O documento apresenta vários poemas de diferentes autores brasileiros que abordam temas como amor, saudade, natureza e reflexões sobre a vida e a arte. Os poemas utilizam linguagem figurada e evocam sentimentos de forma poética.
1. ALÉM DO ENTENDIMENTO
Afonso Romano de Sant’ Anna
A essa altura
há coisas
que(ainda)
não entendo.
Por exemplo:
o amor. Faz tempo
que diante dele
me desoriento.
O amor é intempestivo,
eu sou lento.
Quando ele sopra
- estatelado -
mais pareço
um catavento.
2. CANÇÃO DE DOMINGO
Mario Quintana
Que dança que não se dança?
Que trança não se destrança?
O grito que voou mais alto
Foi um grito de criança.
Que canto que não se canta?
Que reza que não se diz?
Quem ganhou maior esmola
Foi o Mendigo Aprendiz.
O céu estava na rua?
A rua estava no céu?
Mas o olhar mais azul
Foi só ela quem me deu!
3. MUTAÇÕES
Cora Coralina
Muita rua da cidade
mudou de nome
Rin tin tin – mudou de nome
Rua Nova – mudou de nome
Detraz da Abadia também
Beco virou travessa
Outras nem nome tem,
Rua do fogo se apagou
Nas vielas não se toca
Beco da morte é pecado.
Do Cotovelo é suspeito
Rua Joaquim de Bastos.
Não sei onde vai parar
Tanta mudança de nome.
Mudar nome de rua é fácil.
Mudar jeito de rua, não.
Dar calçamento e limpeza
É coisa muito impossível.
Só não mudou nome em Goiás
O Beco da Vila Rica.
Por ser muito pobre e sujo
Contrário lhe assenta o nome.
Se há de ser beco do sujo pobre
Seja mesmo da Vila Rica
Com toda a sua pobreza.”
.
4. CANÇÃO PARA UMA VALSA LENTA
Mario Quintana
Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...
Minha vida não foi um romance...
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...
5. EU FAÇO VERSOS
Mario Quintana
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!
“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!”
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
“Que tédio!” o coro dos Amigos clama.
“Mas que vos dar de novo e imprevisto?”
Digo...e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar...Eu sei sofrer...Só isto!”
6. DESENCANTO
Manuel Bandeira
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre
7. Soneto
Álvares de Azevedo
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
8. SIMPATIA
Casemiro de Abreu
Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que me inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!
9. CANÇÃO DA GAROA
Mario Quintana
Em cima do telhado
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.
O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.
E chove sem saber porquê
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...
10. O MENINO AZUL
Cecília Meireles
O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.
O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
- de tudo o que aparecer.
O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.
E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.
(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler)
11. A RUA DOS CATAVENTOS
Mario Quintana
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
12. INGÊNUO ENLEIO
Manoel Bandeira
Ingênuo enleio de surpresa,
Sutil afago em meus sentidos,
Foi para mim tua beleza,
A tua voz nos meus ouvidos.
Ao pé de ti, do mal antigo
Meu triste ser convalesceu.
Então me fiz teu grande amigo,
E teu afeto se me deu.
Mas o teu corpo tinha a graça
Das aves... Musical adejo...
Vela no mar que freme e passa...
E assim nasceu o meu desejo.
Depois, momento por momento,
Eu conheci teu coração.
E se mudou meu sentimento
Em doce e grave adoração.
13. A FLOR DO MARACUJÁ
Fagundes Varella
Pelas rosas, pelos lírios, Pelo mar, pelo deserto,
Pelas abelhas, sinhá, Pelas montanhas, sinhá!
Pelas notas mais chorosas Pelas florestas imensas
Do canto do Sabiá, Que falam de Jeová!
Pelo cálice de angústias Pela lança ensangüentado
Da flor do maracujá! Da flor do maracujá!
Pelo jasmim, pelo goivo, Por tudo que o céu revela!
Pelo agreste manacá, Por tudo que a terra dá
Pelas gotas de sereno Eu te juro que minh'alma
Nas folhas do gravatá, De tua alma escrava está!!..
Pela coroa de espinhos Guarda contigo este
Da flor do maracujá. emblema
Da flor do maracujá!
Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está, Não se enojem teus ouvidos
Pelos colibris que brincam De tantas rimas em - a -
Nas alvas plumas do ubá, Mas ouve meus juramentos,
Pelos cravos desenhados Meus cantos ouve, sinhá!
Na flor do maracujá. Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!
Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!
14. Havia um menino
Fernando Pessoa
Havia um menino,
que tinha um chapéu
para pôr na cabeça
por causa do sol.
Em vez de um gatinho
tinha um caracol.
Tinha o caracol
dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas
no alto da cabeça.
Por isso ele andava
depressa, depressa
p’ra ver se chegava
a casa e tirava
do chapéu, saindo
de lá e caindo
o tal caracol.
