavam, e quais as brincadeiras? 3. A ESCOLA Fale sobre os seus colegas. Como eram os seus professores? Onde se localizava a sua escola? Quais eram as atividades de ensino? Como eram as brincadeiras na escola? Como eram as festas da escola e os castigos?
  • 30. 30 2. 2. As Fontes 2.2.1. Fontes orais: De acordo com Benjamim (1994), sempre houve dois tipos de narrador. Um é o que vem de fora e narra suas viagens. Outro é o que ficou e conhece sua terra, seus conterrâneos cujo passado o habita. Suas experiências geram conhecimento do qual tira o conselho. A arte da narração não está confinada nos livros, tendo veio épico oral. O narrador tira o que narra da sua experiência, transformando em experiência aos que o escutam. O, conhecendo seu ofício, tem como dom o conselho, abarcando uma vida inteira. Há algo de sagrado na atmosfera que envolve o narrador. Da experiência advém o dom da narrativa. Do sofrimento retira sempre uma lição. A sua dignidade está em contá-la, sem temor, até o fim. Como forma artesanal de comunicação, a narração objetiva transmitir o acontecido em sua essência, tecendo, alcança o objeto e lhe confere uma nova forma, uma boa forma. Contando a circunstância em que foi testemunha do acontecido, começa a sua narrativa. Cada história contada está inscrita na sua própria história. “O narrador é o homem que pode deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida [...] O narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo” (Benjamim, 1994, p. 221). Considerando que depoentes são narradores, não nos preocupamos especialmente com amostragem, já que partimos de pressupostos qualitativos para a escolha desses. Fomos guiados pelos objetivos da nossa pesquisa, tendo em vista que o nosso trabalho consiste no estudo da memória de velhos, elegemos a velhice como condição, pois acreditamos que o dom da narrativa surge das dores, das vivências e do resultado extraído delas. Ancorados nesse recorte, elencamos dois homens e duas mulheres, pertencentes à faixa etária igual ou superior a 60 anos, critério cronológico estabelecido no Estatuto do Idoso1. Isto por entendermos que 1 Lei Federal nº. 8.42/94; 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
  • 31. 31 experiências diversificadas quanto ao gênero ampliariam e enriqueceriam o nosso trabalho. Consideramos aspectos como as condições físicas e psicológicas dos atores e ainda a disponibilidade real para participação nas entrevistas. 2.2.2.Caracterização dos Depoentes: Fig 01: Senhor João Xavier Dias (1928): Foto de caracterização do depoente; João Xavier Dias: Brasileiro, filho de Anna Xavier Dias e Baldoíno Dias, natural de Pirajuí, São Paulo, nasceu no dia 15 de outubro, tem 81 anos. Caçula de cinco filhos, dois Disponível em: http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/idoso_L10741.pdf.
  • 32. 32 irmãos e duas irmãs. Aos seis meses, devido à morte do pai, a família voltou para a Bahia, onde estudou até o terceiro ano primário. Afirma que, quando jovem, trabalhou como balconista de farmácia, no Rio de Janeiro, como operário em uma fábrica nitro-química, em São Miguel Paulista, e que, de volta à Bahia, “tomou conta de quartos” na Caraíba Metais, em Jaguarari. É solteiro, não tem filhos, é católico, aposentado, foi trazido ao Lar por um amigo no dia 21 de janeiro de 2008. Fig. 02: Raul Gomes (1932): Foto de caracterização do depoente; Raul Gomes: Brasileiro, nascido em 18 de abril, em São Luiz do Quitunde, Alagoas, criado em Maceió, capital do Estado, tem 77 anos. Caçula, num total de cinco, duas irmãs e dois irmãos, filho de José Melquides Gomes e Augusta Cula, estudou até a quinta
  • 33. 33 série ginasial. Tem formação católica. Como profissão afirma ter sido sempre viajante, representante de fábricas de doces, sem vínculo empregatício formal. É aposentado. É solteiro, contudo afirma que tem duas filhas residentes em Juazeiro, mas não mantêm contato. Ainda segundo o seu depoimento, elas não sabem onde ele está. É morador do Lar desde 01 de junho de 2006. Fig. 03: Edvalda Maria de Jesus (1936): Foto de identificação da depoente; Edvalda Maria de Jesus: Brasileira, natural de Saúde, Bahia, nascida em 10 de setembro, filha mais velha de Adelina Josefa Maria de Jesus e de José Lopes da Silva, irmã de Joaquim, Adolfo, Nilton, Euclides e Laura, tem 73 anos. Lavradora, não alfabetizada, é católica, foi “casada no padre”. É viúva, pensionista, afirma ter tido nove filhos. Cinco
  • 34. 34 deles faleceram, já os outros vivem em São Paulo, Gildásio, Everaldo, Maria de Lourdes, em Brasília, e Manoel que mora na Água Branca. Chegou ao Lar trazida por um sobrinho, no dia 12 de abril de 2008. Fig 04: Joselita Roque da Silva (1932): Foto de identificação da depoente; Joselita Roque da Silva: Filha de Tertuliano Luiz da Silva e Bárbara Francisca Dias, nasceu no dia 03 de julho de 1932, em Canavieiras, Município de Campo Formoso. Irmã mais velha de dois irmãos, tem 77 anos. Estudou até a terceira série do primário. Viúva, era doméstica, teve apenas um filho “de criação” que atualmente reside em Juazeiro, e vem visitá-la “de vez em quando”. É aposentada. Foi trazida ao Lar por uma
  • 35. 35 sobrinha que também é sua afilhada, com quem morava numa casa junto com um dos irmãos, também já idoso, em Senhor do Bonfim. A coleta de depoimentos: “A fim de produzir melhores condições para as entrevistas, o local escolhido é fundamental. Deve-se, sempre que possível, deixar o colaborador decidir sobre onde gostaria de gravar a entrevista.” (MEIHY; HOLANDA 2007). Seguimos rigorosamente a esta orientação. O primeiro a ser entrevistado foi Sr. João Dias, que escolheu o próprio quarto, embora o quarto fosse coletivo. Os outros internos, pensamos, não causariam problemas, e não causaram. Contudo, por uns instantes é possível ouvir a voz de uma das enfermeiras falando com os pacientas a fim de dar-lhes a medicação e isto provocou desconcentração na entrevista, mas apenas momentânea. O quarto era arejado e o Sr. João conversou com desenvoltura e, apesar de dizer que não se lembrava nada da infância, ofereceu testemunhos valiosos. Os três seguintes a serem entrevistados foram Sr. Raul, D. Edvalda e D. Joselita, respectivamente, o local escolhido foi a sala da diretoria. Nestes casos, alguns problemas surgiram, como ser a sala quente, escura, apertada. Arranjou-se um jeito de acomodá-los confortavelmente, mas não ligamos o ventilador para que não interferisse na captação do áudio. Para a entrevista, fizemos uso de banquinhos, postando-se abaixo do plano dos entrevistados. Resolveu-se parar de fazer anotações e passar a apenas concentrar nos depoentes. A porta, que estava entreaberta, se abriu ainda mais e, nas gravações é possível ouvir além de ruído dos internos conversando, boa parte de uma novela televisiva. Gostaria de ressaltar que os transtornos mencionados não provocaram problemas que conduzissem a erros perceptíveis, fora o incômodo na condução das entrevistas. Com os depoimentos colhidos, passou-se à transcrição. Inicialmente, transferiram-se os dados para o computador, que também foram gravados em mídia. Para a audição, usamos o programa Windows Média Player e fizemos parte da
