5. ÍNDICE
Introdução
Ausência
Poetas são mesmo assim
Claustro
Solidão
Uma flor para o destino
Ah se eu pudesse voar.
O mar e o pescador
O deus que em mim habita
Engano pensarmos que somos um
Sei que sou repetitivo
Tristeza de poeta
Predição de um Tratado
Ao que me resta
Devaneio
O que ninguém nos rouba, e nunca saberá
O tudo é o que se mata em vida.
Corpo fechado
Inimigo meu
Minha alma, meu refúgio
Não importa de onde eu vim
Apenas um gesto bastaria
Atarantado
Depois do funeral
E o tempo me espera
Hipotética é a mente
Era...de aquário
Os deuses sabem o que fazem
O sopro da vida
Resposta a um amigo
Os passos são passos
Os olhos não mentem
Culpa
O vaso
Gigante sem voz
6.
7. Este livro é dedicado aos meus amigos das noites boemias,
lembrando que quase todo boêmio é um poeta.
8.
9. Agradecimentos especiais
Ao artista plástico Márcio José Banéga,
pelas ilustrações em aquarela, que enriqueceram o livro,
À Beatriz Aparecida Rodrigueiro, que com sua sensibilidade de
poetisa soube captar a essência da obra.
11. ANSEIOS
Introdução
Anseio. Substantivo masculino, aqui no plural,
ANSEIOS. Ou talvez verbo transitivo direto, não importa, já
que nós seres humanos ansiamos por tantas coisas, até por
nós mesmos. Quem sabe uma palavra amiga do nosso espe-
lho, ou talvez um espelho novo, quem sabe?
Os poemas das páginas seguintes foram escritos
entre os anos de 1999 e 2001, muitas vezes brotaram de
conversações íntimas com o espelho, espelho esse planta-
do em um coração ansioso pelo conhecimento de si pró-
prio, e um pouco pelo entendimento do espelho alheio,
tarefa árdua já que nem sempre é fácil transformar senti-
mentos em palavras.
ANSEIOS não é um livro de propostas, tampouco de
soluções, mas é talvez um Tratado interior dos vários “eus”
residentes em nós, e que muitas vezes são acionados na tenta-
tiva de estancar feridas causadas por decepções e desilusões, e
outras vezes festejar as alegrias da vida. Espero que alguns
dos seus “eus” se identifiquem com alguns dos meus “eus”.
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13. ANSEIOS
Ausência
Ausência é arrebatar-se do corpo, em busca da liberdade
É sentir necessidade até da palavra saudade
Quão miserável é o ser que nem a tem pra sentir....
E quando a tem se ausenta por medo!
... medo que se tem da total entrega
E quando se entrega faz brotar no ser, o desejo dessa ausência
O que nos faz pensar que é necessária essa dualidade de sentimentos
Que move o Homem, e o faz caminhar para sua própria ausência!
A felicidade em sua plenitude é ausente.
Qual o ser que a tem por domínio?
A luz sempre se afasta a dar lugar para sua ausência.
E a noite toma seu lugar, e tudo parece mais ausente...
Mas nos deleitamos com ela!
O amor também é, às vezes, ausente
Quantas vezes precisamos dele, e nesse momento não está presente...
E é ai que o reconhecemos e o valorizamos!
E em tudo que é ausente nos encontramos
Até no mais errante nos vemos, por lhe faltar o que temos
E termos demais o que lhe falta.
E nessa dualidade caminhamos, e crescemos,
Tudo faz parte de nós
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14. Geraldo Ráiss
Ser ou não ser não é mais a questão
E sim a insensatez de não percebermos
A ausência dos nossos próprios sentimentos!
Ausência não é vazio, é desafio.
E o Homem se alimenta disso para continuar vivendo,
Pois na ausência da ausência,
O perfeito se torna enfadonho em sua própria plenitude.
Imagino o clamor de um anjo: sou perfeito, e então?
Prova 01
CBJE 14
15. ANSEIOS
Poetas são mesmo assim
Poetas falam de amor
...de outros, e dos seus.
Às vezes falam do horror,
e às vezes de Deus
E eu, que nem me acho tão poeta assim,
às vezes falo de mim
Mas nem sempre palavras falam,
noutras vezes podem até parecer banais,
assim como o Homem
...muitas vezes é!
