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OO SSWWAARRMMIINNGG BBRRAASSIILLEEIIRROO PPOODDEE TTEERR SSIIDDOO
OO MMAAIIOORR JJÁÁ VVIISSTTOO NNAA TTEERRRRAA
Augusto de Franco
26/06/2013
2009 compartilhamentos no Facebook (até 09:50 de 29/06/13)
As pessoas ainda não se deram conta, muito menos os analistas políticos e
os políticos profissionais (que não entenderam da missa a metade). Mas
estava conversando ontem com o Fernando Gabeira, minutos antes da
gravação do programa #DEMOCRACIACARREGANDO (que vai ao ar no
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sábado e domingo próximos (29 E 30/06/2013) às 21h30 na BAND), que o
swarming brasileiro de 17 e 18 de Junho foi o maior da história do Brasil e,
se bobear, o maior já observado entre seres humanos (desde que existe
espécie humana, hehe).
Claro que já tivemos concentrações maiores de pessoas, mas não contam.
E agora vou dizer por que. Mao reunia 10 milhões (dizem) na Praça da Paz
Celestial, mas não conta: ele parava os caminhões na porta das fábricas e
ai de quem não entrasse, assim como também não contam os comício
convocados por ditadores, como Stalin ou Fidel e nem as manifestações
convocadas por comitês formados por entidades hierárquicas, como a
famosa Passeata dos 100 mil (da qual participei e até ajudei a organizar) e
aquelas que ocorreram no Anhangabaú em São Paulo, na luta pelas
diretas (uma delas tinha 1,5 milhão). Não contam nem mesmo aquelas
marchas intermináveis de Gandhi na Índia, como a Marcha do Sal: as
pessoas iam lá seguindo um Mahatma (quase um deva), por motivos
religiosos ou religioso-políticos. Da mesma forma não contam o Hajj a
grande peregrinação à Meca (com quase 4 milhões de fiéis) ou o Círio de
Nazare.
Nada disso conta porque não foram manifestações de um metabolismo da
sociedade disseminadas peer-to-peer em sim atos programados e
convocados centralizadamente.
Claro que o que aconteceu entre 11 e 13 de março de 2004 em Madri e
em outras cidades espanholas conta. Claro que o que aconteceu na Praça
Tahir (sobretudo em 11 de fevereiro de 2011) conta (assim como contam
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várias manifestações no Norte da África e no Oriente Médio que
antecederam e sucederam à movimentação egípcia no bojo do que se
convencionou chamar de Primavera Árabe). Claro que o que aconteceu no
Zuccottti Park em Nova York, em 17 de setembro de 2011 conta, assim
como contam as dezenas de Occupy que vieram na esteira. Claro que o
que aconteceu no 15M (15 de maio de 2011) em Madri conta, assim como
contam todos os movimentos dos Indignados que vieram depois. E claro
que contam os protestos na Turquia (a partir do dia 28 de maio de 2013).
Todos esses foram swarmings (enxameamentos, uma dinâmica de rede - a
manifestação de uma fenomenologia da interação - em sociedades
altamente conectadas), de fato. Mas nenhum deles conseguiu ter o
caráter, a dimensão, a capilaridade e a abrangência do swarming brasileiro
de 17 e 18 de junho de 2013.
Aqui não foi uma dinâmica de luta contra um inimigo concreto, objetivo:
não havia um poderoso para tirar do poder (como ocorreu nas
manifestações pelo impeachment de Collor), não havia uma lei para ser
aprovada (como nas manifestações das Diretas Já).
Aqui, o que ocorreu foi a expressão molecular de um incômodo, de uma
insatisfação difusa com o sistema (as pessoas sentiram que há algo muito
errado com o sistema, embora não saibam explicar o que é exatamente "o
sistema"). A vibe não era guerreira. As emoções predominantes não eram
adversariais. As multidões não procuravam um inimigo para destruir.
Simplesmente diziam: nós existimos, nós agora acordamos, nós queremos
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enfim declarar que não estamos satisfeitos com o que está acontecendo e
nós não nos sentimos representados por vocês (os que estão no poder).
Avalio que aqui no Brasil mais de mil cidades se envolveram. De São Paulo
à Rio Pomba, de Viçosa a Porto Alegre, de Belém à Itanhandu. Tudo
somado perfaz alguns milhões. Só alguém muito desprovido de
inteligência poderia supor que tais manifestações foram convocadas pelo
Movimento Passe Livre. A convocação do MPL, focada na redução do
preço das passagens, cumpriu o mesmo papel detonador do que a
convocação daqueles 50 ambientalistas que se manifestaram contra a
derrubada de 600 árvores do Parque Taskim Gezi, em Istambul.
Com tal abrangência territorial, jamais se viu coisa assim. Jamais.

