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BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS: uma reflexão sobre seus
modelos.
http://www.sibi.ufrj.br/dodebei.doc
Vera Lúcia Dodebei1
Elaine Baptista de Matos Paula2
Márcia Valéria Brito Costa 3
Isabel Arino Grau4
RESUMO
Discute os modelos estruturais e funcionais adotados pelas
bibliotecas universitárias brasileiras, considerando os fundamentos
teóricos, a evolução histórica da relação bibliotecas e universidades, as
tentativas de modernização da década de oitenta, enfocando o modelo
sistêmico como uma solução alternativa para resolver a dicotomia da
especialização/interdisciplinaridade e indicando pontos que deverão
ser levados em consideração na escolha do modelo mais adequado.
1 INTRODUÇÃO
As bibliotecas universitárias brasileiras estão vivenciando uma crise que nada mais é
do que o reflexo da crise econômica e social pela qual passa a sociedade neste final de século.
Tal como em Calvino,5
pode-se considerar que as seis qualidades da escrita, leveza, rapidez,
exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência, são também qualidades que a biblioteca
deve perseguir nas suas relações com a sociedade para a qual presta serviços de informação.
A reflexão que se pretende fazer sobre os modelos estruturais e funcionais em bibliotecas
universitárias brasileiras não é exaustivo nem pontual e considera, principalmente, as rupturas
e as continuidades das relações da biblioteca com a universidade, a partir da importância
revelada pela História sobre a evolução das duas instituições.
A análise dos modelos adotados pelas bibliotecas universitárias brasileiras considera
os fundamentos teóricos que influenciaram suas condutas e os esforços de modernização de
suas estruturas e funcionamento com a criação do Programa Nacional de Bibliotecas
Universitárias - PNBU, na década de oitenta. Não se pretendeu, neste trabalho, efetuar uma
análise empírica dos diversos modelos existentes, uma vez que já existe literatura neste campo
1
Professor Doutor Adjunto II e Diretora do Sistema de Bibliotecas da Uni-Rio
2
Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Uni-Rio
3
Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas da Uni-Rio
4
Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio
5
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.
mas, tão somente, levantar pontos para a reflexão, a partir de indicadores que emergem de
uma nova ordem social, na qual as propostas de Calvino se concretizam.
2 BIBLIOTECA E UNIVERSIDADE
Nesta abordagem inicial são considerados os conceitos de biblioteca e os de
universidade, com ênfase na relação biblioteca/universidade. Conceituar biblioteca requer
uma reflexão complexa. Pode-se considerar, como em Martins,6
que as bibliotecas são
anteriores aos livros e até aos pergaminhos. A idéia de coleção de livros, tal como hoje
conhecemos, tem sua origem no mundo clássico. Quanto à biblioteca, esta se perde na
antigüidade, pois a biblioteca já existia em grandes civilizações como no Egito, na
Mesopotâmia, na Grécia e em Roma. Embora a Biblioteca de Alexandria fosse a mais famosa
da antigüidade, tendo suas coleções já organizadas por assunto, foi com os romanos que as
bibliotecas passaram a assumir um papel de disseminadoras de idéias.
Na Idade Média, existiram três tipos de bibliotecas: as monacais, as das universidades
e as particulares (incluindo nesta categoria as bibliotecas reais). O acesso às bibliotecas era
restrito à elite, quer fosse o clero, a realeza ou a nobreza. Nesta fase, a biblioteca passa a ter
um caráter sagrado, mais pela natureza das instituições mantenedoras dos livros do que por
seus conteúdos. Basicamente, somente o clero tinha acesso às informações pois, durante este
período, como diz Martins,7
os livros, a palavra escrita, eram o mistério, o elemento
carregado de poderes maléficos para os não iniciados.
A Renascença, uma verdadeira revolução cultural, marcou a transição do mundo
medieval para o mundo moderno e expressou os ideais e a visão de mundo de uma nova
sociedade emergente que se originou da crise do feudalismo e do desenvolvimento da
economia mercantil. Os homens que vivenciaram este momento de conflito social inspiraram-
se nos valores e nos ideais da Antigüidade Clássica, greco-romana, por oposição aos valores
medievais que eles desprezavam. Mas, em vários aspectos, principalmente o cultural, esse
movimento representou mais uma continuação do que uma ruptura com a Baixa Idade Média.
Ainda em Martins,8
É, pois, já nos albores da Renascença que a biblioteca começa a
adquirir seu sentido moderno, a sua verdadeira natureza, como é também nessa época que
surge junto ao livro a figura do bibliotecário. O livro adquiriu o sentido social de utilidade
6
MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. p. 94.
7
MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Ática, 1996. p. 71
8
MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. p. 94
ao alcance de todos e mudou, dessa forma, seu significado social, uma vez que a biblioteca
não possuía mais o caráter religioso da Idade Média. A sociedade passa a submeter-se mais
aos documentos do que aos dogmas, aos contratos do que aos mandamentos e às críticas mais
do que às revelações.
O século XVI marcou o início da imprensa e a conseqüente multiplicação dos livros.
As bibliotecas de utilidade pública proporcionaram um maior acesso à informação, que
deixou de ser privilégio de poucos. Foi também desta época o movimento que surge em prol
de uma biblioteca universal que armazenasse todas obras já escritas. Esta idéia se tornou
inviável na prática, o que gerou uma política de seleção das obras que seriam as mais
significativas e as mais importantes. Mas, como toda seleção implica no comprometimento
que os homens têm com a sua a época e com a sua sociedade, as obras selecionadas refletiam
arbitrariamente os sistemas político, social, econômico e cultural vigentes e não uma síntese
do conhecimento acumulado.
A partir da Idade Moderna, a biblioteca passou a gozar do estatuto de instituição leiga,
civil, pública e aberta, tendo seu fim em si mesma e começando a responder às novas
necessidades, o que implicou em uma maior democratização do saber. Como diz Martins,9
Foi o livro, ou seja, no fundo a biblioteca, um dos instrumentos mais poderosos da abolição
do "antigo regime". Qualquer que tenha sido a influência efetiva da Enciclopédia e dos
enciclopedistas na deflagração da Revolução Francesa, é inegável que eles aí tiveram um
relevante papel. Ora, a Enciclopédia não era um livro: era uma biblioteca em forma de livro
(...). A enciclopédia é um livro que contém uma biblioteca, assim como a biblioteca é uma
enciclopédia que contém livros.
Nos séculos XVIII e XIX, as bibliotecas sofreram transformações resultantes das
mudanças sociais ocorridas com a Revolução Industrial. Segundo Mueller,10
Esperava-se que
as bibliotecas contribuíssem de maneira significativa para a ordem social e o progresso
nacional, e, especialmente nos Estados Unidos, para a manutenção da democracia. Mas o
caráter educacional da biblioteca já era, nesta época, reconhecido como primordial. A
proliferação de bibliotecas públicas para atender a esses objetivos foi clara, principalmente na
Inglaterra e nos Estados Unidos.
9
MARTINS. op. cit p. 365
10
MUELLER, Susana P. M. Bibliotecas e sociedade : evolução da interpretação de função e papéis da
biblioteca. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 9, mar. 1984.
Estudos recentes mostram a necessidade de relacionar a criação e o desenvolvimento
de bibliotecas com a sociedade a que elas atendem. Segundo Shera apud11
A sociedade
determinou o que foi a biblioteca no passado e é a sociedade que irá determinar o que será a
biblioteca no futuro. Neste sentido, a biblioteca deve ser entendida como agência social de
comunicação. Para Butler apud12
, A cultura precisa transcender o indivíduo porque é
essencialmente uma acumulação social de experiências através da qual os homens de cada
geração possuem, pelo menos potencialmente, tudo o que a geração anterior aprendeu.
Livros são um mecanismo social de preservação da memória racial13
, e a biblioteca, um
aparato social de transferência dessa memória à consciência dos indivíduos.
No que se refere à universidade, encontrar um conceito que consiga traduzir todas as
suas funções ao longo da história não é tarefa das mais fáceis. Pode-se, no entanto, afirmar
por consenso que a universidade é uma instituição de ensino superior, que compreende um
conjunto de unidades de ensino - escolas, faculdades, institutos - para a formação de
profissionais e pesquisadores, nos diversos campos do conhecimento, com a missão precípua
de produzir conhecimento e garantir a dinâmica da transferência da informação.
Na Idade Média, a educação era privilégio de poucos, principalmente do clero, que
dominava o saber, em conseqüência de sua posição no cenário social. Segundo Charle e
Verger14
, as universidades não seguiram um modelo único de organização. Enquanto no
norte da Europa elas eram associações de mestres, nas regiões mediterrâneas apresentavam-
se como associações de estudantes. Esses dois modelos fizeram surgir diferentes formas de
administração que influenciaram o desenvolvimento das universidades. Na Europa do século
XV, as alterações sofridas pelo ensino indicam que a vocação mercantilista fez mudar o
padrão de formação profissional, tradicionalmente de médicos, clérigos e advogados, para
especialistas que atendessem às necessidades de uma sociedade que já demonstrava sinais de
mudanças estruturais.
A evolução das sociedades após a Idade Moderna torna-se mais dinâmica. Com as
novas descobertas marítimas, os europeus tomam conhecimento de outros povos, outras
línguas
11
GOMES, S. Conti. Bibliotecas e sociedades na Primeira República. São Paulo : Pioneira, 1983. p. 15.
12
MOSTAFA, Solange Puntel. Epistemologia da Biblioteconomia. São Paulo , 1985. p. 34. Tese
(Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1985.
13
O autor usa a expressão memória racial para designar a memória da raça humana
14
CHARLE, Christophe, VERGER, J. História das universidades. São Paulo : UNESP, 1996. p. 27.
e outros costumes que fugiam aos padrões estabelecidos pela Igreja e pelo conhecimento
teológico, até então paradigmas estabelecidos e aceitos. Concomitantemente, constata-se o
aparecimento de uma nova classe social baseada no poder econômico e não no poder
hereditário, que era a burguesia comercial. Assim, o século XVII marca o início de uma
revolução do conhecimento a partir das novas descobertas científicas, principalmente as da
física newtoniana, que foi responsável por toda uma nova estrutura do conhecimento, baseada
no mecanicismo determinista.
O novo saber não era mais apoiado na fé, mas baseado no uso da razão e no
comprometimento com a solução dos problemas nacionais. O saber científico se apresentava
de forma compartimentada e passível de sofrer alterações - dinâmico e ilimitado, diferente do
conhecimento estático. É o início da especialização do homem moderno, do desenvolvimento
das novas técnicas de produção, do aumento dos registros produzidos pela sociedade, da
organização formal da educação, do aparecimento do livro didático, do comércio livreiro, do
acúmulo de recursos financeiros gerados pelo comércio, da estabilidade política dos povos
europeus.