  • 36. 36 digitação diretamente, contudo, devido à dificuldade de entendimento de algumas frases e ou palavras tornou-se necessário uso de fones, sendo realizada, primeiramente, transcrição a mão para posterior digitação do material. Foi necessária conferência repetida para garantir a fidelidade do transcrito, bem como a sinalização dos gestos e expressões capturados durante as entrevistas. A transcrição é o processo em que se assegura a formatação do corpo documental a ser trabalhado pelo pesquisador. Em tempo, embora reconheçamos a necessidade da transcrição literal, chamamos a atenção para o fato de que trata de uma das etapas na feitura do texto final. Pela textualização a narrativa é valorizada “enquanto um elemento comunicativo prenhe de sugestões” (MEIHY, 1991:30-1 apud MEIHY; HOLANDA, 2007, p160). 2.2.3 Fontes escritas: As fontes escritas foram imprescindíveis na tecitura do nosso trabalho. Além de livros, valemo-nos de artigos e outras fontes documentais como, por exemplo, Leis que versam sobre idosos e ainda o Estatuto do Centro e do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo. Dentre as fontes referenciais utilizadas destacamos: Ariès (1981) - Em sua obra apresenta duas teses, na primeira delas esboça uma interpretação das sociedades tradicionais e na segunda aponta o novo lugar assumido pela criança e a família em nossas sociedades industriais. Onde pudemos acompanhar o surgimento e mudanças nas configurações do que passamos a chamar de “idades da vida”. As idades da vida não correspondiam apenas a etapas biológicas, mas a funções sociais o que lhe garante historicamente um caráter notadamente sociocultural. Indispensável para a ampliação do nosso entendimento quanto ao surgimento do que denomina sentimento de família e de infância. Alberti (2005) - O Manual de história oral foi constituído a partir das experiências do programa de História Oral do CPDOC e como todo manual, estabelece um universo de procedimentos possíveis e serve de modelo para
  • 37. 37 aplicações práticas. Pelo seu valor instrumental foi referência e guia de constante de orientação tanto nas etapas de elaboração do nosso projeto quanto nas análises do nosso trabalho, por trazer a História Oral como uma atividade interdisciplinar, na qual são imprescindíveis o rigor da pesquisa científica e a sensibilidade no processo de indagar, questionar, reconstituir a dimensão e a consistência do que nos fora, de modo cúmplice, revelado. Benjamin (1994) – Vale esta obra especialmente pelo que tange á caracterização do narrador e esclarecimentos quanto à natureza da narração ou arte de narrar, como algo que brota das experiências e gera conselho, sabedoria. Bosi (1994). - Obra, sobretudo, poética, sem deixar de contemplar o teórico, o social e o político na colheita e análise das memórias dos velhos. Teve em moradores da Cidade de São Paulo os objetos de seu trabalho, confeccionado com sensibilidade e cientificidade. Foi, ao mesmo tempo, inspiração e ferramenta para o desenvolvimento de nossas atividades. Halbwachs (2006). – Servimo-nos de seus estudos sobre a Memória. Especialmente porque considera memória não apenas como evocação de individual, mas como reconstrução coletiva. Também, neste trabalho distingue Memória histórica de Memória coletiva. Seguindo as direções apontadas pela consciência coletiva e individual, discorre sobre o desenvolvimento de diversas formas de Memória, que adquirem formas diferentes conforme os objetos que elas implicam. Le Goff (1990). - Teve indispensável serventia quando trabalha com conceitos como História e Memória e suas relações sob uma perspectiva história. Machado (2007). - Paulo Batista Machado é licenciado em filosofia, história e teologia. Mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia (1990) e Ph. D em Educação pela Universidade do Quebec em Montreal (1999), concluiu o pós- doutorado na universidade Federal da Bahia, atualmente é professor titular do Instituto Superior de Teologia e pastoral de Bonfim e professor titular da
  • 38. 38 Universidade do Estado da Bahia. Publicou diversos artigos em periódicos especializados e alguns trabalhos em anais de eventos. Possuiu livros publicados nos domínio da poesia, educação e história. A obra “Notícias e saudades da Villa Nova da Rainha”, aliás, Senhor do Bonfim, discorre sobre aspectos geográficos, sociais, políticos, econômicos, demográficos e culturais do referido município, nos auxiliando especialmente no histórico e caracterização do lócus de pesquisa. Meihy; Holanda (2007). - Introdução abrangente e exemplificada, a fim de facilitar o debate sobre como abordar: memória, identidade e comunidade, matérias- primas da história oral. Temos aqui um roteiro em que a experiência prática se articula às ponderações teóricas de maneira que uma justifica a outra. Thompson (1992) - Trata de como fontes orais podem ser coletadas e utilizadas pelos historiadores. Contudo, também provoca historiadores a se questionarem sobre o que estão fazendo e por que, considerando que as atividades por eles exercidas estão inevitavelmente imbricadas num contexto social e que tem implicações políticas. Daí sua importância teórico-metodológica. A tomada de consciência da dimensão política do nosso trabalho, sobretudo da adoção de uma perspectiva crítica, quanto aos limites e possibilidades da História Oral foram certamente norteadores durante a execução das nossas atividades de pesquisa.
