Revista RI 166 - aquecimento global - por lucia rebouças
1.
2. A pergunta surge no centro de uma polêmica sobre o papel
do homem como protagonista de uma aceleração de mudanças
no clima e da necessidade de redução da emissão de dióxido de
carbono (CO2) e outros gases poluentes da atmosfera, sob pena
de enfrentarmos alterações climáticas catastróficas para a qualidade
e continuidade da vida no planeta. A discussão, que envolve
defensores da redução de CO2 já, céticos e precavidos, contribui para
se avaliar com mais propriedade a questão da sustentabilidade, além
de ser fundamental para nortear decisões de investimento público
e privado; direcionar estratégias para a perenidade das empresas
e orientar mudanças de comportamento econômico e social.
por LUCIA REBOUÇAS
A polêmica sobre o aquecimento global ganhou grande vi- A publicação do artigo foi imediata e fortemente criticada e
sibilidade recentemente com a divulgação no Wall Street o Wall Street Journal acusado de viés editorial. Segundo ma-
Journal, um dos mais importantes jornais de economia e téria publicada na revista Forbes, o jornal preferiu publicar
finanças do planeta, de um artigo assinado por 16 cientistas este conteúdo e não outro trabalho assinado por um núme-
que contestam a existência de uma mudança climática pro- ro muito maior de cientistas, como a carta de 255 membros
vocada pelo aumento das emissões de CO2, decorrentes de da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos que
atividades humanas. No artigo, os cientistas são categóricos diz exatamente o contrário. Nela, eles falam do aumento e
ao afirmar, por exemplo, que a adoção de políticas agres- da necessidade de redução de emissões de CO2 para mini-
sivas de controle de gases de efeito estufa não se justifica, mizar o aquecimento global e suas conseqüências desastro-
mesmo que se aceite as previsões climáticas do Painel In- sas para a vida no planeta.
tergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC sigla
em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), criado No Brasil, um dos céticos em relação ao fenômeno do aque-
para avaliar os aspectos científicos do sistema climático. cimento global, o professor doutor Ricardo Augusto Felício,
do departamento de geografia da Universidade de São Paulo,
Entre os 16 cientistas que assinaram o artigo publicado especialista em climatologia geográfica, Antártida, meteoro-
pelo conceituado jornal americano estão pesquisadores e logia e ciclones extratropicais que atuam no país e no cintu-
professores como Richard Lindzen, professor de ciências at- rão polar, rebateu a crítica. Conforme observou, o número de
mosféricas do MIT (Massachusetts Institute of Technology), cientistas não é importante, mas sim se eles estão certos. Diz
William Happer professor de física de Princeton, Michael ainda que “na verdade esse número de cientistas nunca foi
Kelly, professor de Tecnologia da Universidade de Cambrid- comprovado pelo IPCC, onde a maior parte dos “chamados
ge, Antonio Zichichi, presidente da Federação Mundial de cientistas” são na verdade “ongueiros”, burocratas e pesqui-
Cientistas, em Genebra, além de membros da Royal Duch sadores de outras áreas, com quase nada de conhecimento e
Serviço Metereológico, Sociedade Americana de Física. participação em climatologia”.
Setembro 2012 REVISTA RI 13
3. EM PAUTA | Aquecimento Global
Foto: Ricardo Matsukawa/Terra
RICARDO FELÍCIO PAULO ARTAXO
Sobre o aquecimento global, o climatologista da USP, cujas afir- Para o físico, isso é visível nas medidas realizadas pelos cien-
mações em entrevistas a concedidas a programas na TV brasi- tistas. Antes da revolução industrial a concentração de CO2 na
leira causaram grande ‘frison’, afirma que os defensores da des- atmosfera era de 280 ppm (partes por milhão), hoje está em
carbonização não trazem a evidência de que o homem causou 385 ppm e subindo na razão de 2% a 3% ao ano. Na avaliação
o aquecimento por excesso de emissão de CO2. “As hipóteses dele, não há dúvida de que o aumento é devido à queima de
dos que defendem essa tese não se confirmam, principalmente combustíveis fosseis e, em segundo lugar devido ao desmata-
com os valores observados atualmente dos registros de dióxido mento na Amazônia. “O aquecimento, em nosso planeta, pela
de carbono e das temperaturas. “Enquanto fenômeno natural, queima de combustíveis fosseis é de mais de um grau centi-
o tal aquecimento, que foi extremamente suave, já era previsto grado”, acrescenta Artaxo, reconhecido por suas pesquisas há
de acontecer desde a década de 1970, anos em geral que se apre- mais de 20 anos à frente do Experimento de Grande Escala da
sentaram mais frios, perdurando até o final do século XX.” Biosfera-Atmosfera na Amazônia, o LBA.