Não tenho o hábito de reler o que escrevo
...entretanto acontece
E é quando percebo o quão distante fiquei
...de mim,
E chego a pensar se realmente fui eu,
quem escreveu
Contudo, não me causa deslumbre,
pois ví que mudei...
Não creiam por isso que sou louco,
pois todo poeta
de todos tem um pouco
Falo de coisas que vejo,
e muitas vezes do que não vejo,
poetas são mesmo assim,
falam pouco, mas muito vêem!
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17. ANSEIOS
Claustro
Pouco a dizer da vida, pois muito já foi dito
A não ser falar da minha, mas quem se importaria?
O mundo - esse lá fora - causa dor e agonia
Ficarei então no meu, embebido do romântico
Esgarçando a pele em fios, sussurrando desatinos
Que só a mim não são ocultos
Ninguém precisa saber do que é feito meu peito
Torno o mudo, para o mundo
O que quero faço ao meu redor
Estou atrás do meu muro
Empobreço até os versos
Não importa. Lá não seria melhor.
E se algum dia me cobrarem um lampejo
Direi não ser eu, posto que nada vejo.
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18. Geraldo Ráiss
Solidão
Solidão.
Às vezes ela vem
E arrebata-me do lugar comum
Arrastando-me ao oco de mim
De onde procuro estar arredado
Manifesta-se crua, nua
Mostra-se impiedosa
Faz-se tempestade
Forçando-me a revirar em mim
Feito a fúria de um furacão
Solidão.
Quantas vezes não peço aos céus
Que de uma árvore, uma folha caia
A me fazer companhia...
Por compaixão
Prova 01
CBJE 18
19. ANSEIOS
Uma flor para o destino
O meu peito se abre ao vento
E leva consigo a flor do destino
Princípio inverso do lamento
Que me guia pelo tempo indiscutido
Rei dos meus próprios sonhos
Sou eu o Rei, tolerante de mim mesmo
Que flameja a luz sob meus passos
Caminhando ardente, nu, ao vento
Sou aquele que busca a altura
Que muda a história, que muda vidas
E ao contrário, não muda a sua
Sou aquele que muda o curso
Dos rios barrentos, das noites vazias
E que leva ao vento o peito turvo
Rei da alegria de outros, à procura da sua
Vivo no tempo, silencioso como bruma
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21. ANSEIOS
Ah se eu pudesse voar!
Mais intrigante do que o mar, sou eu.
Vivo a me perguntar,
se confio nisso ou naquilo,
e a despeito disso ou daquilo
passa-se o tempo...
e não fiz nem isso, nem aquilo
Ah se eu pudesse ser como os pássaros,
que apenas voam,
não importa pra onde,
apenas vão....
Não têm que pensar nisso ou naquilo,
sabem que vão...
sem hora ou destino,
assaz confiantes, apenas cumprindo
ligeiros instintos.
Ah se eu pudesse ser como os pássaros!
Viver pelos campos
sorrindo e cantando,
apenas sonhando, voando.....
sem ter que pensar,
pois quando penso não sonho,
e se não sonho não vivo,
e se não vivo não posso ser um pássaro,
e não o sendo me privo,
não sobrevôo o mar...
E mais intrigante do que o mar, sou eu,
que ao meio do caminho me fecho,
e em mim não consigo nem confiar.
Ah se eu pudesse voar!
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22. Geraldo Ráiss
O mar e o pescador
Das entranhas do mar
pescam-se vidas,
vidas caladas, e vidas ativas
Para as profundezas do mar
vão-se vidas,
vidas ativas, que se tornam caladas
Quando miro a beleza do mar, me fascina
saber, que tal qual o pescador,
os dois têm suas sinas...
A sina de dar,
e a sina de levar...
...vidas!
Prova 01
CBJE 22
23. ANSEIOS
O deus que em mim habita
O deus que em mim habita
está cravado em minhas próprias marcas,
que se espalham no infindo,
navegando por estrelas
que anseiam indicar
a direção ao inacessível,
feito uma cabala
Esse deus que carrego comigo,
ora me alegra, ora me devora,
estou preso a ele em laço antigo,
e não importam meus passos, pois ignora!
Sequer haverá desprendimento
(sem ele não vivo)
e se na vida terrena é mortal,
imortal eu sei que é – no infinito
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24. Geraldo Ráiss
Engano pensarmos que somos um
(pois um transcende o outro)
De fato não sou um!