  • 39. 39 2.3. Local da pesquisa: O Município de Senhor do Bonfim 2.3.1. A localização do Município Mapa 01: Mapa do Território de Identidade 25- Piemonte Norte do Itapicurú, Bahia, 2007. Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/site/geoambientais/cartogramas/territorio_identidade/pdf/piemonte_norte_itap icuru.pdf;
  • 40. 40 O Município de Senhor do Bonfim fica situado no Piemonte Norte do Território do Itapicurú, no Estado da Bahia (mapa 01). Esta micro-região compreende os Municípios de Senhor do Bonfim, Campo Formoso, Antonio Gonçalves, Pindobaçu, Jaguarari, Andorinha, Ponto Novo, Filadélfia e Caldeirão Grande, sendo atualmente classificado como Território de Identidade 25. O Município de Senhor do Bonfim, referencial desta microrregião, teve origem no final do século XVIII, relacionando-se os ciclos do ouro e do gado à sua fundação. Conforme lembra Machado (2007, p.37), “as terras desconhecidas foram conquistadas, os índios apresados, as pedras e metais precisos procurados...” Atualmente, o município conta com uma população estimada, conforme publicação do IBGE2 – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 01/07/09, em 76.113 habitantes. Dentre estes, 36.510 pessoas são do sexo masculino e 39.603 são do feminino. 2.3.2. O Asilo: O Lar dos Idosos Fabiano de Cristo Fig. 05: Fachada do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo; 2 Estimativas das populações residentes, em 01/07/09, segundo os municípios. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009_DOU.pdf.Acesso: março de 2010
  • 41. 41 Fundado em 22 de abril de 1973, inicialmente era conhecido como o Lar das Velhinhas, hoje Lar dos Idosos Fabiano de Cristo. Teve a sua primeira diretoria sob o comando dos senhores Everaldo Pereira Dantas e Gildásio Sales. Esta casa de acolhida funciona à Rua João Rodrigues, número 67, no centro da Cidade de Senhor do Bonfim, num espaço anexo ao Centro Espírita Discípulos de Jesus, o mais antigo Centro Espírita Kardecista desta municipalidade. A função desse abrigo é atender a idosos menos favorecidos dos sexos masculino e feminino. As atividades do Lar dos Idosos Fabiano de Cristo são potencializadas com recursos financeiros do Centro Espírita Discípulos de Jesus, recebendo donativos da comunidade em geral e pelo CRAS - Centro de Referência de Assistência Social (Casa da Família). Em março de 2009, a referida instituição contava com 11 (onze) funcionários, desde técnicos em enfermagem até pessoas contratados para serviços gerais, que são remunerados pelo Centro Espírita Discípulos de Jesus. O Lar tem capacidade para 25 internos e até a mencionada data contava com 20 moradores, oriundos não apenas de Senhor do Bonfim, mas de regiões circunvizinhas. Os Aspectos Legais e Administrativos do Lar dos Velhinhos: O Lar dos Idosos Fabiano de Cristo é regido por um Regimento Interno, elaborado em consonância com o art. 6º da Lei Federal nº. 8.42/94 e os Artigos 52 e 53 da Lei Federal nº. 10.741/2003 - Estatuto do Idoso. E também a Lei nº. 9013/2004, de 25 de fevereiro de 2004, que dispõe sobre a política Estadual do Idoso. É parte integrante de uma das áreas de ação do Departamento de Serviço de Assistência e Promoção Social do Centro Espírita Discípulos de Jesus, disposto num Parágrafo Único, Capítulo VI, Art. 39:
  • 42. 42 “Para execução de suas finalidades e alcance de seus objetivos sociais, o CEDJ poderá criar e gerir departamentos de serviços sociais, educacionais, etc. que se regularão através de regimento interno devidamente aprovado em ato próprio da diretoria e posterior comunicação em Assembléia. I. Tais órgãos, quando criados, serão vinculados á instituição, podendo, a fim de atender as legislações pertinentes, virem a ser cadastrados nas entidades governamentais que forem obrigados para o desenvolvimento das atividades a que se pretendem, como a inscrição no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) etc.; II. Poderão celebrar convênios, parcerias e outras formas de acordos específicos com órgão governamentais e não governamentais desde que, tenham prévios projetos elaborados e aprovados em Diretoria; II. Uma vez acordados tais compromissos institucionais, o CEDJ obedecerá e manterá escrituração contábil/financeira específica dentro das normas legais emanadas, com o objetivo de prestar contas não somente aos órgãos governamentais fiscalizadores que estiverem obrigados por lei, como também atento à conduta espírita de transparência e oralidade. Parágrafo único: em funcionamento desde abril de 1973, O LAR DOS IDOSOS FABIANO DE CRISTO, é parte integrante de uma das áreas de ação do Departamento de Serviço de Assistência e Promoção Social, regulado de acordo com Regimento Interno.”
