SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 5
Downloaden Sie, um offline zu lesen
Liberdade
                      Da série Pílulas Democráticas 8

         O SENTIDO DA POLÍTICA DEMOCRÁTICA
           É A LIBERDADE, NÃO A IGUALDADE

                            Augusto de Franco




Excertos do original sem-revisão do livro Alfabetização Democrática (Curitiba: Rede de
Participação Política: 2007) republicados em 2010.




A igualdade é a condição para a política democrática, não o seu sentido
ou a sua finalidade

Eis a confusão que causou a tragédia da falta de conforto das esquerdas
com a democracia. Como as esquerdas querem voltar a uma mítica
igualdade – na verdade, um suposto igualitarismo – primordial ou original,
imaginam que se a democracia não servir para isso, para nada mais



                                           1
servirá. Trata-se, evidentemente, de uma confusão entre democracia e
cidadania. Se houver cidadania, é a democracia que leva à inclusão na
comunidade política. Se não houver cidadania, a democracia não pode
sequer se exercer.

A igualdade é a condição para a política democrática, não seu sentido ou
sua finalidade. Mas a igualdade a que se refere a democracia é uma
igualdade de condições de proferimento de opiniões (a matéria-prima da
política). A democracia não serve para levar um conjunto humano para a
igualdade social e econômica. Não pode ser o instrumento para
transformar fracos em fortes, pobres em ricos ou ignorantes em sábios
(para considerar aquelas três separações básicas que, segundo Bobbio,
estariam na raiz do fenômeno do poder co-implicado na transformação de
diferenças em separações). É um modo (político) de convivência em que
os fracos, os pobres e os ignorantes têm as mesmas condições de opinar –
e, em um sentido mais amplo, de participar da definição dos destinos
coletivos – que os fortes, os ricos e os sábios. Isso não é pouca coisa na
medida em que tal exercício continuado acabará incidindo não sobre essas
diferenças em si, mas sobre as separações que se instalam a partir delas.

Ao não ver que o sentido da política é a liberdade, deixa-se de perceber o
que é próprio da política, o que pertence propriamente à sua esfera, e
tende-se a incluir na esfera da política (e na esfera da democracia) entes
que nela não podem habitar, como, por exemplo, relações sociais e
econômicas de igualdade e eqüidade. Mas a democracia, como percebeu
Hannah Arendt e não perceberam os defensores de uma suposta
“democracia socialista”, só vale para iguais. Por isso, os escravos não
poderiam mesmo participar da democracia grega e o fato desses não-
cidadãos não poderem participar da ágora não descredencia o conceito
grego de democracia, antes o afirma.

O fato de ser justa a preocupação com a igualdade e de julgarmos,
corretamente, como indesejável uma sociedade escravagista nada tem a



                                    2
ver com a democracia em si mesma, e sim com um outro imperativo ético:
o da universalização da cidadania.

Outra coisa são as conseqüências da democracia – ou do exercício da
política como “pazeamento” – para o que se convencionou chamar de
democratização da sociedade, aí incluído o sentido de inclusão universal
de seus componentes nas decisões coletivas, ou seja, a chamada cidadania
política. Mas relações sociais democráticas, assim como democracia social
e democracia econômica, são conceitos deslizados. Democracia é,
definitivamente, política. A questão aqui é saber como a democracia
(política) pode repercutir sobre a igualdade (social) ou sobre a repartição
mais igualitária dos recursos (econômicos), o que não é a mesma coisa
que dizer que só poderá existir “verdadeira” democracia à medida que
existir igualdade social e eqüidade econômica, como faz, por exemplo,
uma parte dos autocratas, quer dizer, dos que praticam a política como
uma questão de ‘lado’ (aquela parte que se caracteriza como “esquerda”).