Mas era, afinal,
impossível tal,
nem fazia mal
nem vê-lo, nem tê-lo:
porque o caracol
era do cabelo.
15. O QUE ADORO EM TI
Manoel Bandeira
O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil,Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti ,Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti ...Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai ...O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é A VIDA!
16. CANÇÃO DE OUTONO
Mario Quintana
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma...
mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!
17. A BAILARINA
Cecília Meireles
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os ohos e sorri.
Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
18. A U M P OET A
Olavo Bilac
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego
Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
19. CORAÇÃO NUMEROSO
Carlos Drumond de Andrade
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas
inumeráveis. Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,abafando o calor
que soprava no vento e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente na
Galeria Cruzeiro quente quente e como não conhecia
ninguém a não ser o doce vento mineiro, nenhuma
vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida
aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte,
meus olhos inúteis choraram.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores?
a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.
20. SONETO DE ANIVERSÁRIO
Vinicius de Morais
Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece
21. AOS AFETOS E LÁGRIMAS
DERRAMADAS NA AUSÊNCIA DA
DAMA A QUEM QUERIA BEM
Gregório de Mattos
Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:
Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.
Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.
22. SONETO DA SEPARAÇÃO
Vinicius de Morais
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente .
23. AMOR E MEDO
Affonso Romano de Sant’ Anna
Estou te amando e não percebo,
Porque, certo, tenho medo.
Estou te amando tanto
que nem a mim mesmo
Revelo este segredo
AMOR E ÓDIO
Affonso Romano de Sant’Anna
Amor, te odeio,pelo que me fazes sofrer
te odeio porque não paro de te querer,
te odeio porque sofro, e, vivo, morro,
te odeio porque em ti naufrago
quando era de ti que tinha que vir
o meu socorro.
24. ALEM DO ENTENDIMENTO
Afonso Romano de Sant’ Anna
A essa altura
Há coisas
Que (ainda)
Não entendo.
Por exemplo:
O amor. Faz tempo
Que diante dele
Me desoriento.
O amor é intempestivo.
Eu sou lento
Quando ele sopra
- estatelado- mais pareço
um cata-vento
25. UM SONHO
Oliver Hossepian
Será que o homem, orgulhoso Se às vezes tenho sonhos, nunca
HOMO SAPIENS me lembro; aliás...deles não faço a
menor questão e por isso não dou
Teria uma alma? Algo, dado por um nenhum trabalho a Freud, de ter
Criador, Que lhe garantisse a de interpretá-lo
transcendência, algo...
Prefiro, aliás, sonhar acordado...é
Que assegurasse a sobrevivência da melhor...Inverte-se o processo:
sua vaidade ...Que não o deixasse escolhe-se a interpretação
reduzido a cinzas preferida a partir daí...fabrica-se o
calcárias...Esquecido na memória sonho!
dos tempos?
Nesse sonho visitou-me uma
Se assim ouso crer, por que não cachorrinha, que me recebeu
acreditar também na alma dos
animais? Daqueles cães, Alegre, balançando o rabo...como
gatos...bichinhos que alegraram fazia a Pituca.Lembro-me até de
nossa vida? Que viveram a nosso ter passado a mão em seu pêlo...
lado? Que entenderam mudamente
nossos sentimentos, Angústias, Que era como o dela: macio e
dores, alegrias, desapontamentos? dourado!Atribui o sonho apenas a
uma lembrança de saudade...que
Por que teria aquele Criador dela ainda resta muita.
discriminado a animália?
No dia seguinte, uma
Pensei nisso tudo quando um dia circunstância fortuita me fez olhar
destes tive um sonho!
Para calendário: era o dia 31 de
Justamente eu que raramente março...O sonho ocorrera na
sonho! véspera...
No dia do aniversário de sua
morte!
Teria sido a sua alma, a que
visitou meu sonho?
26. A MESA
João Cabral de Mello Neto
O jornal dobrado
sobre a mesa simples,
a toalha limpa,
a louça branca
é fresca como o pão.
A laranja verde:
Tua paisagem sempre,
Teu ar livre, sol
De tuas praias; clara
é fresca como pão.
A faca que aparou
Teu lápis gasto;
Teu primeiro livro
Cuja capa é branca
é fresca como pão.
27. A CHAMA
Oliver Hossepian
Há trinta e sete anos, esposa,
Acendeu-nos uma chama...
Que foi e é a chama de amor!
É de um amor tranqüilo, doce,
Consentindo, construtivo,e afetivo...
Chama, portanto, que não apaga!
Essa és tu, minha companheira e
Nosso amor é essa chama; ela...
Não é labareda mas... que nunca
Se apaga nem bruxoleia;
É ela a chama que...
Alimenta a nossa vida, que...
Envolve nossos filhos, que...
Tem dado a nossas almas
a certeza de seguirmos juntos
O nosso destino! Minha querida Ná!