Essas condições facilitaram o surgimento de várias bibliotecas públicas e
especializadas e também o surgimento de uma nova universidade, com um eixo de formação
diferente, privilegiando as áreas técnicas necessárias ao desenvolvimento das sociedades e
dedicando-se à pesquisa. Essas novas formas e técnicas de ensino são implementadas na
Educação, principalmente a universitária. Pode-se citar, como exemplo, a multiplicação de
seminários, a criação de novas disciplinas como a Filologia, a História, a Matemática e a
Física, e, principalmente, o uso de novos recursos educacionais, como laboratórios e
bibliotecas.
No séc. XVIII, a Revolução Industrial fez surgir uma nova ordem social com novos
valores, princípios e objetivos. De acordo com Buffa,15
A burguesia industrial que emerge
busca mudanças sociais para dar continuidade às transformações das formas de produção
da vida material e de relações sociais entre os homens. O trabalho parcelar16
introduzido na
sociedade surge ao mesmo tempo que o projeto burguês de "educação e cidadania para
todos". Este projeto tinha como principal objetivo legitimar a nova ordem social, alem de
15
BUFFA, Ester. Educação e cidadania burguesa. São Paulo : Cortez, 1993. p. 11-29.
16
Trabalho dividido em partes diferentes, executadas por trabalhadores distintos. Cf, BUFFA. op. cit..
p.13.
defender a educação elementar para todos, embora mantivesse o ensino superior como
privilégio da nova classe dominante.
A estrutura universitária corporativista, herdeira dos ensinamentos ultrapassados da
Idade Média, era um obstáculo para as pretensões dessa nova ordem social. A formação
profissional necessária para atender à nova realidade de produção passou a ser obtida fora das
universidades, quer pela iniciação familiar, quer pelas leituras profissionais ou,
principalmente, pela atuação das associações particulares. Essas associações eram, segundo
Verger,17
Estabelecimentos totalmente independentes das universidades, abertos a novas
idéias e a novas pedagogias, divididos em Centros de Excelência, com vocação cultural, e as
academias, que apesar de não se dedicarem ao ensino eram muitas vezes dotadas de grandes
bibliotecas e substituíram em grande escala as universidades, como conselheiras dos
príncipes e instâncias legitimadoras do saber. Algumas são famosas até hoje, como a Royal
Society.
Na Europa, o projeto burguês encontrou no ensino básico um mecanismo de
legitimação do seu poder. Já nas colônias o ensino adquiriu outras proporções, dependendo do
tipo de relação estabelecida pela metrópole. Esse relacionamento determinou as diferenças
estruturais que encontramos tanto na América do Norte, como na América Espanhola, que
herdaram e modificaram de acordo com seus interesses a estrutura educacional européia.
No Brasil, com algumas exceções de escolas superiores isoladas, as Universidades já
nasceram em crise. Crise, principalmente, de identidade, uma vez que não experimentaram o
crescimento normal de sua estrutura, nem tampouco cresceram por desejo legítimo de uma
sociedade em um desenvolvimento autônomo. O modelo de universidade adotado na década
de 60, por ter sido importado da sociedade americana, onde os valores tecnicistas vieram a
substituir os valores humanistas do modelo europeu que figurava até então, contribuiu para
agravar a crise de identidade da universidade brasileira. Segundo Darcy Ribeiro,18
a superação
de tal crise poderia ser obtida a partir de duas linhas políticas. A primeira, que ele denomina
“modernização reflexa”, diz respeito ao aperfeiçoamento tecnológico de nossas universidades,
a fim de aproximá-las às suas congêneres em países desenvolvidos. A segunda, designada
“crescimento autônomo”, segundo o autor, Parte da suposição de que a universidade, como
uma subestrutura inserida numa estrutura social global, tende a operar como órgão de
perpetuação das instituições sociais, enquanto atua espontaneamente; e que só pode
17
CHARLE, VERGER. op. cit. p. 64-65.
18
RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1969. p. 9-12.
representar um papel ativo no esforço de superação do atraso naciona, se intencionaliza
suas formas de existência e de ação com este objetivo. Assim, a política modernizadora tende
apenas a tornar a universidade mais eficiente, ao contrário do crescimento autônomo, que
exige uma postura crítica baseada em diagnóstico, planejamento, escolha estratégica de
objetivos, o que proporcionaria o real desenvolvimento da universidade.
Partindo da premissa de que universidades e bibliotecas são agências sociais
organizadas para atender às necessidades um grupo social ou da sociedade em geral, a
interseção dessas duas instituições, vista agora como um único conceito – o de Biblioteca
Universitária - nos leva a considerar a existência de uma unidade organizacional que reúne os
predicados principais das bibliotecas e os da universidade, em suas várias concepções
históricas e posicionamentos sociais. O núcleo dessa relação (biblioteca universitária),
transformada em conceito singular absorve, por outro lado, problemas de identidade
institucional gerados pela diferença presente nos dois universos externos ao centro nuclear.
Tais diferenças, entendidas como dificuldades, podem ser exemplificadas pelo próprio papel
exercido pela biblioteca dentro da universidade, uma vez que as bibliotecas universitárias não
se dedicam, de maneira exclusiva, nem ao ensino nem à administração da universidade, de
modo que não se encaixam nem nas funções docentes nem nas administrativas. Na verdade,
elas são um misto das duas, pois não só administram o patrimônio informacional da
universidade (incluindo-se seu aspecto físico) como exercem uma função educativa, ao
orientar os usuários na utilização da informação para atingir suas metas, seja com seu próprio
acervo, ou seja com o de outras bibliotecas. Assim, por sua função e características, a
biblioteca acaba tendo um lugar peculiar dentro da universidade.
Deste modo, um estudo analítico da relação destas duas agências só pode ser
desenvolvido se levarmos em consideração o contexto social, econômico, político e cultural
em que foram criadas e vêm se desenvolvendo. A utilização das bibliotecas pelas
universidades determinou mudanças e transformações em ambas. Estas alterações, no caso
das bibliotecas, podem ser observadas na composição de seus acervos, bem como na natureza
de sua estrutura, organização e funcionamento. Vale ainda lembrar que as bibliotecas, por
serem anteriores ao surgimento das universidades, possuem uma experiência mais
consolidada de adaptação às mudanças sociais.
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE OS MODELOS ESTRUTURAIS E
FUNCIONAIS DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS
O modelo adotado para a universidade brasileira e para suas bibliotecas determinou
mudanças e transformações em ambas e, como marco fundamental dessa discussão nas
últimas décadas, pode-se citar a criação, em 1986, do Programa Nacional de Bibliotecas
Universitárias - PNBU. Ao longo dos últimos 12 anos, a partir das propostas geradas pelo
PNBU, as bibliotecas universitárias se estruturam, reestruturaram-se, chegando ao final da
década de 90 com condições de desenvolver propostas de modernização com maior
maturidade.
Em um dos projetos coordenados por Mercadante19
, Chastinet20
menciona que, desde
a sua criação, o PNBU vinha recebendo solicitações sobre a maneira mais adequada de
estruturar-se as bibliotecas universitárias, com vistas à melhoria dos serviços prestados aos
usuários. A meta do projeto coordenado por Mercadante era a de chegar-se a propostas de
modelos organizacionais e de critérios que orientassem a definição de níveis de centralização/
descentralização das funções da biblioteca. Embora tal meta não tenha sido atingida, uma
série de recomendações foi encaminhada às Instituições de Ensino Superior o que, sem
dúvida, proporcionou o início de uma relação mais produtiva entre as chefias das bibliotecas e
a administração superior das universidades.
Ainda em Mercadante,21
A escolha de estruturas organizacionais não se dá por acaso.
Tem que se considerar o aspecto histórico da instituição como um dos principais fatores
determinantes da adoção de medidas de estruturação numa organização. Isto é válido para
bibliotecas universitárias porque, historicamente, a maioria delas se formou a partir de uma
única unidade, com posterior desdobramento para bibliotecas departamentais, depois
setoriais e, hoje, grande parte tem uma estrutura centralizada, em forma de sistema.
O modelo sistêmico foi assim sugerido como uma alternativa mais eficiente para não
só estabelecer relações mais estreitas e coordenadas entre as várias bibliotecas de uma
universidade, como também, e principalmente, para permitir o diálogo mais eficiente entre o
Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Ensino Superior (SESU), com o
19
MERCADANTE, Leila M. Z. (Coord.). Análise dos modelos organizacionais de bibliotecas
universitárias nacionais. Brasília : PNBU, 1990.
20
CHASTINET, Yone. In: MERCADANTE. op. cit. Apresentação.
21
op. cit., p. 14.
Diretor do Sistema de Bibliotecas o qual, por recomendação do próprio MEC, deveria estar
subordinado diretamente ao reitor da universidade.
A preocupação da adoção do modelo sistêmico para as bibliotecas universitárias tem
sua justificativa, tal como mencionou Mercadante, nas estruturas vigentes nas universidades
durante as décadas de 70 e 80, as quais vinham se desenvolvendo a partir do modelo de
especialização do conhecimento, criando cursos e programas voltados para áreas e temas
particulares do saber, o que gerava a demanda de atendimento bibliográfico também
especializado.
No entanto, como afirma Dunlap, apud22
Um padrão ou modelo de organização só é
válido enquanto subsistirem as condições que o determinaram, e somente uma boa estrutura
de organização não assegura o atendimento aos objetivos da biblioteca. É ainda
Mercadante23
quem afirma que Nenhum modelo único de estrutura poderá servir a todas as
bibliotecas acadêmicas; para cada instituição deverá ser determinado qual o seu escopo,
seus objetivos (...) é preciso que se respeite a "cultura" da instituição, incluindo seu tipo,
tamanho, missão, a força de sua autoridade central, seus fundos financeiros (...) e que
estejam bem determinadas as relações entre a biblioteca e as outras unidades do "campus" e
os "links" entre ela e a comunidade acadêmica, sejam professores ou alunos.
Assim, não há como afirmar a priori que o modelo centralizado é melhor que o
descentralizado ou ao contrário, uma vez que não só as características das universidades são
diferentes como, principalmente, as características particulares de cada uma delas podem
mudar, dado o caráter dinâmico da evolução social. Como diz Miranda,24
Nunca se esgotam
estudos sobre estrutura, uma vez que as organizações estão com freqüência em fase de
adaptação e/ou desenvolvimento, bem como de planejamento para renovação e criação de
atividades/serviços.