Por outro lado, no que tange à inclusão na cidadania política, mesmo
nesse caso tal inclusão, depois dos gregos e até hoje, sempre foi relativa e
limitada, por exemplo, ao direito de delegar e de se fazer representar, ao
direito de voto de tempos em tempos, pelo qual se abre mão do direito de
participar a qualquer tempo (e em tempo real) das decisões – coisa que,
diga-se de passagem, não foi inventada pelos gregos e que não pode ser
julgada como mais democrática do que os procedimentos que eles
inventaram, só podendo ser justificada em virtude de impossibilidades
técnicas (portanto, extrapolíticas) quando se alega que sociedades
populosas não teriam condições de adotar mecanismos de democracia
direta. Mas essa não parece ser a “verdadeira razão”, já que sempre
existiram meios de tornar cada vez mais freqüentes, diretos e
participativos os processos de decisão (até com tambores e sinais de
fumaça, para não falar, nos últimos dez anos, da possibilidade de fazer
isso em tempo real usando recursos telemáticos). Ademais, parece haver
aqui uma imprecisão factual: as comunidades gregas nas quais se
praticava a política stricto sensu, quer dizer, a democracia não


                                     3
predominantemente delegativa – as poleis, incorretamente caracterizadas
como Cidades-Estado – não eram tão pequenas assim. Segundo Finley
(1981), “ao eclodir a Guerra do Peloponeso, em 431, a população
ateniense, então no seu auge, era da ordem de 250 mil a 275 mil
habitantes, incluindo-se livres e escravos, homens, mulheres e crianças...
Corinto talvez tenha atingido 90 mil; Tebas, Argos, Corcira (Corfu) e
Acraga, na Sicília, 40 mil a 60 mil cada uma, seguindo-se de perto o resto,
em escala decrescente...” – ou seja, o tamanho dos nossos atuais
municípios (1).

A “verdadeira razão”, aludida aqui, pela qual não se amplia a chamada
cidadania política é a mesma razão pela qual não se exerce a política como
“pazeamento” das relações, ou seja, porque algo está impedindo que isso
ocorra. A democracia, desde que foi inventada, é disputada por
tendências que querem autocratizá-la e tendências que querem
democratizá-la. A efetivação dessas últimas tenderia a instalar o ‘estado
de paz’ pelo exercício da política, o que não pode ocorrer enquanto
houver incidência e reincidência predominantes das primeiras.

Restaria uma última questão: por que o exercício da política como
liberdade – ou seja, a prática da democracia – não tem conseguido evitar
as guerras ao longo da história? A resposta é bem mais simples do que
pode parecer: porque ao longo da história não existiram, em volume
suficiente, as tais práticas democráticas. Basta ver que as democracias (no
sentido “fraco” do conceito) – pelo menos as que existem como regimes
de governo na contemporaneidade – não têm guerreado entre si. Esse é
um bom indício (e um bom começo). Sobre a democracia (no sentido
“forte” do conceito) como modo de praticar a política na vida social,
podemos dizer que ela não consegue evitar as guerras na exata medida
em que também não consegue se exercer na base da sociedade e no
cotidiano do cidadão. Ou seja, a guerra acontece na medida em que não
se consegue praticar a política como “pazeamento” das relações, porque
algo está impedindo que isso ocorra.



                                    4
Indicações de leitura

Seria bom ler os textos de Hannah Arendt, sobretudo os fragmentos das “Obras
Póstumas” compilados por Ursula Ludz e também o texto: “Será que a política de
algum modo ainda tem um sentido”, publicado na coletânea A dignidade da política
(Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993). E ainda o texto “Que é liberdade”, que faz
parte do volume Entre o passado e o futuro (1968).

Para entrar na “polêmica” fundante da reinvenção democrática dos modernos, seria
importante confrontar dois clássicos: o Tratado Teológico-Político (pelo menos o
último capítulo) de Spinoza (1670) com o Leviatã de Hobbes (1651).



Nota

(1) Cf. Finley, M. I (org.) (1998). O Legado da Grécia. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1998.




                                           5

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Exercício aula 2 cidadania
Exercício aula 2 cidadaniaExercício aula 2 cidadania
Exercício aula 2 cidadaniaRogerio Terra
 
Resenha coutinho 2000 contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismo
Resenha  coutinho 2000  contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismoResenha  coutinho 2000  contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismo
Resenha coutinho 2000 contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismoPauliane Godoy
 
Bobbio
BobbioBobbio
BobbioUNICAP
 
Norberto bobbio
Norberto bobbioNorberto bobbio
Norberto bobbioAnna Trina
 
Política pós moderna zaffari 34 mp
Política pós moderna zaffari 34 mpPolítica pós moderna zaffari 34 mp
Política pós moderna zaffari 34 mpalemisturini
 
Pilulas democraticas 11 Opiniao publica
Pilulas democraticas 11  Opiniao publicaPilulas democraticas 11  Opiniao publica
Pilulas democraticas 11 Opiniao publicaaugustodefranco .
 
