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Legitimidade
                      Da série Pílulas Democráticas 8

                   QUEM TEM MAIORIA
              NEM SEMPRE TEM LEGITIMIDADE

                            Augusto de Franco




Excertos do original sem-revisão do livro Alfabetização Democrática (Curitiba: Rede de
Participação Política: 2007) republicados em 2010.




Democracias que transformam urnas em tribunais acabam virando
protoditaduras

Dizer que para um governo ser democrático basta ter sido eleito sem
fraude pela maioria da população é uma falácia autoritária. O fato de um
governo ter sido eleito por maioria em eleições limpas é uma condição
necessária mas não suficiente para que tal governo possa ser qualificado



                                           1
como democrático. É necessário que o governo, eleito democraticamente,
também governe democraticamente. A eleição não é um cheque em
branco, que dá direito ao eleito de fazer o que bem entender em nome da
maioria obtida nas urnas: ela constitui apenas um episódio em um
processo democrático que é cotidiano. O caráter democrático de um
governo deve ser conquistado diariamente por suas opções e ações
democráticas. Assim, um governo eleito democraticamente deixará de ser
plenamente democrático se descumprir as leis ou se promover a
degeneração das instituições, quer por meio da corrupção e de outras
ações para desacreditá-las, quer por meio da perversão da política; por
exemplo, ocupando-as e aparelhando-as para esvaziá-las de seu sentido.

Fujimori, aquele bandido que governou o Peru na década de 1990, tinha –
no auge da sua popularidade, quando assaltava os cofres públicos e
violava direitos humanos – cerca de 70% de aprovação popular. Hitler e
Mussolini também tinham a aprovação esmagadora das populações
alemãs e italianas antes e mesmo durante a Segunda Grande Guerra. Por
causa disso não se pode dizer que tivessem governado democraticamente
ou que tivessem legitimidade.

Assim como a legitimidade não pode ser conferida pela maioria, ela
também não é um atributo da popularidade (e a confusão entre as duas
coisas – como faz o eleitoralismo – acaba sempre sendo letal para a
democracia). Em um regime democrático representativo quem dá
legitimidade à maioria, em termos políticos, são as (múltiplas) minorias
que acatam o resultado das urnas e acatam, além disso, o direito da
maioria de governar, mesmo não concordando com o conteúdo de suas
ações, pelo fato de reconhecerem que as normas democráticas e as
instituições estão sendo respeitadas. Se as leis não forem respeitadas pela
maioria, ela (a maioria) perde a legitimidade (e é nesse contexto
conceitual que faz sentido a afirmação de que “a democracia é o império
da lei”), mesmo quando seus representantes continuem sustentando altos
índices de popularidade.



                                    2
Se a verificação dos índices de popularidade tivesse a importância que a
política tradicional lhe atribui nos dias de hoje, o processo eleitoral seria
quase dispensável: bastaria aferir os índices de popularidade dos
postulantes a qualquer cargo. A democracia, entretanto, abarca um
processo mais complexo do que o da verificação de preferências
individuais. O próprio processo eleitoral é mais complexo, não raro
ensejando mudanças bruscas nas correntes de opinião. Além disso, a
democracia não pode se restringir ao processo eleitoral, enveredando
pelo desvio chamado eleitoralismo (que pode ser extremamente perigoso
para a democracia quando, confundindo popularidade com legitimidade,
permite que as maiorias enveredem para o crime e a corrupção e
permaneçam impunes, já que contariam com o apoio popular). Mas
democracias que transformam urnas em tribunais acabam virando
protoditaduras.

Mas se a legitimidade não é conferida pela maioria, qual seria sua fonte
no regime democrático? A legitimidade na democracia é uma
conseqüência da aceitação dos princípios da liberdade, da publicidade, da
eletividade, da rotatividade (ou alternância), da legalidade e da
institucionalidade democráticas. Se, baseado nos votos que obteve ou nos
altos índices de popularidade que alcançou, um representante considerar
que pode desrespeitar, falsificar ou manipular as regras emanadas desses
princípios porque conta para tanto com o apoio da maioria da população,
então tal representante deverá ser considerado ilegítimo. Isso também
vale para aqueles atores políticos que, mesmo sem ter qualquer
representação ou sem ter conquistado altos índices de popularidade,
desrespeitarem tais regras baseados na convicção de que são portadores
da “proposta correta” ou da “ideologia verdadeira” (supostamente a favor
do povo – ou de uma parte escolhida desse povo – mesmo quando o
povo, como ocorre freqüentemente, nada saiba disso).




