1. Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio
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(Corresponde à introdução do Capítulo 4,
intitulado Anisotropias no espaço-tempo dos fluxos)
Os deuses eram ventos.
Arturjotaef em Numância (2010)
Ama-gi é uma palavra suméria para expressar alforria...
Traduzida literalmente significa “retorno à mãe”
- na medida em que os ex-escravos
eram “devolvidos às suas mães (i. e., libertados)”.
Acredita-se ser a primeira expressão escrita do conceito de liberdade.
Wikipedia (2010)
2. Vulcanos têm “sete sentidos”,
que incluem os cinco sentidos conhecidos pelos humanos
e um sexto sentido animal,
que é “a habilidade de sentir a presença
de distúrbio em campos magnéticos”.
Walter Robinson (Ritoku, pessoa-zen) citando Gene Roddemberry (1979)
em Morte e Renascimento de uma Mente Vulcana (2008)
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3. Não há nada a fazer. Deixem fluzz soprar para ver o que acontece.
(Na verdade, dizer ‘deixem fluzz soprar’ é apenas uma maneira de
dizer, pois fluzz já é o sopro).
Quando fluzz soprar, prá que ensino, prá que escola? Quando fluzz
soprar, para que religião, para que igreja? Quando fluzz soprar, para
que corporação, para que partido? Quando fluzz soprar, para que
nação, para que Estado?
Oh! É claro que todas essas instituições perdurarão: como
remanescências. Não serão mais prevalecentes. Aliás, como já se
prenuncia, elas se contaminarão mutuamente: nações serão religiões,
escolas serão igrejas, Estados serão corporações... e tudo será,
afinal, o que é – sempre a mesma coisa: programas verticalizadores
que “rodam” na rede social instalando anisotropias no espaço-tempo
dos fluxos.
O cordobés Lucius Annaeus Sêneca (c. 3 a. E. C. – 65) escreveu que “se um
homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”
(1). Mas é o contrário. Pouco importa onde está Ítaca. É o vento, soprando
livre sobre a superfície das águas, que constitui o não-caminho (ou
desconstitui todos os caminhos).
Como cantou Konstantinos Kaváfis, “se partires um dia rumo a Ítaca, faz
votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras... Melhor muitos
anos levares de jornada e fundeares na ilha, velho enfim, rico de quanto
ganhaste no caminho, sem esperar riquezas que Ítaca te desse. Uma bela
viagem deu-te Ítaca... Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, e
agora sabes o que significam Ítacas” (2).
Manobrando o leme para seguir uma rota já traçada não há como viver em
processo de Ítaca. É preciso deixar-se ao sabor do vento.
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4. Quando o sopro não percorre livremente os mundos é porque houve
direcionamento de fluxo. Pré-cursos foram estabelecidos. Velas foram
orientadas para capturar e condicionar o vento. Em geral isso é feito por
essas intervenções antrópicas resultantes do congelamento de fluxos que
chamamos de instituições (hierárquicas): escolas, ensino, religiões, igrejas,
corporações, partidos, nações, Estados. São artifícios para exercer a Força,
ou seja, para impor caminhos.
A pergunta é: quando fluzz soprar, para que forçar? Por isso se diz: não há
nada a fazer (quando fluzz soprar). Não há nada a fazer significa que é
preciso deixar-ir. Ter um comportamento fluzz é deixar-ir. Fluzz não é a
força. Fluzz é o curso.
Impor caminhos é deformar um tecido, perturbar um campo. Se pessoas
interagindo com pessoas são redes, o tecido deformado é sempre uma rede
que se tornou mais centralizada ou menos distribuída. Se o campo social é
composto pelo emaranhado de conexões, a perturbação é sempre um
desemaranhar, de sorte que alguns mundos perderão contato com outros;
ou melhor, deixarão de estar sujeitos às mesmas interações. Se isso
acontece é porque interworlds foram aniquilados.
Quando forçamos um caminho exterminamos mundos (para nós, é claro –
mas o que dá no mesmo, se não podemos mais interagir com eles).
Perdemos então as oportunidades – de que fala o belo poema de Kaváfis –
de “entrar pela primeira vez um porto para correr as lojas dos fenícios e
belas mercancias adquirir” ou de peregrinar naquelas “muitas cidades do
Egito... para aprender” (3).
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5. Notas
(1) SENECA, Lucius Annaeus (c. 3 a. E. C. – 65). Cf. Wikiquote:
<http://pt.wikiquote.org/wiki/S%C3%AAneca>
Não foi possível determinar a localização desta citação. Cf. a bibliografia de
SENECA: <http://www.egs.edu/library/lucius-annaeus-seneca/biography/>
(2) KAVÁFIS, Konstantinos (1911). Ithaca. Kaváfis não publicou nenhum livro em
vida. Estão disponíveis online as traduções de José Paulo Paes e Haroldo de
Campos em:
<http://www.org2.com.br/kavafis.htm>
(3) KAVÁFIS: Op. cit.
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