De acordo com Felício, desde 1998, as temperaturas já Falando sobre a credibilidade daqueles que descartam a
indicaram arrefecimento, daí a tentativa de “esconder o emergência de uma redução das emissões de CO2, Arta-
declínio”, desclassificando seus observadores. De forma xo conta que muitos cientistas foram pagos para realizar
geral, conforme o climatologista, as temperaturas deve- estudos, para mostrar que os gases de efeito estufa não
rão apresentar declínio até aproximadamente a década existem, mas acabaram chegando a conclusões inversas.
2020-2030, se seguirem os padrões observados no último Um exemplo recente é o do conhecido cético, o cientista
século. Na corrente oposta, o professor do Instituto de Físi- norte-americano Richard Muller, que integra uma equipe
ca da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, espe- de cientistas da Universidade da Califórnia, dedicada ao
cialista em meio ambiente e doutor em física atmosférica estudo de como as mudanças de temperatura podem estar
declara ter certeza de que as concentrações de CO2 na na- ligadas à atividade humana e/ou a fenômenos naturais,
tureza estão aumentando sim e pela atividade humana. como a atividade solar e vulcânica.
14 REVISTA RI Setembro 2012
4. CAMADA DE OZÔNIO
Outra controvérsia que opõe o climatologista e o físico da
USP é a questão da camada de Ozônio. De acordo com Fe-
lício, o conceito de “camada” é reducionista de algo que é
mais complexo e intrincado. “Aconteceu que passou o tem-
po e a coisa virou uma entidade. Não existe tal camada. O
que existe é a chamada ozonosfera, parte da baixa estra-
tosfera, onde a probabilidade da existência de gás ozônio é
maior, dada certas condições particulares. Assim, o ozônio
se apresenta como nuvens ozônicas, e não como camada, as
quais permanecem nesta faixa da atmosfera onde a pressão
é muito baixa (de 50 a 10mb, quando na superfície, ao Nível
Médio do Mar, ela é considerada com 1013,25mb)”.
Nem mesmo o próprio Gordon Dobson dizia “camada”,
“buraco na camada” e coisas afins. Eles já sabiam que a
variação do ozônio é extremada. De uma hora para ou-
tra verificava-se variação de 1000% (mil) nas concentra-
ções do gás, dada a sua alta reação. Ao mesmo tempo,
deve-se ressaltar que o gás só é produzido com a ação da
radiação ultravioleta da banda C. Sem luz, sem ozônio.
Simples assim. Desta forma, nas partes polares, a sua
baixa concentração verificada na saída dos respectivos
invernos é dada pela ausência de luz solar e não por
JOSÉ GOLDEMBERG causa de CFCs ou coisas do gênero. As diferenças mar-
cantes entre os hemisférios da Terra fizeram com que
as anomalias sobre o pólo Sul fossem mais acentuadas
A Pesquisa da equipe mostrou que a temperatura mé- do que as verificadas no pólo Norte. Os cientistas sem-
dia da superfície terrestre aumentou 1,5º C nos últimos pre souberam disto.