Certeza (que tenho outro)
Tolo, aquele que pensa ser o que vê
(Pois nem a si percebe)
Decididamente tenho outro,
O que tem desejos inconcebíveis
E que luta contra o que pensa ser
O outro pede (a mim que se cumpra)
E esse, quem penso ser, está preso, e no fundo luta
Difícil é saber qual está certo
Mas é certo que há batalha...
É como se o outro e eu
Partíssemos de dois pontos distantes,
E que a vida nos levasse quase infinitamente
Até um dia talvez, houvesse nosso encontro...
E nesse instante já não seriam dois,
Mas um único eu,
A morar em mim
Prova 01
CBJE 24
25. ANSEIOS
Sei que sou repetitivo
Repetitivo eu sei que sou
Muitas vezes sou, mas
Enquanto de minha boca sair
- Ou de minha mão o lápis deslizar
Para as mesmas coisas dizer (ou escrever)
- Quer dizer que ainda preciso dizer
O dia em que não mais repetir
Todos saberão que subtraí de mim
O que de incômodo me causava
(Mas quase tudo me incomoda...)
Acho que serei sempre repetitivo
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26. Geraldo Ráiss
Tristeza de poeta
Dizem que todo poeta é triste
Assim o dizem!
Se falasse eu de amor
Seria eu menos triste?
Falar de amor em dias de hoje (...)
Onde andará? Porventura ainda existe?
Menos ainda falar de outrora,
Pois é já outra hora
Amei no ontem
E não sei se fui amado. Nunca o saberei.
Fui entregue às fantasias do amor
E só me fiz sentir agravos
Um poeta já nasce triste,
Não importa sobre o que fale
Melhor seria não sê-lo,
Mas se acaso outro jeito não houver,
Que seja apenas poeta,
Nada mais.
E pouco importa falar de amor
Ou do inverso amor do mundo,
Pois em cada canto da Terra,
Brasil, Portugal ou China,
Onde existir a vida
Prova 01 Sempre haverá um poeta
CBJE 26
27. ANSEIOS
Predição de um Tratado
O meu lar só tem a mim
E por todos os seus cantos
- onde vago,
existe um pouco de mim (só de mim!)
E aos amigos que perguntam,
o que de mim faço
respondo - dizendo
o que não faço
...Não faço me tornar preso,
em troca de abraços,
a dar alimento a laços,
que bem sei, tolhem-me espaço
No meu lar só tenho a mim!
Mas às vezes me interrogo
Se vale a pena (esse Tratado)
-pois no ocaso, o que será de mim?
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28. Geraldo Ráiss
Ao que me resta
Eu rio dos meus dias, que foram
Rios de às vezes claras águas,
E vez ou outra, turvas,
Tal o silêncio desses dias
Eu rio. Passadas águas (...)
Pensando sorrindo, ou lamentando
Aquelas que ainda hão de vir
Quem sabe do destino?
Quem o saberá?
Só me restou viver
Prova 01
CBJE 28
29. ANSEIOS
Devaneio
Não se pode ver além do monte
Se não atingirmos o cimo
Miro o nada por instantes,
E percebo que no vazio
O nada não existe
Diante de mim, imagens
De coisas que ainda não vi,
Ou se vi não foi este quem viu!
Minha mente ferve
É tão confuso ver....
Penso no tempo...
Existe realmente o tempo?
Achei que ele que passava,
Mas vejo que não
(Eu passei por ele)
E deixei rastos de outrora
Que agora vejo...
O tempo sempre esteve lá
Guardado em meu peito
Trilhando meu caminho
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30. Geraldo Ráiss
Ele nunca se moveu
Quem se move sou eu
E se planto flores, sinto odores,
Se não, tenho dores
Pois quem plantou fui eu
E do alto desse monte
Miro o azul da cumeada (no horizonte)
E entristeço ao perceber
que o tempo não passou,
Pois quem passou fui eu!
Prova 01
CBJE 30
31. ANSEIOS
O que ninguém nos rouba,
e nunca saberá
(nossos sonhos)
Se eu quiser posso subir aos céus
Mas a quem devo indagar?
Se preferir, perseguirei estrelas
Mas para onde irão me levar?