28. AMOR MAIS QUE IMPERFEITO
Thiago de Mello
Não do amor. De mim Por mais que me
duvido prolongue
Do jeito mais que No ser que me reparte,
imperfeito
De repente me sinto
Que ainda tenho de amar.
O dono da alegria,
Com freqüência reconheço
Que estremece a pele
A minha mão escondida
E faz nascer luas
Dentro da mão que recebe
A rosa de amor que dou. No corpo que abraço
Espiando o meu próprio Não do amor. De mim
olhar, duvido
Escondido atrás estou Quando no centro mais
claro
Dos olhos com que me vês.
Da ternura que te invento
Comigo mesmo reparto
Engasgo um gosto de
O que pretende ser dádiva, preço.
Mas de mim não se Mesmo sabendo que o
desprende. prêmio
Do amor é apenas amar.
29. MILAGRE QUE DÓI
Thiago de Mello
De que me vale a São oitocentos milhões,
mordida
Estatística sinistra,
Inútil da indignação
No mundo inteiro, que
Perante a fome que fere vivem
A vida na multidão Sem saber o gosto do
pão.
De deserdados do
mundo? Porque mais perto de
mim me queima o fogo
da fome das crianças
De que me vale a palavra barrigudinhas de
amebas,magras,
Queimando no coração banguelas e contudo
Que há tempo se ergue vivem, nadam
em clamor e brincam.
Contra o que mancha a Só de milagre da verde
beleza mão da floresta.
E degrada a dignidade
De um homem que é
meu irmão?
30. A CRUZ
Fagundes Varella
Estrelas
Singelas
Luzeiros
Fagueiros
Esplêndidos orbes, que o mundo aclarais!
Desertos e mares, - florestas vivazes!
Montanhas audazes que o céus topetais!
Abismos
Profundos
Cavernas
Externas!
Extensos,
Imensos
Espaços
Azuis!
Altares e tronos,
Humildes e sábios, soberbos e grandes!Dobrai-vos ao vulto sublime da
cruz!Só ela nos mostra da glória o caminho,Só ela nos fala das leis de
Jesus
31. POEMA PIAL
Fernando Pessoa
Toda a gente que tem as Pia número SEIS
mãos frias
Para quem se penteia com
Deve metê-las dentro das bolos-reis
pias.
Pia número SETE
Pia número UM
Para quem canta até que o
Para quem mexe as orelhas telhado se derrete.
em jejum.
Pia número OITO
Pia número DOIS
Para quem parte nozes
Para quem bebe bife de bois. quando é afoito.
Pia número TRÊS Pia número NOVE
Para quem espirra só meia Para quem se parece com
vez uma couve
Pia número QUATRO Pia número DEZ
Para quem manda as ventas Para quem cola selo nas
ao teatro unhas dos pés.
Pia número CINCO E, como as mãos já não estão
frias, Tampa nas pias!
Pra quem come a chave do
trinco
32. HAVIA UM MENINO
Fernando Pessoa
Havia um menino, Para ver se chegava
Que tinha um chapéu A casa e tirava
Para por na cabeça O tal cacacol
Por causa do sol. Do chapéu, saindo
De lá e caindo
Em vez de um gatinho O tal caracol.
Tinha um caracol. Mas era, afinal,
Tinha o caracol Impossível tal,
Dentro de um chapéu. Nem fazia mal
Fazia-lhe cócegas Nem vê-lo, nem tê-lo:
No alto da cabeça.
Por isso ele andava Porque o caracol
Depressa, depressa Era o seu cabelo.
33. HIATO
Manuel Bandeira
És na minha vida como um luminoso
Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...
A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente...
-Um poema luminoso como o mar,
Aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...
34. PEDIDO
Gonçalves Dias
Ontem no baile Tu lhe falaste
Não me atendias! Com voz tão doce!
Não me atendias, Com voz tão doce,
Quando eu falava Que me matava.
De mim bem longe Oh! Não lhe fales,
Teu pensamento! Não lhe sorrias,
Teu pensamento, Se então só querias
Bem longe errava. Experimentar-me
Eu vi teus olhos Oh! Não lhe fales,
Sobre outros olhos! Não lhe sorrias,
Sobre outros olhos, Não lhe sorrias,
Que eu odiava. Que era matar-me.
Tu lhe sorriste
Com tal sorriso!
Com tal sorriso,
Que apunhalava.
35. MOSTRA CULTURAL
EMEF EDSON RODRIGUES
2010
VARAL DE POESIAS
SALA DE LEITURA
CECÍLIA MEIRELES
POESIAS, DO ACERVO, SELECIONADAS
PELOS ALUNOS DO CICLO I E CICLO II
DESTA UNIDADE ESCOLAR NAS AULAS DA
SALA DE LEITURA, QUE TIVERAM O
ENFOQUE DO GÊNERO LITERÁRIO:
POEMAS E POESIAS