250 anos, e a melhor explicação para este aquecimento
está nas emissões humanas de gases de efeito estufa. “Não Para Artaxo dizer que a camada de ozônio não existe é um con-
esperava isto, mas como cientista é meu dever permitir tra senso. “Não só ela existe como podemos estudá-la por medi-
que a evidência mude minha opinião”, declarou Muller da de sensoriamento remoto e por medida de solo.” Segundo o
em entrevista à mídia. físico, hoje é muito claro o efeito que a camada de ozônio tem
na proteção do fluxo de radiação ultravioleta na baixa atmosfe-
A pesquisa foi baseada na concordância entre a elevação da ra. “É preciso deixar claro que precisamos mudar o atual mode-
temperatura e o aumento de gases de efeito estufa conheci- lo de desenvolvimento pelo modelo de baixo carbono. Por isso
dos e não levou em conta a temperatura dos oceanos. é preciso que os governos implantem desde já programas de
longa duração e de largo alcance para a redução.”
Se a temperatura dos oceanos fosse medida, o resultado
poderia ser outro? Se concordarmos com o climatologis- AÇÃO DO HOMEM
ta da USP a resposta poderia ser sim. Segundo Felício, José Goldemberg, professor emérito, ex-reitor da Universida-
a esmagadora proporção de dióxido de carbono vem dos de de São Paulo (USP) e ex-secretário do meio ambiente do go-
oceanos. “Como observado nos últimos 60 anos, excetu- verno federal e do Estado de São Paulo, concorda que existem
ando-se os últimos cinco, eles liberarão mais CO2 para muitas causas conhecidas para o aquecimento global, como
a atmosfera que as emissões humanas. Sem falar dos as manchas solares, a inclinação do eixo da Terra, as erupções
vulcões, que todo ano dão uma contribuição significa- vulcânicas, etc. No entanto, na avaliação dele, nessa questão
tiva. Temos cerca de 550 vulcões ativos na Terra e uma a ação do homem sobrepõe-se a essas causas naturais. Ao con-
erupção grande é equivalente a toda emissão humana sumir combustíveis fósseis, o homem lança na atmosfera coi-
de CO2 de um ano.” sas que o planeta já havia enterrado, observa.
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5. EM PAUTA | Aquecimento Global
ROBERTO STRUMPF CARLOS EDUARDO LESSA BRANDÃO GIOVANNI BARONTINI
As bases científicas do aquecimento da Terra são simples, Citando o ultimo relatório divulgado pelo IPCC, Roberto
diz Goldemberg. “Desde o início da Revolução Industrial, Gonzalez, diretor de estratégia de sustentabilidade do The
no início do século 19, os seres humanos passaram a consu- Media Group - Comunicação Financeira e de Sustentabili-
mir quantidades crescentes de combustíveis fósseis (carvão dade, afirma que apesar de existir um processo natural de
mineral, petróleo e gás natural) cujo resultado é a produ- aquecimento e resfriamento do planeta, existe uma liga-
ção do CO2, que é lançado na atmosfera, onde permane- ção direta entre a ação antrópica e as mudanças climáti-
ce por um longo período de tempo. Sucede que esse gás é cas. Essas ações têm acelerado e potencializado alterações
transparente e deixa a luz solar passar, atingindo o solo e climáticas, incluindo o aumento do nível do mar, recuo
aquecendo-o. O normal seria esse calor voltar para o espa- das geleiras, bem como mudanças em padrões de precipi-
ço, porém isso não ocorre porque o dióxido de carbono não tação, resultando em ondas de calor, enchentes e secas.
deixa o calor passar e voltar para o espaço”.