Desta forma, encontramo-nos no final da década de 90 convivendo com bibliotecas
universitárias com as mais variadas estruturas organizacionais: centrais únicas, como é o caso,
por exemplo, da Universidade de Brasília (UnB); centrais setorializadas, como a Biblioteca da
Universidade Gama Filho; descentralizadas com coordenação setorial; descentralizadas com
coordenação central, como é o caso da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio), entre
outras.
22
MERCADANTE. op. cit., p. 15.
23
Ibidem, p. 23.
24
MIRANDA. apud MERCADANTE. op. cit., p. 15.
É bem verdade que, à exceção da biblioteca central única, todas as demais estruturas
adotaram total ou parcialmente o modelo sistêmico, sendo que em alguns casos, como o da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), independentemente da existência de uma
Biblioteca Central, que normalmente é a coordenadora do Sistema de Bibliotecas, foi criado
um sistema estruturalmente acima das bibliotecas, o SIBI, com a missão de coordenar e
gerenciar todas as bibliotecas da universidade.
O modelo sistêmico pode ser entendido como uma solução alternativa para resolver a
dicotomia dos modelos centralizado/descentralizado. Ele pode ser considerado como tendo
sido o indicador, desde a década de 80, de que as estruturas verticalizadas presentes nos dois
modelos não atendiam mais às funções das bibliotecas universitárias modernas. Dois fatos
norteadores e polêmicos ao mesmo tempo - a especialização e a interdisciplinaridade -
indicam que as bibliotecas universitárias devem passar a considerar esses dois aspectos não
como antagônicos, mas sim como eixos coordenados e, como tal, gerenciados por modelos
que considerem a interseção de suas vantagens e desvantagens, obtendo um produto (modelo
próprio de cada universidade) que atenda às especificidades de cada biblioteca e, ao mesmo
tempo, permita a sua comunicação globalizada.
Se a matéria-prima da universidade é a informação e o órgão da universidade
responsável pelo gerenciamento dessa informação é a biblioteca, pode-se dizer, como uma
analogia ao "Ciclo da Informação", que tudo começa e termina na biblioteca. A transferência
da informação pode ser representada por um modelo que divide o universo informacional em
dois segmentos: o universo sócio-cultural, representado pela produção, editoração,
assimilação e nova produção do conhecimento, e o universo documental, representado pelo
papel que as instituições de memória documental exercem como garantia dessa transferência e
que dizem respeito às etapas de seleção e aquisição, organização da memória documentária e
disseminação da informação.
Quanto à produção do conhecimento, com a mudança do paradigma da ciência, que
deixa de se pautar exclusivamente pela verticalidade (especialização), se conduzindo mais
no sentido da horizontalidade das abordagens transdisciplinares, as informações produzidas
pela sociedade dificilmente podem ser antecipadamente classificadas por áreas de interesses,
em categorias fixas e imutáveis. Essas informações são disponibilizadas por vários segmentos
do mercado produtor e é no momento da procura ou busca que as interseções de significado
vão ocorrer. Isto é, a priori não se pode afirmar que um texto de medicina possa somente
interessar aos médicos, assim como uma foto da clonagem de ovelhas ser útil apenas aos
geneticistas. Os produtos informacionais são cada vez mais abundantes, interrelacionando
todas as áreas de interesse.
Quanto à editoração, as informações produzidas poderiam, grosso modo, ser
classificadas pelo atributo do suporte em textuais, visuais, sonoras ou tridimensionais. Ou,
ainda, por uma combinação dessas categorias. Na verdade, os suportes vão se desenvolvendo
em função dos avanços tecnológicos, configurando-se aí não só a diversidade como a
duplicidade. Hoje temos condições de acessar uma revista científica em papel, em CD-ROM e
até em microformas (técnica muito utilizada nas décadas anteriores para manutenção e
reprodução de documentos) ou em arquivo eletrônico, que parece ser o meio mais rápido e de
baixo custo para a disseminação da informação. Temos a possibilidade de analisar uma
escultura, com todos os detalhes técnicos, em um museu virtual, como em um museu
tradicional. Um outro exemplo seria a apresentação de um vídeo sobre uma determinada
técnica cirúrgica e a descrição dessa mesma técnica em texto convencional. Os suportes são,
portanto, variadíssimos, e passam a se constituir em acessórios à localização da informação,
ou seja, fazem parte do universo de restrição a uma estratégia de busca, à exceção das
pesquisas que visam ao suporte como objeto de interesse, passando o tema a ser secundário.
Com relação à assimilação, Virilio25
afirma que Ao lado das dimensões espaço e
tempo, existe hoje uma outra dimensão, que é a luz. Não a luz no sentido puro da claridade,
da visão, do entendimento, mas a luz em sua versão de trajeto. Para Virilio, o que nos move
hoje no sentido das representações sociais não é mais o espaço e o tempo, mas o movimento,
o trajeto, invertendo assim o conceito de velocidade da luz para a luz da velocidade. É o
tempo real que importa. Superação intempestiva da objetividade, depois do ser do sujeito e
do ser do objeto, o intervalo do tipo luz traz à luz o "ser trajeto". Este último definindo a
aparência ou, mais exatamente, a trans-aparência do que é, e a questão filosófica não seria
mais: a qual distância de espaço e de tempo se encontra a realidade observada?, mas, desta
vez: a que potência, ou seja, a que velocidade se encontra o objeto percebido? Não é mais
uma questão de localização absoluta, mas de percepção relativa, a qual Virilio nomeia de
energia cinemática da relatividade.
25
VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 9.
Quanto mais veloz a apresentação dos produtos à sociedade, mais rápido estes ficam
obsoletos. Assim, a estruturação de uma memória documentária tanto é mais eficiente quanto
mais veloz for a capacidade do sistema de absorver, organizar e difundir informações.
O sentimento predominante da sociedade atual pode ser caracterizado pela ansiedade
de informação. Ansiedade no sentido de saber que existe uma informação relevante e não
conseguir acessá-la em tempo hábil. Ou, produzir uma informação importante e não conseguir
disponibilizá-la. O volume de informações produzidas, no seus mais variados suportes e a
velocidade com que entram e saem do sistema, nos leva a refletir sobre as estratégicas de
localização e disseminação dessas informações. No momento de selecionar aquelas
informações relevantes, certamente vamos precisar de atalhos, ou filtros. Hoje nos valemos
de páginas de índices temáticos, organizadas em sistema hipertexto, que nada mais são do que
uma sucessão de filtros ou de atalhos pelos quais o usuário vai selecionando o caminho mais
propício à localização de uma dada informação. Tais atalhos visam, portanto, a diminuir a
ansiedade de informação, facilitando o acesso mais rápido aos conteúdos que venham a
satisfazer a uma determinada necessidade de informação.
No entanto, o processo de disseminação da informação não é exclusivo ao modelo de
organização e recuperação. Ao contrário, faz parte da natureza humana a transmissão de
informações adquiridas para a geração de novos conhecimentos. No passado, a tradição oral
era o único meio de armazenamento, transmissão ou difusão da informação. Segundo
McGarry,26
para facilitar a memorização e a evolução, a tradição coletiva era conservada na
poesia ou na prosa rítmica e os mitos e lendas eram usados como uma espécie de
enciclopédia tribal. Sem quaisquer outros registros paralelos para comparar, o mito, a história
e a realidade social fundem-se num só. Após as escritas cuneiformes e hieroglíficas, o
alfabeto permitiu à humanidade registrar e comunicar idéias por meio de símbolos
visuais. Embora a transmissão da informação registrada tenha possibilitado um enorme
avanço social, o desenvolvimento tecnológico dos outros meios de comunicação (visual,
sonoro e eletrônico) encurtou as distâncias espaciais, transformando o mundo segmentado em
26
Mc GARRY, K. J. Da documentação à informação : um contexto em evolução. Lisboa : Editorial
Reserva, 1984. p. 43, 44.
Na opinião de Claude Levi-Strauss, a diferença essencial entre sociedades com escrita e sociedades sem escrita é
que as primeiras são pluralistas e contém sempre mais de um ponto de vista, mais de uma possibilidade de ação. As
sociedades primitivas, ou sem escrita, tendem a ser monolíticas; os modos de fazer vigentes não são postos em questão e a
tradição fornece definitivamente o plano de como as coisas devem fazer-se. O pluralismo cria tensão e debate e
desencadeia o futuro.
um "centro cultural global". Embora todas essas formas de transmissão ainda hoje convivam
paralelamente, o fato
é que, do ponto de vista das instituições que armazenam informações (já selecionadas), a
disponibilização destas é não só uma tarefa social, a de garantir o direito à informação, como
também a última etapa do ciclo de vida do documento no segmento do universo documental.
Sem a disseminação o ciclo total se rompe, impedindo as novas construções e a geração de
novos conhecimentos.
Portanto, um modelo que possa garantir o papel de produtor da informação por parte
da universidade e de disseminador de informações por parte da biblioteca deve considerar
uma estrutura matricial que agregue as vantagens da descentralização (especialização) e as
vantagens da centralização a um menor custo em recursos humanos, em recursos físicos e
materiais e em recursos tecnológicos. Independentemente das especificidades de cada
universidade, suas bibliotecas devem considerar a transformação de suas estruturas de um
comando vertical (fortemente hierarquizado e, portanto repetidor de tarefas), em um comando
de articulação horizontal. Um exemplo dessa tendência em outros campos do conhecimento é
o da administração de atividades por projetos, que privilegia o atingimento de metas
específicas a partir do esforço integrado (horizontal) de toda a estrutura organizacional da
instituição.
4 RECOMENDAÇÕES OU PONTOS A CONSIDERAR NOS PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO E MODERNIZAÇÃO DAS BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS
Sem abandonar ainda o modelo sistêmico, norteador das condutas organizacionais e
paradigma da Ciência da Informação, a consciência de uma nova postura para a administração
de nossas bibliotecas universitárias deve considerar três pontos fundamentais:
1. O caráter disciplinar/interdisciplinar da academia;
2. As condições da estrutura e da cultura organizacional da instituição e
3. As novas ofertas tecnológicas para o processamento e disseminação da informação.
No primeiro caso, pode-se afirmar que a especialização se traduz em um crescente
aprofundamento do conhecimento e em fontes de informação cada vez mais verticalizadas e
numerosas, de modo que o usuário necessita de um atendimento personalizado e de
profissionais da informação especialistas naquela área, a fim de satisfazer suas necessidades
informacionais e de manter um constante relacionamento com organismos produtores e
disseminadores de conhecimentos específicos em cada campo do saber.