  • 43. 43 3. CAPÍTULO I - A FAMÍLIA 3.1. Lembranças da Família Através de estudo iconográfico, Ariès (1981) tece sua tese de que a História da Família, a partir da segunda metade do Século XI, sofreu uma significativa alteração. Ilustrando a colocação com imagens colhidas em calendários, afirma que a partir do período mencionado, as imagens de família deixa de ser a do casal e seu amor romântico “cortês” ou do casal e da criança prematuramente morta e passa a associar a sucessão dos meses do ano às idades da vida. Contudo esta não representada mais em seu aspecto individual, mas sim, familiar. De acordo com Bosi (1994), o sentimento de pertencimento a um grupo é mantido pela atmosfera familiar. Já que família se constitui num grupo coeso, por ser uma espécie de unidade de mediação entre o mundo e a criança. Para Halbwachs (2006, p. 45), “a família é o grupo do qual a criança participa mais intimamente nessa época de sua vida e está sempre a sua volta”. Apesar da fixidez que as relações de parentesco possam impor, em nenhum outro espaço social nos sentimos tão singulares como dentro do ambiente familiar. Os depoimentos de alguns dos colaboradores demonstram como esses elementos tão significativos permeiam as suas lembranças: O Sr. Raul conta que é o filho mais novo de uma família de quatro irmãos (...) “Ah, sim sou o caçula”(...). D. Joselita relembra o seu animal de estimação: (...)”Eu tive um cachorro que se chamava Sultão, que morreu há muito tempo” (...) D. Edvalda revela qualidades e diferenças entre ela e a irmã: (...) “Mas, eu tinha mais saber que minha irmã legítima, irmã própria. Porque eu era terrível, não nego, sou positiva” [risos] (...) O Sr. João por sua vez lembra e conta uma acontecimento curioso sobre o nome de sua mãe: (...) “Minha mãe chamava-se Anna, de vez em quando assinava só com um “nê". Quando eu fui tirar a identidade, foi com dois “nês”, né?”(...). Ser o caçula, ter um
  • 44. 44 cachorro, “ser terrível”, ser filho de D. Anna, com dos “nês”, confere relevo, um lugar de destaque, assemelha e difere os indivíduos dentro do seio familiar. Nossos depoentes têm uma média de idade de 77 anos, nascidos entre 1928 a 1932. Foram criados no interior, exceto o Sr. Raul que embora tenha nascido no interior alagoano, fora criado em Maceió. Majoritariamente tiveram suas famílias formadas por vários irmãos, à exceção é D. Joselita, que teve apenas dois irmãos. Como instituição social, a Família tem passado por inúmeras transformações ao longo dos tempos. Adotado várias feições. Embora esteja cada vez mais rara a imagem de família numerosa que além de pais, filhos, netos, avós, tios e tinha os “agregados”. E seja cada vez é mais comum nos depararmos com famílias formadas apenas pelo casal ou com um ou dois filhos. É inegável a sua importância como guardiã e geradora de memórias. As lembranças do grupo doméstico persistem matizadas em cada um dos seus membros e constituem uma memória ao mesmo tempo uma e diferenciada. Trocando opiniões dialogando sobre tudo, suas lembranças guardam vínculos difíceis de separar. Os vínculos podem persistir mesmo quando se desagregou o núcleo onde sua história teve origem, Esse enraizamento num solo comum transcende o sentimento individual (BOSI, 1994, P. 423) 3.2. Os Pais Pela vida, levamos conosco a imagem dos nossos pais. Conforme as condições do momento presente, dos juízos que podemos fazer sobre sua época, a imagem deles, tal qual num retrato vai sendo avivada, restaurada pela memória. Pela rememoração, através de fotografias, conversas com conhecidos, amigos que freqüentava os mesmos ambientes, trabalho, pessoas que vivenciaram as mesmas histórias, somos capazes de reconstituir suas figuras. Entretanto, se não dispomos mais disso, fotografias, pessoas que conviveram conosco ou mesmo alguém disposto a nos ouvir, cada vez mais essa imagem vai amarelecendo, se apagando, sendo esquecida. (BOSI, 1994; HALBWACHS, 2006).
  • 45. 45 Nossos idosos são asilados. Durante a vida foram despojados ou perderam objetos catalisadores de recordações, como fotografias antigas. A maior parte deles não tem contato algum com parente ou amigo próximo para que possa rememorar os “tempos idos” ou simplesmente “papear”. Recebem visitas ocasionais de “amigos do lar”. A entrevista se configurou um momento para rememorar, evocar, reconstruir memórias, narrar suas vidas. Começamos pelas lembranças de família... Nos relatos de lembranças do grupo doméstico de nossos depoentes, observamos que embora a maioria dos idosos tenha ficado órfã em tenra idade, o aparecimento da figura paterna surge inicialmente como central na maioria dos relatos. O Sr. João perdeu o pai aos seis meses de idade. Então, D. Anna, viúva, mãe de cinco filhos, um recém nascido, decidiu deixar Pirajuí, cidade cafeeira do interior do São Paulo e voltar para Jaguarari, Bahia, sua terra natal, onde tinha seus familiares. Pelo diálogo, trocando informações sobe tudo, cria uma memória una e diferenciada, que pertence de modo diferente a cada um dos membros da família. Mas é, antes de tudo, uma construção coletiva. De acordo com Bosi (1994, p.425), um familiar não mais presente, distante, pode