O meu Eu, a tudo permite
Minha mente foge como raio, insanas fantasias
Sou o que quero, e como quero
Para ela já não há limites
O que seria de mim sem a noite?
Que me acolhe em braços macios
E nenhuma palavra me sopra,
E mesmo assim me conforta?
Olhos cerrados...
Parto para os mais altos vôos
Não há barreiras em meu sonho,
E assim desenho minha estória
Produzo sons, movimentos e cores,
Tudo é certo no meu mundo.
Esboço sorrisos de contentamento,
Afinal, tudo consigo em um segundo
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32. Geraldo Ráiss
Não sei o quanto viajo
Perco a noção do tempo
Sinto o fim quando imagens embaralham,
E travo batalhas comigo mesmo
No meu sonho tudo é possível
Até deixar de ser eu...
É como um segredo que me ronda,
Sem nenhum acesso, e que ninguém me rouba.
Prova 01
CBJE 32
33. ANSEIOS
O tudo é o que se mata em vida
Creio na vida quando me sinto livre,
Livre a caminhar pela rua, sem medo.
Creio na vida quando não vejo o futuro,
O futuro nas ruas, em busca do nada.
Creio na vida quando tenho sonhos,
Sonhos que um dia sei ... poderão vingar.
Creio na vida quando vejo nosso passado,
Passado em nossos velhos, respeitado.
Creio na vida quando vejo um povo,
Um povo unido pelo mesmo ideal.
Creio na vida quando posso partilhar,
Partilhar da fauna e flora, sem vê-las de mim se amedrontar.
Deixo de viver quando a cada dia,
A cada dia ao abrir os olhos, um dos meus sonhos se vai.
Deixo de viver quando meus lábios sentem falta,
A falta de um costumeiro sorriso, que antes se espalhava.
Começo a morrer quando percebo que em vão,
Em vão é meu esforço para manterem eretos meus ombros.
Meus ombros cansados, que aos poucos caem mais e mais,
E mais distantes ainda ficaram meus ideais.
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34. Geraldo Ráiss
Morro, quando não consigo ser quem sou,
E quem sou não é assim tão mal
É quando soa o desencanto,
Dos encantos do meu sonho temporal.
Cada lua que da minha vida é subtraída,
Subtraída também é a certeza,
De que se morre somente na carne,
A carne, essa sim já é morta estando ainda em vida.
Prova 01
CBJE 34
35. ANSEIOS
Corpo fechado
O amor me visitou,
...e no momento seguinte
me abandonou.
Causou um vácuo visceral,
...e com requintes
me apunhalou.
Deixou aberta em mim, latejando,
uma ferida sem fim,
...que bem sei, ainda não fechou.
Essa dor que meu peito dói,
e que corrói
...é certo que levarei
E não passará um dia sequer
sem que dela lembrarei,
...e sofrerei.
E se mais tarde, quem sabe
(eu) houver sido visitado
...pelo amor, ou a dor,
empunharei o meu corpo fechado.
35
36. Geraldo Ráiss
Inimigo meu
Inimigo meu,
que transitas em minhas paragens,
empertigado em toda sua intrepidez,
diga-me ...qual meu espelho,
onde devo começar.
Onde tenho eu errado, pra poder me emendar?
Sê meu aliado, para que eu possa nessa vida
expiar alguns males meus,
e quem sabe um dia reparar.
Não penses que a mim fazes sofrer.
...Ao contrário,
tuas observações só bem me trazem,
com elas meu repouso é minha ronda,
e meu espírito nelas se compraz.
E até que possas me avistar como amigo,
que sejas tu meu anjo que meus olhos abres,
pois saibas, és mais meu amigo do que meu maior amigo,
que para me proteger não ousa me ferir.
Não que eu não o ame (pois amo)
Mas agradeço a ti que sem entender,
e mesmo sem querer, levas a me conhecer.
Prova 01
CBJE 36
37. ANSEIOS
Minha alma, meu refúgio
Oh alma que me acerca contra ti
Minha razão, que é minha busca
Meu âmago que me aperta,
E me arrasta por todos os rumos.
Acerca-te de mim
No envolto de teu abraço
Faça-me sentir parte de ti
Envolva-me com teu laço.
Não te percas de mim oh raio
Não te faças assim fulgás
Sê de mim meus passos,
E no outono te aqueces em meus lábios.