Por outro lado, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a multidisciplinaridade
que hoje norteiam o conhecimento devem ser vistas e analisadas como nova perspectiva e
uma nova opção de modelo para bibliotecas universitárias. A interdisciplinaridade considera
um discurso único, buscando um consenso nas várias áreas do saber, o que a diferencia da
transdisciplinaridade, a qual respeita as diferenças disciplinares, buscando as interseções nas
áreas do conhecimento; já a multidisciplinaridade transita nas teorias e metodologias de uma
disciplina a outra, importando modelos ou incorporando novas experiências. Tais abordagens
vêm sendo objeto de estudo em vários campos do saber, como, por exemplo, na área da saúde,
que há muito vem colocando em prática essas visões. Se essas novas tendências vêm afetando
toda a sociedade produtora de conhecimentos, a Ciência da Informação não pode excluí-las de
seus modelos, principalmente aqueles que estão diretamente ligados às áreas acadêmicas,
como é o caso das bibliotecas universitárias, vistas como agências de comunicação e sofrendo
a interferência direta da sociedade na qual estão inseridas.
As bibliotecas universitárias, embora vinculadas ao modelo e à administração das
universidades, acabam se transformando, não de acordo com o modelo institucional, mas com
a dinâmica da academia. Para as ciências humanas isso é fator preponderante, pois não se
pode estudar a História sem que a Sociologia, a Antropologia, as Artes e outras manifestações
culturais sejam observadas, da mesma maneira que as Artes não podem se restringir ao estudo
apenas dos grandes pintores, dos clássicos do Teatro, dos mais célebres compositores, sem a
preocupação de conhecer e entender o comprometimento desses personagens com as
sociedades nas quais viveram, já que suas obras sofreram, certamente, a influência dessa
sociedade e de seu tempo.
Na dialética da disciplinaridade/interdisciplinaridade, não há como invalidar a
importância das especialidades, como acontecia no passado, quando se buscava a
universalização do saber, a exemplo dos enciclopedistas na época do Iluminismo. Sabe-se que
é impossível alguém dominar profundamente todo o conhecimento, mas sabe-se também que
as especialidades não existem isoladas, isto é, para conhecer-se bem um determinado campo
do saber é necessário perspectivá-lo a partir de uma visão holística, posto que o isolamento do
saber por si só não contribuirá para o avanço do conhecimento como um todo.
Atualmente, as várias áreas do conhecimento transitam em caminhos de mão dupla,
evoluindo desde a separação do saber iniciada principalmente por Kant até a convivência com
as diferenças defendida por Habermas27
quando diz que ... no atual estágio de diferenciação e
especialização das Ciências Sociais, dificilmente alguém há de poder "dominar" várias
dessas disciplinas, muito menos todas elas. Por outro lado, Foucault, comentado por
Machado,28
demonstra a viabilidade do trânsito disciplinar quando inova metodologicamente
no relato da sua obra História da Loucura, estabelecendo relações entre os saberes numa
multiplicidade de recortes discursivos e não lineares. O objetivo da análise é estabelecer
relações entre os saberes para que destas relações surjam, em uma mesma época ou em
épocas diferentes, compatibilidades e incompatibilidades que não sancionam ou invalidam,
mas estabelecem regularidades, permitem individualizar formações discursivas29
.
Assim, é a partir década de 80 que começa a despontar um novo caminho para o saber,
que não é o do conhecimento global nem do específico, mas do conhecimento que transita em
vários campos, épocas e espaços como conseqüência de uma estratégia de construção
operada pelo pesquisador.
Seguindo esta nova perspectiva, as bibliotecas universitárias devem acompanhar as
novas necessidades dos profissionais que atendem, iniciando por uma reavaliação de suas
estruturas e funções, buscando novos modelos menos fechados e limitados a determinados
ramos do saber. Na verdade, é desejável que o bibliotecário seja ao mesmo tempo
especializado, a fim de atender a demandas específicas, e generalista, a fim de poder transitar
nessas áreas de interface, além de ser capaz de situar aquela informação específica em um
contexto informacional e cultural maior, sem o que a informação específica perde seu valor.
O segundo ponto a ser levado em consideração é o que diz respeito às condições da
estrutura e da cultura organizacional da instituição. O fator estrutural problematizante é, sem
dúvida, a crescente falta de recursos das instituições de ensino superior, o que torna cada vez
mais difícil manter um padrão mínimo de gerenciamento, processamento de acervo e
27
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1984.
p. 9
28
MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder.
Rio de Janeiro : Graal, 1996. p. vii.
29
ibidem, p. viii.
atendimento ao usuário, quanto mais transformar a biblioteca em um órgão que atenda às
necessidades dos novos tempos. Sem contar com a influência da pesada estrutura
verticalizante de nossas universidades, que propicia uma demora considerável na adequação a
mudanças. Este último ponto, agravado na atualidade, já era objeto de preocupação quando da
criação do PNBU em 1986. Chastinet30
já afirmava em 1988 que os acervos das bibliotecas
eram deficientes, não havia recursos próprios alocados a cada biblioteca, os recursos para
aquisição de material bibliográfico provinham de fontes externas de financiamento, e que a
crise financeira da época acabaria por desmontar as bibliotecas universitárias do país.
A política econômica atual e, principalmente, a política de reestruturação do Serviço
Público, já estão obrigando as bibliotecas universitárias a repensar seus modelos estruturais-
funcionais, a fim de continuar prestando os serviços informacionais essenciais à comunidade
acadêmica e de criar meios para modernizá-los.
Quanto à cultura organizacional, há uma série de aspectos a considerar ao se ponderar
sobre qual a melhor estrutura para as bibliotecas de uma instituição de ensino superior. Em
primeiro lugar, a biblioteca deve suprir as necessidades informacionais dos cursos oferecidos
pela universidade, além de resguardar a produção intelectual da instituição. Ela é tanto a fonte
para a produção de novos trabalhos quanto o receptáculo do produto desses trabalhos, além de
oferecer ao pesquisador acesso a alternativas que se encontrem em acervos externos à
universidade e de oferecer a outras instituições acesso a seu próprio acervo. Ou seja, ela não
só armazena a informação como cria uma rede dinâmica para que ela circule.
Por outro lado, à falta de identidade da biblioteca na cultura organizacional da
universidade (ela é geralmente considerada órgão suplementar) causa uma certa estranheza
por parte dos outros órgãos integrantes da universidade, levando, muitas vezes, a um certo
distanciamento, que prejudica tanto a eficiência da biblioteca quanto a definição da estrutura
mais adequada para o gerenciamento do patrimônio informacional da universidade. Pode
haver, por exemplo, uma certa dificuldade para escolher a estrutura que as bibliotecas tomarão
a fim de melhor atender às demandas das Escolas ou Cursos, já que para isso é preciso
considerar as necessidades, histórias e peculiaridades de cada um, colocando, ao mesmo
tempo, esses fatores dentro da estrutura da universidade como um todo. É também necessário
30
CHASTINET, Yone. Bibliotecas das instituições de ensino superior: remontar ou desmontar. Brasília :
PNBU, 1988. p.8.
vencer as resistências e trabalhar em conjunto com essas unidades organizacionais da
universidade.
O terceiro ponto a ser levado em consideração é o da oferta tecnológica para o
gerenciamento das atividades e ações da biblioteca universitária. Embora possa parecer que
este aspecto diga respeito apenas a uma política modernizadora31
, o fato é que a escolha do
aparato informático, software, hardware e conectores (redes e sistemas) certamente implicará
uma mudança estrutural e funcional, não só da biblioteca como também de outras unidades
acadêmicas e administrativas com as quais a biblioteca interage na obtenção e troca de
informações. O planejamento da modernização para o processamento e a disseminação da
informação deve considerar, portanto, todas as questões levantadas nos pontos anteriores e em
especial as projeções de desenvolvimento e modernização da universidade. Não é só uma
questão de custo-benefício a curto prazo, mas de autonomia gerencial e capacidade de
integração com a sociedade da informação.
5 CONCLUSÃO
Em suma, no momento de escolher qual o melhor modelo para suas bibliotecas, cada
instituição deve levar em conta suas características, sua história, seu desejo de interagir com
outras instituições similares e sua capacidade de adequação ao momento histórico e a seu
local de atuação. É discutível que, em um mundo que se transforma cada vez mais
rapidamente e em que existe uma tal variedade de situações e necessidades, seja possível
impor um único modelo estrutural para as bibliotecas universitárias. A questão principal é o
papel que a biblioteca deve assumir para atender às demandas de seus usuários. O modelo
escolhido, seja o centralizado, o descentralizado ou qualquer outro, deve considerar o
equilíbrio entre as necessidades informacionais de seus usuários, as características da
universidade de que faz parte e o papel da biblioteca na instituição. Além disso, não deve ser
esquecida a dinâmica moderna das estruturas complexas, de tal sorte que os seus eixos
verticais possam ser atenuados pela leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e
consistência presentes na horizontalidade das ações gerenciais.
Nenhuma biblioteca é igual a outra, por isso devem ser respeitadas suas diferenças.
Assim, objetivos devem se ajustar as realidades específicas, e tal como em Miranda,32
Esta é
a essência mesma de qualquer instituição democrática: a de ajustar-se a um plano diretor ou
31
cf., RIBEIRO, Darcy. op. cit.
32
MIRANDA, A. A missão da biblioteca pública no Brasil. R. Bibliotecon. Brasília, v. 6, n. 1, 1978. p. 6
a um sistema geral sem perder de vista os seus próprios objetivos, sem renunciar a
satisfazeras necessidades peculiares de seus próprios usuários.
ABSTRACT
It discusses the structural and functional models adopted by
brazilian universities libraries, taking into account the theoretical
fundaments, the historical evolution of the libraries-universities
relationship and the modernization attempts of the eighties, focusing
at the systematic model as an alternative solution to solve the
specialization/interdisciplinarity dichotomy and indicating the points
that shall de taken into consideration in the choice of the most
appropriate model.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUFFA, Ester. Educação e cidadania burguesa. São Paulo : Cortez, 1993.
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.
CHARLE, Christophe, VERGER, J. História das universidades. São Paulo : UNESP, 1996.
CHASTINET, Yone. Bibliotecas das instituições de ensino superior: remontar ou desmontar. Brasília, PNBU,
1988.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1996.
GOMES, S. Conti. Bibliotecas e sociedades na Primeira República. São Paulo : Pioneira, 1983.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1984.
MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Ática, 1996.
MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957.
McGARRY, K. J. Da documentação à informação : um contexto em evolução. Lisboa : Editorial Reserva,
1984.
MERCADANTE, Leila M. Z. (Coord.). Análise dos modelos organizacionais de bibliotecas universitárias
nacionais. Brasília : PNBU, 1990.
MIRANDA, Antônio. A missão da biblioteca pública no Brasil. R. Bibliotecon. Brasília, v. 6, n. 1, jan./jun.