Para o advogado e consultor em sustentabilidade, Giovan-
AQUECIMENTO ANTRÓPICO ni Barontini, argumentar contra a existência do aqueci-
Roberto Strumpf, biólogo, mestre em ciências ambien- mento global, com base na afirmação de que seria ridículo
tais pela Universidade de Sidney, com foco em ener- preservar os recursos naturais, pensar nas próximas ge-
gia e mudanças climáticas, acrescenta outra variável rações, ou promover o desenvolvimento sustentável está
que o leva a alinhar-se com quem defende o aqueci- simplesmente na contramão da história e da evolução da
mento antrópico. “O planeta já foi mais quente, já foi consciência humana. “Eu creio que todos os problemas
mais frio. Mas isso aconteceu em escala geológica, ao ambientais e sociais clamam por soluções que passam, ne-
contrário do que está ocorrendo agora quando esta- cessariamente, através de uma reformulação das nossas
mos constatando uma mudança muito, muito rápida”. consciências de empresários, de cidadãos e de pessoas, no
Diversos experimentos como registros históricos de nível individual e coletivo.”
temperaturas mostram que nos últimos 100 anos, os
dez mais quentes ocorreram de 1998 para cá, acrescen- O consultor acredita que o aquecimento global é uma
ta. Além disso, pesquisas clássicas como as realizadas oportunidade para repensar o modelo de sociedade que
com bolhas de ar presas no gelo da Antártida que fazem queremos e para uma profunda reforma dos nossos há-
correlação da temperatura que tinham quando foram bitos de vida. “É verdade que existem vozes dissonantes,
aprisionadas com o ar atual apontam um aquecimento mas, toda vez que me debruço sobre as teses contrárias,
da atmosfera, ressalta. percebo incongruências que não as legitimam.”
16 REVISTA RI Setembro 2012
6. PRINCIPIO DA PRECAUÇÃO
A complexidade da questão faz com que evocar o princi-
pio da precaução seja uma opção, independente de certezas
absolutas, coisa que também é questionável em ciência. A
discussão sobre o aquecimento não pode cegar a realidade
Se os céticos da mudança
de que estamos vivendo de forma insustentável no planeta, climática estiverem certos e o
destruindo capital natural e gerando mais resíduos do que
ele pode aquentar, diz Carlos Eduardo Lessa Brandão, espe- fenômeno for combatido, será
cialista em governança e sustentabilidade. “Sou favorável
à adoção do princípio da precaução: quando houver ame-
um esforço inútil, mas que
aça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza não sacrificará vidas; porém,
científica absoluta não deve ser utilizada como razão para o
adiamento de medidas economicamente viáveis para preve- se estiverem errados e nada
nir a degradação ambiental.”
for feito, quando a mudança
Segundo Brandão, se os céticos da mudança climática do clima chegar a um ponto
estiverem certos e o fenômeno for combatido, será um
esforço inútil, mas que não sacrificará vidas; porém, se crítico, as conseqüências
os céticos estiverem errados e nada for feito, quando a
mudança do clima chegar a um ponto crítico, as conse-
serão desastrosas. O tema
qüências serão desastrosas para todos. “Do meu ponto poderia reforçar (e não evitar)
de vista, o tema mudanças climáticas poderia reforçar (e
não evitar) uma discussão mais ampla sobre outras conse- uma discussão mais ampla
qüências indesejáveis decorrentes do padrão de atuação
humana nos últimos duzentos anos como poluição, resí- sobre outras conseqüências
duos, consumismo, etc.”
indesejáveis decorrentes do
Em 2006, o Relatório Stern, de autoria do economista padrão de atuação humana
Nicholas Stern, então conselheiro do governo britâni-
co, mostrou que a inação diante do aquecimento glo- nos últimos duzentos anos
bal pode levar a perda de até 20% do PIB mundial, en-
quanto as medidas para reduzir as emissões de gases de
como poluição, resíduos,
efeito estufa demandariam apenas 1% das receitas consumismo, etc.
globais. Já estudo realizado pelo economista William
Nordhaus, da Universidade de Yale aponta que uma
política que permita mais 50 anos de crescimento eco-
nômico sem impedimentos por controles de gases de
efeito estufa trará uma maior relação custo bene-fício Para investidores aquecimento não é modismo, diz Figueiredo.
