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Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                             56
              (Corresponde ao vigésimo tópico do Capítulo 7,
             intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)




        Cidades inovadoras, não-Estados-nações

Cidades inovadoras – como redes de comunidades – em rota de autonomia
crescente em relação aos governos centrais que tinham-nas por seus
domínios

Nas grandes transformações moleculares – aquelas que têm conseqüências
duradouras – o velho é substituído pelo novo não porque foi destruído, mas
porque se tornou obsoleto. Os velhos padrões nunca são eliminados de uma
vez ou para sempre, mas continuam existindo, como remanescências,
vestigialmente. Ao que tudo indica, os Estados-nações continuarão existindo
por muito tempo, assim como ainda existem hoje algumas comunidades de
herança (do tempo medieval) e velhas tribos indígenas primitivas (da era
paleolítica). Ao contrário do que previram os críticos da globalização,
apavorados ante a perspectiva de uma uniformização ou homogeneização
que seria imposta ao mundo inteiro, o cenário da glocalização é o de um
conjunto de mundos variados, que estarão não apenas em locais diversos,
mas também em tempos diferentes. Mas nessa nova configuração os
Estados-nações não terão mais o protagonismo, hoje quase único e
exclusivo, da governança do desenvolvimento, baseado nos monopólios da
regulação e da violência que ainda se esforçam por deter em suas mãos.
Sim, os Estados-nações continuarão existindo, mas já terão perdido o
monopólio da governança do desenvolvimento, pelo simples fato de que não
conseguirão mais impedir a emergência da inovação.

Na verdade, em uma sociedade em rede é muito difícil construir monopólios
de um novo fator cada vez mais decisivo nos processos de produção e de
regulação: o conhecimento. O conhecimento é um bem intangível que, se
for aprisionado (estocado, protegido, separado), decresce e perde valor e,
inversamente, se for compartilhado (submetido à polinização ou à
fertilização cruzada com outros conhecimentos) cresce, gera novos
conhecimentos e aumenta de valor (aliás, é isso, precisamente, o que se
chama de inovação). Os Estados e as empresas tradicionais (sempre
associados nessa coligação que formou o capitalismo que conhecemos)
continuarão tentando aprisionar o conhecimento ou regulá-lo top dow a
partir das leis de patentes, do domínio privado sobre produtos do
conhecimento (como o direito autoral), do segredo e da falta de
transparência (ou accountability) e dos sistemas de ensino (as burocracias
escolares e as hierarquias sacerdotais que constituem as academias). Mas
não poderão mais evitar que novos conhecimentos se formem à margem
das instituições que regulam e à sua revelia. E, o que é mais importante,
não poderão mais competir com a produção em larga escala de
conhecimentos e, inclusive (uma conseqüência), de produtos comerciais –
como os chamados peer production e crowdsourcing – e com as outras
formas não-mercantis de inovação, como as que serão acionadas na
emergência das novas cidades.

Ainda que se constitua como instância autorizada de fabricação,
interpretação e aplicação das leis e ainda que continue detendo os
monopólios da regulação macro-econômica, da emissão de moeda e do uso
da violência, o velho Estado-nação ficará falando sozinho enquanto as
cidades inventam novas instituições e novos procedimentos adequados à
governança do seu próprio desenvolvimento. E isso ocorrerá não porque o
Estado-nação não queira mais barrar tais avanços e sim porque não terá os
meios para fazê-lo.




                                    2
O próprio sistema político baseado na verticalização do Estado-nação já está
sentindo a mudança. Já é mais importante, hoje, ser prefeito de São Paulo
do que governador da grande maioria dos estados brasileiros. Seria mais
importante ser administrador de Shutoken do que chefe de governo do
Japão. E amanhã, em tudo o que disser respeito ao desenvolvimento, os
governantes mais importantes não serão mais os chefes do governo ou do
Estado (nacional) e sim os administradores de cidades inovadoras e de
regiões formadas por coligações de cidades. Quem sabe na futura China (ou
no que ela vier a se transformar), os participantes do sistema de
governança de Dalian terão mais importância do que têm hoje os seus
ditadores (em um cenário, é claro, em que não houver mais ditadores).