1978.
MOSTAFA, Solange Puntel. Epistemologia da Biblioteconomia. São Paulo, 1985. Tese (Doutorado) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 1985.
MUELLER, Susana P. M. Bibliotecas e sociedade : evolução da interpretação de função e papéis da biblioteca.
R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 7-45, mar. 1984.
RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1969.
VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994.
SISTÊMICO
adjetivo
1 relativo a sistema ou a sistemática
2 relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema
3 que se refere ou segue um sistema em seu conjunto
3.1 disposto de modo ordenado, metódico, coerente

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Bibli. universitaria

  • 1. BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS: uma reflexão sobre seus modelos. http://www.sibi.ufrj.br/dodebei.doc Vera Lúcia Dodebei1 Elaine Baptista de Matos Paula2 Márcia Valéria Brito Costa 3 Isabel Arino Grau4 RESUMO Discute os modelos estruturais e funcionais adotados pelas bibliotecas universitárias brasileiras, considerando os fundamentos teóricos, a evolução histórica da relação bibliotecas e universidades, as tentativas de modernização da década de oitenta, enfocando o modelo sistêmico como uma solução alternativa para resolver a dicotomia da especialização/interdisciplinaridade e indicando pontos que deverão ser levados em consideração na escolha do modelo mais adequado. 1 INTRODUÇÃO As bibliotecas universitárias brasileiras estão vivenciando uma crise que nada mais é do que o reflexo da crise econômica e social pela qual passa a sociedade neste final de século. Tal como em Calvino,5 pode-se considerar que as seis qualidades da escrita, leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência, são também qualidades que a biblioteca deve perseguir nas suas relações com a sociedade para a qual presta serviços de informação. A reflexão que se pretende fazer sobre os modelos estruturais e funcionais em bibliotecas universitárias brasileiras não é exaustivo nem pontual e considera, principalmente, as rupturas e as continuidades das relações da biblioteca com a universidade, a partir da importância revelada pela História sobre a evolução das duas instituições. A análise dos modelos adotados pelas bibliotecas universitárias brasileiras considera os fundamentos teóricos que influenciaram suas condutas e os esforços de modernização de suas estruturas e funcionamento com a criação do Programa Nacional de Bibliotecas Universitárias - PNBU, na década de oitenta. Não se pretendeu, neste trabalho, efetuar uma análise empírica dos diversos modelos existentes, uma vez que já existe literatura neste campo 1 Professor Doutor Adjunto II e Diretora do Sistema de Bibliotecas da Uni-Rio 2 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Uni-Rio 3 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas da Uni-Rio 4 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio 5 CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.
  • 2. mas, tão somente, levantar pontos para a reflexão, a partir de indicadores que emergem de uma nova ordem social, na qual as propostas de Calvino se concretizam. 2 BIBLIOTECA E UNIVERSIDADE Nesta abordagem inicial são considerados os conceitos de biblioteca e os de universidade, com ênfase na relação biblioteca/universidade. Conceituar biblioteca requer uma reflexão complexa. Pode-se considerar, como em Martins,6 que as bibliotecas são anteriores aos livros e até aos pergaminhos. A idéia de coleção de livros, tal como hoje conhecemos, tem sua origem no mundo clássico. Quanto à biblioteca, esta se perde na antigüidade, pois a biblioteca já existia em grandes civilizações como no Egito, na Mesopotâmia, na Grécia e em Roma. Embora a Biblioteca de Alexandria fosse a mais famosa da antigüidade, tendo suas coleções já organizadas por assunto, foi com os romanos que as bibliotecas passaram a assumir um papel de disseminadoras de idéias. Na Idade Média, existiram três tipos de bibliotecas: as monacais, as das universidades e as particulares (incluindo nesta categoria as bibliotecas reais). O acesso às bibliotecas era restrito à elite, quer fosse o clero, a realeza ou a nobreza. Nesta fase, a biblioteca passa a ter um caráter sagrado, mais pela natureza das instituições mantenedoras dos livros do que por seus conteúdos. Basicamente, somente o clero tinha acesso às informações pois, durante este período, como diz Martins,7 os livros, a palavra escrita, eram o mistério, o elemento carregado de poderes maléficos para os não iniciados. A Renascença, uma verdadeira revolução cultural, marcou a transição do mundo medieval para o mundo moderno e expressou os ideais e a visão de mundo de uma nova sociedade emergente que se originou da crise do feudalismo e do desenvolvimento da economia mercantil. Os homens que vivenciaram este momento de conflito social inspiraram- se nos valores e nos ideais da Antigüidade Clássica, greco-romana, por oposição aos valores medievais que eles desprezavam. Mas, em vários aspectos, principalmente o cultural, esse movimento representou mais uma continuação do que uma ruptura com a Baixa Idade Média. Ainda em Martins,8 É, pois, já nos albores da Renascença que a biblioteca começa a adquirir seu sentido moderno, a sua verdadeira natureza, como é também nessa época que surge junto ao livro a figura do bibliotecário. O livro adquiriu o sentido social de utilidade 6 MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. p. 94. 7 MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Ática, 1996. p. 71 8 MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. p. 94
  • 3. ao alcance de todos e mudou, dessa forma, seu significado social, uma vez que a biblioteca não possuía mais o caráter religioso da Idade Média. A sociedade passa a submeter-se mais aos documentos do que aos dogmas, aos contratos do que aos mandamentos e às críticas mais do que às revelações. O século XVI marcou o início da imprensa e a conseqüente multiplicação dos livros. As bibliotecas de utilidade pública proporcionaram um maior acesso à informação, que deixou de ser privilégio de poucos. Foi também desta época o movimento que surge em prol de uma biblioteca universal que armazenasse todas obras já escritas. Esta idéia se tornou inviável na prática, o que gerou uma política de seleção das obras que seriam as mais significativas e as mais importantes. Mas, como toda seleção implica no comprometimento que os homens têm com a sua a época e com a sua sociedade, as obras selecionadas refletiam arbitrariamente os sistemas político, social, econômico e cultural vigentes e não uma síntese do conhecimento acumulado. A partir da Idade Moderna, a biblioteca passou a gozar do estatuto de instituição leiga, civil, pública e aberta, tendo seu fim em si mesma e começando a responder às novas necessidades, o que implicou em uma maior democratização do saber. Como diz Martins,9 Foi o livro, ou seja, no fundo a biblioteca, um dos instrumentos mais poderosos da abolição do "antigo regime". Qualquer que tenha sido a influência efetiva da Enciclopédia e dos enciclopedistas na deflagração da Revolução Francesa, é inegável que eles aí tiveram um relevante papel. Ora, a Enciclopédia não era um livro: era uma biblioteca em forma de livro (...). A enciclopédia é um livro que contém uma biblioteca, assim como a biblioteca é uma enciclopédia que contém livros. Nos séculos XVIII e XIX, as bibliotecas sofreram transformações resultantes das mudanças sociais ocorridas com a Revolução Industrial. Segundo Mueller,10 Esperava-se que as bibliotecas contribuíssem de maneira significativa para a ordem social e o progresso nacional, e, especialmente nos Estados Unidos, para a manutenção da democracia. Mas o caráter educacional da biblioteca já era, nesta época, reconhecido como primordial. A proliferação de bibliotecas públicas para atender a esses objetivos foi clara, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. 9 MARTINS. op. cit p. 365 10 MUELLER, Susana P. M. Bibliotecas e sociedade : evolução da interpretação de função e papéis da biblioteca. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 9, mar. 1984.
  • 4. Estudos recentes mostram a necessidade de relacionar a criação e o desenvolvimento de bibliotecas com a sociedade a que elas atendem. Segundo Shera apud11 A sociedade determinou o que foi a biblioteca no passado e é a sociedade que irá determinar o que será a biblioteca no futuro. Neste sentido, a biblioteca deve ser entendida como agência social de comunicação. Para Butler apud12 , A cultura precisa transcender o indivíduo porque é essencialmente uma acumulação social de experiências através da qual os homens de cada geração possuem, pelo menos potencialmente, tudo o que a geração anterior aprendeu. Livros são um mecanismo social de preservação da memória racial13 , e a biblioteca, um aparato social de transferência dessa memória à consciência dos indivíduos. No que se refere à universidade, encontrar um conceito que consiga traduzir todas as suas funções ao longo da história não é tarefa das mais fáceis. Pode-se, no entanto, afirmar por consenso que a universidade é uma instituição de ensino superior, que compreende um conjunto de unidades de ensino - escolas, faculdades, institutos - para a formação de profissionais e pesquisadores, nos diversos campos do conhecimento, com a missão precípua de produzir conhecimento e garantir a dinâmica da transferência da informação. Na Idade Média, a educação era privilégio de poucos, principalmente do clero, que dominava o saber, em conseqüência de sua posição no cenário social. Segundo Charle e Verger14 , as universidades não seguiram um modelo único de organização. Enquanto no norte da Europa elas eram associações de mestres, nas regiões mediterrâneas apresentavam- se como associações de estudantes. Esses dois modelos fizeram surgir diferentes formas de administração que influenciaram o desenvolvimento das universidades. Na Europa do século XV, as alterações sofridas pelo ensino indicam que a vocação mercantilista fez mudar o padrão de formação profissional, tradicionalmente de médicos, clérigos e advogados, para especialistas que atendessem às necessidades de uma sociedade que já demonstrava sinais de mudanças estruturais. A evolução das sociedades após a Idade Moderna torna-se mais dinâmica. Com as novas descobertas marítimas, os europeus tomam conhecimento de outros povos, outras línguas 11 GOMES, S. Conti. Bibliotecas e sociedades na Primeira República. São Paulo : Pioneira, 1983. p. 15. 12 MOSTAFA, Solange Puntel. Epistemologia da Biblioteconomia. São Paulo , 1985. p. 34. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1985. 13 O autor usa a expressão memória racial para designar a memória da raça humana 14 CHARLE, Christophe, VERGER, J. História das universidades. São Paulo : UNESP, 1996. p. 27.