sócio econômico. Passados 11 anos desde a sua criação, o CDP conta hoje com
656 signatários que juntos administram US$ 78 trilhões em ati-
Outro ponto de vista é acrescentado à discussão por Fer- vos financeiros. “Nosso trabalho é colocar a questão no meio
nando Figueiredo, diretor do CDP (Carbon Disclosure empresarial e governamental e junto aos investidores incenti-
Project) uma organização independente, sem fins lucrati- vando o que chamamos de governança climática. As emissões
vos. Na avaliação dele, é preciso superar a idéia de que o impactam no micro clima das cidades, principalmente as emis-
desenvolvimento e redução das emissões de carbono são sões feitas pelos veículos.” Existem quatro pontos que mostram
incompatíveis. “As decisões que perpetuam uma econo- que a eficiência energética é importante para a sustentabilida-
mia legítima, de baixo carbono e de alto crescimento vão de do negócio: redução de custos; risco de escassez e até do fim
trazer valor considerável para aqueles que tiverem a visão de algumas fontes de energia como o petróleo, reputação da
de futuro para tomá-las.” empresa, reeducação e perenidade, acrescenta.
Setembro 2012 REVISTA RI 17
7. EM PAUTA | Aquecimento Global
FERNANDO FIGUEIREDO ROBERTO GONZALEZ MARCO ANTONIO FUJIHARA
Segundo Roberto Gonzalez o mais importante é não ficar es- resses de vários matizes. Para Artaxo dizer que o aqueci-
perando que o pior aconteça. É necessário articular políticas mento não existe vem de interesses de grupos radicais e
públicas eficazes e obviamente viáveis entre as nações, que conservadores tanto nos EUA como no Brasil. “Nos EUA, a
incentive os instrumentos de prevenção às emissões de gases ala radical de direita tem se manifestado contra qualquer
do efeito estufa, diz. “O Brasil continua tendo um papel fun- atitude de redução de CO2.”
damental no engajamento de algumas políticas, negociando
alianças internacionais para estabelecer medidas desse Pensando nos motivos para questionar o aquecimento, o
tipo, como faz agora durante a Conferência de Mudan- professor Goldemberg lembra a existência de uma onda de
ças Climáticas, em Bangkok, capital da Tailândia (30/08 a obscurantismo cultural e científico sem precedentes, que
5/09/2012), com representantes de 190 países.” tem origem, principalmente, nos Estados Unidos, mas está
se propagando pelo restante do mundo. “Ao mesmo tempo
Esse evento pretende definir para 2015 metas de redução em que os físicos estão conseguindo desvendar os mistérios
de gases do efeito estufa que devem entrar em vigor em da natureza com a descoberta do Bóson de Higgs - (a partícu-
2020, já que o Protocolo de Kioto expira no final de 2012 e la de Deus), a cientologia avança nos Estados Unidos e a te-
seu futuro continua incerto, podendo ser prolongado com oria da evolução de Darwin é questionada nas escolas de vá-
a introdução de novos compromissos. O grande desafio é rios Estados daquele país. Ele também acredita que alguns o
chegar num consenso, já que os países em desenvolvimen- fazem para atrair a atenção do público e outros podem estar
to pleiteiam dos mais ricos fornecer US$ 10 bilhões anu- sendo estimulados pelas indústrias que serão prejudicadas
ais, a título de financiamento para mitigação e adaptação caso seja limitado o uso de combustíveis fósseis.
às mudanças climáticas. Com a crise econômica interna-
cional, chegar num consenso torna-se utópico. A crise e Para céticos como Felício, defender a necessidade urgen-
as eleições nos Estados Unidos foram um dos motivos do te de medidas contra a emissão de CO2 desvia o foco dos
fracasso da Rio+20. nossos verdadeiros problemas para uma coisa sem fun-
damento. “Ao invés de usarmos nossos melhores recur-
AGENDA OCULTA sos financeiros e humanos na resolução e discussão de
Por trás da polêmica sobre o aquecimento global e a ne- problemas como saneamento, saúde, educação e criação
cessidade de adoção de medidas para reduzir as emissões de resiliência humana frente às adversidades, estamos
de CO2 e outros gases de efeito estufa como o metano, perdendo tempo com uma fantasia que só tende a agra-
pode estar uma agenda oculta onde se escondem inte- var a situação atual.