tornar-se especialmente amado, mitificado, figura a quem a família agarra-se, buscando forças, possibilitando o estreitamento de seus vínculos, o depoimento do Sr. João ao relembrar de seu pai é exemplo disso: (...)”Meu pai era bom. Era fazendeiro lá em Pirajuí. Meu pai, Baldoíno Dias, não cheguei a conhecer, me deixou com seis meses.” (...). Ainda Bosi (1994) coloca que, “na verdade, nossas primeiras lembranças não são nossas. Estão ao alcance de nossa mão no relicário transparente da família”. Em suas rememorações, D. Edvalda faz referência à autoridade paterna. Comenta como era exercida. Disse que seu pai batia, mas não era muito. Olhares e gestos de repreensão bastavam para que fosse obedecido. Seu pai se chamava José Lopes da Silva. Ela não mencionou a data nem as circunstâncias do falecimento do mesmo. Usou lugares referencias para apoiar suas memórias e nos contou onde foi sepultado (...)” Sei onde é Papinho, é quando vai para Caldeirão Grande. Tem um cemitério. Meu pai sepultou lá. E minha mãe levou o defunto por
  • 46. 46 aí”. (...) Atestando assim a importância do espaço como marco, ponto-de-apoio de suas reminiscências, como apontara Halbwachs (2006). O senhor Raul Gomes também não descreveu o pai fisicamente, mas se emociona muito ao falar da relação que tinha ele:(...) “meu pai era muito amigo. Me tratava muito bem” (...). Acrescentou gesticulando que seu pai era um homem muito educado, experiente e que conversava muito: (...)”Aí, quando chegava em casa, conversava. Conversava coisas de gente grande [risos]” (...). A figura paterna é aqui apreendida pelos traços mais etéreos, espirituais, não físicos. Talvez isso aconteça porque sua presença no lar era menos concreta, quando comparada à da mãe que estava quase sempre presente. D. Joselita relatou que foi criada pela mãe, com quem manteve um bom relacionamento até a morte desta. Ficou órfã de pai aos quatro anos idade e sobre o mesmo relatou apenas: (...) “Eu lembro que fui lá, assim. Vi ele lá no caixão, mas não tenho lembrança de nada” (...). Bosi (1994 p. 427) observa que “se nossos mortos recuam, se a distância se alonga entre nós, a culpa não é do tempo, mas da dispersão do grupo onde viveram e que sentia necessidade de nomeá-los, de chamá-los de vez em quando”. A figura materna também apareceu, nos relatos dos idosos. Caracterizada por atributos físicos, em contrapartida, prevaleceram atributos morais como comprovam os seguintes depoimentos: nas palavras de Sr. João: (...)“Minha mãe era boa, direita”(...). D. Anna Dias Xavier faleceu com 96 anos. Por sua vez, D. Joselita conta que lembra bem da sua mãe, D. Bárbara Francisca Dias. Esta faleceu depois que ela já tinha casado, e, a exemplo de Seu João, cuja mãe também era dona de casa e viúva, ressalta suas características morais ou de personalidade: (...) “Minha mãe era uma pessoa distinta, paciente, alegre”. (...). Mas suas lembranças também contemplam outra faceta da mãe. Disse que ela não teve estudo, que arrumava a casa, colocava as coisas em ordem e ainda complementou: (...) “Eu também ajudando, ajudava a varrer o terreiro, as coisas" (...).
  • 47. 47 Como elemento principal nos relatos do Sr. Raul e D. Edvalda, observamos que as lembranças estavam mais relacionadas às atividades que suas mães desempenhavam ou não no lar, na família. D. Augusta Cula, mãe do Sr. Raul, era dona de casa, contudo, ele afirma que ela não gostava dos afazeres domésticos, que não os fazia, deixava a cargo de sua irmã: (...) “Minha mãe ficava em casa sem fazer nada... ela... não gostava disso não, quem fazia era a minha irmã” (...). Em seu relato podemos identificar vestígios da “educação feminina”, aquela voltada para o lar. Esta apareceu também nos relatos de D. Joselita sobre sua participação nas tarefas domésticas, enquanto os meninos, seus irmãos, eram dispensados de tarefas: (...) “Quando pequeno era brincando por ai. Depois foram crescendo, foram tomando rumo. Aí deu para trabalharem.” (...). Nas lembranças de D. Edvalda quando a figura de D. Adelina Josefa Maria de Jesus, sua mãe, surge é associada à figura paterna, seja quando relembra a localização do cemitério onde foram enterrados, primeiro o pai, depois a mãe, seja quando relata o modo como era criados, ela e os irmãos. (...)”O pai de nós seis e primeiramente a mãe, né não? Botam a gente pra cozinhar, fazer comida, lavar roupa, gomar, ir para as roças, catar mandioca, catar andu. Fazer todo serviço” (...). Mais adiante retomou o assunto, acrescentou mais um elemento para nossa análise: (...) “Nós ia trabalhá [...]. que nem burro na carroça. Para quê? Para não pegar no alheio. Nóis não pegava no alheio. Bem nascida e bem criada.”(...). Neste depoimento, além de aparecerem as atividades realizadas na esfera doméstica, também aparecem aquelas próprias do trabalho na roça. Aparecem também a consciência do peso do trabalho e principalmente o seu valor como atividade moralizadora. 3.3. Os Irmãos As famílias dos nossos velhos, de acordo com os depoimentos recolhidos, são bem numerosas. Na família do Sr. João e, coincidentemente, na do Sr. Raul, são quatro irmãos, dois meninos e duas meninas; D. Edvalda conta que em sua casa eram cinco irmãos, quatro meninos e uma menina; D. Joselita apresentou uma família menor com apenas dois irmãos, do sexo masculino. Os irmãos são companheiros de nossa infância, com quem partilhamos os mesmos espaços e