  • 5. e outros costumes que fugiam aos padrões estabelecidos pela Igreja e pelo conhecimento teológico, até então paradigmas estabelecidos e aceitos. Concomitantemente, constata-se o aparecimento de uma nova classe social baseada no poder econômico e não no poder hereditário, que era a burguesia comercial. Assim, o século XVII marca o início de uma revolução do conhecimento a partir das novas descobertas científicas, principalmente as da física newtoniana, que foi responsável por toda uma nova estrutura do conhecimento, baseada no mecanicismo determinista. O novo saber não era mais apoiado na fé, mas baseado no uso da razão e no comprometimento com a solução dos problemas nacionais. O saber científico se apresentava de forma compartimentada e passível de sofrer alterações - dinâmico e ilimitado, diferente do conhecimento estático. É o início da especialização do homem moderno, do desenvolvimento das novas técnicas de produção, do aumento dos registros produzidos pela sociedade, da organização formal da educação, do aparecimento do livro didático, do comércio livreiro, do acúmulo de recursos financeiros gerados pelo comércio, da estabilidade política dos povos europeus. Essas condições facilitaram o surgimento de várias bibliotecas públicas e especializadas e também o surgimento de uma nova universidade, com um eixo de formação diferente, privilegiando as áreas técnicas necessárias ao desenvolvimento das sociedades e dedicando-se à pesquisa. Essas novas formas e técnicas de ensino são implementadas na Educação, principalmente a universitária. Pode-se citar, como exemplo, a multiplicação de seminários, a criação de novas disciplinas como a Filologia, a História, a Matemática e a Física, e, principalmente, o uso de novos recursos educacionais, como laboratórios e bibliotecas. No séc. XVIII, a Revolução Industrial fez surgir uma nova ordem social com novos valores, princípios e objetivos. De acordo com Buffa,15 A burguesia industrial que emerge busca mudanças sociais para dar continuidade às transformações das formas de produção da vida material e de relações sociais entre os homens. O trabalho parcelar16 introduzido na sociedade surge ao mesmo tempo que o projeto burguês de "educação e cidadania para todos". Este projeto tinha como principal objetivo legitimar a nova ordem social, alem de 15 BUFFA, Ester. Educação e cidadania burguesa. São Paulo : Cortez, 1993. p. 11-29. 16 Trabalho dividido em partes diferentes, executadas por trabalhadores distintos. Cf, BUFFA. op. cit.. p.13.
  • 6. defender a educação elementar para todos, embora mantivesse o ensino superior como privilégio da nova classe dominante. A estrutura universitária corporativista, herdeira dos ensinamentos ultrapassados da Idade Média, era um obstáculo para as pretensões dessa nova ordem social. A formação profissional necessária para atender à nova realidade de produção passou a ser obtida fora das universidades, quer pela iniciação familiar, quer pelas leituras profissionais ou, principalmente, pela atuação das associações particulares. Essas associações eram, segundo Verger,17 Estabelecimentos totalmente independentes das universidades, abertos a novas idéias e a novas pedagogias, divididos em Centros de Excelência, com vocação cultural, e as academias, que apesar de não se dedicarem ao ensino eram muitas vezes dotadas de grandes bibliotecas e substituíram em grande escala as universidades, como conselheiras dos príncipes e instâncias legitimadoras do saber. Algumas são famosas até hoje, como a Royal Society. Na Europa, o projeto burguês encontrou no ensino básico um mecanismo de legitimação do seu poder. Já nas colônias o ensino adquiriu outras proporções, dependendo do tipo de relação estabelecida pela metrópole. Esse relacionamento determinou as diferenças estruturais que encontramos tanto na América do Norte, como na América Espanhola, que herdaram e modificaram de acordo com seus interesses a estrutura educacional européia. No Brasil, com algumas exceções de escolas superiores isoladas, as Universidades já nasceram em crise. Crise, principalmente, de identidade, uma vez que não experimentaram o crescimento normal de sua estrutura, nem tampouco cresceram por desejo legítimo de uma sociedade em um desenvolvimento autônomo. O modelo de universidade adotado na década de 60, por ter sido importado da sociedade americana, onde os valores tecnicistas vieram a substituir os valores humanistas do modelo europeu que figurava até então, contribuiu para agravar a crise de identidade da universidade brasileira. Segundo Darcy Ribeiro,18 a superação de tal crise poderia ser obtida a partir de duas linhas políticas. A primeira, que ele denomina “modernização reflexa”, diz respeito ao aperfeiçoamento tecnológico de nossas universidades, a fim de aproximá-las às suas congêneres em países desenvolvidos. A segunda, designada “crescimento autônomo”, segundo o autor, Parte da suposição de que a universidade, como uma subestrutura inserida numa estrutura social global, tende a operar como órgão de perpetuação das instituições sociais, enquanto atua espontaneamente; e que só pode 17 CHARLE, VERGER. op. cit. p. 64-65. 18 RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1969. p. 9-12.
  • 7. representar um papel ativo no esforço de superação do atraso naciona, se intencionaliza suas formas de existência e de ação com este objetivo. Assim, a política modernizadora tende apenas a tornar a universidade mais eficiente, ao contrário do crescimento autônomo, que exige uma postura crítica baseada em diagnóstico, planejamento, escolha estratégica de objetivos, o que proporcionaria o real desenvolvimento da universidade. Partindo da premissa de que universidades e bibliotecas são agências sociais organizadas para atender às necessidades um grupo social ou da sociedade em geral, a interseção dessas duas instituições, vista agora como um único conceito – o de Biblioteca Universitária - nos leva a considerar a existência de uma unidade organizacional que reúne os predicados principais das bibliotecas e os da universidade, em suas várias concepções históricas e posicionamentos sociais. O núcleo dessa relação (biblioteca universitária), transformada em conceito singular absorve, por outro lado, problemas de identidade institucional gerados pela diferença presente nos dois universos externos ao centro nuclear. Tais diferenças, entendidas como dificuldades, podem ser exemplificadas pelo próprio papel exercido pela biblioteca dentro da universidade, uma vez que as bibliotecas universitárias não se dedicam, de maneira exclusiva, nem ao ensino nem à administração da universidade, de modo que não se encaixam nem nas funções docentes nem nas administrativas. Na verdade, elas são um misto das duas, pois não só administram o patrimônio informacional da universidade (incluindo-se seu aspecto físico) como exercem uma função educativa, ao orientar os usuários na utilização da informação para atingir suas metas, seja com seu próprio acervo, ou seja com o de outras bibliotecas. Assim, por sua função e características, a biblioteca acaba tendo um lugar peculiar dentro da universidade. Deste modo, um estudo analítico da relação destas duas agências só pode ser desenvolvido se levarmos em consideração o contexto social, econômico, político e cultural em que foram criadas e vêm se desenvolvendo. A utilização das bibliotecas pelas universidades determinou mudanças e transformações em ambas. Estas alterações, no caso das bibliotecas, podem ser observadas na composição de seus acervos, bem como na natureza de sua estrutura, organização e funcionamento. Vale ainda lembrar que as bibliotecas, por serem anteriores ao surgimento das universidades, possuem uma experiência mais consolidada de adaptação às mudanças sociais.
  • 8. 3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE OS MODELOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS O modelo adotado para a universidade brasileira e para suas bibliotecas determinou mudanças e transformações em ambas e, como marco fundamental dessa discussão nas últimas décadas, pode-se citar a criação, em 1986, do Programa Nacional de Bibliotecas Universitárias - PNBU. Ao longo dos últimos 12 anos, a partir das propostas geradas pelo PNBU, as bibliotecas universitárias se estruturam, reestruturaram-se, chegando ao final da década de 90 com condições de desenvolver propostas de modernização com maior maturidade. Em um dos projetos coordenados por Mercadante19 , Chastinet20 menciona que, desde a sua criação, o PNBU vinha recebendo solicitações sobre a maneira mais adequada de estruturar-se as bibliotecas universitárias, com vistas à melhoria dos serviços prestados aos usuários. A meta do projeto coordenado por Mercadante era a de chegar-se a propostas de modelos organizacionais e de critérios que orientassem a definição de níveis de centralização/ descentralização das funções da biblioteca. Embora tal meta não tenha sido atingida, uma série de recomendações foi encaminhada às Instituições de Ensino Superior o que, sem dúvida, proporcionou o início de uma relação mais produtiva entre as chefias das bibliotecas e a administração superior das universidades. Ainda em Mercadante,21 A escolha de estruturas organizacionais não se dá por acaso. Tem que se considerar o aspecto histórico da instituição como um dos principais fatores determinantes da adoção de medidas de estruturação numa organização. Isto é válido para bibliotecas universitárias porque, historicamente, a maioria delas se formou a partir de uma única unidade, com posterior desdobramento para bibliotecas departamentais, depois setoriais e, hoje, grande parte tem uma estrutura centralizada, em forma de sistema. O modelo sistêmico foi assim sugerido como uma alternativa mais eficiente para não só estabelecer relações mais estreitas e coordenadas entre as várias bibliotecas de uma universidade, como também, e principalmente, para permitir o diálogo mais eficiente entre o Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Ensino Superior (SESU), com o 19 MERCADANTE, Leila M. Z. (Coord.). Análise dos modelos organizacionais de bibliotecas universitárias nacionais. Brasília : PNBU, 1990. 20 CHASTINET, Yone. In: MERCADANTE. op. cit. Apresentação. 21 op. cit., p. 14.
  • 9. Diretor do Sistema de Bibliotecas o qual, por recomendação do próprio MEC, deveria estar subordinado diretamente ao reitor da universidade. A preocupação da adoção do modelo sistêmico para as bibliotecas universitárias tem sua justificativa, tal como mencionou Mercadante, nas estruturas vigentes nas universidades durante as décadas de 70 e 80, as quais vinham se desenvolvendo a partir do modelo de especialização do conhecimento, criando cursos e programas voltados para áreas e temas particulares do saber, o que gerava a demanda de atendimento bibliográfico também especializado. No entanto, como afirma Dunlap, apud22 Um padrão ou modelo de organização só é válido enquanto subsistirem as condições que o determinaram, e somente uma boa estrutura de organização não assegura o atendimento aos objetivos da biblioteca. É ainda Mercadante23 quem afirma que Nenhum modelo único de estrutura poderá servir a todas as bibliotecas acadêmicas; para cada instituição deverá ser determinado qual o seu escopo, seus objetivos (...) é preciso que se respeite a "cultura" da instituição, incluindo seu tipo, tamanho, missão, a força de sua autoridade central, seus fundos financeiros (...) e que estejam bem determinadas as relações entre a biblioteca e as outras unidades do "campus" e os "links" entre ela e a comunidade acadêmica, sejam professores ou alunos. Assim, não há como afirmar a priori que o modelo centralizado é melhor que o descentralizado ou ao contrário, uma vez que não só as características das universidades são diferentes como, principalmente, as características particulares de cada uma delas podem mudar, dado o caráter dinâmico da evolução social. Como diz Miranda,24 Nunca se esgotam estudos sobre estrutura, uma vez que as organizações estão com freqüência em fase de adaptação e/ou desenvolvimento, bem como de planejamento para renovação e criação de atividades/serviços. Desta forma, encontramo-nos no final da década de 90 convivendo com bibliotecas universitárias com as mais variadas estruturas organizacionais: centrais únicas, como é o caso, por exemplo, da Universidade de Brasília (UnB); centrais setorializadas, como a Biblioteca da Universidade Gama Filho; descentralizadas com coordenação setorial; descentralizadas com coordenação central, como é o caso da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio), entre outras. 22 MERCADANTE. op. cit., p. 15. 23 Ibidem, p. 23. 24 MIRANDA. apud MERCADANTE. op. cit., p. 15.