18 REVISTA RI Setembro 2012
8. A mudança climática é
um tema transversal,
portanto não há como
deixar de falar, por
exemplo, em saneamento
básico, pois o esgoto gera
o metano que tem 21
vezes mais impacto no
clima do que o CO2. Se
tivermos tratamento de
esgoto, a conseqüência
será a menor quantidade
de emissões.
LINDA MURASAWA
Marco Antonio Fujihara, diretor da Key Associados, rebate Linda Murasawa, superintendente de Desenvolvimento Sus-
o argumento. A questão do investimento em coisas mais tentável do Santander, vê a questão dos interesses de forma
urgentes como saneamento básico, educação, saúde é um mais ampla. Na avaliação dela, a mudança climática é um
falso dilema. “O governo brasileiro investiu no pré-sal, tema transversal, portanto não há como deixar de falar, por
por exemplo, ao invés de investir nesses setores ou em exemplo, em saneamento básico, pois o esgoto gera o meta-
dar prioridades para investimentos em novas fontes de no que tem 21 vezes mais impacto no clima do que o CO2.
energia.” Para Fujihara, o Tufão na Flórida, enchentes na “Se tivermos tratamento de esgoto, a conseqüência será a
China, o inverno diferente no Brasil, são sintomas de que menor quantidade de emissões.”
as mudanças já estão ocorrendo e o melhor caminho é fa-
zer investimento já em tecnologia para a geração de novas Um alto índice de poluição com componentes como enxofre,
fontes de energia. metano, e outros poluentes tem um impacto na saúde do in-
divíduo e conseqüentemente sobrecarrega o sistema de saúde
Os maiores interesses contra a redução de CO2 partem público e privado como é o caso da cidade de São Paulo e a
de empresas que trabalham com combustíveis fosseis qualidade do ar devido a quantidade de veículos que transitam
como o carvão e o petróleo e de países em franco desen- na cidade. Por isso para ela a mudança climática precisa estar
volvimento como a China, que dependem de energias inserida na educação. “Portanto priorizar um tema importan-
obtidas com tecnologias em uso que exigem menos in- te como a mudança climática é uma estratégia de longo prazo
vestimento, diz o diretor da Key. rumo a uma vida mais sustentável”, acrescenta. RI
Setembro 2012 REVISTA RI 19
9. EM PAUTA | Aquecimento Global
CRÉDITO DE CARBONO
O Crédito de Carbono, medida criada no âmbito Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto para auxiliar na
redução dos gases poluentes na atmosfera, que permite às indústrias e nações
reduzirem seus índices de emissão de gases do efeito estufa por um sistema
de compensação, tem sido questionado como mecanismo de redução.
Conforme ambientalistas um brasileiro Entre as dificuldades apontadas para a de economia de baixo carbono, como:
comum produz em média 1.7 tonelada/ eficácia do mercado de créditos de car- operações de compra e venda de créditos
ano de CO2/ano. O planeta produz 25 bono estão a avaliação de quais projetos de carbono oriundos de projetos ligados
bilhões/ano, sendo que os EUA produ- seriam ou não implantados na sua au- ao MDL; linhas de monetização de pro-
zem seis bilhões. sência e ainda a demora na sua obten- jetos MDL; CDC Sustentável e Capital de
ção. Roberto Sousa Gonzáles, diretor de Giro Sustentável que fomentam a aqui-
Para o físico Paulo Artaxo, professor estratégia de sustentabilidade do The sição de bens e serviços dos projetos que
do Instituo de Física da Universidade Media Group-Comunicação Financeira podem reduzir as emissões; repasse da
de São Paulo (USP), o crédito carbono e de Sustentabilidade, conta que o pro- linha IFC (International Finance Corpo-
não trata da redução. Já Giovanni Ba- cesso de obtenção de créditos de carbo- ration); fundos que fomentam o finan-
rontini, advogado e consultor em sus- no é demasiado demorado, desgastante ciamento de projetos de infra-estrutura
tentabilidade, afirma que a negociação e burocrático, sendo necessário evoluir onde projetos como de energias renová-
de crédito carbono é somente um dos nesse ponto. Atualmente, dura em mé- veis podem ser contemplados.