Arrasta-me por todos os rumos
No envolto de teu laço
Envolva-me com teu abraço,
Para que no inverno aqueças meus lábios.
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38. Geraldo Ráiss
Não importa (de onde eu vim)
Alguns dizem que vim
de um certo Adão
(A quem não fui apresentado)
Outros, de além mundo
(Que não me lembro ter estado)
Há os que sugerem - do barro
Pode ser...todo dia sou quebrado
Não importa donde vim
Ou de quem vim
Se alguém me pôs
Apenas me pôs...
E deixou-me
Áptero, quebrantado,
A volver-me em um labirinto de sonhos,
desejos, e anseios sem fim.
Quem me pôs ofereceu-me o mundo,
mas esqueceu de apresentá-lo a mim,
Ofereceu-me sonhos,
mas não alertou-me
de que era apenas pra sonhar,
Deu-me um coração,
Mas não disse que poderia amarfanhar.
Prova 01
CBJE 38
39. ANSEIOS
Deu-me a vida!
De Adão, do Universo, do barro,
- Não importa!
O que incomoda
é o fato de sentir-me só,
em um emaranhado sem evidências
Tendo a cada dia que suscitar em mim
respostas vagas
sobre o que um dia foi,
e no outro poderá vir a ser.
Não, não importa de onde vim.
39
41. ANSEIOS
Apenas um gesto bastaria
Apenas um gesto, um olhar
(Se puderes me dar...)
Não te cobro o falar
Apenas um olhar
Para que possas ver em mim
Um risco de ti. Apenas um risco.
Talvez um pouco do teu passado...
Quem sabe, migalhas do meu presente!
Sinta-me algo quase teu - vindo de ti
Cries traços teus (em meus traços).
Não te cobro o falar - senão um olhar
Não te peço que fiques comigo pra sempre
Mas que fiques enquanto durar teu olhar
Tão meu... - o teu olhar
Por um instante não cales tuas mãos
Antes, percorra meus cabelos...
E que deslize até minha face
Tão exausta quanto a tua!
Navegues por mim, em mim
E me deixe sentir a tua presença
Antes que ela se vá (de mim)
E talvez nunca mais eu possa chamar-te -“pai”!
41
42. Geraldo Ráiss
Atarantado
Ando trateado com o mundo
Que tem várias faces
E me torno intratável,
Atarantado, trêfego
E já não consigo sequer trautear
Prova 01
CBJE 42
43. ANSEIOS
Depois do funeral
Há alguns passos,
Atrás do último,
Observo o féretro,
A caminho do túmulo
Rostos pálidos - lá se vão
Com olhos úmidos,
Contando os passos
Do amigo ao lado
Aperto os meus,
E ouço cochichos
De senhoras de preto
Falando do morto – tão nobre, tão bom!
Há também curiosos,
Que como eu
Só querem saber quem passou
Desta pra melhor, ou quem sabe lá...
A verdade é uma só,
Ataúde baixado
Dobra-se a esquina,
Seca-se os olhos,
Cuida-se da vida,
E espera-se pelo próximo.
43
44. Geraldo Ráiss
...E o tempo me espera
Um rosto dentro de mim se abate,
e me delata
Já não tenho mais tempo
– esse não cessa.
Corro contra ele,
querendo encontrar seu fim,
mas em vão
– ele não cessa.
Não hei de dizer
o que vai de mim
– mas ele me delata (o rosto)
Arrasta-me contra o outro,
que muito maroto, me espera
– porque esse não cessa (o tempo)
Prova 01
CBJE 44
45. ANSEIOS
Hipotética é a mente sem a emoção
Hipoteticamente
darei asas à imaginação
Hipoteticamente
poderei idear uma grande canção
Hipoteticamente
viverei - nos dias que virão
Hipoteticamente
está certo - o sim e o não
Por hora, o que sei
não ser hipotético,
é o agora
O exato momento
em que fala o meu coração,
é quando não uso minha razão!
45
46. Geraldo Ráiss
Era... De Aquário
Espaçonave, satélite, computador
Ciência, doença e dor
Rios, mares e falta de amor
E o Homem mudou?
Ecologia, anemia, hipocrisia
Política, preconceito e carestia
Profetas, líderes, donos da verdade
E o Homem mudou?
Almas vendidas, paternalismo
Crianças na rua
Fobia e craque
Aquário na esquina....que sina!