  • 10. É bem verdade que, à exceção da biblioteca central única, todas as demais estruturas adotaram total ou parcialmente o modelo sistêmico, sendo que em alguns casos, como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), independentemente da existência de uma Biblioteca Central, que normalmente é a coordenadora do Sistema de Bibliotecas, foi criado um sistema estruturalmente acima das bibliotecas, o SIBI, com a missão de coordenar e gerenciar todas as bibliotecas da universidade. O modelo sistêmico pode ser entendido como uma solução alternativa para resolver a dicotomia dos modelos centralizado/descentralizado. Ele pode ser considerado como tendo sido o indicador, desde a década de 80, de que as estruturas verticalizadas presentes nos dois modelos não atendiam mais às funções das bibliotecas universitárias modernas. Dois fatos norteadores e polêmicos ao mesmo tempo - a especialização e a interdisciplinaridade - indicam que as bibliotecas universitárias devem passar a considerar esses dois aspectos não como antagônicos, mas sim como eixos coordenados e, como tal, gerenciados por modelos que considerem a interseção de suas vantagens e desvantagens, obtendo um produto (modelo próprio de cada universidade) que atenda às especificidades de cada biblioteca e, ao mesmo tempo, permita a sua comunicação globalizada. Se a matéria-prima da universidade é a informação e o órgão da universidade responsável pelo gerenciamento dessa informação é a biblioteca, pode-se dizer, como uma analogia ao "Ciclo da Informação", que tudo começa e termina na biblioteca. A transferência da informação pode ser representada por um modelo que divide o universo informacional em dois segmentos: o universo sócio-cultural, representado pela produção, editoração, assimilação e nova produção do conhecimento, e o universo documental, representado pelo papel que as instituições de memória documental exercem como garantia dessa transferência e que dizem respeito às etapas de seleção e aquisição, organização da memória documentária e disseminação da informação. Quanto à produção do conhecimento, com a mudança do paradigma da ciência, que deixa de se pautar exclusivamente pela verticalidade (especialização), se conduzindo mais no sentido da horizontalidade das abordagens transdisciplinares, as informações produzidas pela sociedade dificilmente podem ser antecipadamente classificadas por áreas de interesses, em categorias fixas e imutáveis. Essas informações são disponibilizadas por vários segmentos do mercado produtor e é no momento da procura ou busca que as interseções de significado vão ocorrer. Isto é, a priori não se pode afirmar que um texto de medicina possa somente
  • 11. interessar aos médicos, assim como uma foto da clonagem de ovelhas ser útil apenas aos geneticistas. Os produtos informacionais são cada vez mais abundantes, interrelacionando todas as áreas de interesse. Quanto à editoração, as informações produzidas poderiam, grosso modo, ser classificadas pelo atributo do suporte em textuais, visuais, sonoras ou tridimensionais. Ou, ainda, por uma combinação dessas categorias. Na verdade, os suportes vão se desenvolvendo em função dos avanços tecnológicos, configurando-se aí não só a diversidade como a duplicidade. Hoje temos condições de acessar uma revista científica em papel, em CD-ROM e até em microformas (técnica muito utilizada nas décadas anteriores para manutenção e reprodução de documentos) ou em arquivo eletrônico, que parece ser o meio mais rápido e de baixo custo para a disseminação da informação. Temos a possibilidade de analisar uma escultura, com todos os detalhes técnicos, em um museu virtual, como em um museu tradicional. Um outro exemplo seria a apresentação de um vídeo sobre uma determinada técnica cirúrgica e a descrição dessa mesma técnica em texto convencional. Os suportes são, portanto, variadíssimos, e passam a se constituir em acessórios à localização da informação, ou seja, fazem parte do universo de restrição a uma estratégia de busca, à exceção das pesquisas que visam ao suporte como objeto de interesse, passando o tema a ser secundário. Com relação à assimilação, Virilio25 afirma que Ao lado das dimensões espaço e tempo, existe hoje uma outra dimensão, que é a luz. Não a luz no sentido puro da claridade, da visão, do entendimento, mas a luz em sua versão de trajeto. Para Virilio, o que nos move hoje no sentido das representações sociais não é mais o espaço e o tempo, mas o movimento, o trajeto, invertendo assim o conceito de velocidade da luz para a luz da velocidade. É o tempo real que importa. Superação intempestiva da objetividade, depois do ser do sujeito e do ser do objeto, o intervalo do tipo luz traz à luz o "ser trajeto". Este último definindo a aparência ou, mais exatamente, a trans-aparência do que é, e a questão filosófica não seria mais: a qual distância de espaço e de tempo se encontra a realidade observada?, mas, desta vez: a que potência, ou seja, a que velocidade se encontra o objeto percebido? Não é mais uma questão de localização absoluta, mas de percepção relativa, a qual Virilio nomeia de energia cinemática da relatividade. 25 VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 9.
  • 12. Quanto mais veloz a apresentação dos produtos à sociedade, mais rápido estes ficam obsoletos. Assim, a estruturação de uma memória documentária tanto é mais eficiente quanto mais veloz for a capacidade do sistema de absorver, organizar e difundir informações. O sentimento predominante da sociedade atual pode ser caracterizado pela ansiedade de informação. Ansiedade no sentido de saber que existe uma informação relevante e não conseguir acessá-la em tempo hábil. Ou, produzir uma informação importante e não conseguir disponibilizá-la. O volume de informações produzidas, no seus mais variados suportes e a velocidade com que entram e saem do sistema, nos leva a refletir sobre as estratégicas de localização e disseminação dessas informações. No momento de selecionar aquelas informações relevantes, certamente vamos precisar de atalhos, ou filtros. Hoje nos valemos de páginas de índices temáticos, organizadas em sistema hipertexto, que nada mais são do que uma sucessão de filtros ou de atalhos pelos quais o usuário vai selecionando o caminho mais propício à localização de uma dada informação. Tais atalhos visam, portanto, a diminuir a ansiedade de informação, facilitando o acesso mais rápido aos conteúdos que venham a satisfazer a uma determinada necessidade de informação. No entanto, o processo de disseminação da informação não é exclusivo ao modelo de organização e recuperação. Ao contrário, faz parte da natureza humana a transmissão de informações adquiridas para a geração de novos conhecimentos. No passado, a tradição oral era o único meio de armazenamento, transmissão ou difusão da informação. Segundo McGarry,26 para facilitar a memorização e a evolução, a tradição coletiva era conservada na poesia ou na prosa rítmica e os mitos e lendas eram usados como uma espécie de enciclopédia tribal. Sem quaisquer outros registros paralelos para comparar, o mito, a história e a realidade social fundem-se num só. Após as escritas cuneiformes e hieroglíficas, o alfabeto permitiu à humanidade registrar e comunicar idéias por meio de símbolos visuais. Embora a transmissão da informação registrada tenha possibilitado um enorme avanço social, o desenvolvimento tecnológico dos outros meios de comunicação (visual, sonoro e eletrônico) encurtou as distâncias espaciais, transformando o mundo segmentado em 26 Mc GARRY, K. J. Da documentação à informação : um contexto em evolução. Lisboa : Editorial Reserva, 1984. p. 43, 44. Na opinião de Claude Levi-Strauss, a diferença essencial entre sociedades com escrita e sociedades sem escrita é que as primeiras são pluralistas e contém sempre mais de um ponto de vista, mais de uma possibilidade de ação. As sociedades primitivas, ou sem escrita, tendem a ser monolíticas; os modos de fazer vigentes não são postos em questão e a tradição fornece definitivamente o plano de como as coisas devem fazer-se. O pluralismo cria tensão e debate e desencadeia o futuro.
  • 13. um "centro cultural global". Embora todas essas formas de transmissão ainda hoje convivam paralelamente, o fato é que, do ponto de vista das instituições que armazenam informações (já selecionadas), a disponibilização destas é não só uma tarefa social, a de garantir o direito à informação, como também a última etapa do ciclo de vida do documento no segmento do universo documental. Sem a disseminação o ciclo total se rompe, impedindo as novas construções e a geração de novos conhecimentos. Portanto, um modelo que possa garantir o papel de produtor da informação por parte da universidade e de disseminador de informações por parte da biblioteca deve considerar uma estrutura matricial que agregue as vantagens da descentralização (especialização) e as vantagens da centralização a um menor custo em recursos humanos, em recursos físicos e materiais e em recursos tecnológicos. Independentemente das especificidades de cada universidade, suas bibliotecas devem considerar a transformação de suas estruturas de um comando vertical (fortemente hierarquizado e, portanto repetidor de tarefas), em um comando de articulação horizontal. Um exemplo dessa tendência em outros campos do conhecimento é o da administração de atividades por projetos, que privilegia o atingimento de metas específicas a partir do esforço integrado (horizontal) de toda a estrutura organizacional da instituição. 4 RECOMENDAÇÕES OU PONTOS A CONSIDERAR NOS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO E MODERNIZAÇÃO DAS BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS Sem abandonar ainda o modelo sistêmico, norteador das condutas organizacionais e paradigma da Ciência da Informação, a consciência de uma nova postura para a administração de nossas bibliotecas universitárias deve considerar três pontos fundamentais: 1. O caráter disciplinar/interdisciplinar da academia; 2. As condições da estrutura e da cultura organizacional da instituição e 3. As novas ofertas tecnológicas para o processamento e disseminação da informação.