  • 48. 48 muitas experiências, descobertas, conquistas, perdas... São histórias que guardamos e que compõem as lembranças de família. Como fora dito, D. Joselita teve dois irmãos. Um, com quem morou antes de vir para o asilo, e outro, já falecido. Em suas lembranças, eles aparecem como meninos. Meninos que viviam brincando. Sobre a convivência com eles, ela diz: (...)“Se dava bem. Às vezes teimava, mas, na mesma hora, estava tudo bem. É coisa de criança é assim, né?” (...). Bosi (1994, p.429) chama atenção para o fato de que na maioria das vezes, os irmãos são fixados na infância e que, depois, sua figura empalidece, apenas sobrevivendo no menino ou menina que foram. No depoimento do Sr. Raul, ele revelou que não conviveu muito com os irmãos porque pensavam de modo diferente. Contou que um dos irmãos era casado, uma irmã solteira, mas que moravam longe. Disse recordar da outra irmã, que morou junto com ele e sua mãe, e que hoje mora no Rio de Janeiro. Sabemos que, a partir de laços de convivência familiar, é desenvolvida uma memória coletiva, que é formada pela memória de seus membros, unificando, acrescentando, corrigindo. Contudo, é o indivíduo que relembra, por mais que deva á memória coletiva. Nas palavras de Bosi (1994, p. 411), “ele é o memorizador e, das camadas do passado a que tem acesso, pode reter objetos que são, para ele e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”. Talvez isto explique porque o Sr. Raul lacrimejou ao lembrar o irmão que morreu ainda jovem: (...)“O rapaz era Ronaldo, que morreu com trinta anos [longa pausa] Meu irmão era... muito brincalhão”(...) [silêncio]. Com o olhar distante, voz embargada, como quem fala para si e ao mesmo tempo, como testemunha e guardião desse tesouro que tem na memória, buscou num sorriso entre olhos rasos d’água transmitir, para nós, a essência de seu ente querido, em silêncio. A quietude tem sempre razões muito complexas. Há o silêncio que adotamos em situações de extremo sofrimento. Antes de qualquer coisa, precisamos encontrar ouvidos atenciosos, dispostos a escutar, só assim podemos relatar sofrimento (POLLAK, 1989). O modo como D. Edvalda se reportou aos irmãos foi, para nós, inicialmente, curioso: (...) “Joaquim, em Filadélfia; Adolfo em Ponto Novo; Nilton, em Saúde;
  • 49. 49 finada Vavá em... na Fazenda Várzea Funda e Laura em Saúde”(...). Em Bosi (1994, p.432), encontramos: “Os filhos partem, tomam seu rumo, ainda que ligados afetivamente aos pais, se dispersam geograficamente”. Mas, no caso de D. Edvalda, pudemos perceber, em seu relato, referência a vários lugares onde morou desde a sua infância, nomes como Rio das Pedras, Várzea Grande, Água Branca, dentre outros povoados da micro-região de Senhor do Bonfim, figuram como evidência de constantes deslocamentos. Um desenraizamento, finalmente, coroado com venda da terra e da casa que pertenceram aos pais, e foram adquiridas pelo seu irmão mais velho. A família, então, se espalhou pelas cidades da região. O desenraizamento é uma condição desagregadora da memória: sua causa é o predomínio das relações de dinheiro sobre outros vínculos sociais. Ter um passado, eis outro direito da pessoa que deriva de seu enraizamento. Entre as famílias mais pobres a mobilidade extrema impede a sedimentação do passado, perde-se a crônica da família e do indivíduo em seu curso errante. Eis um dos mais cruéis exercícios da opressão econômica sobre os sujeitos: a espoliação das lembranças (BOSI, 1994, p. 443). O Sr João não nos deu muitos detalhes a respeito de seus irmãos. Sabemos apenas que eram dois do sexo masculino e duas mulheres. Sobre a convivência com eles, ressaltou que era muito boa, e revelou especial afeição por um que morava em Salvador, onde costumava visitá-lo. Destacou também o lugar e a função profissional que o irmão exercia: (...) “O de Salvador era gerente da Adamastor. Você já ouviu falar da Adamastor? Meu irmão era gerente, ali na Rua Chile” (...). A tradicional loja de roupas masculinas, o Adamastor 3, vendia as roupas que os homens elegantes usavam. E teve como seu primeiro dono o pai do cineasta Glauber Rocha, cujo nome é o mesmo do estabelecimento. Ficava na Rua Chile que, por sua vez, fora aberta como Rua Direita do Palácio, em 1549, pelo primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza. Durante séculos foi a principal via urbana de Salvador, e mesmo do Brasil. Ficou famosa, no século XIX, pelas companhias que atuaram no seu teatro. No início do século XX, quando assumiu sua denominação atual, era conhecida pela sua iluminação moderna. Passaram nela a se localizar as sedes de várias lojas de luxo, os mais afamados escritórios etc... No seu apogeu, nas décadas de 1940 e 1950, os cines Glória e Guarany trouxeram 3 [http://ibahia.globo.com/sosevenabahia/ruachile.asp – Bruno Porciúncula: Rua Chile: centro de elegância, fonte de história].
  • 50. 50 os maiores sucessos de Hollywood.