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Pilulas democraticas 10 Legitimidade

  • 1. Legitimidade Da série Pílulas Democráticas 8 QUEM TEM MAIORIA NEM SEMPRE TEM LEGITIMIDADE Augusto de Franco Excertos do original sem-revisão do livro Alfabetização Democrática (Curitiba: Rede de Participação Política: 2007) republicados em 2010. Democracias que transformam urnas em tribunais acabam virando protoditaduras Dizer que para um governo ser democrático basta ter sido eleito sem fraude pela maioria da população é uma falácia autoritária. O fato de um governo ter sido eleito por maioria em eleições limpas é uma condição necessária mas não suficiente para que tal governo possa ser qualificado 1
  • 2. como democrático. É necessário que o governo, eleito democraticamente, também governe democraticamente. A eleição não é um cheque em branco, que dá direito ao eleito de fazer o que bem entender em nome da maioria obtida nas urnas: ela constitui apenas um episódio em um processo democrático que é cotidiano. O caráter democrático de um governo deve ser conquistado diariamente por suas opções e ações democráticas. Assim, um governo eleito democraticamente deixará de ser plenamente democrático se descumprir as leis ou se promover a degeneração das instituições, quer por meio da corrupção e de outras ações para desacreditá-las, quer por meio da perversão da política; por exemplo, ocupando-as e aparelhando-as para esvaziá-las de seu sentido. Fujimori, aquele bandido que governou o Peru na década de 1990, tinha – no auge da sua popularidade, quando assaltava os cofres públicos e violava direitos humanos – cerca de 70% de aprovação popular. Hitler e Mussolini também tinham a aprovação esmagadora das populações alemãs e italianas antes e mesmo durante a Segunda Grande Guerra. Por causa disso não se pode dizer que tivessem governado democraticamente ou que tivessem legitimidade. Assim como a legitimidade não pode ser conferida pela maioria, ela também não é um atributo da popularidade (e a confusão entre as duas coisas – como faz o eleitoralismo – acaba sempre sendo letal para a democracia). Em um regime democrático representativo quem dá legitimidade à maioria, em termos políticos, são as (múltiplas) minorias que acatam o resultado das urnas e acatam, além disso, o direito da maioria de governar, mesmo não concordando com o conteúdo de suas ações, pelo fato de reconhecerem que as normas democráticas e as instituições estão sendo respeitadas. Se as leis não forem respeitadas pela maioria, ela (a maioria) perde a legitimidade (e é nesse contexto conceitual que faz sentido a afirmação de que “a democracia é o império da lei”), mesmo quando seus representantes continuem sustentando altos índices de popularidade. 2
  • 3. Se a verificação dos índices de popularidade tivesse a importância que a política tradicional lhe atribui nos dias de hoje, o processo eleitoral seria quase dispensável: bastaria aferir os índices de popularidade dos postulantes a qualquer cargo. A democracia, entretanto, abarca um processo mais complexo do que o da verificação de preferências individuais. O próprio processo eleitoral é mais complexo, não raro ensejando mudanças bruscas nas correntes de opinião. Além disso, a democracia não pode se restringir ao processo eleitoral, enveredando pelo desvio chamado eleitoralismo (que pode ser extremamente perigoso para a democracia quando, confundindo popularidade com legitimidade, permite que as maiorias enveredem para o crime e a corrupção e permaneçam impunes, já que contariam com o apoio popular). Mas democracias que transformam urnas em tribunais acabam virando protoditaduras. Mas se a legitimidade não é conferida pela maioria, qual seria sua fonte no regime democrático? A legitimidade na democracia é uma conseqüência da aceitação dos princípios da liberdade, da publicidade, da eletividade, da rotatividade (ou alternância), da legalidade e da institucionalidade democráticas. Se, baseado nos votos que obteve ou nos altos índices de popularidade que alcançou, um representante considerar que pode desrespeitar, falsificar ou manipular as regras emanadas desses princípios porque conta para tanto com o apoio da maioria da população, então tal representante deverá ser considerado ilegítimo. Isso também vale para aqueles atores políticos que, mesmo sem ter qualquer representação ou sem ter conquistado altos índices de popularidade, desrespeitarem tais regras baseados na convicção de que são portadores da “proposta correta” ou da “ideologia verdadeira” (supostamente a favor do povo – ou de uma parte escolhida desse povo – mesmo quando o povo, como ocorre freqüentemente, nada saiba disso). 3