  • 14. No primeiro caso, pode-se afirmar que a especialização se traduz em um crescente aprofundamento do conhecimento e em fontes de informação cada vez mais verticalizadas e numerosas, de modo que o usuário necessita de um atendimento personalizado e de profissionais da informação especialistas naquela área, a fim de satisfazer suas necessidades informacionais e de manter um constante relacionamento com organismos produtores e disseminadores de conhecimentos específicos em cada campo do saber. Por outro lado, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a multidisciplinaridade que hoje norteiam o conhecimento devem ser vistas e analisadas como nova perspectiva e uma nova opção de modelo para bibliotecas universitárias. A interdisciplinaridade considera um discurso único, buscando um consenso nas várias áreas do saber, o que a diferencia da transdisciplinaridade, a qual respeita as diferenças disciplinares, buscando as interseções nas áreas do conhecimento; já a multidisciplinaridade transita nas teorias e metodologias de uma disciplina a outra, importando modelos ou incorporando novas experiências. Tais abordagens vêm sendo objeto de estudo em vários campos do saber, como, por exemplo, na área da saúde, que há muito vem colocando em prática essas visões. Se essas novas tendências vêm afetando toda a sociedade produtora de conhecimentos, a Ciência da Informação não pode excluí-las de seus modelos, principalmente aqueles que estão diretamente ligados às áreas acadêmicas, como é o caso das bibliotecas universitárias, vistas como agências de comunicação e sofrendo a interferência direta da sociedade na qual estão inseridas. As bibliotecas universitárias, embora vinculadas ao modelo e à administração das universidades, acabam se transformando, não de acordo com o modelo institucional, mas com a dinâmica da academia. Para as ciências humanas isso é fator preponderante, pois não se pode estudar a História sem que a Sociologia, a Antropologia, as Artes e outras manifestações culturais sejam observadas, da mesma maneira que as Artes não podem se restringir ao estudo apenas dos grandes pintores, dos clássicos do Teatro, dos mais célebres compositores, sem a preocupação de conhecer e entender o comprometimento desses personagens com as sociedades nas quais viveram, já que suas obras sofreram, certamente, a influência dessa sociedade e de seu tempo. Na dialética da disciplinaridade/interdisciplinaridade, não há como invalidar a importância das especialidades, como acontecia no passado, quando se buscava a universalização do saber, a exemplo dos enciclopedistas na época do Iluminismo. Sabe-se que é impossível alguém dominar profundamente todo o conhecimento, mas sabe-se também que
  • 15. as especialidades não existem isoladas, isto é, para conhecer-se bem um determinado campo do saber é necessário perspectivá-lo a partir de uma visão holística, posto que o isolamento do saber por si só não contribuirá para o avanço do conhecimento como um todo. Atualmente, as várias áreas do conhecimento transitam em caminhos de mão dupla, evoluindo desde a separação do saber iniciada principalmente por Kant até a convivência com as diferenças defendida por Habermas27 quando diz que ... no atual estágio de diferenciação e especialização das Ciências Sociais, dificilmente alguém há de poder "dominar" várias dessas disciplinas, muito menos todas elas. Por outro lado, Foucault, comentado por Machado,28 demonstra a viabilidade do trânsito disciplinar quando inova metodologicamente no relato da sua obra História da Loucura, estabelecendo relações entre os saberes numa multiplicidade de recortes discursivos e não lineares. O objetivo da análise é estabelecer relações entre os saberes para que destas relações surjam, em uma mesma época ou em épocas diferentes, compatibilidades e incompatibilidades que não sancionam ou invalidam, mas estabelecem regularidades, permitem individualizar formações discursivas29 . Assim, é a partir década de 80 que começa a despontar um novo caminho para o saber, que não é o do conhecimento global nem do específico, mas do conhecimento que transita em vários campos, épocas e espaços como conseqüência de uma estratégia de construção operada pelo pesquisador. Seguindo esta nova perspectiva, as bibliotecas universitárias devem acompanhar as novas necessidades dos profissionais que atendem, iniciando por uma reavaliação de suas estruturas e funções, buscando novos modelos menos fechados e limitados a determinados ramos do saber. Na verdade, é desejável que o bibliotecário seja ao mesmo tempo especializado, a fim de atender a demandas específicas, e generalista, a fim de poder transitar nessas áreas de interface, além de ser capaz de situar aquela informação específica em um contexto informacional e cultural maior, sem o que a informação específica perde seu valor. O segundo ponto a ser levado em consideração é o que diz respeito às condições da estrutura e da cultura organizacional da instituição. O fator estrutural problematizante é, sem dúvida, a crescente falta de recursos das instituições de ensino superior, o que torna cada vez mais difícil manter um padrão mínimo de gerenciamento, processamento de acervo e 27 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1984. p. 9 28 MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1996. p. vii. 29 ibidem, p. viii.
  • 16. atendimento ao usuário, quanto mais transformar a biblioteca em um órgão que atenda às necessidades dos novos tempos. Sem contar com a influência da pesada estrutura verticalizante de nossas universidades, que propicia uma demora considerável na adequação a mudanças. Este último ponto, agravado na atualidade, já era objeto de preocupação quando da criação do PNBU em 1986. Chastinet30 já afirmava em 1988 que os acervos das bibliotecas eram deficientes, não havia recursos próprios alocados a cada biblioteca, os recursos para aquisição de material bibliográfico provinham de fontes externas de financiamento, e que a crise financeira da época acabaria por desmontar as bibliotecas universitárias do país. A política econômica atual e, principalmente, a política de reestruturação do Serviço Público, já estão obrigando as bibliotecas universitárias a repensar seus modelos estruturais- funcionais, a fim de continuar prestando os serviços informacionais essenciais à comunidade acadêmica e de criar meios para modernizá-los. Quanto à cultura organizacional, há uma série de aspectos a considerar ao se ponderar sobre qual a melhor estrutura para as bibliotecas de uma instituição de ensino superior. Em primeiro lugar, a biblioteca deve suprir as necessidades informacionais dos cursos oferecidos pela universidade, além de resguardar a produção intelectual da instituição. Ela é tanto a fonte para a produção de novos trabalhos quanto o receptáculo do produto desses trabalhos, além de oferecer ao pesquisador acesso a alternativas que se encontrem em acervos externos à universidade e de oferecer a outras instituições acesso a seu próprio acervo. Ou seja, ela não só armazena a informação como cria uma rede dinâmica para que ela circule. Por outro lado, à falta de identidade da biblioteca na cultura organizacional da universidade (ela é geralmente considerada órgão suplementar) causa uma certa estranheza por parte dos outros órgãos integrantes da universidade, levando, muitas vezes, a um certo distanciamento, que prejudica tanto a eficiência da biblioteca quanto a definição da estrutura mais adequada para o gerenciamento do patrimônio informacional da universidade. Pode haver, por exemplo, uma certa dificuldade para escolher a estrutura que as bibliotecas tomarão a fim de melhor atender às demandas das Escolas ou Cursos, já que para isso é preciso considerar as necessidades, histórias e peculiaridades de cada um, colocando, ao mesmo tempo, esses fatores dentro da estrutura da universidade como um todo. É também necessário 30 CHASTINET, Yone. Bibliotecas das instituições de ensino superior: remontar ou desmontar. Brasília : PNBU, 1988. p.8.
  • 17. vencer as resistências e trabalhar em conjunto com essas unidades organizacionais da universidade. O terceiro ponto a ser levado em consideração é o da oferta tecnológica para o gerenciamento das atividades e ações da biblioteca universitária. Embora possa parecer que este aspecto diga respeito apenas a uma política modernizadora31 , o fato é que a escolha do aparato informático, software, hardware e conectores (redes e sistemas) certamente implicará uma mudança estrutural e funcional, não só da biblioteca como também de outras unidades acadêmicas e administrativas com as quais a biblioteca interage na obtenção e troca de informações. O planejamento da modernização para o processamento e a disseminação da informação deve considerar, portanto, todas as questões levantadas nos pontos anteriores e em especial as projeções de desenvolvimento e modernização da universidade. Não é só uma questão de custo-benefício a curto prazo, mas de autonomia gerencial e capacidade de integração com a sociedade da informação. 5 CONCLUSÃO Em suma, no momento de escolher qual o melhor modelo para suas bibliotecas, cada instituição deve levar em conta suas características, sua história, seu desejo de interagir com outras instituições similares e sua capacidade de adequação ao momento histórico e a seu local de atuação. É discutível que, em um mundo que se transforma cada vez mais rapidamente e em que existe uma tal variedade de situações e necessidades, seja possível impor um único modelo estrutural para as bibliotecas universitárias. A questão principal é o papel que a biblioteca deve assumir para atender às demandas de seus usuários. O modelo escolhido, seja o centralizado, o descentralizado ou qualquer outro, deve considerar o equilíbrio entre as necessidades informacionais de seus usuários, as características da universidade de que faz parte e o papel da biblioteca na instituição. Além disso, não deve ser esquecida a dinâmica moderna das estruturas complexas, de tal sorte que os seus eixos verticais possam ser atenuados pela leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência presentes na horizontalidade das ações gerenciais. Nenhuma biblioteca é igual a outra, por isso devem ser respeitadas suas diferenças. Assim, objetivos devem se ajustar as realidades específicas, e tal como em Miranda,32 Esta é a essência mesma de qualquer instituição democrática: a de ajustar-se a um plano diretor ou 31 cf., RIBEIRO, Darcy. op. cit. 32 MIRANDA, A. A missão da biblioteca pública no Brasil. R. Bibliotecon. Brasília, v. 6, n. 1, 1978. p. 6
  • 18. a um sistema geral sem perder de vista os seus próprios objetivos, sem renunciar a satisfazeras necessidades peculiares de seus próprios usuários. ABSTRACT It discusses the structural and functional models adopted by brazilian universities libraries, taking into account the theoretical fundaments, the historical evolution of the libraries-universities relationship and the modernization attempts of the eighties, focusing at the systematic model as an alternative solution to solve the specialization/interdisciplinarity dichotomy and indicating the points that shall de taken into consideration in the choice of the most appropriate model. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUFFA, Ester. Educação e cidadania burguesa. São Paulo : Cortez, 1993. CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo : Companhia das Letras, 1990. CHARLE, Christophe, VERGER, J. História das universidades. São Paulo : UNESP, 1996. CHASTINET, Yone. Bibliotecas das instituições de ensino superior: remontar ou desmontar. Brasília, PNBU, 1988. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1996. GOMES, S. Conti. Bibliotecas e sociedades na Primeira República. São Paulo : Pioneira, 1983. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1984. MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Ática, 1996. MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. McGARRY, K. J. Da documentação à informação : um contexto em evolução. Lisboa : Editorial Reserva, 1984. MERCADANTE, Leila M. Z. (Coord.). Análise dos modelos organizacionais de bibliotecas universitárias nacionais. Brasília : PNBU, 1990. MIRANDA, Antônio. A missão da biblioteca pública no Brasil. R. Bibliotecon. Brasília, v. 6, n. 1, jan./jun. 1978. MOSTAFA, Solange Puntel. Epistemologia da Biblioteconomia. São Paulo, 1985. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1985.
  • 19. MUELLER, Susana P. M. Bibliotecas e sociedade : evolução da interpretação de função e papéis da biblioteca. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 7-45, mar. 1984. RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1969. VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. SISTÊMICO adjetivo 1 relativo a sistema ou a sistemática 2 relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema 3 que se refere ou segue um sistema em seu conjunto 3.1 disposto de modo ordenado, metódico, coerente