De qualquer modo, as cidades serão independentes na razão direta da sua
capacidade de inovação. O processo de independência das cidades é um
processo de inovação. As cidades que quiserem ser independentes estão
condenadas a inovar permanentemente.

Não há uma definição de cidade inovadora a não ser aquela, quase
tautológica, de que é uma cidade que inova ao criar ambientes favoráveis à
inovação (e não uma cidade em que o governo local quer pegar a bandeira
da inovação com objetivos de marketing político). São esses ambientes que
caracterizam a cidade inovadora como uma cidade aberta, conectada para
dentro e para fora, ágil na regulamentação (sobretudo, mas não apenas, no
que tange aos empreendimentos empresariais e sociais) e educadora. Para
tanto, é necessário que as cidades que queiram ser inovadoras construam
sistemas locais de governança que favoreçam ao invés de dificultar a
regulação emergente, a partir da comunitarização.

O mercado nos forneceu um modelo relativamente eficaz de regulação
emergente, tão sedutor que muitas pessoas deixaram-se intoxicar por uma
visão mercadocêntrica do mundo, que poderia ser resumida na pergunta:
ora, se deu certo para as unidades econômicas, por que não daria também
para as unidades políticas e sociais? Foi assim que os modernos
avacalharam o conceito de público. E a rigor também desaproveitaram o
que havia de tão revelador na autoregulação mercantil: o próprio
mecanismo da autoregulação ou o processo da emergência. Por medo do
risco, da incerteza no tocante aos seus investimentos, em vez de
constituirem empresas-fluzz e de articularem seus negócios em rede,
erigiram empresas monárquicas, às quais logo associaram ao Estado
hobbesiano gerando o capitalismo que conhecemos.




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Cidades inovadoras emergindo como não-Estados-nações