  • 51. 51 4. CAPÍTULO II - A INFÂNCIA 4.1. Lembranças da Infância A narrativa dos idosos sobre a infância se aproxima, com muita clareza, do saudosismo de Casimiro de Abreu, nos versos do poema Meus Oito Anos. (...)” Infância é liberdade, eu tive uma boa infância “(...), declarou o Sr. Raul. D. Joselita sentenciou: (...)“É o que já passou. Não sei mais nem lembrar, quase, né? [pausa] Tem passagem boa, que a gente se alembra ainda, das pessoas que eram delicadas e tudo... Só isso.”(...). Como uma das idades da vida, na maioria dos depoimentos, a infância figurou como uma espécie de aurora irisada de prazeres, como disseram o Sr. João e D. Edvalda, respectivamente: (...)“A infância... A infância é... é... a pessoa que gosta de se divertir, não é? Com a memória boa... Hoje, eu tô com setenta e tantos anos, não é? Aí, na infância, a pessoa tem aquele gosto, né? De comer... De se distrair”.(...); (...)“Vixe, rapaz, era trabalhar nas roças... Naquele tempo não tinha malandragem, não. Nera não? Deste tamanhinho [gesto], eu? Aí, vá altiano... altiano... Era uma delícia e eu trabalhava por seis mulheres... Era a mais inteligente e cuidadosa. Era eu. Tô me achando veinha de idade, será que já estou caducando”?(...) Remete-se a Ariès (1981,p.36), que indica que, na velhice, segundo lembra de Isidoro, essa é assim chamada porque as pessoas velhas já não têm os sentidos tão bons como já tiveram, e caducam. Estes dois relatos deixam transparecer, inicialmente, duas questões sócio- culturais. Na primeira lembrança, a jovialidade do corpo, a alegria de ser criança, a brincadeira, a diversão, uma demonstração de que as crianças do sexo masculino tinham maior liberdade para exercitar o espaço de suas relações futuras. Já o outro relato, da senhora Edvalda, retrata um fato comum que acontece, ainda hoje, nas periferias e nas áreas rurais. É o aproveitamento da mão-de-obra infantil no trabalho. No relato, a criança, mesmo sendo do sexo feminino, estava apta ao trabalho duro da roça. Era um trabalho que, supostamente, deveria ser exercido por homens, por exigir mais força e vigor físico. Nos depoimentos, após a lembrança iluminada da
  • 52. 52 infância, a velhice apareceu amarelecida, débil, banhada por raios crepusculares. Espoliados da casa de seus primeiros afetos, do quintal, da rua onde brincaram e fizeram amizades... Asilados e envelhecidos nos ofertaram memórias repletas de sentimentos, da infância querida que os anos não trazem mais. 4.2. A casa, o quintal, e outros espaços revisitados ” Porque a casa é o nosso canto no mundo. Ela é como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda acepção do termo.” (Bachelard)4 Em consonância com Bachelard (1993), Bosi (1994), acerca da casa, indica que é aquela em que vivenciamos os momentos mais significativos, importantes da nossa infância. Afirma: Ela é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a partir dela, em todas as direções. Fixamos a casa com as dimensões que ela teve para nós e causa espanto a redução que sofre quando vamos vê-la com olhos de adulto. Para enxergar as coisas nas suas antigas proporções, como posso tornar-me de novo criança? A pergunta já está no Evangelho. Algumas pessoas, em geral os artistas, guardam essa possibilidade de remontar às fontes. (BOSI, 1994, p 435) Ao rememorar, o idoso bebe das mesmas fontes que os artistas conhecem, porque memória tem o quê do sonho, porém também do trabalho. Nisso, a lembrança é revelação e reconstrução do experienciado. Assim, numa mistura resignação e lamento, teve início o relato de D. Joselita sobre suas lembranças da casa de sua infância, do quintal. (...)“Lembro, mas tem muito tempo, já se acabou tudo...[pausa] era grande, tinha três quartos, sala, varanda” (...). Ela contou que tinha de tudo plantado no quintal: bananeira prata, cafezeiro... Revelou, inclusive, que, certa vez, teve um cachorro chamado Sultão, e que também, quando mocinha, arranjou um mico. Um mico que se chamava Preto. 4 BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.24.
  • 53. 53 Sobre o bichinho, rindo, ela prosseguiu: (...) “Ele chegava assim na cozinha e aí a gente chamava: Preto! E ele descia... E descia medonho [risos]”(...). São duas as casa de D. Edvalda. A primeira ficava no Rio das Pedras (...) “De junto de seu Angelim. Rio das Pedras... Sei onde é.” (...). Depois mudaram. Compraram outra casa, outro terreno no Itapicuru. A segunda era (...) “outra casona grande, muito grande” (...) O que a diferencia da casa de sua infância é o sentimento de luto pela perda dos pais (...) “Aí, foi onde minha mãe faleceu e meu pai”. (...) Sr. Raul relata que a casa ficava numa avenida. Não oferece mais detalhes. Resume em uma frase o que lembrou ser importante. (...) “A casa... tinha minha mãe e minha irmã.” (...). A casa evocada por ele é a casa materna, a da família. Já sobre o quintal, com entusiasmo, revelou: (...) “Ah... Tinha um quintal grande... Era ipueira” “(...) E, sorrindo, acrescentou que tinha plantas sim (...)“ Tinha coqueiro... mangueira... tinha um bocado de coisa”(...). O Sr. João, quando perguntado sobre sua casa e/ou quintal, afirmou: (...) “Disso aí eu não lembro mais não... Não... Não lembro de jeito nenhum”. (...). Quanto ao esquecimento, Halbwachs (2006, p.37) indicou que “esquecer um período da vida é perder o contato com os que então nos rodeavam”. O Sr. João se justificou, dizendo: (...) “Não vou forçar muito [riso]. Agora... Aí, eu me recordo da minha boemia...”(...). Ainda conversando com o Sr. João ele revelou que gostava de ficar na Praça Nova do Congresso: (...) “A Praça Nova tinha um Coreto... Um coreto... Era... na Praça Nova. No coreto, a gente subia por uma escada... No coreto tinha, né? Os outros lugares era... [pausa]... Às vezes ia pá Canoa passear. Essa Canoa. Igara... Só isso”(...).