Que nada,
Transcendente é a mente
Que sente!
Que mente!
Homem decadente
Emergente do nada
Primata caricata,
Aquário é piada
Prova 01
CBJE 46
47. ANSEIOS
Mundo novo à vista?
Imperialistas, poetas, terroristas,
Fome, Timor, rancor,
Nova era... transcende... letras, letras, letras....
Atitude!
47
49. ANSEIOS
Os deuses sabem o que fazem
Os deuses sabem o que fazem
Pensais vós o contrário?
Achais que tudo está a se perder?
Então digo-vos: não sabeis o que dizeis,
Pois os deuses sabem o que fazem!
Porventura achais que à vossa porta
anda a bater a solidão?
Refletis então: o que é a solidão?
Não sabeis pois, ser um estado em transição?
Quereis fazer dela, morbidez?
Engana-vos, porquanto também ela se move,
e acima de vós tudo se renova.
Reclamai-vos de, aos deuses não ver,
então devo provocar-vos: - e o ar, podeis ver?
É certo que não, mas ele é,
e no entanto vós o percebeis na face
(quando ele se renova)
Pois a todo segundo ele também é outro,
e nem por isso, sente-se só!
Se a vós fosseis concedido o poder de vê-lo,
veríeis que não há lamento
...então por que achais estar só?
Não o tem como estimulo a se renovar?
Quereis ainda respirar àquele que já passou?
Pois esse não vos serve mais!
49
50. Geraldo Ráiss
Vigiais: a solidão não existe se há renovação!
Não haveis inquietai-vos com o estar só,
...pois não está
Os deuses sabem o que fazem!
Prova 01
CBJE 50
51. ANSEIOS
O sopro da vida
Imaginas andando por uma estrada,
e de repente, um forte vento
vem ao teu encontro
forçando-te a diminuir os passos
induzindo-te a uma parada brusca!
Algumas vezes a vida é como o vento,
sopra quando quer, onde quer,
na velocidade que aprazar,
e noutras vezes dá-nos a impressão de não soprar,
tal o seu estado apático
Mas enganas,
pois nesse momento ela está vindo
ao teu encontro,
e tal é sua força,
que te faz pensar estar parado!
Mas digo-te que,
se tu não caminhares
mais lentamente nesse instante,
não terás força suficiente,
logo à frente.
51
52. Geraldo Ráiss
Sê sensato, e espere,
pois o vento que veio do Norte,
certamente virá do Sul,
impulsionando a ti,
e tudo que está a tua volta.
E pensarás então
que mudaste a direção.
Mas não...
continuarás caminhando para frente.
Não fosse assim, não suportarias
O grande sopro que é a vida!
Prova 01
CBJE 52
53. ANSEIOS
Resposta a um amigo
(inclinação suicida)
Quanto às horas a fio de trabalho,
Devo dizer que:
- Não é bom que se tente penetrar
No que ainda é impenetrável,
Pois a busca frenética, às vezes
Pode se tornar patética
Aos olhos de quem vê!
Saiba que a ti não é dado ver tudo - por hora,
Prudente é que retomes a calma,
E cuide bem do presente,
Pois como há de querer ver à frente
Se hoje não sabes ao menos o que sentes?
Não é justo que a ti te percas,
E nem que te percas dos teus,
Pois pensas que sabes,
Mas não tens idéia nenhuma
Do que é perder-se em alucinações e palpitações,
Desejar voltar atrás, e não poder!
Procures ficar em paz,
Andes apenas aonde a ti é permitido pisar,
Ademais ...deixe o tempo se encarregar.
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54. Geraldo Ráiss
Os passos são passos
Deixe que teus passos o levem
aonde quer que eles te levem.
Levante o cenho, e tente
...Tente ver o que está à frente.
Veja (...)
A própria palavra diz: “passo”
...Já passou!
Outros vêm atrás de ti
e seguem teus passos
Deixe que estes os apaguem
Segue tu, as pegadas dos que estão à tua frente.
Da flor que ficou para trás,
Ainda restou a semente
- aquela que um dia tu plantaste,
E embora não percebas hoje,
Caíram, e germinaram
na depressão causada pelos teus passos.
Deixa, pois, que teu passo direito
Leve o teu esquerdo,
São apenas passos.
Prova 01
CBJE 54
55. ANSEIOS
Os olhos não mentem
Antes de dizer palavras,
certifiques de que vêm
de dentro do coração.