Cidadania, política e condição humana
Cidadania, política e condição humanaCidadania, política e condição humana
Cidadania, política e condição humanaRogerio Terra
 
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeSão Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeGabrieldibernardi
 
GPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos Direitos
GPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos DireitosGPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos Direitos
GPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos DireitosJordano Santos Cerqueira
 
Regimes Políticos a Democracia
Regimes Políticos a DemocraciaRegimes Políticos a Democracia
Regimes Políticos a DemocraciaNábila Quennet
 
Pva curso de formação política
Pva   curso de formação políticaPva   curso de formação política
Pva curso de formação políticaLarapernambuco
 
Pilulas democraticas 21 Politica
Pilulas democraticas 21  PoliticaPilulas democraticas 21  Politica
Pilulas democraticas 21 Politicaaugustodefranco .
 

Was ist angesagt? (20)

Exercício aula 2 cidadania
Exercício aula 2 cidadaniaExercício aula 2 cidadania
Exercício aula 2 cidadania
 
Resenha coutinho 2000 contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismo
Resenha  coutinho 2000  contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismoResenha  coutinho 2000  contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismo
Resenha coutinho 2000 contra a corrente- ensaios sobre democracia e socialismo
 
Bobbio
BobbioBobbio
Bobbio
 
Norberto bobbio
Norberto bobbioNorberto bobbio
Norberto bobbio
 
Política pós moderna zaffari 34 mp
Política pós moderna zaffari 34 mpPolítica pós moderna zaffari 34 mp
Política pós moderna zaffari 34 mp
 
Pilulas democraticas 11 Opiniao publica
Pilulas democraticas 11  Opiniao publicaPilulas democraticas 11  Opiniao publica
Pilulas democraticas 11 Opiniao publica
 
Cidadania, política e condição humana
Cidadania, política e condição humanaCidadania, política e condição humana
Cidadania, política e condição humana
 
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeSão Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
 
Presentation3
Presentation3Presentation3
Presentation3
 
M1D3 - Aula 4
M1D3 - Aula 4M1D3 - Aula 4
M1D3 - Aula 4
 
Filosofia2
Filosofia2Filosofia2
Filosofia2
 
Os limites da democracia
Os limites da democraciaOs limites da democracia
Os limites da democracia
 
SISTEMAS DE GOVERNO 2ª AULA
SISTEMAS DE GOVERNO 2ª AULASISTEMAS DE GOVERNO 2ª AULA
SISTEMAS DE GOVERNO 2ª AULA
 
Cidadania
CidadaniaCidadania
Cidadania
 
GPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos Direitos
GPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos DireitosGPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos Direitos
GPDH FACELI Norberto Bobbio - A Era dos Direitos
 
Regimes Políticos a Democracia
Regimes Políticos a DemocraciaRegimes Políticos a Democracia
Regimes Políticos a Democracia
 
REGIMES POLÍTICOS 1ª aula
REGIMES POLÍTICOS 1ª aulaREGIMES POLÍTICOS 1ª aula
REGIMES POLÍTICOS 1ª aula
 
Etica
EticaEtica
Etica
 
Pva curso de formação política
Pva   curso de formação políticaPva   curso de formação política
Pva curso de formação política
 
Pilulas democraticas 21 Politica
Pilulas democraticas 21  PoliticaPilulas democraticas 21  Politica
Pilulas democraticas 21 Politica
 

Andere mochten auch

Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)
Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)
Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)VERASEVERINO12
 
O marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberal
O marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberalO marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberal
O marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberalCésar Pereira
 
Fil do direito politica
Fil do direito politicaFil do direito politica
Fil do direito politicaMariana Mendes
 
Aula 21 filosofia da ciência
Aula 21   filosofia da ciênciaAula 21   filosofia da ciência
Aula 21 filosofia da ciênciaprofessorleo1989
 
Gestão pública x privada semelhanças e diferenças
Gestão pública x privada  semelhanças e diferençasGestão pública x privada  semelhanças e diferenças
Gestão pública x privada semelhanças e diferençasRafael Parente
 
