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MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA
São Paulo — Eram 5 horas da manhã de 10 de março quando 130 mulheres
ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiram
as instalações da fabricante de defensivos agrícolas Adama, em Taquari,
cidade de 26 000 habitantes no interior do Rio Grande do Sul.
As manifestantes pularam os portões, ameaçaram os vigias e entraram nos
escritórios. Lá, quebraram vidros e picharam nas paredes frases contra o
“grande agronegócio”. Ao sair, perto do meio-dia, deixaram para trás um
prejuízo de 220 000 reais. Numa situação dessas, era de se esperar alguma
reação.
A Adama, porém, não fez sequer um boletim de ocorrência. “Não quero ter o
MST como inimigo declarado”, diz Rodrigo Gutierrez, presidente da empresa.
Como se sabe, o ataque à Adama não foi um ato isolado. Simultaneamente,
em pontos diversos do país, também sofreram agressões unidades da Vale, da
Duratex, da Cargill e da Bunge.
Pouco antes, em 5 de março, havia se dado o ataque mais violento: um centro
de pesquisa da fabricante de papel Suzano no interior paulista foi devastado
por centenas de mulheres arregimentadas pelo MST. Elas destruíram mudas
de eucalipto transgênico, cultivadas após 15 anos de estudo.
A Suzano chamou a polícia e fez um boletim de ocorrência. Mas, segundo
EXAME apurou, não deverá participar do processo que pode ser aberto
pelo Ministério Público. Procurada, a Suzano não quis comentar.
Um levantamento feito por advogados e promotores para EXAME identifica
pelo menos nove crimes recorrentes nas invasões. Entre eles: ameaça
pessoal, sequestro, violação do lar, invasão de propriedade, interrupção de
serviço de utilidade pública. Pelas leis de outros países, alguns desses crimes
seriam considerados atos terroristas.
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“Muitos atos do MST implicam ameaça e ferimento a pessoas, depredação de
bens e interrupção do tráfego nas estradas”, diz Maristela Basso, professora de
direito internacional na Universidade de São Paulo. “Tudo isso é considerado
terrorismo pelas convenções internacionais assinadas pelo Brasil.”
Em 2008, um grupo do MST no Pará interrompeu a circulação de trens na
Estrada de Ferro Carajás, pela qual a Vale escoa minério de ferro. Pedaços de
madeira foram colocados na ferrovia. Além disso, os militantes tiraram grampos
dos trilhos e dormentes. É um tipo de dano que poderia causar acidente fatal —
as composições da Vale incluem vagões de passageiros. Felizmente, não
houve acidente.
Mas uma irresponsabilidade similar teve consequência grave, em 11 de março,
quando o MST bloqueou o tráfego num trecho da BR-101 em Sergipe sem
avisar a Polícia Rodoviária Federal. Um caminhão cheio de adubo não
conseguiu frear, chocou-se com carros parados no bloqueio e provocou
explosão. Houve três mortes. A falta de sinalização para reduzir a velocidade
foi apontada como uma possível razão da colisão.
A possibilidade de enquadramento rigoroso de atos desse tipo, cometidos por
movimentos sociais, é um dos entraves à aprovação no Congresso de uma lei
antiterrorismo que tramita há dois anos. O assunto voltou à tona após notícias
de que o Estado Islâmico estaria aliciando jovens brasileiros.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, disse que a matéria
poderia ser votada com celeridade pelo Congresso. Os senadores, no entanto,
decidiram pela criação de uma sessão temática para debater o assunto — não
instalada até o fechamento desta edição, em 2 de abril.
A resistência a que uma nova lei vingue é grande. “Falta clareza às definições
sobre o que é terrorismo”, diz o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-SP),
relator da proposta. Ele propõe a rejeição do projeto.
Poucos dias após as recentes invasões, a presidente Dilma Rousseff prestigiou
uma festa do MST perto de Porto Alegre. “Eu respeito à luta do Stédile e as
propostas dele”, disse Dilma na ocasião, referindo-se a João Pedro Stédile, o
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principal líder da organização. O apoio ao MST reiterado pelo governo, logo
após as violências cometidas contra empresas, é um péssimo sinal.
“É frustrante ver a presidente no evento do MST logo depois da ocupação de
nossa fábrica”, diz Gutierrez, da Adama. A combinação entre o comportamento
leniente do governo e o medo de reagir por parte das empresas resulta em
impunidade. Até hoje, a maioria dos processos contra integrantes do MST foi
arquivada ou terminou sem que ninguém fosse condenado.
Para começar, o MST não tem registro legal — ou seja, formalmente não
existe. Seus militantes acusados de atos ilícitos foram absolvidos em 95% das
650 ações movidas desde os anos 90. “Isso acontece porque os acusadores
não identificam com clareza os autores dos crimes”, diz Juvelino Strozake, um
dos advogados do MST. Há poucos casos em que os processos avançam, mas
nem isso significa punição efetiva.
Veja o exemplo da invasão em 2006 a uma fazenda da fabricante de celulose
Aracruz (hoje parte da Fibria) na cidade gaúcha de Barra do Ribeiro. Os
manifestantes destruíram 50 000 mudas de árvores nativas, 1 milhão de mudas
de eucalipto e causaram prejuízo de 880 000 reais.
O Ministério Público acusou 37 pessoas de delitos como dano, furto e cárcere
privado, além de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Passados nove
anos, ninguém foi punido — o processo ainda está em curso.
Além de não ter seus atos criminosos punidos, o MST abusa de outra área
cinzenta nas leis brasileiras: o direito de propriedade. Em quase todo o mundo,
esse direito não é absoluto — mesmo nos Estados Unidos um terreno pode ser
desapropriado caso o poder público considere isso importante para fazer algo
útil a toda a sociedade, como construir uma estrada.
Nessas situações, porém, é respeitado um processo legal. No Brasil, muitas
vezes isso não ocorre. Aqui, movimentos como o MST se põem acima da lei —
e invadem primeiro para discutir na Justiça depois. Resultado: uma enorme
insegurança jurídica.
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“O fato de a Constituição brasileira prever que a terra pode ser tomada por não
cumprir uma função social causa uma leniência com a ação ilegal dos grupos
sem terra”, diz o economista Lee Alston, professor da Universidade do
Colorado e estudioso do direito de propriedade nos Estados Unidos e no Brasil.
No campo, nos últimos anos, houve bons motivos para o ímpeto reivindicatório
dos sem-terra arrefecer. Quase 1,3 milhão de famílias foram assentadas desde
1994. A figura do camponês em busca de um pedaço de chão está se tornando
coisa do passado.
Mas, diante da popularidade decadente do governo, no fim de fevereiro, o ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva conclamou João Pedro Stédile a “pôr seu
exército” nas ruas. A resposta está aí — com licença para o quebra-quebra.
Fonte revista exame