  • 54. 54 4.3. As Brincadeiras Estamos acostumados a conceber a infância como um tempo reservado ao lazer, às atividades lúdicas, especialmente às brincadeiras. O Sr. Raul, num intrigante depoimento, conta: (...)“Eu não brincava, eu não brincava não... [pausa] Era difícil de brincar. Eu não tinha brinquedo não, porque... [pausa longa]. Não.. Não gostava de brincar... [silêncio]” (...). São constantes as pausas e o silêncio ao longo da narrativa. Talvez por algumas lembranças dolorosas, que o impedem de externar o pensamento a respeito do brincar, que seria inerente ao ser criança. Já o Sr. João elencou uma série de brinquedos que gostava. Às vezes era gude, outras, pião com enfieira. Também soltava raia e disse ainda que gostava mesmo era de caçar passarinho. Em suas palavras: (...) “Eu gostava de ir pro mato jogar... com... com badogue de borracha. Derrubar, né? Ééééé... Matar... [pausa] É... Caçar passarinho. Matar com badoguezinho no braço.” (...). Se no depoimento do Sr. João aprecem brinquedos e brincadeiras associados ao gênero masculino, no relato de D. Joselita, os referidos elementos foram associados, inclusive por ela, ao gênero feminino: (...) “Brincava assim, quando se ajuntava... Brincava de boneca, dessas coisinhas que menina brinca, né? A gente fazia aquelas brincadeiras no chão, no cantinho, né? De casinha, levava as bonecas tudo. Depois tornava a juntar e guardava.”(...). Em relação aos espaços utilizados para as brincadeiras, observamos a seguinte implicação, também relacionada ao gênero. É a determinação dos lugares apropriados para os meninos, sendo representados pelo mato, pela rua, e, para as meninas, o cantinho, a casa. O menino João saia para matar passarinho. A menina Joselita, depois de brincar, arrumava e guardava suas bonecas, reforçando a divisão dos espaços. O público destinado aos homens, suas lutas e atividades, e o espaço privado, a casa, local de vivência das mulheres. D. Edvalda evidenciou, em seu relato, uma situação que é comum às crianças da zona rural: o trabalho infantil. Segundo a mesma, os pais não a deixam brincar,
  • 55. 55 pois tinha que trabalhar na roça. E descreveu assim sua atividade e dos irmãos: (...) “A mãe de nós seis era Divida Maria de Jesus. Meu pai, José Lopes da Silva, não deixava [brincar]. Nós ia carpi ná enxada. Capinando, sabe? Nas roça. Nós ia trabalhá. Pa... Para... Que nem burro na carroça. Para quê...? Pra não pegar no alheio”. (...). 4.4. Os Amigos O Sr. Raul disse não se lembrar de amigos de infância. Mas relatou que, quando já era um “rapaz crescido” , tinha um amigo: (...) “Ele se chamava Edval. Val, né? Quando ia na casa dele, a gente conversava, mas a conversa era de gente grande” (...). D. Joselita revelou que tinha poucas amigas, mas relembrou uma. Disse: (...) “Me lembro... Tem muito tempo que Maria casou e foi embora, pro mundo, para esse lado das caatingas. Não vi mais nunca... Não sei nem se é viva, ainda.” (...) O relato de seu João: (...) “Ah! Me lembro... de infância... De infância... Lembro de Rafael... [pausa] Ele era da Polícia Federal... Rafael Pereira da Silva...Me lembro desse Rafael... Me lembro desse “Buck Jones”... que está em Salvador. Dos meus amigos Albérico Simões, o Catrévio... Do Aristides Simões, irmão de Albérico, dessa família, né? E do Coca, também, né? [risos]” (...)5.Segundo seu João, o amigo Coca e ele curtiram muitos carnavais em Senhor do Bonfim, na avenida que vai da Sociedade 25 de Janeiro ao Clube União e Recreio. Observamos, nos depoimentos, que apenas um ou outro amigo de infância fora lembrado. Conforme Halbwachs (2006), esquecemos quando saímos do grupo ao qual fazíamos parte, quando deixamos de pensar nele e/ou não temos meio de reconstruir sua imagem. E, ainda, que “quanto mais os grupos se tocam e se distanciam ou quanto mais numerosos são eles, mais a influência de cada um é 5 O Cel. Aristides Simões foi um dos ilustres moradores de Itiúba, conhecido por não ceder a um cerco de Lampião. Já o Coca é uma personagem pitoresca da cidade, irmão de um político desta mesma cidade.
  • 56. 56 enfraquecida.” (p.56-57) Ou, ainda, o esquecimento pode estar associado a patologias comuns ou não à velhice.
  • 57. 57 5. CAPÍTULO III - A ESCOLA 5.1. Lembranças da Escola: Atualmente, a escola é tida como um espaço especialmente destinado à socialização de saberes, à educação da criança. A infância, por sua vez, carrega a prerrogativa de ser o “tempo da escola”. Todos os depoentes passaram pelo processo de escolarização. D. Edvalda freqüentou a escola por apenas seis meses. O Sr. João e D. Joselita cursaram até o terceiro ano. Finalmente, o Sr. Raul estudou até a quinta série. O Sr. João estudou em Senhor do Bonfim, no Prédio Escolar Austricliano de Carvalho6, situado ao lado da Catedral. (...)“Ali li naquele prédio escola. Não tem aquele prédio? Não tem a Igreja? Vivia no colégio... Essas coisas. Assim, nesses colégiozinhos... Estudando, que minha mãe mandava. Somente isso. Não tive num ginásio, nem nada. Entendeu como é?.. Até o terceiro ano”. (...). Dona Joselita estudou em Campo Formoso e D. Edvalda no povoado de Rio das Pedras, em Pindobaçu; (...) “Eu estudava com doze anos. Mas, hoje, pelejo... Pelejo para escrever e não sai. É porque, naquele tempo, naquela situação... Ano muito velho pra caramba. Povo reduzido... Reduzido. Botava só pra ir pás roças.”(...). No passado, a quase totalidade das famílias da zona rural tinha pouco interesse na escolarização das mulheres. Estas estavam destinadas ao trabalho doméstico, à criação dos filhos e cuidados com a casa e o marido. Daí, a senhora Edvalda dizer que a sua escolaridade durou somente seis meses: (...) “direto p’as roças... Direto. Sim, só seis meses, eu... E olhe lá” (...). O Sr. Raul, alagoano, embora não tenha explicitado a idade em que foi à escola, o seu depoimento deixa algumas pistas. Primeiramente, não era mais 6 Engenheiro Austricliano de Carvalho, chefiou a política e 1893 (...) Autor do projeto que doou a Bonfim 500 hectares de terra, onde está edificada a cidade e 100 hectares a Missão do Saí.(...)”. MACHADO, Paulo Batista. Senhor do Bonfim: minha rua , minha história. Salvador: Editora UNEB, 2004.