Administração pública e privada
Administração pública e privadaAdministração pública e privada
Administração pública e privadaLowrrayny Franchesca
 
Paneles de control
Paneles de controlPaneles de control
Paneles de controlChris Montes
 
Estudio de la_eficiencia
Estudio de la_eficienciaEstudio de la_eficiencia
Estudio de la_eficienciaaarecior
 
Bullying
BullyingBullying
Bullyingsurabe
 
Laboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - Apresentação
Laboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - ApresentaçãoLaboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - Apresentação
Laboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - ApresentaçãoAlexandre Gomes
 
Act 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos Cortes T
Act 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos  Cortes TAct 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos  Cortes T
Act 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos Cortes Tjuancortest
 

Andere mochten auch (20)

Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)
Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)
Reunião de diretores emefs 9-5-2012(5)
 
O marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberal
O marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberalO marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberal
O marxismo e o impasse entre igualdade e liberdade no pensamento liberal
 
Fil do direito politica
Fil do direito politicaFil do direito politica
Fil do direito politica
 
Filosofia da Ciência
Filosofia da CiênciaFilosofia da Ciência
Filosofia da Ciência
 
Aula 21 filosofia da ciência
Aula 21   filosofia da ciênciaAula 21   filosofia da ciência
Aula 21 filosofia da ciência
 
Democracia Representativa e Participativa
Democracia Representativa e ParticipativaDemocracia Representativa e Participativa
Democracia Representativa e Participativa
 
A Cidadania
A CidadaniaA Cidadania
A Cidadania
 
Filosofia política
Filosofia políticaFilosofia política
Filosofia política
 
Gestão pública x privada semelhanças e diferenças
Gestão pública x privada  semelhanças e diferençasGestão pública x privada  semelhanças e diferenças
Gestão pública x privada semelhanças e diferenças
 
Administração pública e privada
Administração pública e privadaAdministração pública e privada
Administração pública e privada
 
Paneles de control
Paneles de controlPaneles de control
Paneles de control
 
Estudio de la_eficiencia
Estudio de la_eficienciaEstudio de la_eficiencia
Estudio de la_eficiencia
 
Bullying
BullyingBullying
Bullying
 
Desafios com formas
Desafios com formasDesafios com formas
Desafios com formas
 
Relajate escucha mira_y_admira (1)
Relajate  escucha mira_y_admira (1)Relajate  escucha mira_y_admira (1)
Relajate escucha mira_y_admira (1)
 
Podcast no ensino das línguas
Podcast no ensino das línguasPodcast no ensino das línguas
Podcast no ensino das línguas
 
Colegio verbo divino
Colegio verbo divinoColegio verbo divino
Colegio verbo divino
 
Ut 2 1_dafo
Ut 2 1_dafoUt 2 1_dafo
Ut 2 1_dafo
 
Laboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - Apresentação
Laboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - ApresentaçãoLaboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - Apresentação
Laboratório de Métodos Ágeis 1/2014 - Apresentação
 
Act 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos Cortes T
Act 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos  Cortes TAct 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos  Cortes T
Act 2 reco_biodiversidad_Juan Carlos Cortes T
 

Ähnlich wie Pilulas democraticas 8 Liberdade

Pilulas democraticas 5 Guerra
Pilulas democraticas 5  GuerraPilulas democraticas 5  Guerra
Pilulas democraticas 5 Guerraaugustodefranco .
 
Pilulas Democráticas Introdução
Pilulas Democráticas IntroduçãoPilulas Democráticas Introdução
Pilulas Democráticas Introduçãoaugustodefranco .
 
Democracia america latina
Democracia america latinaDemocracia america latina
Democracia america latinaErica Rabelo
 
Democracia em Colapso.pdf
Democracia em Colapso.pdfDemocracia em Colapso.pdf
Democracia em Colapso.pdfLilianeBA
 
Democracia e cidadania
Democracia e cidadaniaDemocracia e cidadania
Democracia e cidadaniaIsrael serique
 
Pilulas Democráticas Apresentação
Pilulas Democráticas ApresentaçãoPilulas Democráticas Apresentação
Pilulas Democráticas Apresentaçãoaugustodefranco .
 