Já é tempo de não te enganar,
saias pois, do mundo da ilusão,
os olhos não mentem!
De todos os sentidos,
que porventura te possam iludir,
e a outros confundir,
há um a que não podes fugir: a visão,
pois os olhos não mentem!
Procures sempre dizer a emoção,
não a encubras com a tua razão,
é melhor que mostres tua fragilidade
sem passar por ela,
a ficares vulnerável
aos tropeços da tua falta de visão.
Lembra-te,
podes até fugir da tua própria insensatez,
pois a conheces bem,
porém não esqueças de lembrar também
que os olhos não mentem!
55
56. Geraldo Ráiss
Faze o entender e o agir
dentro das leis do amor,
para que no futuro
evites tantos dissabores.
Prova 01
CBJE 56
57. ANSEIOS
Culpa
Antes que o fogo da mágoa,
seja atiçado em teu coração...
Perdoe!
Perdoe o ontem e o hoje,
quantas vezes forem precisas
A fim de evitares
que a brasa da culpa
permuta partes de ti,
e enverede teu ser
a um permanente estado de fuga
Fuga de ti mesmo,
- da tua própria culpa,
por sentires incapaz
de transgredir as invioláveis verdades,
que a ti mesmo impuseste.
Cuida para que o teu amanhecer
seja claro e límpido
E fertilize com a compreensão,
os jardins do teu coração.
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58. Geraldo Ráiss
O vaso
O vaso está ali,
Logo ali...
Sobre aquela mesa.
Passo por ele hora e outra,
Admiro sua beleza,
Imagino as mãos do oleiro
Manipulando suas curvas
Até que um dia, por descuido,
Ele cai, e se quebra!
Na vida é assim,
Tudo tem um fim
E ainda que
aquele vaso eu substitua
por outro parecido,
não será o mesmo.
Não mais verei aquelas curvas,
pois já serão outras, as mãos.
Prova 01
CBJE 58
59. ANSEIOS
Gigante sem voz
Que terra é essa, que já nasceu dividida
Desprendendo-se em Continente
A dar origem uma imensa riqueza
Em tons verdes, ouro e prata?
Que acolhe toda raça
Num só abraço, ardente,
E encena a cada passo um novo ato,
A se propor em força que anima.
Dos mananciais aos áridos - antagonistas
Que ferem toda uma gente
(Que pensa ser protagonista)
De uma história, que por condição lhe fora imposta
Que terra é essa, que em meio a tanto tesouro
Golpeia feito serpente
Olhares assustados e famintos,
A espera da hora a promulgar?
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60. Geraldo Ráiss
E no cantar de um pássaro, clama o sertão
A todo ser ausente
Que lhe foi dito a buscar
Numa esperança, que chega a lhe atormentar
Quisera eu falar de flores, encantos e recantos,
E bradar sons em tons poeticamente,
Em cada canto declarar o meu amor
Em versos e rimas, a esta terra com louvor
Este solo que abriga a arte ...
(de viver modestamente)
Dá asas a Lobatos e Jorges
Para que alcemos vôos de toda sorte
E assim a temos como morada
E dela colhemos intensamente
Todo fruto do futuro que há de vir,
E que esse fruto doe voz a esse gigante chamado Brasil!
Prova 01
CBJE 60
61. ANSEIOS
Final
Hoje, ano 2009. Há dez anos atrás eu conversava com
meu espelho interior e outras vezes com o espelho alheio,
como foi dito na Introdução deste livro. Muitas das minhas
indagações foram dissolvidas nesses anos, e outras ainda es-
tão à baila, muitas mudanças se concretizaram, nada foi em
vão. Novos amigos foram feitos, antigas ilusões foram desfei-
tas, pois não passaram de ilusões, assim como os amores. A
vida transita, e o amadurecimento vai estilhaçando aos pou-
cos nossos espelhos até que eles se quebrem totalmente, res-
tando apenas nós. O claustro vai se iluminando e vamos tro-
cando de morada, o corpo fechado vai se abrindo deixando
alguns medos para trás, dando lugar ao novo, e a vida vai so-
prando a despeito das carências e ausências. Os anseios conti-
nuam, mas não são os mesmos, pois o poeta mudou com o
tempo, embora continue poeta, afinal somos mesmo assim.
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