componentes de um pacote de soluções, dia um ano e meio.
para o qual se tem atribuído importân- Em maio deste ano, o Santander e a
cia demais, quando seu papel na redu- Para Fernando Figueiredo, diretor do CDP BM&F Bovespa firmaram parceria para
ção efetiva de CO2 é apenas marginal. (Carbon Disclosure Project) antes de cri- estimular o mercado de créditos de
ticar é preciso observar os motivos que carbono no país. O objetivo é estudar
O físico e ex-reitor da USP, José Goldem- levaram a criação do mecanismo, que foi a criação de novos produtos referencia-
berg, acredita que o crédito carbono criado como um incentivo comercial em dos em créditos de carbono para nego-
tem sido uma boa medida para ajudar contra ponto ao estabelecimento de limi- ciação em bolsa, como contratos deri-
os países em desenvolvimento. Como tes de emissões, que até agora tem encon- vativos e produtos à vista. Por meio do
exemplo, ele cita a construção do Ater- trado muitos obstáculos para ser estabele- acordo, as duas instituições vão avaliar
ro Bandeirantes, em São Paulo. A obra cido. Nesse sentido, segundo ele, tem sido conjuntamente o desenvolvimento de
foi financiada com crédito carbono e um mercado vigoroso para que alguma produtos direcionados ao mercado bra-
permitiu que o gás metano exalado por coisa seja feita para redução de emissões sileiro e internacional.
um lixão fosse capturado e levado para de gases do efeito estufa, enquanto não se
uma usina termo elétrica. A usina que definem medidas e acordos intergoverna- A parceria também prevê o desenvolvi-
aproveita esse metano, transformando mentais para a descarbonização. mento de estudos conjuntos para analisar
o gás do lixo em eletricidade, tem ca- a viabilidade econômica e sugerir medidas
pacidade de fornecer energia elétrica De acordo com Linda Murasawa, supe- regulatórias necessárias ao lançamento
para até 300 mil pessoas. Caso a usina rintendente de Desenvolvimento Susten- destes produtos. A iniciativa prevê ainda a
não existisse, o metano que é mais po- tável do Santander Brasil, o banco atua criação de um Programa de Formador de
luente que o CO2 estaria contribuindo em algumas linhas que fomentam os Mercado (Market Maker) voltado aos pro-
para o aquecimento global, ressalta. projetos que estejam ligados as questões dutos resultantes da parceria.
20 REVISTA RI Setembro 2012
10. IPCC
Também para estimular esse mercado, a
bolsa assinou com o Governo do Estado de
São Paulo, por intermédio da Secretaria
do Meio Ambiente e da CETESB (Compa-
nhia Ambiental de São Paulo), um proto-
colo de intenções, que tem como objetivo
estudar e propor medidas institucionais
e regulatórias necessárias ao desenvolvi-
mento do mercado de ativos ambientais.