Slides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdf
Slides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdfSlides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdf
Slides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdfLeandroBrando21
 
Democracia em tempo de transição
Democracia em tempo de transiçãoDemocracia em tempo de transição
Democracia em tempo de transiçãoLuis Nassif
 
Livro cidadania no brasil josé murilo de carvalho
Livro cidadania no brasil josé murilo de carvalhoLivro cidadania no brasil josé murilo de carvalho
Livro cidadania no brasil josé murilo de carvalhosesouff2014
 
Pilulas democraticas 12 Desigualdade
Pilulas democraticas 12  DesigualdadePilulas democraticas 12  Desigualdade
Pilulas democraticas 12 Desigualdadeaugustodefranco .
 
Série FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICA
Série FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICASérie FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICA
Série FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICAaugustodefranco .
 
As contradições politicas do multiculturalism on02a03
As contradições politicas do multiculturalism on02a03As contradições politicas do multiculturalism on02a03
As contradições politicas do multiculturalism on02a03Cristina Bentes
 
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICAPARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICAUniversidade Federal do Paraná
 

Ähnlich wie Pilulas democraticas 8 Liberdade (20)

Pilulas democraticas 5 Guerra
Pilulas democraticas 5  GuerraPilulas democraticas 5  Guerra
Pilulas democraticas 5 Guerra
 
Pilulas Democráticas Introdução
Pilulas Democráticas IntroduçãoPilulas Democráticas Introdução
Pilulas Democráticas Introdução
 
Fluzz pilulas 48
Fluzz pilulas 48Fluzz pilulas 48
Fluzz pilulas 48
 
Democracia america latina
Democracia america latinaDemocracia america latina
Democracia america latina
 
Fluzz pilulas 47
Fluzz pilulas 47Fluzz pilulas 47
Fluzz pilulas 47
 
Sobre Democracia Direta
Sobre Democracia DiretaSobre Democracia Direta
Sobre Democracia Direta
 
Pilulas democraticas 7 Paz
Pilulas democraticas 7  PazPilulas democraticas 7  Paz
Pilulas democraticas 7 Paz
 
Democracia em Colapso.pdf
Democracia em Colapso.pdfDemocracia em Colapso.pdf
Democracia em Colapso.pdf
 
Democracia e cidadania
Democracia e cidadaniaDemocracia e cidadania
Democracia e cidadania
 
Pilulas Democráticas Apresentação
Pilulas Democráticas ApresentaçãoPilulas Democráticas Apresentação
Pilulas Democráticas Apresentação
 
Slides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdf
Slides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdfSlides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdf
Slides_Estado_Democracia_Giane_2021.pdf
 
Cidadania
CidadaniaCidadania
Cidadania
 
Democracia em tempo de transição
Democracia em tempo de transiçãoDemocracia em tempo de transição
Democracia em tempo de transição
 
Livro cidadania no brasil josé murilo de carvalho
Livro cidadania no brasil josé murilo de carvalhoLivro cidadania no brasil josé murilo de carvalho
Livro cidadania no brasil josé murilo de carvalho
 
Pilulas democraticas 12 Desigualdade
Pilulas democraticas 12  DesigualdadePilulas democraticas 12  Desigualdade
Pilulas democraticas 12 Desigualdade
 
Série FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICA
Série FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICASérie FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICA
Série FLUZZ Volume 6 A NOVA POLÍTICA
 
As contradições politicas do multiculturalism on02a03
As contradições politicas do multiculturalism on02a03As contradições politicas do multiculturalism on02a03
As contradições politicas do multiculturalism on02a03
 
Fluzz & Partido
Fluzz & PartidoFluzz & Partido
Fluzz & Partido
 
Pilulas democraticas 6 Lado
Pilulas democraticas 6  LadoPilulas democraticas 6  Lado
Pilulas democraticas 6 Lado
 
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICAPARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, LEGITIMIDADE E EFICÁCIA DEMOCRÁTICA
 

Mehr von augustodefranco .

Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaFranco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaaugustodefranco .
 
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilFranco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilaugustodefranco .
 
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaA democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaaugustodefranco .
 
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeAlgumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeaugustodefranco .
 
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA augustodefranco .
 
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...augustodefranco .
 
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...augustodefranco .
 
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMAaugustodefranco .
 
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialNunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialaugustodefranco .
 
Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?augustodefranco .
 
Quando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaQuando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaaugustodefranco .
 
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John DeweyDemocracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Deweyaugustodefranco .
 