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O swarming brasileiro pode ter sido o maior já visto na terra

  • 1. 1 OO SSWWAARRMMIINNGG BBRRAASSIILLEEIIRROO PPOODDEE TTEERR SSIIDDOO OO MMAAIIOORR JJÁÁ VVIISSTTOO NNAA TTEERRRRAA Augusto de Franco 26/06/2013 2009 compartilhamentos no Facebook (até 09:50 de 29/06/13) As pessoas ainda não se deram conta, muito menos os analistas políticos e os políticos profissionais (que não entenderam da missa a metade). Mas estava conversando ontem com o Fernando Gabeira, minutos antes da gravação do programa #DEMOCRACIACARREGANDO (que vai ao ar no
  • 2. 2 sábado e domingo próximos (29 E 30/06/2013) às 21h30 na BAND), que o swarming brasileiro de 17 e 18 de Junho foi o maior da história do Brasil e, se bobear, o maior já observado entre seres humanos (desde que existe espécie humana, hehe). Claro que já tivemos concentrações maiores de pessoas, mas não contam. E agora vou dizer por que. Mao reunia 10 milhões (dizem) na Praça da Paz Celestial, mas não conta: ele parava os caminhões na porta das fábricas e ai de quem não entrasse, assim como também não contam os comício convocados por ditadores, como Stalin ou Fidel e nem as manifestações convocadas por comitês formados por entidades hierárquicas, como a famosa Passeata dos 100 mil (da qual participei e até ajudei a organizar) e aquelas que ocorreram no Anhangabaú em São Paulo, na luta pelas diretas (uma delas tinha 1,5 milhão). Não contam nem mesmo aquelas marchas intermináveis de Gandhi na Índia, como a Marcha do Sal: as pessoas iam lá seguindo um Mahatma (quase um deva), por motivos religiosos ou religioso-políticos. Da mesma forma não contam o Hajj a grande peregrinação à Meca (com quase 4 milhões de fiéis) ou o Círio de Nazare. Nada disso conta porque não foram manifestações de um metabolismo da sociedade disseminadas peer-to-peer em sim atos programados e convocados centralizadamente. Claro que o que aconteceu entre 11 e 13 de março de 2004 em Madri e em outras cidades espanholas conta. Claro que o que aconteceu na Praça Tahir (sobretudo em 11 de fevereiro de 2011) conta (assim como contam
  • 3. 3 várias manifestações no Norte da África e no Oriente Médio que antecederam e sucederam à movimentação egípcia no bojo do que se convencionou chamar de Primavera Árabe). Claro que o que aconteceu no Zuccottti Park em Nova York, em 17 de setembro de 2011 conta, assim como contam as dezenas de Occupy que vieram na esteira. Claro que o que aconteceu no 15M (15 de maio de 2011) em Madri conta, assim como contam todos os movimentos dos Indignados que vieram depois. E claro que contam os protestos na Turquia (a partir do dia 28 de maio de 2013). Todos esses foram swarmings (enxameamentos, uma dinâmica de rede - a manifestação de uma fenomenologia da interação - em sociedades altamente conectadas), de fato. Mas nenhum deles conseguiu ter o caráter, a dimensão, a capilaridade e a abrangência do swarming brasileiro de 17 e 18 de junho de 2013. Aqui não foi uma dinâmica de luta contra um inimigo concreto, objetivo: não havia um poderoso para tirar do poder (como ocorreu nas manifestações pelo impeachment de Collor), não havia uma lei para ser aprovada (como nas manifestações das Diretas Já). Aqui, o que ocorreu foi a expressão molecular de um incômodo, de uma insatisfação difusa com o sistema (as pessoas sentiram que há algo muito errado com o sistema, embora não saibam explicar o que é exatamente "o sistema"). A vibe não era guerreira. As emoções predominantes não eram adversariais. As multidões não procuravam um inimigo para destruir. Simplesmente diziam: nós existimos, nós agora acordamos, nós queremos
  • 4. 4 enfim declarar que não estamos satisfeitos com o que está acontecendo e nós não nos sentimos representados por vocês (os que estão no poder). Avalio que aqui no Brasil mais de mil cidades se envolveram. De São Paulo à Rio Pomba, de Viçosa a Porto Alegre, de Belém à Itanhandu. Tudo somado perfaz alguns milhões. Só alguém muito desprovido de inteligência poderia supor que tais manifestações foram convocadas pelo Movimento Passe Livre. A convocação do MPL, focada na redução do preço das passagens, cumpriu o mesmo papel detonador do que a convocação daqueles 50 ambientalistas que se manifestaram contra a derrubada de 600 árvores do Parque Taskim Gezi, em Istambul. Com tal abrangência territorial, jamais se viu coisa assim. Jamais.