O foco, inicialmente, são os segmentos de O IPCC (Intergovernmental Panel peito de mudança climática; impac-
Emissões de Gases de Efeito Estufa e de on Climate Change ou Painel In- tos ambientais e socioeconômicos
Compensação de Reserva Legal. tergovernamental sobre Mudanças da mudança climática; formulação
Climáticas) é um órgão intergo- de estratégias de resposta (mitigação
A bolsa já realizou vários leilões especiais vernamental aberto para os países e adaptação)
de créditos de carbono. O último foi reali-
membros do Programa das Nações
zado em junho deste ano, quando a Mer-
Unidas para o Meio Ambiente (PNU-
curia Energy Trading, empresa sediada Em seu relatório de 2012, denomina-
MA) e da Organização Metereológica
em Genebra (Suiça), arrematou créditos do “Gestão de riscos de eventos ex-
Mundial (OMM). Foi criado em 1998
carbono de titularidade da Prefeitura de tremos e desastres para avançar na
pela para fornecer informações cien-
São Paulo. No total, o leilão alcançou um adaptação às mudanças climáticas”,
tíficas, técnicas e sócio-econômicas
volume financeiro de aproximadamen- compila estudos de cenário atual e
relevantes para o entendimento
te R$ 4,47 milhões. Foram leiloados, em futuro e confirma a tendência de
das mudanças climáticas e define a
um único lote, 530 mil certificados gera- aumento das temperaturas anali-
mudança climática como uma varia-
dos nos termos do MDL. sadas desde 1950, deixando agora
ção estatisticamente significante em
um parâmetro climático médio ou mais evidente que as variações cli-
Créditos de carbono ou Redução Certifica- máticas não são tão naturais assim,
sua variabilidade, persistindo um pe-
da de Emissões (RCE) são certificados emi- e alertando para os vínculos exis-
ríodo extenso (tipicamente décadas
tidos para uma pessoa ou empresa que
ou por mais tempo). Avalia a mudan- tentes entre o aquecimento global
reduziu a sua emissão de gases de efeito
ça climática decorrente de proces- e as emissões de gases causadores
estufa (GEE). Por convenção, uma tonela-
sos naturais ou forças externas ou do efeito estufa decorrentes das ati-
da de dióxido de carbono (CO2) correspon-
de alterações persistentes causadas vidades antrópicas, como ciclones,
de a um crédito de carbono. Este crédito
pela ação do homem na composição ondas de calor, secas e inundações.
pode ser negociado no mercado interna-
da atmosfera ou do uso da terra. Tem Segundo o relatório, o aquecimento
cional. A redução da emissão de outros
rês grupos de trabalho e uma equipe somado a degradação do solo, decor-
gases, igualmente geradores do efeito
especial sobre inventários nacionais rente das atividades de agricultura
estufa, também pode ser convertida em
créditos de carbono. de gases de efeito estufa (GEE). e pecuária, aumenta o risco de de-
sertificação de algumas áreas, como
Comprar créditos de carbono no mercado O Grupo de Trabalho I avalia os as- por exemplo, o nordeste brasileiro.
corresponde aproximadamente a com- pectos científicos do sistema climáti-
prar uma permissão para emitir GEE. O co ;o II avalia a vulnerabilidade dos
Conforme a publicação, tanto as secas
preço dessa permissão, negociado no mer- sistemas socio-econômicos e naturais
como as fortes chuvas em algumas
cado, deve ser necessariamente inferior diante da mudança climática assim
regiões serão mais intensas. O docu-
ao da multa que o emissor deveria pagar como as possibilidades de adaptação
mento traz ainda soluções de adapta-
ao poder público pela emissão. Um proje- a elas; o III avalia as opções que per-
ção e prevenção que podem reduzir os
to que resultar na diminuição do impacto mitiriam limitar as emissões de GEE.
impactos desses acontecimentos tan-
ambiental e for aprovado pelo MDL pode- Cada grupo de trabalho assim como
a equipe especial tem dois presiden- to para o meio ambiente como para
rá lançar papéis no mercado. Na prática, o
tes, um de um país desenvolvido e as populações vulneráveis, incluindo
mercado funciona assim: empresas de pa-
outro de um país em desenvolvimen- 26 regiões do planeta, disponibilizan-
íses desenvolvidos compram o direito de
to, além de uma unidade de apoio do um nível de detalhamento inédito
emitir determinada quantidade de CO2
ao mesmo tempo em financiam a redu- técnico. Os três grupos preparam sobre eventos climáticos extremos,
ção equivalente na emissão de empresas relatórios de análise nos seguinte baseado em uma extensa análise de
de países em desenvolvimento. RI temas: informação científica a res- mais de mil estudos científicos. RI
Setembro 2012 REVISTA RI 21