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELARELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELAaugustodefranco .
 
Diálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesDiálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesaugustodefranco .
 

Mehr von augustodefranco . (20)

Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaFranco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
 
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilFranco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
 
Hiérarchie
Hiérarchie Hiérarchie
Hiérarchie
 
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaA democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
 
JERARQUIA
JERARQUIAJERARQUIA
JERARQUIA
 
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeAlgumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
 
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISEAS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
 
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
 
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
 
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
 
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
 
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialNunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
 
Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?
 
Quando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaQuando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democracia
 
100 DIAS DE VERÃO
100 DIAS DE VERÃO100 DIAS DE VERÃO
100 DIAS DE VERÃO
 
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John DeweyDemocracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
 
MULTIVERSIDADE NA ESCOLA
MULTIVERSIDADE NA ESCOLAMULTIVERSIDADE NA ESCOLA
MULTIVERSIDADE NA ESCOLA
 
DEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
DEMOCRACIA E REDES SOCIAISDEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
DEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
 
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELARELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
 
Diálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesDiálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantes
 

Pilulas democraticas 8 Liberdade

  • 1. Liberdade Da série Pílulas Democráticas 8 O SENTIDO DA POLÍTICA DEMOCRÁTICA É A LIBERDADE, NÃO A IGUALDADE Augusto de Franco Excertos do original sem-revisão do livro Alfabetização Democrática (Curitiba: Rede de Participação Política: 2007) republicados em 2010. A igualdade é a condição para a política democrática, não o seu sentido ou a sua finalidade Eis a confusão que causou a tragédia da falta de conforto das esquerdas com a democracia. Como as esquerdas querem voltar a uma mítica igualdade – na verdade, um suposto igualitarismo – primordial ou original, imaginam que se a democracia não servir para isso, para nada mais 1
  • 2. servirá. Trata-se, evidentemente, de uma confusão entre democracia e cidadania. Se houver cidadania, é a democracia que leva à inclusão na comunidade política. Se não houver cidadania, a democracia não pode sequer se exercer. A igualdade é a condição para a política democrática, não seu sentido ou sua finalidade. Mas a igualdade a que se refere a democracia é uma igualdade de condições de proferimento de opiniões (a matéria-prima da política). A democracia não serve para levar um conjunto humano para a igualdade social e econômica. Não pode ser o instrumento para transformar fracos em fortes, pobres em ricos ou ignorantes em sábios (para considerar aquelas três separações básicas que, segundo Bobbio, estariam na raiz do fenômeno do poder co-implicado na transformação de diferenças em separações). É um modo (político) de convivência em que os fracos, os pobres e os ignorantes têm as mesmas condições de opinar – e, em um sentido mais amplo, de participar da definição dos destinos coletivos – que os fortes, os ricos e os sábios. Isso não é pouca coisa na medida em que tal exercício continuado acabará incidindo não sobre essas diferenças em si, mas sobre as separações que se instalam a partir delas. Ao não ver que o sentido da política é a liberdade, deixa-se de perceber o que é próprio da política, o que pertence propriamente à sua esfera, e tende-se a incluir na esfera da política (e na esfera da democracia) entes que nela não podem habitar, como, por exemplo, relações sociais e econômicas de igualdade e eqüidade. Mas a democracia, como percebeu Hannah Arendt e não perceberam os defensores de uma suposta “democracia socialista”, só vale para iguais. Por isso, os escravos não poderiam mesmo participar da democracia grega e o fato desses não- cidadãos não poderem participar da ágora não descredencia o conceito grego de democracia, antes o afirma. O fato de ser justa a preocupação com a igualdade e de julgarmos, corretamente, como indesejável uma sociedade escravagista nada tem a 2