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 56 (Corresponde ao vigésimo tópico do Capítulo 7, intitulado Alterando a estrutura das sociosferas) Cidades inovadoras, não-Estados-nações Cidades inovadoras – como redes de comunidades – em rota de autonomia crescente em relação aos governos centrais que tinham-nas por seus domínios Nas grandes transformações moleculares – aquelas que têm conseqüências duradouras – o velho é substituído pelo novo não porque foi destruído, mas porque se tornou obsoleto. Os velhos padrões nunca são eliminados de uma vez ou para sempre, mas continuam existindo, como remanescências, vestigialmente. Ao que tudo indica, os Estados-nações continuarão existindo por muito tempo, assim como ainda existem hoje algumas comunidades de herança (do tempo medieval) e velhas tribos indígenas primitivas (da era
  • 2. paleolítica). Ao contrário do que previram os críticos da globalização, apavorados ante a perspectiva de uma uniformização ou homogeneização que seria imposta ao mundo inteiro, o cenário da glocalização é o de um conjunto de mundos variados, que estarão não apenas em locais diversos, mas também em tempos diferentes. Mas nessa nova configuração os Estados-nações não terão mais o protagonismo, hoje quase único e exclusivo, da governança do desenvolvimento, baseado nos monopólios da regulação e da violência que ainda se esforçam por deter em suas mãos. Sim, os Estados-nações continuarão existindo, mas já terão perdido o monopólio da governança do desenvolvimento, pelo simples fato de que não conseguirão mais impedir a emergência da inovação. Na verdade, em uma sociedade em rede é muito difícil construir monopólios de um novo fator cada vez mais decisivo nos processos de produção e de regulação: o conhecimento. O conhecimento é um bem intangível que, se for aprisionado (estocado, protegido, separado), decresce e perde valor e, inversamente, se for compartilhado (submetido à polinização ou à fertilização cruzada com outros conhecimentos) cresce, gera novos conhecimentos e aumenta de valor (aliás, é isso, precisamente, o que se chama de inovação). Os Estados e as empresas tradicionais (sempre associados nessa coligação que formou o capitalismo que conhecemos) continuarão tentando aprisionar o conhecimento ou regulá-lo top dow a partir das leis de patentes, do domínio privado sobre produtos do conhecimento (como o direito autoral), do segredo e da falta de transparência (ou accountability) e dos sistemas de ensino (as burocracias escolares e as hierarquias sacerdotais que constituem as academias). Mas não poderão mais evitar que novos conhecimentos se formem à margem das instituições que regulam e à sua revelia. E, o que é mais importante, não poderão mais competir com a produção em larga escala de conhecimentos e, inclusive (uma conseqüência), de produtos comerciais – como os chamados peer production e crowdsourcing – e com as outras formas não-mercantis de inovação, como as que serão acionadas na emergência das novas cidades. Ainda que se constitua como instância autorizada de fabricação, interpretação e aplicação das leis e ainda que continue detendo os monopólios da regulação macro-econômica, da emissão de moeda e do uso da violência, o velho Estado-nação ficará falando sozinho enquanto as cidades inventam novas instituições e novos procedimentos adequados à governança do seu próprio desenvolvimento. E isso ocorrerá não porque o Estado-nação não queira mais barrar tais avanços e sim porque não terá os meios para fazê-lo. 2
  • 3. O próprio sistema político baseado na verticalização do Estado-nação já está sentindo a mudança. Já é mais importante, hoje, ser prefeito de São Paulo do que governador da grande maioria dos estados brasileiros. Seria mais importante ser administrador de Shutoken do que chefe de governo do Japão. E amanhã, em tudo o que disser respeito ao desenvolvimento, os governantes mais importantes não serão mais os chefes do governo ou do Estado (nacional) e sim os administradores de cidades inovadoras e de regiões formadas por coligações de cidades. Quem sabe na futura China (ou no que ela vier a se transformar), os participantes do sistema de governança de Dalian terão mais importância do que têm hoje os seus ditadores (em um cenário, é claro, em que não houver mais ditadores). De qualquer modo, as cidades serão independentes na razão direta da sua capacidade de inovação. O processo de independência das cidades é um processo de inovação. As cidades que quiserem ser independentes estão condenadas a inovar permanentemente. Não há uma definição de cidade inovadora a não ser aquela, quase tautológica, de que é uma cidade que inova ao criar ambientes favoráveis à inovação (e não uma cidade em que o governo local quer pegar a bandeira da inovação com objetivos de marketing político). São esses ambientes que caracterizam a cidade inovadora como uma cidade aberta, conectada para dentro e para fora, ágil na regulamentação (sobretudo, mas não apenas, no que tange aos empreendimentos empresariais e sociais) e educadora. Para tanto, é necessário que as cidades que queiram ser inovadoras construam sistemas locais de governança que favoreçam ao invés de dificultar a regulação emergente, a partir da comunitarização. O mercado nos forneceu um modelo relativamente eficaz de regulação emergente, tão sedutor que muitas pessoas deixaram-se intoxicar por uma visão mercadocêntrica do mundo, que poderia ser resumida na pergunta: ora, se deu certo para as unidades econômicas, por que não daria também para as unidades políticas e sociais? Foi assim que os modernos avacalharam o conceito de público. E a rigor também desaproveitaram o que havia de tão revelador na autoregulação mercantil: o próprio mecanismo da autoregulação ou o processo da emergência. Por medo do risco, da incerteza no tocante aos seus investimentos, em vez de constituirem empresas-fluzz e de articularem seus negócios em rede, erigiram empresas monárquicas, às quais logo associaram ao Estado hobbesiano gerando o capitalismo que conhecemos. 3