  • 3. ver com a democracia em si mesma, e sim com um outro imperativo ético: o da universalização da cidadania. Outra coisa são as conseqüências da democracia – ou do exercício da política como “pazeamento” – para o que se convencionou chamar de democratização da sociedade, aí incluído o sentido de inclusão universal de seus componentes nas decisões coletivas, ou seja, a chamada cidadania política. Mas relações sociais democráticas, assim como democracia social e democracia econômica, são conceitos deslizados. Democracia é, definitivamente, política. A questão aqui é saber como a democracia (política) pode repercutir sobre a igualdade (social) ou sobre a repartição mais igualitária dos recursos (econômicos), o que não é a mesma coisa que dizer que só poderá existir “verdadeira” democracia à medida que existir igualdade social e eqüidade econômica, como faz, por exemplo, uma parte dos autocratas, quer dizer, dos que praticam a política como uma questão de ‘lado’ (aquela parte que se caracteriza como “esquerda”). Por outro lado, no que tange à inclusão na cidadania política, mesmo nesse caso tal inclusão, depois dos gregos e até hoje, sempre foi relativa e limitada, por exemplo, ao direito de delegar e de se fazer representar, ao direito de voto de tempos em tempos, pelo qual se abre mão do direito de participar a qualquer tempo (e em tempo real) das decisões – coisa que, diga-se de passagem, não foi inventada pelos gregos e que não pode ser julgada como mais democrática do que os procedimentos que eles inventaram, só podendo ser justificada em virtude de impossibilidades técnicas (portanto, extrapolíticas) quando se alega que sociedades populosas não teriam condições de adotar mecanismos de democracia direta. Mas essa não parece ser a “verdadeira razão”, já que sempre existiram meios de tornar cada vez mais freqüentes, diretos e participativos os processos de decisão (até com tambores e sinais de fumaça, para não falar, nos últimos dez anos, da possibilidade de fazer isso em tempo real usando recursos telemáticos). Ademais, parece haver aqui uma imprecisão factual: as comunidades gregas nas quais se praticava a política stricto sensu, quer dizer, a democracia não 3
  • 4. predominantemente delegativa – as poleis, incorretamente caracterizadas como Cidades-Estado – não eram tão pequenas assim. Segundo Finley (1981), “ao eclodir a Guerra do Peloponeso, em 431, a população ateniense, então no seu auge, era da ordem de 250 mil a 275 mil habitantes, incluindo-se livres e escravos, homens, mulheres e crianças... Corinto talvez tenha atingido 90 mil; Tebas, Argos, Corcira (Corfu) e Acraga, na Sicília, 40 mil a 60 mil cada uma, seguindo-se de perto o resto, em escala decrescente...” – ou seja, o tamanho dos nossos atuais municípios (1). A “verdadeira razão”, aludida aqui, pela qual não se amplia a chamada cidadania política é a mesma razão pela qual não se exerce a política como “pazeamento” das relações, ou seja, porque algo está impedindo que isso ocorra. A democracia, desde que foi inventada, é disputada por tendências que querem autocratizá-la e tendências que querem democratizá-la. A efetivação dessas últimas tenderia a instalar o ‘estado de paz’ pelo exercício da política, o que não pode ocorrer enquanto houver incidência e reincidência predominantes das primeiras. Restaria uma última questão: por que o exercício da política como liberdade – ou seja, a prática da democracia – não tem conseguido evitar as guerras ao longo da história? A resposta é bem mais simples do que pode parecer: porque ao longo da história não existiram, em volume suficiente, as tais práticas democráticas. Basta ver que as democracias (no sentido “fraco” do conceito) – pelo menos as que existem como regimes de governo na contemporaneidade – não têm guerreado entre si. Esse é um bom indício (e um bom começo). Sobre a democracia (no sentido “forte” do conceito) como modo de praticar a política na vida social, podemos dizer que ela não consegue evitar as guerras na exata medida em que também não consegue se exercer na base da sociedade e no cotidiano do cidadão. Ou seja, a guerra acontece na medida em que não se consegue praticar a política como “pazeamento” das relações, porque algo está impedindo que isso ocorra. 4
  • 5. Indicações de leitura Seria bom ler os textos de Hannah Arendt, sobretudo os fragmentos das “Obras Póstumas” compilados por Ursula Ludz e também o texto: “Será que a política de algum modo ainda tem um sentido”, publicado na coletânea A dignidade da política (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993). E ainda o texto “Que é liberdade”, que faz parte do volume Entre o passado e o futuro (1968). Para entrar na “polêmica” fundante da reinvenção democrática dos modernos, seria importante confrontar dois clássicos: o Tratado Teológico-Político (pelo menos o último capítulo) de Spinoza (1670) com o Leviatã de Hobbes (1651). Nota (1) Cf. Finley, M. I (org.) (1998). O Legado da Grécia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. 5